Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
319/14.3GCVRL-C.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
PERÍCIA SOBRE PERSONALIDADE DE ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
A perícia sobre a personalidade e o relatório/informação relativamente ao comportamento de um arguido que se encontra em situação prisional, não constituem diligências impostas por lei, no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ficando ao critério do juiz a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da sua efetivação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO

No processo nº. 319/14.3GCVRL, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Vila Real – Juízo Local Criminal, a Exmª. Sr.ª Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 02/11/2017, que, na sequência da decisão instrutória proferida, decidindo sobre o estatuto coativo dos arguidos, determinou que os arguidos Joaquim e José continuassem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva.
Inconformados com tal despacho, os identificados arguidos, dele interpuseram recurso, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso que respetivamente apresentaram, as conclusões que seguidamente se transcrevem:

O arguido Joaquim:

A. Não existem verdadeiros fundamentos para a aplicação da prisão preventiva em todas as suas alíneas,
B. Não há elementos concretos que façam prever o perigo de fuga,
C. Não há elementos concretos que façam prever o perigo de perturbação do decurso do inquérito, até porque já não há inquérito.
D. Não acarreta a OPH perigo para a descoberta da verdade e aquisição da prova, esta feita.
E. Não existiram ameaças a quem quer que seja.
F. Não existem elementos concretos que evidenciem em concreto que se iria continuar com a actividade criminosa,
G. O bar objecto dos índicos dos crimes fechou.
H. A Obrigação de Permanência na Habitação (OPH) salvaguarda os perigos de continuação de actividade criminosa e de perigo para a descoberta da verdade e aquisição da prova, dado que não existe perigo de fuga.
I. A OPH acautela os perigo do art 204° apesar de nada de concreto existir,
J. A prisão preventiva não é ressocializadora,
K. A OPH é uma medida proporcional, adequada, legalmente aceitável, não havendo necessidade de medida mais gravosa,
L. A OPH, no caso em concreto, acautela os perigos não tendo a sensação de ser uma pré punição, uma punição antecipada,
M. As hipóteses de o arguido poder ser condenado em pena suspensa são muitas,
N. O facto de existirem crimes pelos quais está indiciado e que não existe prova levará o arguido a ser absolvido.
O. A prova contra o arguido é muito débil,
P. As testemunhas são duvidosas,
Q. Um dos crimes que estava acusado desapareceu. (não pronuncia)
R. Nomeadamente o mais gravoso.
S. Deve ser a prisão preventiva aplicada em “ultima ratio” caso outras não assegurem os perigos concretos, o que não é o caso,
T. De forma a que a medida de coacção seja proporcional, justa, adequada, tendo em conta a personalidade do arguido, a sua vida familiar e boa integração social, o facto de ser primário e a eventual suspensão da pena deve a medida que foi aplicada ser substituída pela Obrigação de Permanência na Habitação dado que é menos gravosa e acautela os mesmos fins.
U. Ser realizada uma perícia sobre a personalidade do arguido bem como elaborado um relatório sobre o seu comportamento no sistema prisional.
V.

REQUER-SE ASSIM

A substituição da medida de PRISÃO PREVENTIVA pela medida de OBRIGAÇÃO DE PERMANENCIA NA HABITAÇÃO, COM O SEM VIGILANCIA ELECTRONICA, bem como a realização da perícia sobre a personalidade do arguido e o seu comportamento no ambiente prisional.

O arguido José:

A. Não existem verdadeiros fundamentos para a aplicação da prisão preventiva em todas as suas alíneas,
B. Não há elementos concretos que façam prever o perigo de fuga,
C. Não há elementos concretos que façam prever o perigo de perturbação do decurso do inquérito, até porque já não há inquérito
D. Não existiram ameaças a quem quer que seja.
E. Não existem elementos concretos que evidenciem em concreto que se iria continuar com a actividade criminosa,
F. O bar objecto dos índicos dos crimes fechou
G. A Obrigação de Permanência na Habitação (OPH) salvaguarda os perigos de continuação de actividade criminosa e de perturbação do inquérito, pois este já passou, dado que não existe perigo de fuga.
H. A OPH acautela os perigo do art 204° apesar de nada de concreto existir,
I. A prisão preventiva não é ressocializadora,
J. A OPH é uma medida proporcional, adequada, legalmente aceitável, não havendo necessidade de medida mais gravosa,
K. A OPH, no caso em concreto, acautela os perigos não tendo a sensação de ser uma pré punição, uma punição antecipada,
L. As hipóteses de o arguido poder ser condenado em pena suspensa são muitas,
M. O facto de existirem crimes pelos quais está indiciado e que não existe prova levará o arguido a ser absolvido.
N. A prova contra o arguido é muito débil,
O. Deve ser a prisão preventiva aplicada em “ultima ratio” caso outras não assegurem os perigos concretos, o que não é o caso,
P. De forma a que a medida de coacção seja proporcional, justa, adequada, tendo em conta a personalidade do arguido, a sua vida familiar e boa integração social, o facto de ser primário e a eventual suspensão da pena deve a medida que foi aplicada ser substituída pela Obrigação de Permanência na Habitação dado que é menos gravosa e acautela os mesmos fins.
Q. Ser realizada uma perícia sobre a personalidade do arguido bem como elaborado um relatório sobre o seu comportamento no sistema prisional.
R. Por fim o caracter primário do arguido, a pena que, a serem provados os factos, lhe pode ser aplicada, será sempre mínima, leva a fortemente a crer numa pena suspensa exige a alteração da medida de coacção para a OPH.

REQUER-SE ASSIM

A substituição da medida de PRISÃO PREVENTIVA pela medida de OBRIGAÇÃO DE PERMANENCIA NA HABITAÇÃO, COM O SEM VIGILANCIA ELECTRONICA, também ela com base na realização da perícia sobre a personalidade do arguido e o seu comportamento no ambiente prisional.

O Ministério Público, na 1ª instância respondeu aos recursos, nos termos que constam a fls. 24 a 27 e 28 a 32 do presente translado, que aqui se dão por reproduzidos, concluindo que só a manutenção da medida de coação de prisão preventiva é apta a acautelar os perigos que determinaram que tivesse sido aplicada aos arguidos, ora recorrentes.

Os recursos foram regularmente admitidos.

Nesta Relação a Exmª. PGA emitiu parecer, a fls. 246 a 249, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento aos recursos e confirmado o despacho recorrido.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2 do CPP, não tendo os arguidos/recorrentes exercido o direito de resposta.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto dos recursos

Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões extraídas pelos arguidos/recorrentes, da motivação de recurso que respetivamente apresentaram, a única questão suscitada é a de saber se se mantém os pressupostos que determinaram a aplicação aos arguidos/recorrentes da medida de coação de prisão preventiva e se esta medida deve ser substituída pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

2.2. Decisão recorrida

Passamos a transcrever o despacho recorrido:
«(…)
Os Arguidos Joaquim e José foram presos preventivamente à ordem dos presentes autos em 24 de Janeiro de 2017, na sequência de 1º interrogatório judicial e com os fundamentos constantes de fls. 1453 e ss..
(…)
Foram os referidos Arguidos detidos no dia 23 de Janeiro de 2017 (fls. 1370, 1385 …).
Por despacho de fls. 2014 e ss. e de fls. 2145 e ss. foi determinada a manutenção das medidas anteriormente aplicadas aos referidos Arguidos.
Mostra-se respeitado o prazo máximo de prisão preventiva e de permanência na habitação (artº 215º, nº 1, alínea c), nº 2 e 218º, nº3 do Código de Processo Penal).
*
Prescreve o artigo 213.º, 1, al. a), do Código do Processo Penal, sob a epígrafe de Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação que:

1 - O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas:
a) No prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame;
b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.
O nº 2 dispõe que:
Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º

O nº 3 dispõe que:

Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido.” (realçado nosso).
Consiga-se que se considera que a audição dos Arguidos não se mostraria necessária, na medida em que não há alteração de um condicionalismo fáctico que determine a ponderação de outra medida de coacção, mantendo-se, na íntegra o juízo anteriormente levado a cabo – neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/99, de 10 de Fevereiro.
Cumpre decidir.
Compulsados os autos, verifica-se não ter ocorrido qualquer alteração dos pressupostos de facto ou de direito em que assentou a aplicação das medidas preventivas imposta aos Arguidos imposta aos Arguidos, inexistindo, assim, qualquer atenuação das exigências cautelares que determinaram as referidas medidas.
Aliás, tendo sido já proferida acusação e sendo, nesta sede, proferido despacho de pronúncia quanto à maior parte dos crimes (come exclusão, em relação ao Arguido Joaquim do crime de sequestro …), os indícios anteriormente apreciados em sede de primeiro interrogatório resultaram sustentados no âmbito do libelo acusatório, tendo em conta as imputações daí constantes nos seguintes moldes:
(…)
3 - O Arguido Joaquim foi pronunciado pela prática de:

a. em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
b. em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;
c. em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP;
d. em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23.02.

3 – O Arguido José foi pronunciado pela prática de:
g. em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
h. em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;
i. em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP;

Considerou-se, em sede de juízo cautelar inicial, patente o perigo de continuação de actividade criminosa e, bem assim o perigo para a descoberta da verdade e aquisição da prova que a colocação em liberdade dos mesmos acarretaria, além do manifesto alarme social gerado.

Actualmente resulta reforçada a existência daqueles primeiros perigos aferidos em face do termo da investigação e reunião de indícios suficientes para sustentarem a acusação contra os Arguidos, pelos crimes preditos, os quais assumem objectiva gravidade.
Em face do exposto e porque, conforme vem de aludir-se, inexistem nos autos quaisquer elementos que permitam um juízo de atenuação das prementes exigências cautelares demandadas pelo caso concreto, estando as mesmas, conforme vem de aludir-se, pelo contrário, indiciariamente suportadas pelo decurso e termo da actividade investigatória, considera-se que tais exigências, por elevadas, impõe a opção pela manutenção das medidas de coacção aplicadas nestes autos.

Como tem sido decidido pela jurisprudência, de forma uniforme, a medida de coacção, designadamente a prisão preventiva, deve manter-se enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos de facto e de direito que a motivaram (Acs. da RC de 97/1/8, RMJ, 463/652 e RL de 97/5/21, BMJ 467/620; RE de 6.6.00, BMJ 498/291, RP de 15/3/00).

Enquanto não ocorrerem alterações significativas da situação existente à data em que foi decidido aplicar a prisão preventiva, não pode o Tribunal reformar essa decisão sob pena de, fazendo-o, provocar instabilidade jurídica decorrentes de julgados contraditórios com inevitáveis reflexos negativos no prestígio dos Tribunais e nos valores da certeza ou da segurança jurídica que constituem os verdadeiros fundamentos do caso julgado (Ac. Relação do Porto de 3/2/93, in CJ XVIII, tomo I, pág. 248 e 249).

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artº 191º, 193º, (…), 202º, nº 1 al. a), 204º, al.s a), b) e c) e 213º, nº 1, todos do Código de Processo Penal, determina-se:
(…),
- a manutenção, em relação aos Arguidos Joaquim e José da medida de prisão preventiva,
os quais deverão aguardar os ulteriores termos processuais sujeito a tal estatuto coativo.
(…)».

2.3.Conhecimento do recurso

Da manutenção ou não dos pressupostos que determinaram a aplicação aos arguido/recorrente da medida de coação de prisão preventiva e da sua substituição pela obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica
Os arguidos/recorrentes recorrem do despacho proferido pela Sr.ª Juiz de Instrução Criminal que, na sequência da prolação do despacho que os pronunciou (pela prática dos crimes por que respetivamente foram acusados pelo Ministério Público exceto, no que ao arguido Joaquim se refere, pelo crime de sequestro p. e p. pelo artigo 158º nºs. 1 e 2, al. a), do C.P., por que cuja prática vinha acusado e não foi pronunciado), procedendo, ao abrigo do disposto na al. b), do nº. 1, do artigo 213º do C.P.P., ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva que lhes foi aplicada, decidiu no sentido da manutenção de tal medida coativa.

Importa atentar nos fundamentos aduzidos pelos arguidos/recorrentes para pretenderem a substituição da medida de coação de prisão preventiva, pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Defendem os arguidos/recorrentes que, não se verifica qualquer dos perigos passíveis de poder fundamentar a manutenção da prisão preventiva a que se encontram sujeitos, designadamente, o perigo de fuga, de perturbação do decurso do inquérito e para a aquisição e veracidade da prova e de continuação da atividade criminosa, sendo que, mesmo a admitir-se a existência destes dois últimos, a medida coativa de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica seria suficiente para que estivessem salvaguardados.
Acrescentam que a prova colhida contra os arguidos/recorrentes é débil e, na eventualidade de serem condenados, são grandes as hipóteses de sendo-lhes aplicada pena de prisão esta ser suspensa na sua execução. Manifestam que deve ser elaborada perícia à sua personalidade e relatório acerca do seu comportamento no Estabelecimento Prisional.

Para melhor poder apreciar a enunciada questão, importa atentar na sequência processual relevante para o efeito:

- Nos autos de inquérito nº. 319/14.3GCVRL, na sequência de interrogatório judicial de arguido detido a que foram submetidos e por despacho de 24/01/2017, o Sr. Juiz de Instrução Criminal determinou que os arguidos, ora recorrentes, aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida coativa de prisão preventiva e de proibição de contatos com os demais arguidos e testemunhas do processo, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195º, 196.º, 202º, nº. 1, al. a) e 204.º, als. a) a c), todos do Código de Processo Penal, por se encontrarem indiciados pela prática em concurso real e, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº. 1, do C.P., um crime de auxílio à emigração ilegal p. e p. pelo artigo 183º, nº. 2, da Lei nº. 23/2007, de 4 de julho, um crime de corrupção ativa p. e p. pelo artigo 374º, nº. 1, do C.P. e, o arguido Joaquim, ainda, pela prática, em autoria material, de um crime de sequestro p. e p. pelo artigo 158º, nºs. 1 e 2, al. a), do C.P. e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, nº. 1, al. c), da Lei nº. 5/2006, de 23 de fevereiro e por se considerarem verificados, em concreto, os perigos de fuga, de perturbação do decurso do inquérito e de continuação da atividade criminosa, tendo-se entendido que outra medida de coação que não a de prisão preventiva, designadamente, a OPHVE, não seria suficiente e adequada a assegurar as exigências cautelares apontadas. – cfr. fls. 1464 a 1472 dos autos, a que correspondem fls. 192 a 200 deste translado.

- Em 20/04/2017, a Mmª. JIC proferiu o despacho, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, al. a) do Código de Processo Penal, determinando que os arguidos, ora recorrentes, continuassem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva. – cfr. fls. 2014 a 2016 dos autos, a que correspondem fls. 208 a 210 deste translado.
- Procedendo-se ao reexame periódico dos pressupostos da prisão preventiva, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, al. a) do Código de Processo Penal, a Mmª. JIC proferiu despachos, determinando que os arguidos, ora recorrentes, continuassem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de prisão preventiva. – cfr. fls. 2014 a 2016 e 2337 a 2341 dos autos, a que correspondem fls. 208 a 210 e 237 a 241 deste translado.
- Deduzida acusação pelo Ministério Público, em 21/07/2017, imputando aos arguidos, ora recorrentes a prática dos crimes por que se mostravam indiciados e mencionados no despacho que lhes aplicou a medida de coação de prisão preventiva (cfr. 2117 a 2142 dos autos, a que correspondem fls. 211 a 236 deste translado), foi requerida abertura da instrução pelos arguidos, ora recorrentes e outro, que teve lugar, sendo proferida decisão instrutória, em 02/11/2017, na qual os arguidos ora recorrentes foram pronunciados pela prática em concurso real e, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº. 1, do C.P., um crime de auxílio à emigração ilegal p. e p. pelo artigo 183º, nº. 2, da Lei nº. 23/2007, de 4 de julho, um crime de corrupção ativa p. e p. pelo artigo 374º, nº. 1, do C.P. e, o arguido Joaquim, pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, nº. 1, al. c), da Lei nº. 5/2006, de 23 de fevereiro, não sendo o arguido Joaquim Ferreira pronunciado pela prática do crime de sequestro por que vinha acusado (cfr. 2392 a 2461 dos autos, a que correspondem fls. 33 a 102 deste translado);
- Na sequência de prolação do despacho de pronúncia, a Sr.ª Juiz de Instrução Criminal, proferiu, ao abrigo do disposto no artigo 213º, nº. 1, al. b), do C.P.P., o despacho recorrido, decidindo pela manutenção da medida coativa de prisão preventiva a que os arguidos/recorrentes foram sujeitos.

Vejamos:

De harmonia com o disposto no artigo 213º, nº. 1, al. b) do C.P.P., proferida despacho de pronuncia, deve ser reexaminada, oficiosamente, a subsistência dos pressupostos da prisão preventiva que tenha sido aplicada, devendo esta medida coativa ser mantida ou revogada ou substituída se se verificarem razões para tal.

Tais razões podem estar relacionadas com a verificação de alguma das causas de extinção ou suspensão das medidas de coação ou com a verificação de alguma das causas de revogação ou substituição enumeradas no artigo 212º do C.P.P.

Estas últimas referem-se essencialmente à alteração das circunstâncias que determinaram a sua aplicação ou atenuação das exigências cautelares ou à verificação posterior da sua inaplicabilidade.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência das Relações, conforme se faz notar no despacho recorrido e é enfatizado pelo Ministério Público, que as medidas de coação, designadamente, a de prisão preventiva, encontram-se sujeitas à condição rebus sic stantibus, só se mantendo a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos que determinaram a sua aplicação – cfr., entre entre os mais recentes, os acórdãos citados no Ac. desta Relação de Guimarães de 3/4/2017, proferido no proc. 21/14.6GBBGC-A - G1: do TRL de 08-11-2016 (processo n.º 1028/15.1TELSB-5), 15-09-2016 (processo n.º 1005/12.4PBAMD-A.L1-9) e 28-01-2016 (2210/12.9TASTB-L.L1-9); do TRP de 20-11-2013 (processo n.º 832/10.1JAPRT-A.P1); do TRG de 24-10-2016 (processo n.º 7/15.3GBBRG-E.G1) e 18-04-2016 (processo n.º 1131/15.PBGMR.G1); do TRC de 26-06-2013 (processo n.º 40/11.4JAAVR-K.C1); do TRC de 06-03-2013 (processo n.º 52/12.0GBNLS-F.C1); e do TRE de 21-06-2016 (211/13.9GBASL-N.E1), 14-04-2016 (processo n.º 23/13.0GBSTR-B.E1) e 19-01-2016 (processo n.º 276/15.9JALRA-A.E1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque - in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 3ª edição atualizada, pág. 550 - do referido princípio resultam duas consequências práticas. A primeira traduz-se no seguinte: permanecendo inalterados os pressupostos da medida de coação e as exigências cautelares que a determinaram, ela não pode ser alterada. A segunda consiste nisto: se aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação e, designadamente, da prisão preventiva, não se verificarem circunstâncias supervenientes que modifiquem as exigências cautelares ou alterem os pressupostos que determinaram a sua aplicação, basta a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida para fundamentar a decisão da sua manutenção.
Neste quadro, concordamos, em absoluto, com o decidido no Ac. desta Relação de Guimarães, de 3/4/2017, proferido no proc. 21/14.6GBBGC-A - G1m cujo sumário passamos a transcrever:

«I) O despacho judicial que aplique a prisão preventiva não é definitivo, mas a decisão deve permanecer imutável enquanto "tudo se mantenha igual", isto é, sempre que posteriormente não se verifiquem circunstâncias, quer de facto quer de direito, que justifiquem a revogação ou a alteração da medida de coação.
II) Daqui decorre que o despacho proferido nos termos do artº 213º do CPP, como é o caso da decisão recorrida, destina-se unicamente a proceder à reapreciação dos pressupostos, constantes do despacho que anteriormente determinou a aplicação da prisão preventiva e que a justificaram.
III) Como tal, a sua fundamentação tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os, e por esta via, levando à sua substituição ou revogação
Aplicando estas considerações ao caso vertente, o que importa aquilatar é se, após o interrogatório judicial, na sequência do qual foi aplicada aos arguidos/recorrentes a medida de coação de prisão preventiva, sobreveio algum facto ou circunstância que implique a insubsistência ou a diminuição das exigências cautelares que a justificaram.
De salientar que no despacho que sujeitou os arguidos/recorrentes à medida de coação de prisão preventiva, pronunciando-se sobre a verificação dos pressupostos para que fosse aplicada e sobre a insuficiência de medida coativa não privativa da liberdade ou da medida de coação de OPHVE, para acautelar os perigos existentes, designadamente, o perigo de fuga, escreveu-se:
«(…) é nosso entender, desde logo, que se verifica, um concreto perigo de fuga (artigo 204º, al. a), do CPP).
Com efeito os arguidos encontram-se, além do mais, indiciados pela prática de crimes de lenocínio e auxílio à emigração ilegal. Ora, como é sabido tal tipo de atividade é suportado por uma rede de contactos muito ampla, inclusive de outros países (bastando para tanto atentar na multiplicidade de mulheres oriundas da América do Sul que se moviam na rede de contactos do bar em causa nos autos). Ademais, no âmbito deste tipo de criminalidade, verifica-se ainda que tal rede de contactos desenvolve actividades de forma concertada, sendo assim óbvio que, perante a imputação de uma multiplicidade de crimes graves, se constate um perigo de fuga dos arguidos se furtarem às respetivas consequências processuais e penais, designadamente, recorrendo à dita rede de contactos.
Do mesmo modo, decorre dos autos, um manifesto perigo de perturbação do decurso do inquérito (artigo 204º, al. b), do CPP), designadamente na vertente de aquisição e conservação da prova.
Com efeito, estando em investigação uma actividade que se desdobra por diversas pessoas e cm ramificações e pontos de contacto em vários locais, e sendo os arguidos elementos centrais nesta engrenagem, é naturalmente de recear que, conhecendo bem, como conhecem, os meandros da actividade desenvolvida e os elementos decisivos para a sua conservação, tentem dificultar o esclarecimento dos factos e a aquisição ou manutenção das provas, como de resto, o arguido Joaquim já tentou fazer, ameaçando testemunha do processo (cfr. escutas entre presentes constantes do Anexo III).

Por outro lado, face ao ascendente que os mesmos detêm sobre uma multiplicidade de testemunhas e sobre funcionários, bem como a circunstância de, no caso do arguido Joaquim, se munir de armas ilegais, afigura-se evidente a existência de um perigo de que, em especial este, os tente influenciar, amedrontar ou ameaçar, no sentido de serem ocultados factos e/ou provas relevantes.

Finalmente, no caso, verifica-se ainda um perigo de continuação da actividade criminosa (artigo 204º, al. c), do CPP). Com efeito, e desde logo, resulta dos autos que os arguidos já haviam sido constituídos como tal em momento anterior no processo. Contudo, a existência da investigação em curso, bem como as diversas acções de inquérito realizadas, não constituiu para os mesmos motivo bastante no sentido de atalharem caminho e cessarem com a sua actividade criminosa, ao que não será alheio o lucro (fácil) daí adveniente, mantendo as mesmas práticas de forma reiterada e insistente.

Ademais, tudo conjugado com os conhecimentos que os arguidos têm dos meandros da actividade, a organização de que dispunham e os contactos que seguramente continuam a ter, torna pois evidente haver um perigo real de continuação da respectiva actividade criminosa, mesmo que em termos distintos dos até agora praticados.
(…) é nosso entender que a única medida capaz de acautelar os sobreditos perigos e proporcional à gravidade dos crimes em questão é a prisão preventiva.
Com efeito, a obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica, não obstante poder acautela, pelo menos em parte e no imediato, o perigo de fuga, o certo é que não obsta, nem impede, dados os contactos e colaboração superior já supra referidos, a continuação da actividade criminosa, nem o perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, para a aquisição e conservação de prova, sem prejuízo, obviamente, do andamento do inquérito e da ulterior atenuação dos ditos perigos que se venha a verificar em fase posterior e que, eventualmente, poderão demandar uma revisão do ora determinado.
(…).
No despacho recorrido, ao manter a medida coativa de prisão preventiva aplicada aos recorrentes, a Exmª. Juiz a quo considerou que «Actualmente resulta reforçada a existência daqueles primeiros perigos aferidos em face do termo da investigação e reunião de indícios suficientes para sustentarem a acusação contra os Arguidos, pelos crimes preditos, os quais assumem objectiva gravidade» e que «inexistem nos autos quaisquer elementos que permitam um juízo de atenuação das prementes exigências cautelares demandadas pelo caso concreto, estando as mesmas, conforme vem de aludir-se, pelo contrário, indiciariamente suportadas pelo decurso e termo da actividade investigatória, considera-se que tais exigências, por elevadas, impõe a opção pela manutenção das medidas de coacção aplicadas nestes autos.»
E compulsados os autos, não poderemos deixar de concordar com a posição manifestada pela Sr.ª Juiz a quo, no despacho recorrido, porquanto, entendemos, ser evidente que, após o despacho que aplicou a prisão preventiva aos arguidos/recorrentes, nenhum facto ou circunstância ocorreu suscetível de alterar os pressupostos que determinaram a sua aplicação e consideramos que as circunstâncias alegadas pelo recorrente na motivação de recurso não são suscetíveis de poder fundamentar a pretendida alteração.

Explicitando:

Pese embora, o arguido/recorrente Joaquim, não haja sido pronunciado pela prática de um dos crimes por que inicialmente estava indiciado e veio a ser acusado, ou seja, pelo crime de sequestro p. e p. pelo artigo 158º, nºs. 1 e 2, al. a), do C.P., os demais crimes por que foi pronunciado, tal como o arguido/recorrente José, designadamente, o crime de lenocínio e o crime de auxílio à emigração ilegal, com os contornos que tal tipo de atividade criminosa apresenta, a rede de contatos estabelecida e os conhecimentos angariados pelos arguidos/recorrentes com outros indivíduos com ligações a essa atividade e a ascendência dos arguidos sobre algumas pessoas que prestaram serviços no âmbito da atividade por cuja prática estão pronunciados, fundamentam a existência/subsistência dos concretos perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa que foram ponderados no despacho que aplicou a medida coativa de prisão preventiva aos arguidos/recorrentes, entendendo-se que, tal como se considerou no despacho recorrido, continuam a verificar-se tais perigos.

Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito, ainda que nesta fase processual já tenha sido encerrado, tal como o foi a fase da instrução, entrando-se na fase de julgamento, o perigo para a aquisição e veracidade da prova subsiste, pois que, no julgamento, será produzida prova, designadamente, testemunhal e no caso de os arguidos/recorrentes estarem em situação que lhes permitisse contatar, por qualquer forma, as testemunhas arroladas no despacho de pronúncia (como aconteceria se estivessem sujeitos OPHVE, independentemente de lhes ter sido aplicada a medida de coação de proibição de contatos com os demais arguidos e testemunhas do processo), poderão influenciar ou a determinar o sentido do seu depoimento, interferindo, assim, na veracidade da prova.

Entendemos, assim, não existem factos novos relevantes que justifiquem a alteração da medida de coação de prisão preventiva, aplicada aos arguidos/recorrentes, continuando a verifica-se os perigos, que determinaram a aplicação de tal medida coativa, no despacho proferido em 02/11/2017 e ao afastamento de outras medidas coativas menos gravosas, designadamente, da obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, por não se revelarem adequadas e bastantes para satisfazer as exigências cautelares do caso concreto e neutralizar os apontados perigos que em concreto se verificam.

De referir que a perícia sobre a personalidade e o relatório/informação sobre o seu comportamento no E.P. onde se encontram, cuja realização os arguidos/recorrentes pretendem seja efectuada, tal como faz notar a Exm.ª PGA, no parecer emitido, não constituem diligências impostas por lei, no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ficando ao prudente critério do juiz a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da sua realização (neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RC de 05/02/2014, proc. 810/12.6JACBR-A.C2, acessível no endereço www.dgsi.pt), além de que, não se vislumbra, em que medida, no caso vertente, poderiam levar a que resultassem afastados os enunciados perigos ou a que se considerassem atenuadas as exigências cautelares que determinaram a aplicação aos arguidos/recorrentes da prisão preventiva, pelo que, se entende não ser de determinar a sua realização, com a finalidade indicada, sem prejuízo, obviamente, da pertinência de tais diligências serem realizadas, na fase do julgamento.

Consequentemente, porque não existem novos factos que possam e devam ser ponderados, bem andou a Exmª. Srª. Juiz a quo ao decidir pela manutenção da medida coativa de prisão preventiva anteriormente aplicada aos arguidos/recorrentes.
A decisão recorrida não merece, pois, censura, improcedendo o recurso.

3 – Decisão

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos José e Joaquim e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (cfr. art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique.
Guimarães, 05 de março de 2018

Fátima Bernardes
Ausenda Gonçalves