Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/19.3PTVRL.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
PRAZO DE VALIDADE
ELEMENTO PROBATÓRIO VÁLIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Ainda que o prazo de validade de determinado modelo dos alcoolímetros se mostre esgotado, tal não é obstáculo a que tal aparelho continue a funcionar e a ser utilizado, bastando para tal que satisfaça as operações de verificação a que tenha de ser sujeito, de acordo com as regras aplicáveis que continuarão a garantir a fiabilidade metrológica.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1.
No processo sumário, com o número 33/19.3 PTVRL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Criminal de Vila Real - Juiz 2, realizado julgamento, foi proferida sentença a condenar, para além do mais, o arguido/recorrente J. C. pela prática, em autoria material e na forma consumada, no dia 18/04/2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos artigos 292º, n.º 1, e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena principal de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade [cf. artigo 58º, n.º 1 do Código Penal], nos moldes a determinar pela DGRSP e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 6 meses [cf. artigo 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal].

2.
Não se conformando com essa condenação, o arguido J. C. veio recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

«I - A confissão operada pelo Arguido não assume relevância quanto à taxa de álcool no sangue, atento que a taxa de álcool no sangue é uma prova científica, o Arguido não tem razão de ciência quanto a esse facto.
II - O alcoolímetro, enquanto aparelho de controlo meteorológico, carece de, antes da sua utilização, ser homologado pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ) e de aprovação pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR) e que, só após estas pode ser utilizado para efeito de controlo/deteção da presença de álcool no sangue para efeitos de prova.
III - Sendo que, a homologação do IPQ, salvo disposição diversa no despacho, é válidapelo período de10 anos, findos os quais caducae, em consequência, não podevaler como prova.
IV - É da publicação deste despacho de aprovação pelo IPQ que se conta o prazo de 10 anos e não de qualquer outro – cfr. n.º 3, do artigo 6.º, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro e n.º 2, do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, sobejamente escalpelizados supra.
V - No caso dos autos, o aparelho usado, de marca Drager Alcotest 7110 MKIII P, n.º 0078, foi aprovado pelo IPQ através de despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no DR, 2ª série, n.º 109, de 6 de Junho de 2007 – cfr. auto de notícia junto aos autos.
VI - Daqui resulta que o despacho que procedeu à homologação do alcoolímetro tem mais de 10 anos – data de 6 de Junho de 2007 - e, por isso, se encontra caduco, pelo que, não pode ser usado como prova – cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de17-06-2010, processo n.º 89/07.1GTABF.E1 e o Ac. do Tribunal daRelação deLisboa, de 17-03-2009, no processo 178/2009-5, transcritos supra.
VII - Como resulta da jurisprudência citada, ainda que o aparelho seja novo, a validade do mesmo há-de depender da validade do seu despacho de aprovação - Sobre esta matéria, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2018, processo n.º 260/10.9GTABF.E2; de 18-11-2010, processo nº 273/09.3GELSB.E1; de 08-09-2015, processo nº 457/14.2GTABF.E1; de 16-09-2014, voto de vencido do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Gomes de Sousa, no processo nº 457/14.2GTABF.E1, onde se conclui que, findo o prazo de 10 anos após a publicação do despacho de aprovação do IPQ, a prova produzida é nula, senão mesmo inexistente, não podendo, por isso, ser utilizada, por proibida, nos termos do artigo 125.º, do CPP.
VIII - A aprovação do modelo pelo IPQ visa, sobretudo, garantir a conformidade dos instrumentos de medição fabricados e, bem assim, que são respeitadas as condições particulares de aprovação e que são cumpridas as disposições regulamentares aplicáveis.
IX - Tal, apenas se verifica cumprido na íntegra caso seja cumprido o prazo de validade. De facto, o legislador quis que a aprovação do modelo fosse revista a cada, pelo menos, 10 anos.
X - Aliás, se atentarmos na Diretiva 2014/32/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros respeitante à disponibilização no mercado de instrumentos de medição, que revogou a Diretiva n.º 2004/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março – que está na base da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro – apenas se fala em prazos de 10 anos, nomeadamente para os fabricantes manterem informação sobre o aparelho, sendo esta a validade do certificado de exame CE. Igual prazo era estabelecido na Diretiva revogada.
XI - O DL 291/90, como resulta do seu preâmbulo, é aplicável a todos os instrumentos metrológicos – carecendo depois, cada grupo, de regulamentação – e “[…] tem como objectivo fundamental a completa harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição a entrada nos mercados da Comunidade Económica Europeia em igualdade de circunstâncias com os fabricantes dos demais Estados membros, o que pressupõe a atribuição das marcas CEE de aprovação de modelo e de primeira verificação a que as competentes entidades portuguesas poderão passar a proceder.”
XII - Assim, o DL devia cumprir, além do mais, com o definido na Diretiva, mormente no quea prazos devalidadedo despacho deaprovação e de atribuição damarca CE diz respeito – ainda que se tenha presente o disposto no artigo 112.º, da CRP.
XIII - O prazo de validade de 10 anos devia ser (e é!) vinculativo e absolutamente inultrapassável, conquanto apenas desta forma se garante a conformidade do aparelho utilizado e da prova através dele recolhida.
XIV - Só com o cumprimento do referido prazo se mostra cumprido o disposto no artigo 2.º, do DL que se vem escalpelizando, conquanto, só deste modo se consegue garantir a conformidade dos instrumentos de medição fabricados e, bem assim, que são respeitadas as condições particulares de aprovação e que são cumpridas as disposições regulamentares aplicáveis.
XV - Face ao que se vem expondo, deve ser julgada inconstitucional a norma vertida no n.º 7, do artigo 2.º, do DL 291/90, de 20 deSetembro, quando interpretada no sentido de que os aparelhos metrológicos podem continuar a ser utilizados após a caducidade do despacho de aprovação previsto no n.º 2, do mesmo artigo, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 32.º, da CRP.
XVI - Aqui chegados, não pode concluir-se de outro modo que não pela absolvição do Arguido, atenta a nulidade da prova obtida com o aparelho alcoolímetro.
XVII – Atento o supra exposto, mormente quanto à nulidade da prova obtida da utilização do alcoolímetro, o Tribunal a quo devia ter dado como não provada a taxa de alcoolemia – atento que não há Sentença escrita, não se refere qual o n.º do facto provado – ou seja, que o Arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,435 g/l.
XVIII - Pelo que, deve ser revogada a Sentença, sendo substituída por outra que dê o referido facto como não provado, absolvendo-se o Arguido, por se não verificar o preenchimento do tipo objetivo do crime de que vem acusado.
XIX - Com a decisão em crise o Tribunal a quo violou as normas contidas nos artigos no artigo 153.º, n.º 1, do CE, artigos 1.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1 e 2, da Lei 18/2007, de 17 de Maio, o artigo 6.º, n.º 3, da Portaria 1556/2007, o artigo 2.º, n.º 2 e 7, do DL291/90, o artigo 32.º, n.º 1 e 2, da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser admitido e, em consequência, ser:

-Julgadaa caducidadedo despacho de aprovação n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no DR, 2ª série, n.º 109, de 6 de Junho de 2007, atento o disposto no n.º 3, doartigo 6.º, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro e no n.º 2, do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro;
- Julgada nula a prova obtida pelo alcoolímetro de marca Drager Alcotest 7110 MKIII P, n.º 0075, aprovado pelo IPQ através de despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril, publicado no DR, 2ª série, n.º 109, de 6 de Junho de 2007, por se ter verificado a caducidade do despacho;
- Julgado como não provada a taxa de alcoolemia do Arguido;
- Julgada inconstitucional a norma vertida no n.º 7, do artigo 2.º, do DL 291/90, de 20 de Setembro, quando interpretada no sentido de que os aparelhos metrológicos podem continuar a ser utilizados após a caducidade do despacho de aprovação previsto no n.º 2, do mesmo artigo, por violação do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 32.º, da CRP;
- O Arguido absolvido do crime de que vinha acusado.»

3.
A Exma Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:

1 – A sentença ora recorrida não merece qualquer censura, uma vez que atendeu a todas as circunstâncias de facto e de direito.
3 - Deve, pois, ao recurso ser negado provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida.

4.
Neste tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos:

- “o recurso não merecerá provimento, já que, ao invés do que é invocado pelo arguido, a sentença não padece de nulidade pois que a concreta prova usada para registar a taxa de alcoolemia no sangue através do ar expirado, um aparelho Drager 7110MKIII P e com última verificação a 13/7/2018, como consta de fls. 10 do processo, constitui prova legal e integralmente válida, não violando o previsto no nº7 do art.2º do D.L.291/90, de 20/9 qualquer direito constitucional daquele. A sentença recorrida deve ser integralmente confirmada”.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a resolver é a seguinte:

- Saber se o alcoolímetro em causa com base no qual foi determinada a taxa de álcool no sangue do arguido (1,435g/l), pode ser tido como meio de prova.

B) Apreciação do Recurso.

De acordo com as conclusões formuladas pelo recorrente, a sua discordância centra-se na validade do meio de prova do referido grau de alcoolemia, por ter sido obtido através de um exame de ar expirado realizado com um aparelho cujo modelo, à data do exame de pesquisa de álcool, já não tinha a sua aprovação técnica válida, em virtude da caducidade do respectivo despacho de aprovação.

Assim, invocando a nulidade da prova obtida com a utilização do alcoolímetro nos termos em que o foi, pugna no sentido de que o tribunal dê como não provado que conduzisse com uma taxa de alcoolemia de 1,435g/l e, consequentemente, o absolva da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Adiantando desde já a nossa conclusão, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente na argumentação aduzida.
Desde logo, porque a questão não passa pela validade da aprovação do modelo do alcoolímetro ou até por saber a partir de quando se conta o prazo de dez anos de validade da aprovação do modelo do alcoolímetro.

Vejamos.

Compulsados os autos, resulta dos mesmos que o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool, através de ar expirado, com o alcoolímetro Drager Alcotest, modelo 7110 MKIIIP, Série ARRA-0075, aprovado pelo Instituto Português de Qualidade, através do Despacho nº11037/2007, de 24 de abril (aprovação do modelo nº211.06.07.3.06), publicado no DR 2ª Série, nº109, de 6 de junho, tendo a sua utilização para fiscalização sido autorizada por Despacho nº19684/2009, da ANSR, de 25 de junho.

Mais resulta dos autos, a fls. 10, que o alcoolímetro em apreço foi sujeito à primeira verificação pelo IPQ em 12/7/2018.
Ora, de acordo com o disposto no art. 153º do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, destinado à averiguação do grau de alcoolemia de que sejam portadores os condutores de veículos ou outros intervenientes na circulação rodoviária, para efeito de apuramento de responsabilidade criminal ou contraordenacional, é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, sendo que, em caso de resultado positivo, a contraprova que venha a ser requerida pelo examinando, deve ser realizada, de acordo com a vontade do mesmo, por novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado, ou por análise de sangue, a qual também será utlizada quando a efetivação do exame ao ar expirado não se mostre viável (n.ºs 1, 2, al. c), 3 e 8 desse preceito).
No que em especial se refere ao requisito da aprovação do aparelho utilizado na realização do teste de alcoolemia este está regulado na Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

Dispõe o artigo 14º dessa Lei que:

1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efetuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O regime geral do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição encontra-se previsto no DL nº 291/90, de 20.09.

E, em matéria de aprovação de modelo, o artigo 2º deste diploma dispõe o seguinte:

“1 – Aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respetivo fabricante ou importador.
2 - A aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação.”

Por seu turno, acrescenta o n.º 7 do mesmo artigo que “os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”.
Acresce que, nos termos do artigo 8º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma, compete ao IPQ proceder à aprovação de modelos de instrumentos de medição a que se refere o art. 2º.
No que em especial se refere aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos respeita, o regime do DL nº 291/90, de 20.09 encontra-se regulamentado pela Portaria nº 1556/2007, de 10.12, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, cfr. artigos 1º, nº 1 e 15º do mencionado Decreto-Lei, que são "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado"(art. 2º, n.º 1).
E, nos termos do art. 5º, al. a), dessa Portaria, a aprovação de modelo dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ, sendo que, de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 3, desse diploma, “a aprovação de modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação de modelo.”
Contudo, o controlo metrológico não passa apenas pela aprovação do modelo.
Acresce que uma coisa é o prazo de validade de aprovação do modelo do aparelho, outra é a qualidade técnica do mesmo para efectuar medições, sendo que esta pode manter-se para além daquele, desde que reconhecida e válida conforme as verificações exigidas.
Com efeito, como resulta do citado DL nº 291/90, de 20.09, o controlo metrológico faz-se através de: aprovação do modelo; primeira verificação; verificação periódica; e verificação extraordinária, cfr. artigo 1º, nº 3.
A verificação periódica encontra-se definida no artigo 4º, nº 1, como o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.
Já o nº 2 do mesmo preceito legal refere que “Os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário.”
Acrescenta o nº5 que “A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário.”
Volvendo-nos agora na específica Portaria 1556/2007, esta dispõe também no artigo 5º que “O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P.- IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária


Acrescenta o artigo 7º, nº 1 e nº 2 do mesmo diploma que:

“1- A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano;
2- A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.”

Ora, retornando ao regime geral previsto no citado DL n.º 291/90, temos que ao regular a questão da aprovação de modelo dos instrumentos de mediação, o citado artigo 2º, não só prevê que a aprovação tem a validade de dez anos (n.º 2), como também que a aprovação de um modelo por determinado período, no caso dez anos, pode ser renovada ou revogada antes do fim do prazo de validade de aprovação, desde que apresente defeitos de medição.
Mas, para além disso, tal normativo regula ainda as consequências do esgotamento do prazo de 10 anos (n.º 7).
Com efeito, resulta de forma clara deste último normativo que o esgotamento do prazo de validade da aprovação técnica, sem que tenha havido lugar à sua renovação, não determina, por si só, que os alcoolímetros do modelo em causa deixem de poder ser utilizados na fiscalização, podendo sê-lo desde que satisfaçam as operações de verificação a que tenham de ser sujeitos, de acordo com as regras aplicáveis, ou seja, através das mencionadas verificações periódicas e extraordinárias já aludidas, previstas nos arts. 4º e 5º do DL n.º 291/90 e no art. 5º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que continuarão a garantir a fiabilidade metrológica (neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão de 5.3.2018, proferido no processo nº 122/17.9PFGMR.G1).
Também a mencionada Portaria no seu artigo 10º preceitua que “Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica”.
Tudo para dizer que não obstante o prazo de validade de determinado modelo de aparelho se mostre esgotado, tal não é obstáculo a que tal aparelho continue a funcionar e a ser utilizado, bastando para tal que satisfaça as operações de verificação a que tenha de ser sujeito, de acordo com as regras aplicáveis que continuarão a garantir a fiabilidade metrológica.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 27/6/2018, proferido no processo 1358/17.8PBCBR.C1, o qual perfilhamos:

«I - O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ e compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária
II – Sendo a aprovação do dito modelo válida por 10 anos, salvo disposição em contrário.
III – Atingido o prazo inicial de aprovação de 10 anos, o mesmo modelo pode ser renovado, ou seja, com o atingir do prazo, não significa que o modelo não esteja apto a continuar a proceder a medições técnicas de qualidade.
IV – Quando o modelo atingiu o prazo de validade por que foi aprovado, significa que, a partir deste prazo, não podem ser introduzidos novos aparelhos, deste modelo, para uso, para medição, com sujeição à respetiva primeira verificação prevista no artigo 3.º do DL nº 291/90.
V - O que expira (expirou), é a aprovação do modelo em si, mas não expira (expirou) a qualidade técnica de um aparelho aprovado, embora não renovada essa aprovação, para poder continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos.

Escreveu-se ainda no citado acórdão: « a interpretação que fazemos tem por base uma politica legislativa de qualidade/eficiência/custos, pelo que não pode inutilizar-se, sem mais, um aparelho legalmente aprovado que, na data em que atinge o prazo de validade de aprovação, ainda mantém qualidade técnica para efectuar as pretendidas medições. Pressuposto é que essa qualidade técnica esteja reconhecida e válida segundo as verificações exigidas”.

No mesmo sentido, o Acórdão dessa mesma Relação, de 6.6.2018, proferido
no processo nº 27/17.3PTFIG.C1, no qual se fez constar que:

“Independentemente de o aludido prazo de validade de aprovação de modelo se encontrar ultrapassado, ponto é que o concreto instrumento se encontre em condições metrológicas normais, certificadas por operação de verificação em vigor, sendo que em tal caso se deve considerar válida a prova através dele obtida, pois que a medição efectuada está conforme às exigências técnico-científicas que asseguram a fiabilidade do resultado através dela obtido”.
E ainda o acórdão desta Relação de Guimarães de 10/9/2018, proferido no processo 277/17.2 GDGMR.
Não tem pois razão o recorrente na argumentação aduzida nas suas XII, XIII e XIV conclusões.
E muito menos quando afirma que o mencionado prazo de validade de 10 anos é absolutamente inultrapassável e que só dessa forma se garante a conformidade dos instrumentos de medição fabricados e da prova através dele recolhida.
Não é essa pois, como vimos, a razão de ser de tal prazo de validade.
Como se referiu no citado acórdão, pretende-se impedir que uma vez atingido o mencionado prazo de 10 anos por que foi aprovado o modelo, possam ser introduzidos novos aparelhos deste mesmo modelo para uso e medição.
Já quanto à qualidade técnica do aparelho aprovado, ainda que não renovada essa aprovação, a mesma não expira atingido tal prazo, podendo continuar a ser usado, nos condicionalismos legalmente previstos.
Volvendo-nos no caso dos autos, como resulta do talão junto a fls. 3 e do teor do certificado de verificação de fls. 10, emitido pelo IPQ, o alcoolímetro em apreço encontrava-se devidamente certificado, na sequência de aprovação obtida na primeira verificação metrológica realizada em 12-07-2018 pelo IPQ, válida até 31-12-2019, de acordo com o art. 4º, nº5, do DL n.º 291/90.
Temos assim que à data da realização do teste de pesquisa de álcool no sangue efetuado ao arguido, ora recorrente, em 18/4/2019, o modelo de alcoolímetro utilizado cumpria por força de tal verificação o requisito relativo à sua aprovação, pelo que o resultado obtido é perfeitamente válido, nada obstando a que o tribunal a quo, com base nele, considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue de 1,435 g/l vertida na factualidade provada, não violando o citado art.2ºnº7 do D.L.291/90, de 20/9, qualquer direito constitucional do arguido.

Em conformidade, improcede o recurso interposto pelo arguido.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente/arguido J. C., confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 27 de janeiro de 2020