Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1634/11.3TBFAF.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: POSSE
USUCAPIÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - Para que se verifique a aquisição do direito de propriedade com base na usucapião é necessário que se mostrem preenchidos os pressupostos estabelecidos no artº. 1287º do Código Civil, ou seja: a posse da coisa e o decurso de certo período de tempo.

II) - O nosso legislador consagrou a concepção subjectiva da posse, devendo esta ser integrada por dois elementos estruturais: o corpus, traduzido no exercício do poder de facto sobre a coisa, nos actos materiais sobre ela praticados, e o animus, que consiste na intenção do detentor se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.

III) - O artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil estabelece uma presunção legal, decorrendo da mesma que o exercício do corpus faz presumir a existência do animus.

IV) - Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre a coisa.

V) - De acordo com o disposto no artº. 1565º, nº. 1 do Código Civil, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. Sendo necessárias obras para possibilitar a passagem, estas não só podem como devem ser realizadas pelo titular utilizador que nelas tenha interesse, suportando este os respectivos encargos, nos termos do artº. 1567º do mesmo Código.

VI) - Tendo resultado provada a realização pelos RR. de obras no caminho objecto de controvérsia nos autos, a expensas destes, sem pedirem autorização a quem quer que fosse, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, mas que tais obras de reparação e manutenção efectuadas pelos RR. no dito caminho são por eles feitas uma vez que são os RR. quem constantemente danificam o caminho com o trânsito de veículos pesados, bem como a utilização do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as dos RR. e não se provando que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização daqueles, este facto permite ilidir a presunção de posse prevista no artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil.

VII) – Resulta do disposto no artº. 1549º do Código Civil que a constituição de uma servidão por destinação de pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos: a) que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono; b) que existam, num ou em ambos os prédios ou fracções, sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com o outro; c) que se verifique a separação de tais prédios ou fracções quanto ao seu domínio, quando já existiam esses sinais; d) a inexistência de declaração contrária à servidão por destinação, no documento relativo à separação.

VIII) - Para a declaração da existência de uma servidão de passagem é imprescindível que quem dela se arroga - o dono do prédio dominante - alegue e prove a sua exacta configuração física e funcional, isto é, o modo e local em que ela se constituiu e exerce, modo e local que, naturalmente, se hão-de posicionar dentro dos limites materiais do suposto prédio serviente.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A e esposa T intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra J e esposa JF, pedindo que seja(m):

A) Declarado o direito de propriedade e posse dos AA. sobre o prédio identificado no artº. 1° da petição inicial, com exclusão de outrem, condenando-se os RR. a reconhecer esse direito e a abster-se de praticar quaisquer actos lesivos ou turbadores de tal direito e posse que diminuam ou impeçam aquele domínio;

B) Declarado que o acesso ao prédio dos AA., a pé, com animais e com veículos de qualquer natureza, desde tempos imemoriais, é feito por um caminho bem definido, trilhado e calcado, inicialmente em terra batida e posteriormente pavimentado com pedra e betuminoso, com a largura variável não inferior a 4 metros e comprimento de 75 metros, o qual, partindo da baía de estacionamento contígua à E.N. 206, estabelece a ligação entre esta via e o prédio dos AA. e vários outros prédios de terceiros, condenando-se os RR. a reconhecer esse direito de servidão constituído a favor do mesmo prédio, na forma e com o conteúdo concretizados nos artºs 12º a 20º da petição e a absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos ou turbadores de tal direito e posse que diminuam ou impeçam aquela servidão;

C) Declarado que os RR. procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte do prédio dos AA., que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com o comprimento de 21,50 m, a largura de 0,30 m e a altura média de 0,40 m, com o que taparam a entrada para o prédio e ocuparam uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do mesmo prédio, com o comprimento de 21,50 m e a largura de 0,30 m, sem qualquer título e contra a vontade dos Autores, conforme concretizado nos artºs 21º a 30º da petição;

D) Condenados os RR. a proceder à demolição e retirada do muro, ferros e rede, bem como à reposição da borda na situação anterior às obras, bem como a restituir aos AA. essa parte do seu prédio, livre e desocupada;

E) Declarado que os RR. procederam à construção de um muro com o comprimento de 28 m, largura de 0,20 m e a altura de 0,20 m, no leito do supra referido caminho de servidão, dele ocupando cerca de 0,80 m ao longo do lado norte do caminho, reduzindo-lhe a largura na exacta medida dessa ocupação, assim alterando e prejudicando o exercício da aludida servidão, contra a vontade dos AA. - conforme concretizado nos artºs 43º a 46º da petição - condenando-se os RR. a proceder à demolição do muro e rede e à reposição do caminho, restituindo-lhe a largura à situação anterior à construção;

F) Declarado que os RR. procederam à colocação de uma corrente e um cadeado no local onde o caminho se inicia, junto à baía de estacionamento pública contígua à Estrada Nacional, prendendo-os a dois "chumbadouros" que fixaram nos muros de vedação dos prédios vizinhos, ameaçando impedir o exercício da aludida servidão, contra a vontade dos AA. - conforme concretizado nos artºs 47º a 50º da petição - condenando-se os RR. a retirar a corrente e o cadeado, restituindo o caminho à situação anterior à colocação da corrente e do cadeado;

G) Condenados os RR. a pagar aos AA., a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, a quantia de € 2.500,00, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento;

H) Condenados os RR. a pagar aos AA. a indemnização pelos danos patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no artº. 1º da petição inicial (inscrito na matriz sob o artº. 541), por o terem adquirido através de escritura pública celebrada em 25 de Maio de 1977, cuja cópia se encontra junta a fls. 22 a 27, aquisição que se encontra registada a favor dos AA. na Conservatória do Registo Predial de Fafe.

Além da aquisição derivada, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte dos AA., do direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico.

Referem, ainda, que o acesso ao prédio dos AA. é feito, desde tempos imemoriais, por um caminho bem definido, trilhado e calcado, inicialmente em terra batida e posteriormente pavimentado com pedra e betuminoso, com a largura variável não inferior a 4 metros e o comprimento de 75 metros, o qual, partindo da baía de estacionamento pública, contígua à E.N. 206, estabelece a ligação entre esta via e o prédio dos AA. e vários outros prédios.

Esse caminho serve de acesso da referida E.N. para todos os prédios que com ele confinam, designadamente para um prédio de M, para um prédio de A, para o aludido prédio dos AA., para o prédio dos RR. e, finalmente, para um prédio de M, e pelo qual os AA. transitam e passam livremente, a pé, com animais e com veículos de qualquer natureza, sempre que querem e necessitam de aceder do seu prédio até à via pública e vice-versa, o que fazem há mais de 20, 30 e mais anos, por si e antepossuidores, à vista e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente dos RR. e seus antecessores, de forma contínua, sem violência, sem oposição de ninguém, pública e ininterruptamente, sem serem perturbados por quem quer que seja, na convicção de que por aí transitam no exercício pleno do direito de passagem, invocando que há muito haviam adquirido o direito de servidão de passagem de e para o aludido prédio rústico, através do mencionado caminho, por destinação dos antigos proprietários dos prédios que o ladeiam, nos termos do artº. 1549º do Código Civil.

Mais alegam que o Réu e seus familiares, no dia 18 de Maio de 2011, procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte no prédio dos AA., que encheram de pedra e betão, aí construindo um muro com o comprimento de 21,50 metros, a largura de 0,30 metros e a altura média de 0,40 metros acima do alicerce, tendo com tal construção ocupado o prédio dos AA. e tapado a entrada para o mesmo. No dia seguinte, o R. e seus familiares fixaram 6 ferros no muro, espaçados de 3 em 3 metros, onde colocaram três fiadas de arame, encimando o muro com uma rede com a altura de cerca de 2 metros.

Acrescentam que não têm outra forma de aceder ao seu prédio, com veículos de tracção animal e veículos motorizados, a não ser através daquele caminho.

Atenta a descrita conduta do R. e seus familiares, os AA. intentaram uma providência cautelar de restituição provisória de posse, que correu termos sob o nº. 1111/11.2TBFAF, a qual foi decretada, sem audição prévia dos requeridos, por decisão proferida em 15/07/2011 que ordenou “a restituição provisória aos requerentes do direito de passagem […] ordenando-se ainda que os requeridos procedam à demolição e retirada do muro, ferros e rede acima mencionados (no prazo máximo de 10 dias)”.

Referem, também, que no início do mês de Junho de 2011, os RR. procederam à construção de um outro muro com o comprimento de 28 metros, a largura de 0,20 metros e a altura de 0,20 metros (no seu ponto mais baixo) e 0,60 metros (no seu ponto mais alto), encimando-o com uma rede de cerca de 1,50 metros de altura, muro esse que erigiram no próprio leito do caminho, ocupando cerca de 0,80 metros do referido caminho, ao longo do seu lado norte, sendo que com a diminuição da largura do caminho torna-se mais difícil para os AA. circular com veículos de maiores dimensões.

No início do mês de Julho de 2011, os RR. procederam à colocação de uma corrente de metal e um cadeado no local onde o caminho se inicia, junto à baía de estacionamento pública, contígua à Estrada Nacional, prendendo a corrente e o cadeado a dois “chumbadouros” que fixaram, abusivamente, nos muros de vedação dos prédios vizinhos, num local que dista cerca de 50 metros dos limites do seu prédio.

Por fim, alegam que a diminuição da largura do aludido caminho e a ocupação parcial da referida parte do prédio dos AA., causa prejuízos à normal utilização, gozo e fruição do mesmo prédio e causou-lhes muita angústia, inquietação e vexame social.

Os RR. contestaram, impugnando a matéria alegada pelos AA. e deduziram ainda reconvenção, na qual pedem que seja(m):

A) Declarado e reconhecido que os RR. reconvintes adquiriram por usucapião, que expressamente invocam e deve ser declarada com todas as legais consequências, o direito de propriedade sobre a faixa de terreno cujo leito constitui o caminho supra referido e melhor identificada nos artºs 40° a 49°, 53° e 57° da contestação, assim se declarando que os mesmos são os seus únicos donos e legítimos possuidores;

B) Condenados os AA. reconvindos a reconhecer o direito de propriedade dos RR. descrito na alínea anterior, com todas as consequências legais daí decorrentes, designadamente as de se absterem da prática de quaisquer actos que, por qualquer forma, atentem contra esse direito de propriedade de que são titulares os reconvintes;

C) Condenados os AA. a pagar aos RR. a importância de € 2 500,00 pelos danos não patrimoniais que lhes causaram;

D) Condenados os AA. a pagar aos RR. a indemnização por perdas e danos pelos mesmos sofridos no montante de € 500,00.

Para tanto, alegam que o caminho em causa é um caminho particular que pertence em exclusivo aos RR., sendo que, por escritura pública celebrada em 23 de Novembro de 1976, o R. marido J comprou a JM e mulher M da Silva (os mesmos vendedores do prédio dos AA.) o prédio rústico identificado no artº. 24º da contestação (inscrito na matriz sob o artº. 559), no qual os RR. vieram a edificar a sua casa de habitação e respectivos anexos, passando tal prédio a urbano com a área global de 4 800 m2, estando actualmente inscrito na respectiva matriz sob o artº. 2104 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº. …, onde se encontra registada a respectiva propriedade em nome dos Réus.

Além da aquisição derivada, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte dos RR., do direito de propriedade sobre o aludido prédio rústico, primeiro, e depois sobre o prédio urbano.

Referem, ainda, que simultaneamente à compra do referido prédio rústico por parte dos RR., estes logo passaram a possuir, como coisa sua, a parcela de terreno constituída pelo leito do caminho identificado nos autos, em toda a sua extensão compreendida entre a Av. de Bouçó (E.N. 206) e o prédio urbano dos RR., que era em terra batida antes das obras de alargamento e de beneficiação que estes nele levaram a cabo.

Acrescentam terem sido os RR. que, desde a data de aquisição do seu prédio rústico, colocaram os paralelos, a “calceta grossa” e o alcatrão no piso do referido caminho e têm cuidado da sua manutenção, mesmo quando o leito do mesmo era em terra batida, para além de terem sido eles que executaram as obras de entubamento da água de consortes da “Poça da Vessada”, que era encaminhada para os consortes existentes no local e que atravessava o leito do caminho em rego “a céu aberto”, como exploraram e aproveitaram para si as águas num poço que construíram, conduzindo a respectiva água até ao seu prédio urbano, tendo os RR. feito todas estas obras a expensas suas, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem pedir autorização a quem quer que fosse, sem oposição de ninguém e sempre na convicção de que a faixa de terreno que constitui o leito do aludido caminho em toda a sua extensão lhes pertence.

Mais alegam que nunca existiu a favor dos AA. qualquer servidão de passagem constituída por destinação de pai de família, pois o prédio rústico dos AA. nunca teve serventia ou acesso pelo aludido caminho, para além de que não reconhecendo os AA. que os RR. são donos da dita faixa de terreno que constitui o caminho, não pode essa faixa ser onerada com uma servidão sem que o seu dono seja demandado, sendo que os AA. não invocam que tal faixa de terreno seja propriedade dos RR. ou de algum particular.

Concluem, referindo que os AA. causaram grande transtorno aos RR., que ficaram profundamente sentidos e pesarosos pelo facto de terem de demolir parte do muro de vedação que edificaram com grande sacrifício e custo, dando cumprimento a uma decisão proferida pelo Tribunal sem terem sido ouvidos, tendo direito a serem compensados dos danos morais que sofreram, bem como a serem ressarcidos do prejuízo que tiveram com a demolição do muro.

Os AA. apresentaram resposta, impugnando os factos alegados pelos RR. atinentes à reconvenção e acrescentando que foram os próprios RR. que, no processo de licenciamento do prédio urbano que construíram no “Campo da Regueira de Baixo” entregue na Câmara Municipal de Fafe, identificaram e reconheceram que o caminho referido no artº. 12º da petição inicial é um caminho público (existente a norte do prédio dos AA.), conforme certidões camarárias das peças escritas e desenhadas juntas aos autos.

Referem, ainda, que em 1976, o anterior proprietário dos prédios dos AA. e dos RR., J, requereu à Câmara Municipal o licenciamento da operação de loteamento urbano do “Campo do Bacelo e Leira da Estrada” referida no artº. 11º da contestação, no qual identificou e reconheceu a existência do caminho em causa, que assinalou como serventia, conforme certidão camarária das peças escritas e desenhadas do processo de loteamento urbano junta aos autos. E ao identificar esse troço de terreno como serventia, o referido antecessor dos RR. considerou que esse caminho não era propriedade exclusiva de nenhum dos seus prédios denominados “Campo do Bacelo e Leira da Estrada” e “Campo da Regueira de Baixo”, sendo que o referido caminho não integra nem nunca integrou o prédio que vendeu aos Réus.

Mais alegam que não pretendem ver reconhecida a servidão de passagem sobre qualquer prédio ou parte do prédio dos RR., pois os AA. não lhes reconhecem qualquer outro direito sobre o referido caminho que não seja o de o usar, juntamente com os demais consortes, direito esse confinado ao uso para serventia agrícola, sendo que os RR. passaram a transitar naquele caminho para o seu prédio urbano afecto a habitação, comércio e indústria de sucata e lenha, com tractores e camiões pesados – o que aliás fazem por mera tolerância dos demais consortes – e têm sido eles a fazer as obras de reparação e manutenção do caminho por exigência dos demais consortes, pois são os RR. que constantemente o danificam com o trânsito de veículos pesados, impróprios para nele transitarem.

Terminam, referindo que os AA. pretendem, tão só, que os RR. os não impeçam de passar no caminho por onde passam há mais de 30 anos e por onde, desde tempos imemoriais, sempre passaram os seus antecessores, pugnando pela procedência da acção e pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má fé em multa e indemnização a seu favor não inferior a € 5 000.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi admitida a reconvenção e se procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida (base instrutória), que não sofreu reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que decidiu:

a) julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarar os Autores A e esposa T proprietários dos prédios descritos em 1.1. e 1.2. da matéria de facto dada como provada, improcedendo, no mais, os pedidos formulados pelos Autores;

b) julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os reconvindos dos pedidos ali formulados.

Inconformados com tal decisão que julgou improcedente a reconvenção, os Réus dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões (após convite ao aperfeiçoamento) que passamos a transcrever:

1ª O Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14/05/96 publicado no DR, II série, de 24/06/96 considerou que o poder de facto faz nascer uma presunção de posse e que, não sendo tal presunção ilidida, podem adquirir por usucapião aqueles que exercem o poder de facto sobre uma coisa.

2ª - A questão em discussão é saber se, mediante a matéria de facto assente, o Tribunal poderia chegar à conclusão, como chegou, de que tal presunção, foi ilidida.

3ª - In casu, sabendo-se que o Tribunal deu como provada a posse dos RR., os AA. teriam que provar que estes não possuem o caminho na convicção de serem os seus verdadeiros proprietários

4ª - Os AA. não provaram que os actos praticados pelos RR. o fossem a título de mera tolerância.

5ª - Não é o facto do Tribunal dar como provado que mais pessoas utilizam o caminho que faz com os RR. não exerçam actos de posse julgando-se os verdadeiros proprietários.

6ª- Os AA. não alegaram ser proprietários do caminho em discussão, nem ter posse enquanto tal.

7ª - Dos factos dados como provados o Tribunal não podia ter extraído a conclusão que "são tantas as pessoas que usam o dito caminho que se mostra muito pouco credível que os autores se sentissem seus proprietários exclusivos", desde logo por que apenas deu como provado que os AA. e RR. utilizam o caminho.

8ª - Os factos dados como provados são manifestamente insuficientes para que o Tribunal afaste o elemento psicológico, o animus.

9ª - Qualquer direito, não provado nos autos, no qual se baseassem terceiros e AA. para passarem no caminho não seria suficiente para que o Tribunal tal pudesse considerar como prova de a que posse dos RR. seria a título de mera tolerância.

10ª - Por outro lado, os factos dados como provados nos autos 1.32 a 1.38 demonstram que os RR. adoptaram sempre um comportamento de quem se acha dono do caminho.

11ª - Decorre das mais elementares regras da experiência comum que quem assim age, age com o animus de verdadeiro dono.

12ª - O facto dos actos de posse terem sido praticados sem oposição de ninguém, nomeadamente dos AA. afasta completamente a hipótese de terem sido praticados por mera tolerância.

13ª - Entende também o Tribunal que a presunção foi ilidida porque "provado o uso do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as do Réus e não tendo resultado provado que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização, o tribunal não se convenceu da actuação dos Reconvintes sobre tal caminho enquanto proprietários".

14ª - É manifesto o vício neste raciocínio, pois que quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz (artigo 350 nº 1 do C. Civil).

15ª - A presunção legal faz operar uma inversão do ónus da prova, pelo que os Reconvintes não careciam de provar que a utilização do caminho pelos AA. e terceiros não era a título de mera tolerância.

16ª - De tudo decorre que foi erroneamente dado como não provado o facto 2.17.

17ª - As presunções legais têm o seu campo de aplicação ao nível da aplicação do direito.

18ª - Estas presunções não têm qualquer interferência ou influência no processo de formação da convicção do julgador no que respeita à verificação ou não dos factos controvertidos.

19ª - Estando em causa uma presunção legal, o facto presumido tem-se como verificado ou não verificado porque a lei o determina e não porque o julgador assim o considerou.

20ª - Daí que a presunção legal não possa ser considerada em sede de decisão sobre a matéria de facto.

21ª - O exercício de actos de posse pelos RR. sobre o caminho controvertido na convicção de serem seus proprietários não pode ser levado à matéria de facto, devendo ser eliminado.

22ª - Mesmo que assim não fosse, este facto, por via da presunção legal não ilidida deveria, ao invés, constar do rol de factos provados.

23ª - Assim sendo, por se encontrarem preenchidos todos os requisitos da aquisição por usucapião, deve ser declarado e reconhecido que os Réus e Reconvintes adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre a faixa de terreno cujo leito constitui o caminho identificado nos números 40º a 49º e 53º a 57º da petição inicial.

24ª - Não tendo sido concedido por via desta acção qualquer direito de servidão de passagem, ou outro, aos AA., devem estes ser condenados a reconhecer tal direito de propriedade dos RR., com todas as consequências legais daí decorrentes.

25ª - A douta sentença de que se recorre violou o disposto no artigo 1252º nº 2 do Código Civil e o Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14/05/96 publicado no DR, II série, de 24/06/96, ao interpretar mal a presunção legal aí estabelecida.

26ª - Ao considerar que o facto de várias pessoas utilizarem o caminho, sem que tal seja por mera tolerância dos Recorrentes, leva à conclusão que estes não têm posse na convicção de serem verdadeiros proprietários, o Tribunal ignorou a inversão do ónus da prova originado pela aludida presunção legal e o disposto no artigo 350 nº 1 do C.Civil.

Terminam entendendo que o recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que declare que os RR./Reconvintes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre a faixa de terreno cujo leito constitui o caminho identificado nos artºs 40º a 49º e 53º a 57º da petição inicial e condene os AA. a reconhecer tal direito de propriedade dos RR., com todas as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente as de se absterem da prática de quaisquer actos que, por qualquer forma, atentem contra esse direito de propriedade.

Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso dos Réus relativo ao pedido reconvencional e manutenção da fundamentação de facto e de direito plasmada na sentença recorrida.

Vieram, ainda, interpor recurso subordinado formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

I - Pretendem os apelantes a condenação dos réus/recorridos a reconhecerem o seu invocado direito de propriedade e a absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos ou turbadores de tal direito e posse que diminuam ou impeçam aquele domínio.

II - Pretendem ainda a condenação dos réus/recorridos a reconhecerem o seu invocado direito de servidão de passagem, constituído por destinação do pater familias e a absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos ou turbadores de tal direito e posse que diminuam ou impeçam aquela servidão;

III - Mais pretendem a condenação dos réus/recorridos a reporem a borda do seu prédio na situação anterior às obras, demolindo e retirando o muro, ferros e rede, restituindo-lhes essa parte do seu prédio, livre e desocupada.

IV - Ficou provado que por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Fafe, aos 25 de Maio de 1977, lavrada a fls. 94-v a fls.96-v, do Livro de Escrituras Diversas n.º A-137, J e esposa M venderam aos autores a restante parte do prédio rústico denominado CAMPO DO BACÊLO e LEIRA DA ESTRADA identificado em A) da Selecção da Matéria de Facto Assente.

V - Ficou provado que por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Braga, aos 23 de Novembro de 1976, lavrada a fls. 57 a fls. 58, do Livro De Escrituras Diversas n.º 1699-C, os mesmos J e esposa M, venderam aos réus J e esposa JF, um prédio rústico denominado Campo da Regueira de Baixo, identificado em C) da Selecção da Matéria de Facto Assente.

VI - Ficou provado, com relevo para esta questão, que o acesso ao prédio descrito em A) e B), é feito, desde há mais de 40 anos, por um caminho definido, trilhado e calcado, inicialmente em terra batida e posteriormente pavimentado com pedra e betuminoso, com a largura variável não inferior a 3,30 metros e o comprimento de 75,00 metros, o qual, partindo da baía de estacionamento pública, contígua à EN 206, estabelece a ligação entre esta via e o referido prédio e vários outros prédios, caminho que igualmente serve de acesso da referida EN para todos os prédios que com ele confinam, designadamente para o aludido prédio descrito em A), para o prédio descrito em C), e, finalmente, para um prédio de M.

VII - Apesar de o tribunal ter concluído pela existência do exercício de tal servidão, não proferiu decisão do reconhecimento da servidão de passagem, errando na enunciação e subsunção do direito aplicável à factualidade em apreço.

VIII - Fundamentando a improcedência do pedido o tribunal começa por sustentar, essencialmente, que os autores pedem o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem a favor do seu prédio a qual alegam se terá constituído por destinação de pai de família e também pela via da usucapião, constituindo-se por destinação do pai de família quando, havendo em dois prédios, pertencentes ao mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, sinais aparentes e permanentes de serventia de um em relação a outro, venham a ser separados, nos termos do artigo 1549° do Código Civil.

IX - Seguidamente, o tribunal a quo entende que "falta de um elemento essencial para a constituição de uma qualquer servidão: a existência de um prédio serviente”, sustentando que "em lado nenhum da alegação dos autores se vislumbra a identificação de qual o prédio sobre o qual se constituiu o encargo que aproveita ao seu prédio”, mais referindo que os autores descrevem o caminho "mas nunca identificam sobre que prédio está implantado o referido caminho. Nada é dito a este respeito e, como tal, independentemente, do mais que ficou provado, nomeadamente, que os autores usam o dito caminho, há mais de 30 anos, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que o fazem por via do seu direito de passagem, a verdade é que, falhando um pressuposto tão essencial, como a identificação do prédio serviente, o pedido de reconhecimento de uma servidão de passagem terá de improceder”.

X - In casu, estamos perante um pedido de reconhecimento de uma servidão de passagem que já se encontra constituída por destinação do pai de família e a Meritíssima Juiz decidiu como se tratasse do reconhecimento de uma servidão por usucapião.

XI - No pedido de reconhecimento de uma servidão por usucapião, o tribunal há-de ser mais exigente no regime de alegação e prova da respectiva aquisição, porquanto se trata de um direito a constituir ex novo.

XII - Diferente há-de ser o regime de alegação e prova para o reconhecimento de uma servidão por destinação do pai de família, onde a utilidade já vinha sendo fruída pelos utilizadores dos prédios, antes da separação do domínio, e cuja constituição é unicamente determinada por tal separação.

XIII - Resulta da matéria provada que o caminho já era utilizado na forma descrita em 1.9 até 1.16 da matéria de facto provada antes da compra do prédio referido em 1.1. e 1.2, para acesso aos referidos prédios.

XIV - Os prédios dos autores/recorrentes e réus/recorridos pertenceram aos mesmos proprietários J e Esposa M, como resulta da matéria de 1.1 e 1.3 dos factos provados.

XV - O caminho existia antes da compra do prédio referido em 1.1. e 1.2, era usado pelos autores para acesso ao seu prédio e servia de acesso a todos os prédios com ele confinantes, que pertenceram aos mesmos proprietários J e esposa, os quais venderam, a donos diferentes, os prédios que aí possuíam, sem nada declararem nos contratos de compra e venda em contrário à servidão.

XVI - A servidão e demais direitos reais, não só é oponível apenas ao proprietário do prédio onerado, mas também a todos os terceiros, mesmo a terceiros meramente detentores.

XVII - Nos termos do artigo 1549° do Código Civil, a servidão constitui-se por destinação do pai de família quando, havendo em dois prédios, pertencentes ao mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, sinais aparentes e permanentes de serventia de um em relação a outro, venham a separar-se, salvo se outra coisa resultar do título.

XVIII - O que sucede no caso dos autos, estando aqui reunidos todos os requisitos e pressupostos legais da constituição da servidão de passagem por decisão do pater familias, pois que existem sinais visíveis e permanentes postos em prédios do mesmo dono ou duas fracções do mesmo prédio, que revelem serventia de um para com outro, a separação dos prédios ou fracções deles e inexistência de declaração contrária à servidão no documento titulador da transmissão que operou a separação.

XIX - Não tem acolhimento legal a decisão do tribunal a quo que desconsiderou o objecto material e físico sobre o qual é exercida a alegada servidão, pois que o conceito de "prédio" quando estão em causa direitos reais imobiliários é de todas as coisas imóveis, conforme definição legal contida nos artigos 204° e 1251° e seguintes do Código Civil.

XX - A ''identificação do prédio serviente" que o tribunal parece ater-se é ao pré-conceito de prédio, vulgo registral e fiscal, restrito e redutor, devendo in casu ser adoptado um conceito alargado que de prédio que compreenda tudo o que é coisa imóvel susceptível de sobre ela ser exercido um direito real.

XXI - O caminho é um espaço ou fracção concreta de território, com uma afectação social e fim económico, constituindo uma coisa imóvel integrada nos bens susceptíveis de apropriação e comércio jurídico, uma coisa concreta, uma res; um bem imóvel sujeito às regras do comércio jurídico.

XXII - Os anteriores donos dos prédios que bordejam o caminho - os nomeados pater familias J e esposa - nada dizem nos títulos a respeito do caminho, sendo certo que desde as datas em que outorgaram as supra mencionadas escrituras de compra e venda dos prédios contíguos ao caminho, este continuou a ser utilizado, como o era antes, para a passagem de pessoas a pé, com animais e veículos de qualquer natureza, por todos os proprietários e caseiros usuários dos prédios por aqueles vendidos, para acesso destes à via pública e vice-versa,

XXIII - O desconhecimento de outros elementos identificativos da coisa, para além dos disponibilizados nos autos, não é impeditivo do reconhecimento da servidão, apenas sendo de exigir ao titular que a pretenda ver reconhecida que, na sua alegação, faça a concretização material da coisa imóvel através da qual a mesma é exercida.

XXIV - Resulta da matéria provada que o direito de servidão de passagem foi violado com a construção do muro identificado em 1.17 a 1.21, em consequência do que os autores/recorrentes ficaram impedidos de utilizar o prédio nos termos acima mencionados, razão pela qual se impõe, nos termos da lei, o reconhecimento da violação e reposição da legalidade.

XXVI - Os réus/recorridos, como terceiros, ao executar as obras acima concretizadas, impedindo o exercício da servidão de passagem, agiram em ostensiva violação, entre outros, do artigo 1568°, n.º 1 do Código Civil porquanto, ainda que fossem donos do prédio serviente, não poderiam jamais estorvar nem prejudicar, com tais obras, o gozo e fruição da servidão por parte dos donos dos prédios dominantes.

XXVII - O tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis in casu, pois que apesar de, em abstracto, haver reconhecido a existência da servidão e a sua violação, em concreto permite a denegação do reconhecimento da mesma e o seu exercício aos legítimos titulares.

XXVIII - O direito de servidão de passagem, como os outros direitos reais, impõem-se erga omnes, pelo que qualquer estorvo ao mesmo, como sucede in casu, constitui violação desse direito, independentemente de tal violação ser perpetrada pelo dono do prédio serviente ou por terceiro.

XXIX - Desconhecendo-se ou não estando demonstrada a propriedade da coisa objecto da servidão, pode o dono do prédio dominante reclamar o reconhecimento da servidão contra terceiro, conferindo-lhe a lei os meios de defesa da posse e da propriedade, contra os meros detentores da coisa objecto do seu direito violado ou ameaçado, nos termos do disposto nos artigos 1276° e 1311°, aplicáveis, com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real, ex vi do artigo 1315° todos do Código Civil.

XXX - O direito de servidão consiste num poder real, directo e imediato sobre o prédio dominante ou parte dele, exercitando-se através da parte da coisa sobre a qual em concreto é exercido o direito, apresentando-se o seu titular como sujeito activo de uma relação jurídica que se impõe erga omnes, incluindo, à cabeça, o proprietário do prédio serviente, mas não excluindo o dever de acatamento a qualquer terceiro que estorve ou perturbe o exercício da servidão, in casu aos réus/recorridos.

XXXI - O direito de servidão foi violado com a construção do sobre dito muro, não importando in casu a quem pertence o caminho sobre o qual tal servidão é exercida, importando tão só que aquele existia e os autores/recorrentes passavam nele, estando a faixa de terreno onde se desenvolve o caminho onerada com a servidão, que assim deve ser reconhecida e reposta por quem executou as obras e praticou os factos impeditivos do seu exercício, a quem igualmente, em consequência do sobredito, deve ser imposta a condenação de se abster de praticar quaisquer actos lesivos desse direito e posse.

XXXI - Também no que concerne ao segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da violação do seu direito de propriedade e consequente reconstituição da situação anterior às obras o tribunal recorrido decidiu contra a matéria de facto provada.

XXXII - Peticionaram os autores/recorrentes fosse declarado que os réus procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte do seu prédio, que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com o comprimento de 21,50 m, a largura de 0,30 m e a altura média de 0,40 m, com o que taparam a entrada para o prédio e ocuparam uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do mesmo prédio, correspondente às dimensões do assentamento do muro, sem qualquer título e contra a vontade dos autores, conforme concretizado nos artigos 21.º até 30.º da petição.

XXXIII - Mais peticionaram, em consequência disso, se condenassem os réus a reporem a borda do seu prédio na situação anterior às obras, demolindo e retirando o muro, ferros e rede, restituindo-lhes essa parte do seu prédio, livre e desocupada.

XXXIV - Entendeu o tribunal a quo que não resultou provada qualquer violação do direito de propriedade dos autores, pois que só ficou demonstrada a construção dos muros descritos na petição inicial, mas não já que os mesmos tivessem sido construídos ofendendo a propriedade dos Autores, assim fazendo improceder tais pedidos.

XXXV - Para além de se considerar que se possa ter incorrido em omissão de pronúncia a que alude o artigo 615°, n.º 1, alínea d) do CPC, com a consequente nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre temas da prova que lhe era dado conhecer - o que sempre poderá ser do conhecimento oficioso, em termos latos compreendidos no artigo 662° do CPC - o tribunal decidiu mal, porquanto decidiu a contra a matéria de facto provada, para além do mais que adiante se vai arguir.

XXXVI - O tribunal decidiu contra a matéria dada como provada em 1.17, onde consta que o réu e seus familiares, em 18 de Maio de 2011, procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte no prédio descrito em A), que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com 21,50 metros de comprimento e a largura de 0,30 metros.

XXXVII - Tal ilação parece ter resultado das respostas negativas constantes de 2.4 e 2.5 da matéria de facto não provada, as quais estão em contradição com o decidido no ponto 1.17.

XXXVIII - A expressão "no prédio" ali inserida não permite outra interpretação que não seja a de que a escavação da vala, no prédio dos autores, pelo que o muro construído após o enchimento da vala, com as dimensões retro mencionadas, necessariamente ocupa esse prédio na exacta medida da sua implantação.

XXXIX - Por conseguinte, devem as respostas negativas constantes de 2.4 e 2.5 da matéria de facto não provada ser consideradas incorrectamente julgadas, porque decididas em contradição com o julgado no ponto 1.17 dos factos provados, em resultado da perícia e das declarações de parte do réu.

XXXX - Em consequência do que, deve ser alterado o sentido de tais respostas negativas, considerando a matéria de facto constante de 2.4 e 2.5 como provada, com as legais consequências.

XXXXI - Ainda em consequência da requerida alteração do julgado, deve ser declarado que, com a construção do muro, os réus ocuparam o prédio dos autores, na exacta medida da sua implantação, constante de 1.7, declarando-se, por conseguinte, violado o invocado direito de propriedade dos autores.

XXXXII - Por via dessa violação do direito de propriedade violado com a construção do referido muro, devem também os réus/recorridos ser condenados a reporem a borda do prédio na situação anterior às obras, demolindo e retirando o muro, ferros e rede, restituindo aos autores/recorrentes essa parte do seu prédio, livre e desocupada, servidão, nos termos do disposto no artigo 1311°, n.º 1 do Código Civil.

Concluem entendendo que deve ser dado provimento ao recurso subordinado por eles interposto, revogando-se a sentença na parte que julgou improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial aqui em análise, substituindo-a por outra que reconheça o invocado direito de servidão e a violação do direito de propriedade dos apelantes, e condene os réus/recorridos no reconhecimento desses direitos e consequente reposição da situação anterior à violação.

Os Réus, por sua vez, apresentaram contra-alegações ao recurso subordinado dos Autores, pugnando pela improcedência do mesmo

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 521.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto do recurso independente interposto pelos RR. e do recurso subordinado interposto pelos AA., delimitados pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso independente dos Réus:

I) – Saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 2.17 dos factos não provados;

II) – Saber se deve ser reconhecido o direito de propriedade dos RR., por usucapião, sobre a faixa de terreno que constitui o leito do caminho em causa nos autos.

B) – Recurso subordinado dos Autores:

I) – Saber se existe contradição entre a matéria constante dos pontos 2.4 e 2.5 dos factos não provados e o ponto 1.17 dos factos provados;

II) – Da existência de uma servidão de passagem a favor do prédio dos AA. identificado nos autos;

III) – Da violação do direito de propriedade dos AA. e consequente restituição da situação anterior às obras realizadas pelos Réus.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1.1. Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Fafe, aos 25 de Maio de 1977, lavrada a fls. 94-v a fls. 96-v, do Livro de Escrituras Diversas n.º A-137, intitulada "COMPRAS QUE FAZEM J e outro, a JM e esposa", JM e esposa M, intervindo na qualidade de primeiros outorgantes; J, intervindo na qualidade segundo outorgante e de gestor dos negócios de seu cunhado J, casado no regime da comunhão de adquiridos com MM, e JF, intervindo na qualidade de terceiro outorgante e de gestor dos negócios de seu genro A, casado no regime da comunhão de adquiridos com T, - celebraram entre si o escrito/escritura patenteado nos autos a fls. 22 a fls. 27 - cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no âmbito da qual declararam entre si, entre o mais, que: Pelos primeiros outorgantes, JM e esposa, foi dito, entre o mais, QUE VENDEM: b) ao aludido A, (...), pela quantia de setenta e seis mil escudos, que do comprador já receberam, entre outros, o seguinte prédio (n.º …): - A restante parte do (...) prédio - CAMPO DO BACÊLO e LEIRA DA ESTRADA, inscrito na matriz sob o indicado artigo …, restante parte essa que confronta do nascente com o lote de terreno do número três, poente e sul com M e norte com o caminho. Que é a restante parte deste prédio visto que dele foram desintegrados seis lotes de terreno a que se refere o dito alvará de loteamento (...). Pelo terceiro outorgante, na qualidade que representa, foi dito: Que aceita a vendas que ficam feitas (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.2. Na conservatória do Registo Predial de FAFE (freguesia São Romão de Arões), encontra-se descrito, sob o n.º 1425, o seguinte: PRÉDIO RÚSTICO - denominado CAMPO DE BACELO E LEIRA DA ESTRADA, sito em Bouço, com a área total registada de 980 m2, a confrontar do norte com caminho público; do sul com proprietário, do nascente com A e poente com M, inscrito na matriz sob o n.º …, sendo que, sobre ele, por força da apresentação 25 de 2001/10/11, pende a inscrição da sua AQUISIÇÃO a favor de A, casado com T, no regime de comunhão de adquiridos, por COMPRA a JM (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.3. Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Braga, aos 23 de Novembro de 1976, lavrada a fls. 57 a fls. 58, do Livro De Escrituras Diversas n.º 1699-C, intitulada de "COMPRA E VENDA", JM e esposa MM, intervindo na qualidade de primeiros outorgantes; e J, casado com JF, sob o regime de comunhão geral de bens, intervindo na qualidade segundo outorgante - celebraram entre si o escrito/escritura patenteado nos autos de procedimento cautelar a fls. 129 a fls. 131 - cujo teor se dá por integralmente reproduzido, declarando entre si, entre o mais: Pelos primeiros outorgantes FOI DITO que pela presente escritura vendem ao segundo outorgante: Um prédio rústico denominado Campo da Regueira de Baixo, sito no lugar de Arrochela, freguesia de Arões, S. Romão, concelho de Fafe, descrito na Conservatória como fazendo parte da primeira gleba do número mil novecentos e inscrito na matriz respectiva sob o artigo quinhentos e cinquenta e nove … Que esta venda é feita pelo preço de CINQUENTA MIL ESCUDOS, que já receberam. Que o prédio vendido se encontra arrendado ao comprador. PELO SEGUNDO OUTORGANTE FOI DITO que aceita a presente venda nos termos exarados. ASSIM O DISSERAM E OUTORGARAM (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.4. Na conservatória do Registo Predial de Fafe, freguesia de São Romão de Arões, sob o n.º …, encontra-se descrito o seguinte: PRÉDIO URBANO - situado em ARROCHELA, com a área total registada de 4800 m2, sendo 121 m2 de área coberta registada e 4679 m2, de área descoberta registada, composto por CASA - de rés-do-chão e logradouro, a confrontar do norte com …, do Sul com ..., Nascente com Emília da Costa Pereira, e do POENTE com CAMINHO PÚBLICO (em construção uma casa com a área coberta de 80,75m2 de cave e rés do chão) inscrito na matriz sob o n.º 2104-P. Sendo que, sobre ele, por força da apresentação 425 de 2009/04/03, pende o averbamento de alteração, rústico, denominação: CAMPO DA REGUEIRA DE BAIXO; e, ainda: Por força da apresentação 11 de 1980/11/20, pende a inscrição da AQUISIÇÃO a favor de J, por COMPRA a JM e M (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.5. Há mais de 30 anos que os Autores, por si e antecessores, usam e fruem como entendem o prédio descrito em A) e B) [correspondente aos pontos 1.1 e 1.2 dos factos provados], ocupando-o ou deixando-o ocupar, transformando-o, conservando-o, procedendo a obras, benfeitorias e limpezas, lavrando a terra, plantando, podando e sulfatando árvores e vinha, cultivando hortaliças e leguminosas, colhendo e aproveitando os seus frutos e utilidades, pagando as respectivas contribuições e impostos (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.6. À vista e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente dos Réus, de forma contínua, sem interrupção nem oposição de ninguém (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.7. Na convicção de que tal prédio lhes pertence (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.8. O prédio descrito em C) e D) [correspondente aos pontos 1.3 e 1.4 dos factos provados], tem a área global de 4 800 m2, com a área bruta de construção de 181 m2, sendo 89 m2 de área bruta privativa e habitacional de 92 m2 sendo o que está inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Arões S. Romão sob o artigo 2104 e confronta a poente com caminho, a nascente, actualmente, com prédio urbano de Luísa Silva, e a sul com M (facto assente em sede de selecção da matéria de facto);

1.9. O acesso ao prédio descrito em A) e B), é feito, desde há mais de 40 anos, por um caminho definido, trilhado e calcado, inicialmente em terra batida e posteriormente pavimentado com pedra e betuminoso, com a largura variável não inferior a 3,30 metros e o comprimento de 75,00 metros (provém do art. 3° da matéria de facto controvertida);

1.10. … o qual, partindo da baía de estacionamento pública, contígua à EN 206, estabelece a ligação entre esta via e o referido prédio e vários outros prédios (provém do art. 4° da matéria de facto controvertida);

1.11. Esse caminho serve de acesso da referida EN para todos os prédios que com ele confinam, designadamente para o aludido prédio descrito em A), para o prédio descrito em C), e, finalmente, para um prédio de M (provém do art. 5° da matéria de facto controvertida);

1.12. Por esse caminho os Autores transitam e passam livremente, a pé, com animais e com veículos de qualquer natureza, sempre que querem e entendem, desde o prédio descrito em A) e B) até à via pública e vice-versa (provém do art. 6° da matéria de facto controvertida);

1.13. O que fazem há mais de 30 anos, por si e antepassados possuidores, e designadamente pelos caseiros e familiares que antes usaram e fruíram o prédio supra referido em A) (provém do art. 7° da matéria de facto controvertida);

1.14. À vista e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente dos Réus e seus antecessores, de forma contínua, sem violência, sem oposição de ninguém (provém do art. 8° da matéria de facto controvertida);

1.15. Na convicção de que por aí transitam no exercício pleno do direito de passarem, sempre que querem e necessitam de aceder do aludido prédio para a via pública e vice-versa, como quem usa, frui e possui coisa ou direito próprio, sem causar ofensa aos Réus (provém do art. 9° da matéria de facto controvertida);

1.16. Os Autores e antecessores usam esse acesso (caminho) e serventia todas as vezes que se deslocam para amanho e cultura do prédio descrito em A), o que vem acontecendo ano após ano, há mais de 30 anos (provém do art. 10° da matéria de facto controvertida);

1.17. O Réu e seus familiares, no dia 18 de Maio do ano de 2011, procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte no prédio descrito em A), que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com o comprimento de 21,50 metros, a largura de 0,30 metros e a altura média de 0,40 metros, acima do alicerce (provém do art. 11° da matéria de facto controvertida);

1.18. No dia seguinte, o Réu e seus familiares retiraram a cofragem do muro, nele fixaram seis ferros, espaçados de 3 em 3 metros, onde colocaram três fiadas de arame, encimando o muro com uma rede com a altura de cerca de 2,00 metros (provém do art. 12° da matéria de facto controvertida);

1.19. Com a construção do muro no local os Réus taparam a entrada para o prédio dos Autores (provém do art. 15° da matéria de facto controvertida);

1.20. Privando os Autores do acesso ao prédio descrito em A) e B), vedando-lhe a entrada por uma rampa aberta que dava directamente para o mencionado caminho (provém do art. 16° da matéria de facto controvertida);

1.21. Mercê da construção do muro descrito em 11) e 12) [correspondente aos pontos 1.17 e 1.18 dos factos provados], os Autores ficaram impedidos de aceder ao prédio id. em A) e B), com veículos, para carga e descarga de materiais, equipamentos, bens e produtos agrícolas que nele cultivam e colhem (provém do art. 18° da matéria de facto controvertida);

1.22. Com isso prejudicando o normal amanho das terras (provém do art. 19° da matéria de facto controvertida);

1.23. No início do mês de Junho de 2011, os Réus procederam à construção de um outro muro com o comprimento de 28 metros, largura de 0,20 metros e a altura de 0,20 metros, no seu ponto mais baixo, e de 0,60 metros, no seu ponto mais alto, encimando-o com uma rede cerca de 1,50 metros de altura, muro esse que erigiram no próprio leito do caminho (provém do art. 20° da matéria de facto controvertida);

1.24. Com tal construção, ocuparam cerca de 0,80 metros do referido caminho, ao longo do seu lado norte, reduzindo a largura do seu leito na exacta medida dessa ocupação (provém do art. 21° da matéria de facto controvertida);

1.25. À data da aquisição referida em C), já existia um caminho que tinha o seu início, como ainda hoje acontece, na Avenida de Bouçó (E.N. n.º 206), mais concretamente entre os prédios urbanos habitacionais situados nessa Avenida e com os números de polícia 277 e 237 (provém do art. 29° da matéria de facto controvertida);

1.26. Sendo que naquela data, era em terra batida (antes das obras de alargamento e de beneficiação que os RR. nele levaram a cabo) (provém do art. 30° da matéria de facto controvertida);

1.27. E que constituiu a única ligação na altura, e, depois, durante muitos anos, existente da E.N. n.º 206 ao prédio descrito em C) e D) - primeiramente rústico, e, depois, ao identificado prédio urbano que nele edificaram (provém do art. 31° da matéria de facto controvertida);

1.28. A referida entrada do caminho, no sentido descendente, ou seja, da Av. de Bouçó para o prédio urbano descrito em C) e D), tem no seu início não menos de 3,5 metros de largura, prolongando-se o seu leito com essa largura por mais cerca de dez metros de comprimento, com o seu piso em paralelo que ali foi colocado pelos RR. (provém do art. 32° da matéria de facto controvertida);

1.29. E daí continuando o leito desse caminho por não menos de 20 metros em "calceta grossa", tipo "calçada imperfeita", aí colocada pelos RR., em grande parte da qual os mesmos deitaram, posteriormente, alcatrão (provém do art. 33°);

1.30. E prolongando-se esse mesmo caminho em, pelo menos, mais cinquenta metros, com o seu leito em terra batida e "calçada imperfeita", também ali colocada pelos RR., até chegar ao local onde os RR., há cerca de três anos a esta data colocaram, custeando, um portão em ferro e que é do seu uso exclusivo (provém do art. 34°);

1.31. O leito do referido caminho, considerando a referida direcção, tem uma largura média na sua extensão entre os 3, 30 e os 4.50 metros (provém do art. 35°);

1.32. Desde a data referida em C), foram os RR. quem, exclusivamente, colocaram no leito desse caminho o paralelo, a calceta e o alcatrão que vêm referidos e cuidaram, como cuidam, da sua manutenção, mesmo quando o leito do mesmo era em terra batida (provém do art. 36°);

1.33. Designadamente limpando-o e repondo pedras da referida calceta sempre que tal se mostre necessário (provém do art. 37°);

1.34. Foram ainda os RR. quem decidiram executar, e executaram, as obras de entubamento da água de consortes da denominada "Poça da Vessada", que eram encaminhadas para os consortes existentes no local e que atravessavam o leito do caminho em apreço em rego "a céu aberto" (provém do art. 38°);

1.35. Abrindo a respectiva vala nesse mesmo caminho para enterrar o correspondente tubo, como fizeram, como nesse caminho exploraram e aproveitaram para si as águas num poço que construíram e conduziram a respectiva água até ao prédio urbano id. em D), custeando, por si sós, as correspondentes obras (provém do art. 39°);

1.36. E foram os RR. quem realizaram todas as obras no leito do caminho que vêm alegadas, sem pedir autorização a quem quer que fosse, sem oposição de ninguém e custeando-as com dinheiro exclusivamente seu (provém do art. 40°);

1.37. O referido caminho encontra-se definido, trilhado e calcado (provém do art. 41º);

1.38. Os RR. têm praticado todos os actos e obras referidas de 30) a 40) [correspondente aos pontos 1.26 a 1.36 dos factos provados], à vista e com conhecimento de toda a gente, designadamente dos AA., sem constranger terceiros, contínua e ininterruptamente, e sem qualquer oposição, de quem quer que seja, nem mesmo daqueles demandantes (provém do art. 42°);

1.39. O prédio descrito em A) e B) confronta a norte com um prédio urbano dos AA. (cujo lote para construção foi adquirido também na escritura referida em A), contíguo àquele rústico, onde se mostra implantada a sua habitação, e a poente com o caminho descrito de 29) a 42) [correspondente aos pontos 1.25 a 1.38 dos factos provados] (provém do art. 44°);

1.40. O prédio descrito em C) confronta a norte com M e com caminho referido de 29) a 44) [correspondente aos pontos 1.25 a 1.39 dos factos provados] (provém do art. 45°);

1.41. Os RR. reconvintes deitaram abaixo, em cumprimento da decisão proferida na decretada providência cautelar não menos de 3 metros do muro acima caracterizado e que tinham erigido a suas exclusivas expensas (provém do art. 49°);

1.42. As obras de reparação e de manutenção efectuadas pelos RR., no caminho descrito de 29) a 44) [correspondente aos pontos 1.25 a 1.39 dos factos provados] são feitas pelos Réus uma vez que são os RR. quem constantemente danificam o caminho com o trânsito de veículos pesados (provém do art. 51°);

Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:

2.1. O prédio descrito em A) e B), sendo composto de terra de cultura e árvores de vinho, apresenta ainda a área de 980 m2 (provém do art. 1º da matéria de facto controvertida);

2.2. E apresenta as confrontações descritas em B), mormente confrontando do norte com caminho público (provém do art. 2º da matéria de facto controvertida);

2.3. Que o caminho sirva de acesso para um prédio de M e para um prédio de A (provém do art. 5° da matéria controvertida);

2.4. Com a construção do muro supra referida nos factos provados os Réus ocuparam o prédio descrito em A), na medida da implantação do muro (provém do art. 13° da matéria de facto controvertida);

2.5 … Ocupando uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do referido prédio, com o comprimento de 21,50 metros e a largura de 0,30 metros (provém do art. 14° da matéria de facto controvertida);

2.6. Para acederem ao prédio identificado em A), com animais, veículos de tracção animal, tractores e outros veículos motorizados, os Autores não têm outra forma de o fazer a não ser através do caminho supra referido em 3), 4) e 5), posto que é o único acesso possível ao sobredito prédio, com tais veículos (provém do art. 17° da matéria de facto controvertida);

2.7. Com a diminuição da largura do caminho, torna-se mais difícil para os Autores circular e manobrar com veículos de maiores dimensões (provém do art. 22° da matéria de facto controvertida);

2.8. No início do mês de Julho de 2011, os Réus procederam à colocação de uma corrente de metal e um cadeado no local onde o caminho se inicia, junto à baía de estacionamento pública, contígua à Estrada Nacional (provém do art. 23° da matéria de facto controvertida);

2.9. Prendendo a corrente e o cadeado a dois "chumbadouros" que fixaram, nos muros de vedação dos prédios vizinhos, de um lado propriedade de M e do outro lado propriedade de A, num local que dista cerca de 50 metros dos limites do prédio descrito em C) (provém do art. 24° da matéria de facto controvertida);

2.10. Sendo certo que, por ora, não fecharam o aloquete e mantêm a corrente jazente no chão, a verdade é que o Réu já propalou que qualquer dia vai vedar a entrada do caminho com a corrente (provém do art. 25° da matéria de facto controvertida);

2.11. Ameaçando impedir a entrada dos Autores para o caminho, impossibilitando-os, consequentemente de nele transitarem e de livremente acederem ao prédio referido em A) e de o utilizarem (provém do art. 26° da matéria de facto controvertida);

2.12. A diminuição da largura do aludido caminho e a ocupação parcial de parte do prédio descrito em A) e B) - da forma descrita em 13) e 14), causa prejuízos aos AA. (provém do art. 27° da matéria de facto controvertida);

2.13. O referido em 11 a 16 e 18 a 26 causou aos Autores angústia, inquietação e vexame social (provém do art. 28° da matéria de facto controvertida);

2.14. Que o caminho tenha sido alargado para a sua direita (no sentido descendente da Av. Bouçó / E.N. n.º 206 para a casa habitação dos RR., através de obras que os RR. nele fizeram;

2.15. A entrada desse caminho mostrava-se, já então, ladeada pelos muros delimitadores desses dois prédios urbanos, num dos quais - o do 277 - ainda são visíveis os chumbadores de uma cancela de ferro e rede, de uma só folha, que ali existiu até cerca do ano de 1994 e que, depois, foi substituída por uma corrente em ferro com um aloquete preso num chumbador, também em ferro, colocada pelos réus nesse mesmo muro e de que só eles têm a chave, o que tudo ainda existe e se vê nesse local (provém do art. 32° da matéria de facto controvertida);

2.16. Que o caminho esteja trilhado e calcado por acção exclusiva dos Réus (provém do art. 41°);

2.17. Na convicção, em que sempre têm estado os RR., de que a alegada faixa de terreno que constitui o leito do caminho em toda a sua extensão - e área - compreendida entre o seu início da E.N. 206 para a entrada no aludido prédio urbano descrito em D), lhes pertence, exclusivamente e em propriedade (provém do art. 43°);

2.18. O acesso ao Campo do Bacelo descrito em A) e B) por parte dos AA., pelo caminho descrito de 29) a 44) apenas se processou com permissão dos Réus e, sempre, por mera tolerância sua (provém do art. 46°);

2.19. As pretensões dos AA. nestes autos causaram e causam transtorno aos RR., trazendo-os preocupados e sentidos (provém do art. 47°);

2.20. Os RR. reconvintes ficaram sentidos e pesarosos pelo facto de terem que demolir parte do muro de vedação que edificaram com grande sacrifício e custo, dando cumprimento a uma ordem do Tribunal proferida sem que os mesmos tenham sido ouvidos em face à acção e conduta dos AA. (provém do art. 48°);

2.21. Cujo custo, se houverem de reerguer, ascenderá a não menos de € 500,00 (provém do art. 50°);

2.22. Que as obras no caminho sejam feitas pelos Réus na sequência de exigência dos demais consortes do caminho (provém do art. 55° da matéria de facto controvertida).


*

Apreciando e decidindo.

A) – Recurso independente dos Réus:

I) – Saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 2.17 dos factos não provados:

Alegam os RR., ora recorrentes, que foi incorrectamente dado como não provado pelo Tribunal “a quo” o seguinte facto (ponto 2.17 dos factos não provados):

2.17. Na convicção, em que sempre têm estado os RR., de que a alegada faixa de terreno que constitui o leito do caminho em toda a sua extensão - e área - compreendida entre o seu início da E.N. 206 para a entrada no aludido prédio urbano descrito em D), lhes pertence, exclusivamente e em propriedade (provém do art. 43°).

Para sustentar a sua posição, argumentam que tendo o Tribunal dado como provada a prática de actos de posse dos RR. sobre o referido caminho, descritos nos pontos 1.32 a 1.38 dos factos provados, os recorrentes têm a seu favor uma presunção legal de posse nos termos do artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil, que faz operar uma inversão do ónus da prova, pelo que estavam os RR. dispensados de provar os factos a que ela conduz, cabendo antes aos AA. provar que os actos praticados pelos RR. no aludido caminho o fossem a título de mera tolerância e que estes não possuem o caminho na convicção de serem os seus verdadeiros proprietários, o que, no seu entender, não se provou.

Mais alegam os recorrentes que as presunções legais têm o seu campo de aplicação ao nível da aplicação do direito, sendo que estas presunções não têm qualquer influência no processo de formação da convicção do julgador no que respeita à verificação ou não dos factos controvertidos. E como a presunção em causa nos autos é uma presunção legal, cujo funcionamento depende da verificação, ou não, dos pressupostos que estão previstos na lei, não tendo os AA. logrado provar factos que ilidissem tal presunção, entendem os recorrentes que o exercício de actos de posse pelos RR. sobre o caminho controvertido na convicção de serem seus proprietários, não pode ser levado à matéria de facto (constituindo uma questão a ser considerada em sede de aplicação do Direito), devendo ser eliminado o mencionado facto 2.17 que foi dado como não provado.

Mesmo que assim não se entendesse, defendem os recorrentes que este facto, por via da presunção legal não ilidida, deveria constar do rol de factos provados.

Embora os recorrentes não refiram expressamente nas suas alegações e respectivas conclusões que pretendem impugnar a matéria de facto, retira-se da sua leitura que os mesmos pretendem impugnar o facto constante da ponto 2,17 dos factos não provados.

Todavia, os RR., ora recorrentes, não cumpriram cabalmente os ónus de impugnação da matéria de facto nos termos estabelecidos no citado artº. 640º do NCPC, porquanto embora tenham mencionado no corpo das alegações e nas respectivas conclusões o ponto da matéria de facto que consideram incorrectamente julgado, não indicaram especificadamente, nem nas conclusões do recurso nem no texto das alegações, quais os meios de prova (testemunhal e documental) constantes do processo ou da gravação nele realizada que, em seu entender, levariam a uma decisão diversa quanto ao facto por eles assinalado.

Na verdade, como se alcança das alegações de recurso e respectivas conclusões, os recorrentes limitaram-se a manifestar a sua discordância em relação ao decidido e a formular a sua pretensão no sentido do ponto 2.17 ser eliminado dos factos não provados, fundando-se no facto de terem a seu favor uma presunção legal derivada do exercício de actos de posse sobre o caminho controvertido na convicção de serem seus proprietários, que não pode ser considerada em sede de decisão sobre a matéria de facto, ou caso assim não se entenda, de tal facto ser considerado provado, dado os AA. não terem logrado provar factos que permitissem ilidir tal presunção, não tendo sequer especificado expressamente quais os documentos constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento em que fundamentam a sua discordância e que consideram serem relevantes para uma decisão diversa da recorrida.

Ademais, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, entendemos que o ponto 2.17 dos factos não provados integra matéria de facto que, a ser dada como provada, permitiria ilidir a presunção legal a que aqueles fazem referência. Com efeito, embora se tenha dado como provada a realização pelos RR. de obras no caminho objecto de controvérsia nestes autos, a expensas destes, sem pedirem autorização a quem quer que fosse, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (pontos 1.32 a 1.38 dos factos provados), também resultou provado no ponto 1.42 que tais obras de reparação e manutenção efectuadas pelos RR. no dito caminho são por eles feitas uma vez que são os RR. quem constantemente danificam o caminho com o trânsito de veículos pesados, facto este que não foi impugnado por aqueles.

Por outro lado, como se refere na “motivação da facto”, tendo resultado provado que várias pessoas utilizam o dito caminho (pontos 1.11 dos factos provados), mostra-se muito pouco credível que os RR., ao praticarem os actos descritos em 1.32 a 1.38 supra, o fizessem na convicção de que tal faixa de terreno que constitui o leito do caminho lhes pertence. Assim, provado o uso do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as dos RR. e não tendo resultado provado que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização daqueles, o Tribunal recorrido não se convenceu da actuação dos RR./Reconvintes sobre tal caminho enquanto proprietários.

Tudo o que atrás deixámos exposto, em nosso entender, permite ilidir a presunção de posse invocada pelos RR., sendo tal questão apreciada mais adiante, em sede de decisão de Direito, quando nos debruçarmos sobre o reconhecimento do direito de propriedade dos RR. sobre o mencionado caminho peticionado na reconvenção por eles deduzida.

De todo o modo, sempre se dirá que, conforme se alcança da “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, o Tribunal “a quo” fez uma análise crítica, detalhada e exaustiva de toda a prova produzida nos autos, por forma a permitir compreender o raciocínio lógico que conduziu à decisão sobre a matéria de facto que nela se mostra explanada, constatando-se sem margem para dúvidas que a apreciação e análise que foi feita de todos os elementos de prova produzidos nos autos, está em conformidade com a factualidade dada como não provada colocada em crise no presente recurso, não se vislumbrando que exista motivo para alterar a matéria de facto não provada, como pretendem os recorrentes.

Assim, não tendo os recorrentes cumprido integralmente os ónus de especificação a que estavam obrigados nos termos acima expostos, com vista a conseguir a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto e a procedência do pedido reconvencional por aqueles deduzido, tal circunstância determina o não conhecimento do recurso ora interposto, concretamente sobre a reapreciação e modificabilidade da matéria de facto, nos termos do disposto no artº. 640º, nº. 1, al. b) e nº. 2 do NCPC, devendo, por isso, manter-se inalterado o ponto 2.17 dos factos não provados.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso interposto pelos Réus.


*

II) – Saber se deve ser reconhecido o direito de propriedade dos RR., por usucapião, sobre a faixa de terreno que constitui o leito do caminho em causa nos autos:

O Tribunal “a quo” julgou improcedente a reconvenção quanto à aquisição, por usucapião, da faixa de terreno que constitui o leito do caminho em discussão nos autos, considerando que, embora resulte da factualidade apurada o elemento material da posse - o corpus - traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, não resultou provado que os RR./recorrentes tenham praticado aqueles actos com o animus de proprietário.

Insurgem-se os recorrentes contra tal decisão alegando que a mesma violou o disposto no artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil e o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ de 14/05/1996, publicado no D.R. nº. 144 – II Série, de 24/06/1996, ao interpretar mal a presunção legal aí estabelecida, pois ao considerar que o facto de várias pessoas utilizarem o caminho, sem que tal seja por mera tolerância dos recorrentes, leva à conclusão que estes não têm posse na convicção de serem verdadeiros proprietários, o Tribunal “a quo” ignorou a inversão do ónus da prova originada pela aludida presunção legal e o disposto no artº. 350º, nº. 1 do Código Civil.

Por entenderem que se encontram preenchidos todos os requisitos da aquisição por usucapião, pretendem que seja declarado e reconhecido que os RR. Reconvintes adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre a faixa de terreno cujo leito constitui o caminho identificado nos autos.

Salvo o devido respeito, não lhes assiste razão, porquanto o Tribunal “a quo” julgou em conformidade com as normas supra citadas e teve em atenção a doutrina do mencionado acórdão do STJ, tendo aplicado correctamente o direito à matéria de facto dada como provada, como se pode constatar no seguinte trecho da parte final da “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, que passamos a transcrever:
«(…)

Não temos dúvidas, porque nesse sentido foi a prova toda, que os Reconvintes usam o dito caminho, há mais de 30 anos, o reparam e mantêm à vista de todos, sem oposição de ninguém. O que não resultou provado quanto a nós foi que o fizessem na convicção que o caminho era sua propriedade exclusiva. Sabemos que o acórdão de uniformização de jurisprudência de 14/05/96, publicado no DR. II, de 24/06/96 consagrou que, podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa. Escorando-se no art. 1252°, nº 2, considerou o Pleno que o poder de facto faz nascer uma presunção de posse, não sendo lícito ao Tribunal exigir ainda a quem invoca a posse a prova, sempre difícil, do animus. Esta doutrina, no entanto, não nos impede de chegar à conclusão a que chegamos pois através da prova produzida, ficou ilidida tal presunção. Na realidade são tantas as pessoas que usam o dito caminho que se mostra muito pouco credível que os autores [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “Réus” em face da matéria alegada pelas partes], se sentissem seus proprietários exclusivos. Como já deixámos dito a pretensão dos autores [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “Réus” em face da matéria alegada pelas partes] de provar que tal uso por outros proprietários confinantes se processava por mera cortesia, resultou infirmada pelos depoimentos das testemunhas trazidas pelos Autores. Provado o uso do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as dos Réus e não tendo resultado provado que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização, o tribunal não se convenceu da actuação dos Reconvintes sobre tal caminho enquanto proprietários.»

Por outro lado, contrariamente ao que é referido pelos recorrentes, o Tribunal “a quo”, para afastar a presunção legal, não se fundamentou apenas no facto de passarem pelo caminho várias pessoas. O Tribunal disse muito mais, como resulta do trecho da motivação de facto supra transcrito, referindo na “fundamentação de direito”, também a este respeito, após enunciar o que resulta da matéria de facto provada nos pontos 1.25 a 1.38, o seguinte:
«(…)
Desta factualidade extrai-se o elemento material da posse “o corpus", traduzido, como já deixámos dito, no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício.
O que não resultou provado e, sem tal, terá de improceder a pretensão dos reconvintes, é que estes tenham praticado aqueles actos com o animus de proprietário. Não duvidamos que os Reconvintes (à semelhança dos Autores, aliás) detenham sobre o dito caminho um qualquer outro direito real, mas não ficámos convencidos que fosse o direito de propriedade plena e exclusiva (…), como resulta, aliás, da motivação de facto supra».

Para que se verifique a aquisição do direito de propriedade com base na usucapião é necessário que se mostrem preenchidos os pressupostos estabelecidos no artº. 1287º do Código Civil, ou seja: a posse da coisa e o decurso de certo período de tempo.

A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade baseada na posse, numa posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade (cfr. Prof. Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, 122, pág. 67).

Entende-se por posse o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artº. 1251º do Código Civil).

Como é sabido, e quase pacificamente assim entendido na doutrina e na jurisprudência, o nosso legislador consagrou a concepção subjectiva da posse, devendo esta ser integrada por dois elementos estruturais: o corpus, traduzido no exercício do poder de facto sobre a coisa, nos actos materiais sobre ela praticados, e o animus, que consiste na intenção do detentor se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados (cfr. Prof. Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 66 a 68; Prof. Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 189; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 5; acórdãos do STJ de 5/03/1991, proc. nº. 081671, de 28/05/2002, proc. nº. 01B1466 e de 20/10/2007, proc. nº. 07A1807), acessíveis em www.dgsi.pt).

De acordo com o disposto no artº. 1263º do Código Civil, a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (alínea a), pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor (alínea b), por constituto possessório (alínea c) e por inversão do título da posse (alínea d).

Para conduzir à aquisição da propriedade, por via da usucapião, a posse tem de revestir duas características: ser pública e pacífica.

As restantes características – ser titulada ou não titulada, ser de boa ou de má fé –apenas influem no prazo necessário à usucapião (artºs 1258º a 1262º, 1287º e 1294º a 1297º todos do Código Civil) – cfr. acórdão da RL de 26/04/2007, proc. nº. 2337/2007-6, acessível em www.dgsi.pt).

Por outro lado, o artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil estabelece uma presunção de posse em nome daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus), referindo-se no acórdão do STJ de 14/05/1996, publicado no D.R. nº. 144/96 – II Série, de 24/06/1996, que se justifica esta presunção por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 8).

Este acórdão do STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre a coisa”.

Com efeito, exigindo a lei o corpus e o animus para efeito de haver posse, e como a prova do animus poderá ser muito difícil, é estabelecida a presunção legal do citado artº. 1252º, nº. 2 – ou seja, em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto - daqui decorrendo que o exercício do corpus faz presumir a existência do animus (cfr. Prof. Mota Pinto, ob. cit., pág. 191; Luís Menezes Leitão, Direitos Reais, 5ª ed., 2015, Almedina, pág. 211 e acórdão do STJ de 7/02/2013, proc. nº. 1952/06.2TBVCD, acessível em www.dgsi.pt), podendo tal presunção ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do artº. 350º, nº. 1 do Código Civil.

Feitas estas considerações gerais sobre a caracterização da posse e os requisitos para aquisição do direito de propriedade por usucapião, analisemos o caso da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade dos RR. sobre a faixa de terreno que constitui o leito do aludido caminho.

Apesar de se poder extrair da factualidade apurada o elemento material (corpus), traduzindo-se nos actos materiais praticados sobre o caminho, extrai-se, todavia, da componente psicológica (animus) que da actuação dos recorrentes não decorre a intenção de se comportarem como titulares do direito de propriedade, mas sim como titulares de um direito compartilhado de passagem.

Não podemos olvidar que consta provado na sentença recorrida que “As obras de reparação e de manutenção efectuadas pelos RR., no caminho descrito de 29) a 44) [correspondente aos pontos 1.25 a 1.39 dos factos provados] são feitas pelos Réus uma vez que são os RR. quem constantemente danificam o caminho com o trânsito de veículos pesados”ponto 1.42 dos factos provados que não foi impugnado – referindo-se na “motivação de facto” o seguinte:

“(…)

A factualidade inserida nos pontos 1.28. a 1.37. e 1.42. resultou do relatório pericial elaborado (no que às medidas concerne) e dos depoimentos prestados por todas as testemunhas ouvidas que referiram que sempre quem fazia obras no caminho eram os Réus, tendo as testemunhas trazidas pelos autores confirmado tal facto ressalvando, no entanto, que tal sucedia dessa forma uma vez que eram os Réus quem mais necessitavam e estragavam o caminho com a passagem de camiões para a serração que tinham no seu prédio".

Assim, tendo em atenção a matéria vertida nos pontos 1.42 dos factos provados e 2.17 dos factos não provados, bem como o que consta da motivação de facto, podemos concluir que aqueles actos de intervenção no caminho eram vistos por todos os consortes como a expressão do princípio de que "quem estraga conserta", sendo esse o único significado atribuível à actuação dos recorrentes, que reparavam os estragos que nele constantemente provocavam e beneficiavam o caminho tão só com o propósito de melhorar e possibilitar a sua exigente utilização, porquanto tratava-se de um caminho de natureza agrícola que não dispõe de condições técnicas para o trânsito frequente de veículos pesados.

Dispõe o artº. 1565º, nº. 1 do Código Civil que o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. Sendo necessárias obras para possibilitar a passagem, estas não só podem como devem ser realizadas pelo titular utilizador que nelas tenha interesse, suportando este os respectivos encargos, nos termos do artº. 1567º do mesmo Código.

Ora, no caso dos autos, os recorrentes procederam a várias obras de conservação e beneficiação do caminho, basicamente ao nível do seu piso. Só que aos recorrentes não restava outra alternativa, pois que, se o não fizessem, não poderiam transitar pelo caminho com veículos pesados.

Com efeito, percebeu o Tribunal “a quo” que tais obras foram executadas para reparação e conservação do caminho, na medida em que eram os próprios recorrentes que o danificavam, por causa dos estragos provenientes da circulação frequente de veículos pesados.

Podemos, pois, concluir, que os actos e as obras executadas pelos RR./recorrentes não foram por eles praticados enquanto titulares do direito de propriedade sobre o caminho, mas sim, como se referiu na sentença, em virtude dos mesmos serem necessários à conservação e manutenção do caminho, por via dos estragos e deterioração causados pela passagem dos veículos pesados que aí fazem circular, sendo que tais actos contêm-se nos poderes e atribuições próprios do titular do direito de servidão de passagem e até, como acontece “in casu”, nos deveres de reparação dos danos causados pela utilização (artºs 1565º e 1567º do Código Civil).

Ademais, como já atrás se referiu, tendo resultado provada a utilização do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as dos RR. e não se provando que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização daqueles, não é crível, segundo as regras da experiência comum, que os RR., ao praticarem os actos descritos em 1.32 a 1.38 supra, o fizessem na convicção de que tal faixa de terreno que constitui o leito do caminho lhes pertence.

Daqui resulta que os actos de posse que os recorrentes invocam não podem conduzir ao resultado que pretendem, ou seja, ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquela faixa de terreno que constitui o leito do caminho.

Por outro lado, indepentemente de ter resultado provado que os RR. usam o dito caminho, há mais de 30 anos, reparando-o e praticando determinados actos à vista de todos, sem oposição de ninguém, como aliás é admitido na sentença recorrida, importa referir que não resulta dos autos que o dito caminho constitua um prédio autónomo ou faça parte integrante de um determinado prédio, tanto mais que os RR. na reconvenção nem sequer alegam que o caminho integra o seu prédio supra identificado ou outro(s) prédio(s) devidamente identificado(s).

Assim, atenta a forma como se encontra gizado o pedido reconvencional, não se identificando o prédio em que se insere tal faixa de terreno que constitui o leito do caminho em causa, nunca poderia ser reconhecido o direito de propriedade de que os RR. se arrogam.

Deste modo, concluindo-se, como na sentença recorrida, que através da prova produzida nos autos, ficou ilidida a presunção prevista no artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil e que os RR./recorrentes não actuaram na convicção de serem verdadeiros proprietários, não poderá ser reconhecido o seu direito de propriedade, por usucapião, sobre a faixa de terreno que constitui o leito do caminho em causa nestes autos.

Nestes termos, improcede o recurso interposto pelos Réus.


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B) – Recurso subordinado dos Autores:

I) – Saber se existe contradição entre a matéria constante dos pontos 2.4 e 2.5 dos factos não provados e o ponto 1.17 dos factos provados:

Entendem os AA., ora recorrentes, que as respostas negativas constantes dos pontos 2.4 e 2.5 dos factos não provados estão em contradição com a matéria do ponto 1.17 dos factos provados, onde a expressão "no prédio" não permite outra interpretação que não seja a de que a escavação da vala, no prédio dos autores, depois de enchida com pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com as dimensões supra mencionadas, ocupou efectivamente aquele prédio na medida da sua implantação, pretendendo que a matéria de facto constante dos pontos 2.4 e 2.5 seja dada como provada.

Mais alegam que o Tribunal “a quo” deu como provado o ponto 1.17 com base na perícia realizada nos autos e nas declarações de parte do próprio Réu J, como se refere na motivação de facto constante da sentença [transcrição]:

"No que toca à factualidade provada sob os art. 1.17 a 1.24 inclusive a mesma resultou da perícia realizada e das declarações de parte do Réu J. Das declarações deste último obtivemos a confirmação de que teria sido ele a erigir os muros em causa e do relatório pericial resultaram as medidas e características dos ditos muros".

O ponto 1.17 dos factos provados tem a seguinte redacção:

“O Réu e seus familiares, no dia 18 de Maio do ano de 2011, procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte no prédio descrito em A), que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com o comprimento de 21,50 metros, a largura de 0,30 metros e a altura média de 0,40 metros, acima do alicerce (provém do art. 11° da matéria de facto controvertida)”.

Os pontos da matéria de facto dada como não provada que os recorrentes pretendem sejam considerados provados são os seguintes:

2.4. Com a construção do muro supra referida nos factos provados os Réus ocuparam o prédio descrito em A), na medida da implantação do muro (provém do art. 13° da matéria de facto controvertida);

2.5 … Ocupando uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do referido prédio, com o comprimento de 21,50 metros e a largura de 0,30 metros (provém do art. 14° da matéria de facto controvertida).

Ora, analisando estes pontos da matéria de facto e confrontando os mesmos com o teor do pedido formulado na alínea C) da petição inicial e o trecho da “motivação de facto” supra transcrito, relativo aos pontos 1.17 a 1.24 dos factos provados, no qual se faz referência à perícia realizada e às declarações de parte do Réu J na formação da convicção do Tribunal, constatamos que não existe contradição entre o ponto 1.17 dos factos provados e os pontos 2.4 e 2.5 dos factos não provados supra enunciados.

Senão, vejamos.

A matéria dada como provada no ponto 1.17 provém do quesito 11º da Base Instrutória, o qual integrou o objecto da perícia realizada nos autos, tendo na resposta ao mesmo o Sr. Perito confirmado as medidas do muro ali referidas – ou seja, 21,50 metros de comprimento, 0,30 metros de largura e altura média de 0,40 metros.

A matéria constante do ponto 2.5 dos factos não provados provém do quesito 14º da Base Instrutória, que também integrou o objecto da perícia, onde se pergunta o seguinte:

- Quesito 14º: Ocupando uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do referido prédio, com o comprimento de 21,50 metros e a largura de 0,30 metros?

Resposta do Sr. Perito: Sim (foto 5), que veio a ser reiterada nos esclarecimentos por eles prestados a fls. 316 e 350 a 352.

A matéria constante do ponto 2.4 dos factos não provados, proveniente do quesito 13º da Base Instrutória, não consta do relatório pericial junto a fls. 181 a 184 e respectivos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a fls. 316 e 350 a 350.

Como se refere na “motivação de facto”, das declarações do Réu Joaquim Freitas apenas se obteve a confirmação de que teria sido ele a erigir o muro em causa e no relatório pericial apenas constam as medidas e características do dito muro.

Na verdade, do relatório pericial acompanhado das fotografias tiradas pelo Sr. Perito constante de fls. 181 a 184, apreciado conjugadamente com os esclarecimentos por ele prestados a fls. 316 e 350 a 352, não se pode inferir que, com a escavação da vala para os alicerces do muro, tenha sido ocupada qualquer área do prédio dos AA., nem o Sr. Perito podia confirmar tal facto (como efectivamente não confirmou) por não dispor de elementos suficientes para o efeito.

Por outro lado, quando no ponto 1.17 dos factos provados se diz que o Réu e seus familiares procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte no prédio dos AA., não podemos deixar de interpretar a expressão “no prédio” dentro do contexto da matéria que é alegada nos artºs 21º, 22º, 29º e 30º da petição inicial, que estiveram na origem dos quesitos 11º da B.I. (ponto 1.17 dos factos provados) e quesitos 13º e 14º da B.I. (pontos 2.4 e 2.5 dos factos não provados), bem como do pedido que é formulado pelos AA. na alínea C) do seu petitório, no sentido de ser:

“Declarado que os RR. procederam à escavação de uma vala ao longo da estrema norte do prédio dos AA., que depois encheram de pedra e betão, aí procedendo à construção de um muro com o comprimento de 21,50 m, a largura de 0,30 m e a altura média de 0,40 m, com o que taparam a entrada para o prédio e ocuparam uma faixa de terreno localizada na bordadura norte do mesmo prédio, com o comprimento de 21,50 m e a largura de 0,30 m, sem qualquer título e contra a vontade dos Autores, conforme concretizado nos artºs 21º a 30º da petição”. (sublinhado nosso).

Nesta parte do pedido formulado pelos AA. faz-se menção à escavação de uma vala ao longo da estrema norte do seu prédio e à ocupação de uma faixa de terreno localizada na “bordadura” (expressão esta entendida como estrema) norte do mesmo prédio.

Não se vislumbra, pois, que exista motivo para dar como provados os pontos 2.4 e 2.5 supra referidos, pois da conjugação destes elementos e da interpretação que se faz dos mesmos, podemos concluir que os RR. não ocuparam qualquer faixa de terreno do prédio dos Autores.

Em face do acima exposto, terá de improceder, nesta parte, o recurso interposto pelos AA., mantendo-se inalterada a matéria de facto provada e não provada supra descrita.


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II) – Da existência de uma servidão de passagem a favor do prédio dos AA. identificado nos autos:

Insurgem-se os AA. contra a sentença recorrida na parte em que não reconheceu a existência de uma servidão de passagem a favor do seu prédio, constituída por destinação de pai de família e, consequentemente, não condenou os RR. a reconhecer este direito de servidão de passagem e a absterem-se de praticar quaisquer actos lesivos ou turbadores de tal direito, argumentando que o Tribunal “a quo”, apesar de ter concluído pela existência do exercício de tal servidão, não reconheceu a mesma, errando na enunciação e subsunção do direito aplicável à factualidade em apreço.

Vejamos se lhes assiste razão.

A servidão predial é o encargo imposto num prédio, em proveito exclusivo de outro prédio, pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artº. 1543º do Código Civil).

Define Menezes Leitão, acentuando o lado activo do direito, servidão como sendo a atribuição ao titular de um prédio (dominante) de utilidades provenientes de outro prédio (serviente), destacando, ainda, aquelas que são as quatro notas constantes no conceito legal: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes (in Direitos Reais, 2009, Almedina, pág. 393 e segtes; cfr. também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª ed., pág. 613).

De acordo com o disposto no artº. 1547º, nº. 1 do Código Civil, as servidões prediais podem constituir-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.

Por sua vez, determina o artº. 1549º do Código Civil que «se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vieram a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento».

Daqui resulta que a constituição de uma servidão por destinação de pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos (cfr. acórdão do STJ de 31/01/2012, proc. nº. 277/05.5TBBCL):

a) que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono;
b) que existam, num ou em ambos os prédios ou fracções, sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com o outro;
c) que se verifique a separação de tais prédios ou fracções quanto ao seu domínio, quando já existiam esses sinais;

d) a inexistência de declaração contrária à servidão por destinação, no documento relativo à separação.

Por sua vez, quanto à constituição da servidão de passagem pela via da usucapião importa atender ao disposto nos artºs 1547° e 1548° do Código Civil, segundo os quais apenas as servidões prediais aparentes se podem constituir por usucapião. O que bem se compreende pois só estas se revelam por sinais exteriores reveladores da própria servidão e que, por isso, podem ser passíveis de constituir posse pública nos termos do artº. 1262° do Código Civil.

A usucapião está prevista no artº. 1287° do Código Civil, de acordo com o qual a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a actuação. A aquisição do direito pela usucapião depende da posse e do decurso de certo período de tempo, variável consoante os casos.

Reportando-nos ao caso dos autos e em face da factualidade apurada, é evidente que não existe relação de serventia de um prédio em relação a outro, mais concretamente do prédio dos RR. em relação ao prédio dos Autores.

Como vimos, para a declaração da existência de uma servidão de passagem é imprescindível que quem dela se arroga - o dono do prédio dominante - alegue e prove a sua exacta configuração física e funcional, isto é, o modo e local em que ela se constituiu e exerce, modo e local que, naturalmente, se hão-de posicionar dentro dos limites materiais do suposto prédio serviente.

Assim sendo, no caso em apreço, não existe elencado no conjunto dos factos dados como provados, qualquer facto onde se identifique a existência dum prédio serviente.

Não podemos deixar de concordar com a sentença recorrida quando, a este respeito, refere o seguinte:

“Ora, do cotejo de tal matéria [reportando-se aos pontos 1.9 a 1.16 dos factos provados que enuncia antes] salta à vista, desde logo, a falta de um elemento essencial para a constituição de uma qualquer servidão: a existência de um prédio serviente. Na realidade, em lado nenhum da alegação dos autores se vislumbra a identificação de qual o prédio sobre o qual se constituiu o encargo que aproveita ao seu prédio. Os autores descrevem o caminho, as suas características físicas como a largura e extensão do mesmo, descrevem ainda como se encontra o mesmo trilhado e calcado, mas nunca identificam sobre que prédio está implantado o referido caminho. Nada é dito a este respeito e, como tal, independentemente, do mais que ficou provado, nomeadamente, que os Autores usam o dito caminho, há mais de 30 anos, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que o fazem por via do seu direito de passagem, a verdade é que, falhando um pressuposto tão essencial, como a identificação do prédio serviente, o pedido de reconhecimento de uma servidão de passagem terá de improceder».

A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo nesta parte, dado que a existência dum prédio serviente é pressuposto inultrapassável da existência duma servidão, seja qual for a origem da sua constituição, sendo indiferente se é constituída por usucapião ou por destinação de pai de família.

Argumentam, ainda, os recorrentes que o desconhecimento da titularidade do prédio serviente não pode ser impeditivo do reconhecimento da servidão.

No entanto, tal argumento não colhe.

Por um lado, como já se referiu, só existe servidão se existir um prédio serviente e tal não se coaduna com a alegação do desconhecimento de tal prédio. Por outro lado, só existe servidão constituída por destinação de pai de família se a serventia se der de um prédio para outro, tendo ambos pertencido ao mesmo dono. Ou seja, tal só seria possível se o prédio serviente e o prédio dominante tivessem pertencido ao mesmo dono. Alegando os ora recorrentes que desconhecem qual é o prédio serviente, estão implicitamente a admitir que o prédio serviente pode não ter pertencido ao mesmo dono do prédio dominante, falhando aqui outro pressuposto da constituição de servidão por destinação de pai de família.

Deste modo, improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelos Autores.


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III) – Da violação do direito de propriedade dos AA. e consequente restituição da situação anterior às obras realizadas pelos Réus:

Insurgem-se, ainda, os recorrentes contra o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da violação do seu direito de propriedade sobre o seu prédio identificado em 1.1 dos factos provados com a construção do muro mencionado em 1.17 a 1.19 dos factos provados, e consequente reconstituição da situação anterior às obras, pretendendo, com a alteração da matéria de facto provada e não provada nos termos supra referidos, que seja declarado que, com a construção do muro, os RR. ocuparam o prédio dos AA., na exacta medida da sua implantação constante do ponto 1.17 dos factos provados, declarando-se, deste modo, violado o invocado direito de propriedade dos AA. e que, por via disso, sejam os RR. condenados a reporem a borda do prédio na situação anterior às obras, demolindo e retirando o muro, ferros e rede, restituindo aos recorrentes essa parte do seu prédio, livre e desocupada, nos termos do disposto no artº. 1311°, nº. 1 do Código Civil.

Ora, relativamente a este segmento da sentença recorrida, entendeu o Tribunal “a quo” que não resultou provada qualquer violação do direito de propriedade dos AA., pois que apenas ficou demonstrada a construção dos muros descritos na petição inicial, mas não já que os mesmos tivessem sido construídos ofendendo a propriedade dos Autores, assim fazendo improceder tais pedidos.

Com efeito, mantendo-se incólume o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal “a quo”, adere-se à apreciação jurídica da causa nos termos e com os fundamentos claramente explanados na sentença recorrida, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.

Não merece, pois, a sentença recorrida qualquer reparo, pelo que terá de improceder o recurso subordinado interposto pelos Autores.


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SUMÁRIO:

I) - Para que se verifique a aquisição do direito de propriedade com base na usucapião é necessário que se mostrem preenchidos os pressupostos estabelecidos no artº. 1287º do Código Civil, ou seja: a posse da coisa e o decurso de certo período de tempo.

II) - O nosso legislador consagrou a concepção subjectiva da posse, devendo esta ser integrada por dois elementos estruturais: o corpus, traduzido no exercício do poder de facto sobre a coisa, nos actos materiais sobre ela praticados, e o animus, que consiste na intenção do detentor se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.

III) - O artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil estabelece uma presunção legal, decorrendo da mesma que o exercício do corpus faz presumir a existência do animus.

IV) - Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre a coisa.

V) - De acordo com o disposto no artº. 1565º, nº. 1 do Código Civil, o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. Sendo necessárias obras para possibilitar a passagem, estas não só podem como devem ser realizadas pelo titular utilizador que nelas tenha interesse, suportando este os respectivos encargos, nos termos do artº. 1567º do mesmo Código.

VI) - Tendo resultado provada a realização pelos RR. de obras no caminho objecto de controvérsia nos autos, a expensas destes, sem pedirem autorização a quem quer que fosse, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, mas que tais obras de reparação e manutenção efectuadas pelos RR. no dito caminho são por eles feitas uma vez que são os RR. quem constantemente danificam o caminho com o trânsito de veículos pesados, bem como a utilização do caminho para acesso a várias propriedades que não apenas as dos RR. e não se provando que tal uso era efectuado através de pedido ou autorização daqueles, este facto permite ilidir a presunção de posse prevista no artº. 1252º, nº. 2 do Código Civil.

VII) – Resulta do disposto no artº. 1549º do Código Civil que a constituição de uma servidão por destinação de pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos: a) que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono; b) que existam, num ou em ambos os prédios ou fracções, sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com o outro; c) que se verifique a separação de tais prédios ou fracções quanto ao seu domínio, quando já existiam esses sinais; d) a inexistência de declaração contrária à servidão por destinação, no documento relativo à separação.

VIII) - Para a declaração da existência de uma servidão de passagem é imprescindível que quem dela se arroga - o dono do prédio dominante - alegue e prove a sua exacta configuração física e funcional, isto é, o modo e local em que ela se constituiu e exerce, modo e local que, naturalmente, se hão-de posicionar dentro dos limites materiais do suposto prédio serviente.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso independente interposto pelos Réus J e esposa JF e o recurso subordinado interposto pelos Autores A e esposa T e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambos os recorrentes, em relação aos respectivos recursos e sem prejuízo do apoio judiciário que concedido aos Réus.

Notifique.




Guimarães, 25 de Maio de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)



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(Maria Cristina Cerdeira)



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(Espinheira Baltar)


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(Eva Almeida)