Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
451/21.7T8MNC.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ANULAÇÃO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do CC exige, para a anulabilidade do ato, não só que, no momento da sua prática, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, mas também que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.
II - A anulação da declaração negocial por incapacidade acidental depende da verificação destes requisitos cumulativos previstos no artigo 257º do CC, reportados ao momento da celebração do ato impugnado, recaindo sobre o autor o ónus da prova dos mesmos, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, residente na Rua ..., ... Sul, ... e ..., ..., intentou a presente ação de processo comum contra BB, residente na Estrada ..., ..., ..., ..., ..., CC, maior acompanhada, (representada pelo acompanhante BB) residente na Estrada ..., ..., ..., ..., ... e DD, residente na Rua ..., ..., ..., ..., pedindo:

1) A anulação da escritura de doação efetuada pelo 1º Réu BB e pela 2ª Ré CC a favor do 3º Réu DD, realizada no Cartório Notarial ... em 21 de dezembro de 2015, comunicando-se a anulação da escritura à Conservatória do Registo Predial ... para averbamento e anulação da apresentação relativa à escritura de doação em causa.
2) A anulação de todos os testamentos, escrituras de doação ou outras, bem como todos os eventuais instrumentos de disposição patrimonial outorgados pela 2ª Ré, a acompanhada CC, desde 20 de dezembro de 2010 (data em que o acompanhamento se impunha necessário) até ao dia de hoje.
3) A anulação do negócio de compra e venda do Trator da ..., Modelo ...10, matricula n.º CI-..-.. e das respetivas alfaias agrícolas, celebrado entre o 1º Réu e o 3º Réu, regressando tal viatura à esfera jurídica da acompanhada CC.
Para tanto, e em síntese, alega que é irmã do terceiro Réu, e ambos filhos do primeiro Réu e da segunda Ré.
Que há mais de 15 anos que a Ré CC foi acometida de acidente vascular cerebral que lhe causou doença psíquica e neurológica, com deterioração cognitiva irreversível, ficando assim incapacitada de gerir a sua vida e os seus bens, tendo a Autora intentado em setembro de 2017 uma ação judicial, então de interdição/inabilitação, a qual correu termos no Juízo de Competência Genérica ... sob o n.º 390/17...., tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu a ação procedente.
No ponto 5) da referida sentença consta que o início do acompanhamento da Beneficiária CC se tornou conveniente a partir de 22/12/2010.
Mais alega que a 2.ª Ré outorgou escritura de doação em 21/12/2015, na qual os dois outorgantes doavam ao 3º Réu diversos bens imóveis e que em tal escritura de doação, ou outras desde 22/12/2010, a sua mãe não outorgou o referido documento de vontade livre e esclarecida, necessitada que estava de total acompanhamento e proteção, porquanto se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração negocial e até de reconhecer os documentos de disposição patrimonial que assinava.
Que desde 20 de dezembro de 2010 a Acompanhada CC não estava na posse de todas as suas faculdades físicas, mentais e psíquicas, para de vontade livre e esclarecida celebrar negócios jurídicos, envolvendo disposições patrimoniais relevantes, doando e testando os seus bens sem qualquer justificação nem controlo.
Alega ainda que o 1º Réu e a 2ª Ré são e sempre foram donos e possuidores do trator agrícola da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI-..-.. e ainda as respetivas alfaias agrícolas (Atrelado; Arado, Fresa e outros) e que a Autora teve também conhecimento que já depois de 2010, em 13 de novembro de 2017 o 1º Réu vendeu ao 3º Réu o referido trator e as respetivas alfaias agrícolas, pelo preço de €4.000,00 euros que este último, alegadamente, pagou, sendo que a venda não teve o consentimento da 2ª Ré e muito menos o consentimento da própria Autora.
Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, impugnando os factos alegados pela Autora quanto à incapacidade acidental da 2.ª Ré.
Alegaram que a 2.ª Ré em 2015 estava no perfeito domínio das suas capacidades mentais, ouvia bem, falava com dificuldade, mas expressava-se com clareza e que em 1 de março de 2016 outorgou procuração notarial a favor do marido, a que a Dra. Notária não objetou.
Mais alegaram que em outubro de 2016 a 2.ª Ré foi notificada para vir testemunhar no processo judicial em que reivindicava a sua casa à Autora, sua filha, que a Sra. Juiz ouviu-a, na presença de uma médica e validou o seu depoimento, pelo que a escritura de doação foi legal e regularmente feita e outorgada, tendo os Réus atuado com lisura de princípios e no uso pleno das suas faculdades, pois até 2018 a 2.ª Ré gozou da plenitude das suas capacidades intelectuais, a sua capacidade de querer e mesmo de se exprimir
Alegaram ainda que no final de 2017 os 1.º e 2.ª Réus deram ao 3.º Réu um trator agrícola e alfaias, o que é legal e que o 3.º Réu entendeu, de seguida, dar aos seus pais o valor que julgava razoável pelo veículo, sendo que a Autora sempre soube do negócio e nele consentiu, nunca tendo invocado a sua ilegalidade/nulidade.
A Autora foi convidada a aperfeiçoar o petitório formulado em C), uma vez que o mesmo se dirigia a uma pluralidade indefinida e não identificada de atos e, na sequência da informação prestada Serviços Centrais do Instituto dos Registos e Notariado, a Autora veio desistir do pedido formulado sob ponto C), tendo tal desistência sido homologada.
Foi realizada a audiência previa, proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
A. Declaro a anulação do negócio de compra e venda de trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI-..-.. e respetivas alfaias agrícolas, realizado 13.11.2017, conforme descrito no pondo D) do petitório.
B. Na sequência da referida declaração de anulação, determina-se que tal bem volte a integrar o acervo patrimonial conjugal do 1.º e 2.ª RR., mais se ordenando a sua restituição, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da sentença, pelo 3.º R., aos 1.ºs e 2.º RR;
C. Absolvo os RR. de todos os demais pedidos formulados pela A.
Custas pela A. e RR., na proporção do decaimento, que se fixa em 50% e 50%, respetivamente – art. 527.º do Código de Processo Civil.2
Valor da ação: o já fixado em sede de despacho saneador. Registe e Notifique.
Após trânsito, cumpra de imediato:
Comunique à conservatória de registo automóvel para anulação do registo de propriedade da viatura Trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas a favor do 3.º R.
Comunique ao Cartório Notarial ... onde foi celebrada a escritura de doação impugnada nestes autos.”

Inconformada, veio a Autora apelar da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1
O presente recurso de Apelação tem como objeto a apreciação por este Tribunal ... proferida no Processo nº 451/21.... que julgou a presente ação intentada pela Autora/Recorrente com fundamento na incapacidade acidental da Ré/doadora CC parcialmente procedente quanto ao bem móvel sujeito a registo, mas julgou improcedente o pedido de anulação da escritura de justificação com doação dos bens imóveis ao Réu/Recorrido DD.
2
Lida a Sentença na sua fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, existe manifesto erro nas conclusões que os factos apurados impunham na decisão logica de procedência de todos os pedidos da Autora formulados contra os Réus. Na modesta opinião da Autora, constam da decisão factos não provados que deveriam ter sido dados como provados e inversamente factos não provados que deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal, o que não ocorreu por força de erro manifesto na apreciação da prova produzida em julgamento.
Para fundamentar a decisão o Tribunal à quo elevou o depoimento do próprio Réu e parte das testemunhas deste, em detrimento da prova pericial, cujas profissionais responsáveis reafirmaram em juízo detalhadamente a incapacidade da Ré/doadora CC para, depois de 2010, celebrar negócios jurídicos e efetuar disposições patrimoniais de vontade livre e esclarecida tendo em conta doença incapacitante, degenerativa e progressiva de que padecia comprovadamente.
4
O Tribunal à quo chega até e menorizar os depoimentos em juízo das referidas peritas médicas profissionais do foro psíquico, relevando o depoimento das testemunhas que celebraram a escritura de doação na inversão inesperada das aptidões profissionais de cada uma das depoentes. Na verdade, entender com certeza cientifica fundamentada a incapacidade da Ré CC para de vontade livre e esclarecida outorgar escrituras e celebrar negócios jurídicos desde 2010, não é para os profissionais da área jurídica nem sequer para médicos de clínica geral que não estiveram sequer presentes nos cartórios notariais visitados pelos Réus.
5
Na verdade, estando provada documentalmente nos autos a incapacidade da Ré/Doadora CC e a necessidade de acompanhamento permanente desde 22/12/2010, incapacidade corroborada pelas testemunhas da Autora presentes em Tribunal, não se compreende onde reside a dúvida em decidir provada a incapacidade da Ré para outorgar escrituras de doação e celebrar negócios jurídicos de vontade livre e esclarecida.
6
Para a Autora/Recorrente os factos dados como provados nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados devem ser dados como não provados pois desde 2010, mesmo antes, (como provem os relatórios e as perícias medicas) a Ré/Doadora CC não ouvia bem, não falava, não se movia pelos seus próprios meios, não tinha capacidade para entender os negócios jurídicos que celebrava (mesmo que eventualmente os assinasse) nem tinha capacidade de se exprimir de forma clara e concludente. Salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal à quo laborou porventura em enorme confusão na patente contradição entre os factos provados e que parte deles deveria ter dado como não provados impondo uma decisão de total procedência de todos os pedidos formulados na petição inicial.
7
Assim de tais factos da matéria de facto pretende a Autora recorrer pois não concorda com a matéria de facto dada como provada nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados, por entender estar em contradição insanável com a matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 24 dos factos provados impondo-se assim a sua alteração para não provada e a consequente revocação da decisão proferida pelo Tribunal “à quo” substituindo-a por outra que anule as escrituras de doação outorgadas pela Ré/Doadora CC e no sentido inverso, os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 dos factos não provados devem ser dados como provados
8
Do mesmo passo, os factos constantes dos pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos dados como provados sejam alterados e dados como não provados, pois deles não se fez qualquer prova que não as simples declarações constantes do depoimento de parte do Réu BB, depoimento parcial e conivente com o aproveitamento da situação de debilidade psíquica comprovada da Ré CC.
9
A Autora/Recorrente pretende assim que os factos constantes dos pontos 25, 26, 27 dos factos provados sejam alterados e dados como não provados, (por estarem em contradição insanável com os factos apurados nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 24 dos factos provados) e em consequência desta alteração da matéria de facto os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 dos factos não provados devem ser dados como provados.
10
Na procedência desta alteração dos factos, deve este Tribunal da Relação de Guimarães proceder à alteração da matéria de facto em conformidade e, em consequência revogar a Sentença recorrida substituindo-a por outra que decida a anulação das escrituras outorgadas pelos Réus com base na total incapacidade acidental da Ré CC em manifestar a sua vontade de forma livre e esclarecida aquando da assinatura da sua assinatura.
11
Como consta da petição inicial e do breve resumo constante da douta Sentença recorrida a Autora/Recorrente, cansada de assistir aos desmandos dos outros dois Réus na diluição e delapidação do património da Ré CC, instaurou ação de interdição/inabilitação, processo que viria a ser alterado para a atual figura da ação de acompanhamento de maior que julgada procedente com fundamento nas perícias científicas realizadas por médicas profissionais do foro, decidiu a total incapacidade da Ré CC para consciente e de vontade livre e esclarecida realizar negócios jurídicos e efetuar disposições patrimoniais desde, pelo menos, 2009/2010, razão pala qual lhe foi decretada a medida de acompanhamento.
12
Medida de acompanhamento aplicada por total incapacidade da acompanhada e que consta do Processo nº 390/17...., ação que tem conexão com os presentes autos, pois esta tem como génese a decisão ali proferida, razão pala qual deve tal processo acompanhar o presente recurso de apelação, para eventual consulta pelos Venerandos Desembargadores, o que acima requereu ao Tribunal à quo.
13
Findos os articulados, foi realizado julgamento do que resultou apurada a matéria de facto a seguir descriminada onde constam os factos provados e não provados que a Autora entende em perfeita contradição, por grave equivoco do julgador, factos apurados que a seguir se transcrevem:

FACTOS PROVADOS:
1. A A. e o terceiro R. são irmãos, filhos do 1.º R. e da 2.ª R;
2. Há mais de 15 anos que a 2ª R. CC, mãe da A., foi acometida de acidente vascular cerebral, o que lhe causou doença psíquica e neurológica (tendo sido diagnosticada em 2009 com ataxia degenerativa);
3. Desde então foi sofrendo progressiva deterioração cognitiva;
4. A A. intentou em setembro de 2017 uma ação judicial, então denominada de interdição/inabilitação, hoje denominada de acompanhamento de maior.
5. Ação judicial que correu termos neste Juízo de Competência Genérica ... nº 390/17...., no qual foi já proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu a ação procedente, determinando a medida de acompanhamento de maior da sua mãe CC.
6. Refere a Sentença no ponto 5) da decisão que o início do acompanhamento da Beneficiária CC se tornou conveniente a partir de 22/12/2010.
7. A Sr. Dr.ª EE, perita médico-legal nomeada nos referidos autos, deu como objetivável a necessidade da medida de acompanhamento, ainda antes da data decidida em Sentença, no ano de 2009.
8. A 2.ª R locomove-se em cadeira de rodas há mais de 10 anos;
9. Na escritura de doação outorgada em 21/12/2015, os dois outorgantes, 1.º e 2.ª RR, doaram ao 3º R., irmão da A., DD, diversos bens imóveis, cujo teor consta de fls. 37 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. O 1º R. e a 2ª R. sempre foram donos e possuidores do trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e ainda as respetivas alfaias agrícolas, designadamente atrelado; Arado, Fresa e outros;
11. Em 13 de Novembro de 2017 o 1º R. vendeu ao 3º R., com consentimento da 2.ª R., o referido trator e as respetivas alfaias agrícolas, pelo preço de € 4.000,00 euros, que este último pagou.
12. A venda do referido trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas, atrelado, arado, fresa e outros, não teve o conhecimento prévio, autorização e/ou consentimento prévio ou ratificação da A.
13. A A. tem conhecimento do teor da escritura de doação de fls. 37 e ss. desde, pelo menos, inícios de 2016. Mais se provou que:
14. A instauração da ação no processo n.º 390/17.... foi publicitada por editais em 2.10.2017;
15. A sentença no processo n.º 390/17.... foi proferida em 17.12.2020;
16. Procedeu-se ao registo da sentença em 18.1.2021;
17. Procedeu-se à publicitação da sentença por anúncio em 16.2.2021;
18. Em data anterior a 21.12.2015, os 1.ºs e 2.ºs RR., sentindo-se velhos e cansados, resolveram proceder à partilha da maior parte dos seus bens pelos dois filhos – o terceiro R. e a A., designadamente os seus bens os seus bens rústicos, campos e montes, com exceção dos seus dois prédios urbanos, onde vivem e que não propuseram partilhar aos filhos porque os reservavam para o fim da vida se precisassem.
19. O terceiro R. aceitou a proposta de seus pais, aceitando a doação e registando os prédios a seu favor;
20. A A. recusou a proposta por pretender que lhe fosse atribuído o prédio urbano onde os seus pais viviam.
21. Os bens a si destinados continuam à espera da sua aceitação da doação;
22. Os demais processos entre as partes nestes autos, que correram termos neste juízo, iniciaram-se em 2016, após a referida doação em 21.12.2015.
23. A A. não contactou com a progenitora, a 2.ª R., nos últimos 6 anos. 24. Atualmente, a 2.ª R. está intelectualmente muito débil.
25. Em 21.12.2015, a 2.ª R. ouvia bem, falava com dificuldade, mas conseguia expressar-se, tendo capacidade para entender o negócio de doação celebrado e liberdade para expressar a sua vontade.
26. Até 2018 a 2.ª R., ainda que com dificuldades, denotava capacidade de se exprimir. 27. Em 1.3.2016 outorgou procuração notarial a favor do marido, que a Sr.ª Dr.ª Notária não objetou; 28. Em outubro de 2016 foi notificada para vir testemunhar no processo judicial.
29. A 18.10.2016, a Mm. ª Sr.ª Juíza ouviu-a, na presença de uma médica e validou o seu depoimento valorando-o na prova produzida.

FACTOS NÃO PROVADOS:
30. A escritura de fls. 37 e ss. foi celebrada contra a vontade da 2.ª R.
31. Os demais RR. negligenciaram os direitos e interesses da 2.ª R.
32. A escritura de doação outorgada em 21/12/2015 foi realizada em conluio entre o 1.º e o 3.º RR, sem o concurso da vontade livre e esclarecida da 2.ª R.
33. A 2.ª R. não outorgou a referida escritura de livre e esclarecida vontade, estando, à data, incapacitada de entender o sentido da sua declaração negocial e até de reconhecer os documentos de disposição patrimonial que assinava.
34. A 2.ª R. não deu o seu assentimento, muito menos a sua assinatura de forma consciente e esclarecida ao referido negócio jurídico.
35. O referido negócio jurídico de disposição patrimonial a favor de um dos filhos visava lesar o outro.
36. À data da celebração da escritura, em 21.12.2015, a 2.ª R. não estava consciente e capaz de outorgar a referida escritura.
37. Os 1.º e 3.º RR. agem para delapidar o património da 2.ª R.
38. A venda do referido trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas, - Atrelado; Arado, Fresa e outros, não teve o conhecimento e consentimento da 2ª R.
39. Em novembro de 2017, os 1.º e 2.ª RR. deram a seu filho, DD, o 3.º R., um trator agrícola e alfaias.
40. A A. sempre soube deste negócio e nele consentiu.
14
Da consulta dos factos apurados resulta evidente que a matéria de facto dada como provada em 18, 20, 21, 22 23 dos factos dados como provados, assente sobretudo no depoimentos do Réu BB, carece de sentido dada a conflitualidade existente entre as partes, que nem se falavam há anos, sendo por isso falaciosa a data de 2015 invocada para tal acordo de partilha familiar amigável, tanto mais que a Ré CC já se encontrava impossibilitada desde 2010 e, em 2015 já não tinha vontade própria o que bem conheciam os Réu e a Autora. É caso para perguntar onde está a prova que sustenta os factos dados como provados nos pontos nos 18, 19, 20, 21, 22, 23, pois do julgamento não resultou qualquer prova produzida nesse sentido que não as declarações parciais e pouco esclarecidas para não se dizer outra coisa do Réu BB.
15
Se os dois referidos Réus responsáveis por tal “repartição” na delapidação do património da infeliz Ré CC estivessem de boa-fé no tratamento fraternal dos dois irmãos e únicos futuros herdeiros legítimos, teriam com facilidade concordado com a presente ação de anulação das doações aguardando para uma futura partilha justa e equitativa depois do decesso dos proprietários seus pais e nunca antes em vida destes.
16
É patente que Tribunal à quo apreciou erradamente a prova produzida nos autos, o que impõe a revogação da Sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue procedente o presente recurso de Apelação com fundamento na total incapacidade da Ré CC para desde 2010 celebrar negócios jurídicos, outorgar documentos, muito menos documentos de alienação patrimonial
17
Na verdade o Tribunal equivocou-se, pois a matéria provada nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 24 dos factos provados contende frontalmente com as supostas capacidades da Ré CC, dadas como provadas nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados acima transcritos, e nem se diga que a Ré foi ouvida em juízo e valorado o seu depoimento pois tal alegação e testemunho não abalam a perícia e as explicações dadas em juízo pelas duas senhoras peritas que avaliaram psiquicamente a impossibilitada Ré CC e que em juízo deram explicação exaustiva na confirmação dos relatórios periciais incompatíveis com os factos que foram dados como provados nos pontos 25, 26, 27 dos factos provados.
18
Assim, mal andou o Tribunal à quo ao valorizar os depoimentos das testemunhas da Ré CC, desmerecendo os depoimentos das testemunhas da Autora e, de mais estranho, desmerecendo os concludentes relatórios médicos/periciais confirmados pelos depoimentos das senhoras peritas, Dra. FF, e Dr. EE.
19
A testemunha/perita Dra. FF depois da peritagem da Ré CC, assegura em juízo que esta não tinha capacidade intelectual e mental para realizar atos jurídicos e dispor do seu património de forma livre e esclarecida desde, pelo menos, o ano de 2010, até porque a doença mental da Ré é degenerativa e teria tido início no ano de 2004/2005.
20
Para além da totalidade do seu depoimento e do que durante ele afirmou de forma perentória e constante, diga-se que a senhora Perita confirma de forma clara (ver minuto 00:12:02 da gravação do depoimento) que a Ré CC não sabia ler uma palavra mas apenas silabas, o que a impede de compreender o que assina.
21
A senhora Perita confirma em Juízo de forma clara (ao minuto 00:13:14 da gravação do depoimento) que em 2010 a Ré GG a capacidade cognitiva e, a pergunta do Meritíssimo Juiz diz claramente (minuto 00:14:04 do seu depoimento) que em 2015 a Ré CC não podia celebrar uma escritura.
22
Em resumo, para a senhora perita Dra. FF em 2015 a Ré CC não estava consciente nem entendia o que assinava pois nessa data já se encontrava impossibilitada de entender e apreender os negócios jurídicos que lhe eram impostos pelos outros dois Réus, dada a sua incapacidade psíquica profunda, degenerativa e constante desde, pelo menos 2010.
23
As testemunhas da Autora HH, II, JJ e KK, não tendo formação médica afirmam com a simplicidade e credibilidade da sua observação e contacto pessoal com a Ré CC que esta não estaria capaz de outorgar de forma livre e esclarecida as escrituras assinadas em 2015.
24
A testemunha, LL, médico de profissão arrolado pelos Réus e em cujo depoimento o Tribunal baseia parte da sua motivação não é de forma alguma contraditório com as profissionais médicas que efetuaram a peritagem das condições mentais e psíquicas da Ré CC que garantem que esta estaria capaz de outorgar de forma livre e esclarecida as escrituras assinadas em 2015. De resto o referido clinico confirma as debilidades e insuficiências psíquicas da Ré CC
25
A Testemunha e perita, médica de profissão, Sra. Dra. EE tem particular relevância no seu depoimento dada a sua ausência total e distancia das relações conflituais das partes prestando o seu depoimento de forma cientifica, manifestamente isento e desinteressado, assente apenas na sua atividade profissional de médica e perita.
26
Na verdade, respondendo à senhora Magistrada do Ministério Publico a referida testemunha refere, entre o mais, o que a seguir se transcreve:
Digna Magistrada M.º P.º
Só… muito rápido. Boa tarde, Doutora EE. EE
Boa tarde.
Digna Magistrada M.º P.º
Eu perguntava-lhe apenas, esta data de incapacidade fixada no ano de 2009 foi com base em quê em concreto? Alguns esclarecimentos por parte de familiares, relatórios médicos já existentes (0:09:00) à data? Perguntava-lhe para me concretizar e esclarecer o tribunal exatamente o motivo que levou a ser fixada em 2009.
Das peças processuais, constam declarações médicas e que o diagnóstico se reporta a 2009. Depois tem outras declarações médicas posteriores a 2009 em que já salienta a dificuldade dos autocuidados, a dependência de terceiros, o facto de ser uma patologia progressiva e a dificuldade da linguagem, que já estaria presente.
Digna Magistrada M.º P.º
Portanto, aquilo que lhe foi questionado há pouco de… designadamente, da incapacidade a nível de exercer os direitos pessoais, nessa altura já estava então (00:10:01)… já estava, como é que hei de dizer, afetada… ou seja, em 2009?
EE
Sim. Aquando do diagnóstico. Mas tem outros registos clínicos, nomeadamente uma visita domiciliária, que é o que eu estou agora aqui a ver no relatório, em que…o registo é de 2018, já diz que desde há cerca de 8 anos que já tem alterações de comunicação verbal, de mobilidade, de equilíbrio, portanto, já era uma Senhora dependente.
Digna Magistrada M.º P.º
Dependente… pronto, muito bem. Não desejo mais nada, muito obrigada.
27
A instância do Meritíssimo Juiz a testemunha Dra. EE reafirma, entre o mais, o que a seguir se transcreve:
Meritíssimo Juiz
Pronto, Senhora Doutora Consegue ouvir-me? Agora fala o Juiz de Direito. Olhe, uma última questão. E eu vou colocar-lhe diretamente a hipótese. Estamos nestes autos a discutir uma procuração e uma escritura de justificação de doação que a Senhora terá assinado em 2015, não é assim, Senhor Doutor, salvo o erro? Finais de 2015. De tudo o que realizou, de tudo o que foi questionado, a Senhora Doutora entende que à data, em finais de 2015, esta Senhora que examinou teria capacidade para entender (0:19:01) a procuração que outorgava? A escritura que outorgava? As consequências jurídico-patrimoniais desse ato?
EE
Aquilo que eu posso dizer, com base naquilo que estou a ouvir, é que a Senhora tem uma ataxia desde 2009. Em relatórios e registos clínicos, nomeadamente a visita domiciliária, há pelo menos 8 anos, que tinha um défice grave a nível de comunicação. No exame não foi possível estabelecer se a Senhora compreendia ou não o alcance dos seus direitos pessoais e dos negócios que realizava. É verdade que no exame pericial estava atenta e procurava, fazia um esforço para comunicar, mas a comunicação foi ineficaz. E aquando da entrevista com o familiar, notou-se uma cumplicidade grande e ela ia abanando a cabeça. Mas isso, eu não posso dizer que esta Senhora soubesse (0:20:02) claramente o que estava a assinar, o que estava a ler e que compreendia isso.
28
A instância do Mandatário da Autora a mesma testemunha reafirma, entre o mais, o que a seguir se transcreve:
Advogado
Pronto. Olhe, eu só queria aqui alguns esclarecimentos, que estão nas suas conclusões, página 4. Página 4 e 5. Portanto, diz a Senhora que, concluindo, no seu relatório final: “pelo que se afirma a examinada não tem capacidade para exercer os seus direitos pessoais (0:05:00) e nem para realizar negócios da vida corrente ou administrar totalmente os seus bens”. É isto verdade?
EE Sim. Advogado
Olhe, então quer explicar por palavras suas o que é que causou essa impossibilidade e no que é que isso se traduz?
EE
Sim. Tendo em conta a doença de sistema nervoso central, (impercetível…) degenerativa tem… está relacionada com uma descoordenação dos movimentos que depois acaba também por influenciar a capacidade de comunicação e de diálogo. Ora, no exame realizado não é, de acordo com o que eu escrevi, é uma senhora que não tem capacidade de comunicar. E a linguagem e a forma como ela se apresentou à perícia não me permitia averiguar se ela efetivamente está (0:06:02) conhecedora de todos os seus direitos e deveres. Não é capaz de… digamos, através de um diálogo, manifestar as vontades dela. Portanto, concluí que a capacidade para exercer os direitos pessoais e realizar negócios de vida corrente, não poderiam ser realizados tendo em conta que a examinada era incapaz de manifestar o real entendimento para isto.
Sim senhora. Olhe, depois, este… o seu relatório foi em agosto de 2020. Depois, deve ter aí também, com certeza, não sei se foi enviado, em 7 de setembro do mesmo ano, a Senhora Doutora vem esclarece todo esse relatório, nomeadamente, indicando ao tribunal a data a partir do qual se tornou, portanto… em que a examinada estaria incapaz, digamos. (0:07:03) Tem aí essa parte do relatório ou não?
Advogado
Se eu me enganar, exatamente…
Diz a Senhora assim, em esclarecimento ao relatório anterior, do qual retiramos aquela conclusão óbvia, diz assim: “de acordo com a entrevista, exame do estado mental e revelações clínicas disponibilizadas, admite-se que a examinada não estaria capaz de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, ou cumprir os seus deveres desde 2009.” Esta conclusão é sua. Mas é científica não é, com base nos dados que tem e na… e nos testes que fez à Senhora, não é?
EE
Sim, tendo em conta que a patologia da examinada é datada de 2009.
29
Ou seja, para as senhoras peritas medicas psiquiatras profissionais, a Ré CC não estaria capaz de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, ou cumprir os seus deveres desde 2009, data que foi objetivável em 2010.
30
Tal diagnóstico foi possível de acordo com a entrevista, exame do estado mental e revelações clínicas disponibilizadas, e que a Ré padecia de doença degenerativa no sistema nervoso central que a impedia de exercer conscientemente a sua vida pessoal e os negócios jurídicos e de livre e esclarecida vontade desde pelo menos 2010 cerca de 5 anos antes das escrituras alegadamente por ela outorgadas.
31
Assim, concluindo, os depoimentos das duas senhoras peritas médicas Dra. FF e Dra. EE confirmam a total incapacidade acidental da Ré CC para em finais de 2015 outorgar a escritura de doação e outorgar procuração ao 1º Réu de vontade livre e esclarecida, pois estava incapaz de o fazer desde, pelo menos 2010, data objetivável em que a referida senhora precisaria de medidas de acompanhamento como se provou e fixou em Sentença.
32
Por outro lado, diga-se que o depoimento do outro clinico presente em julgamento, a testemunha Dr. LL, não infirma o relatório médicos apresentados pelas suas duas colegas médicas do foro psíquico mas ao contrario do que possa extrair o Tribunal de tal depoimento, parece-nos que no essencial confirma o que alegaram as duas colegas peritas pois a sua avaliação medica insere-se nos próprios relatórios destas.
33
Do mesmo passo, diga-se que as testemunhas cujos depoimentos acima se transcreveram, na sua visão e avaliação pessoal das condições em que se encontrava a Ré CC referem todos uma senhora debilitada, que não falava e não se movimentava pelo seu próprio pé, sentada desde há mais de 10 anos em cadeira de rodas.
34
Sobre os depoimentos das restantes testemunhas a Autora não pronuncia, umas porque nada de relevante disseram, contrariando até frontalmente os depoimentos do Réu BB, e as restantes, porque tendo em conta as suas funções e o escasso contacto com a Ré CC os seus depoimentos, mesmo que credíveis e de fé pública, não avaliaram de forma sistemática e profunda as condições psíquicas da Ré CC.
35
Entende a Autora que dos autos consta prova documental bastante, que acompanhada da prova testemunhal produzida impunha ao Tribunal que concluísse e tirasse uma Sentença diferente.
36
Na verdade, salvo o devido respeito que é muito, ao contrário do que conclui o Tribunal à quo em decisão cujas conclusões são em si contraditórias, a Autora logrou provar como lhe competia que a Ré CC, estava incapacitada desde 2010 e assim impedida por doença degenerativa grave de realizar negócios jurídicos, nomeadamente, de outorgar as escrituras aqui em causa.
37
De facto, desde 2010 que a Ré CC não fala corretamente, não sabe ler, não se movimenta pelos seus meios, é dependente de terceiros para as mais básicas tarefas diárias e assim impossibilitada de compreender e apreender a realidade dos atos jurídicos e pessoais e efetuar disposições patrimoniais de vontade livre e esclarecida.
38
A incapacidade da Ré foi manifestamente provada em Tribunal pela Autora, pelo que esta conseguiu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 342º e 444º do Código do Processo Civil, provar as alegações vertidas n apetição inicial, prova que deveria e deve levar à procedência total dos pedidos formulados na petição inicial e não apenas o ponto julgado procedente apesar de fundamento jurídico diverso.
39
A propósito do ónus da prova, que o Tribunal à quo atribui à Autora, veja-se o seguinte Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães:
Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, que aqui se invoca por analogia, tirado por unanimidade no Processo nº 1108/14.0TJVNF.G1 em que foi Relator o Venerando desembargador Pedro Damião e Cunha, a propósito da anulação de um testamento com base na incapacidade acidental do testador e do ónus da prova de tal incapacidade, disponível em WWW.dgsi.pt
“I- Em princípio, o ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento- cfr. art. 2199º do CC-, recai sobre o interessado na anulação do testamento,     nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;
II- No entanto, logrando o interessado na anulação do testamento provar que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período que abrange o ato anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo ato aquele estado se mantinha sem interrupção.
No mesmo sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra disponível em WWW.DGSI.pt que a este propósito refere o seguinte:
APELAÇÃO Nº 94/14.... Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE Data do Acórdão: 22-10-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA ... – ... Sumário:
Não incumbe ao A. fazer prova inequívoca de que a doadora no momento da celebração da doação não se encontrava na plenitude das suas faculdades intelectuais, mentais e cognitivas que lhe permitissem entender o sentido da sua declaração negocial, mas apenas demonstrar ser altamente provável que assim tivesse sido, visto que a prova stricto sensu se basta com essa alta probabilidade. Na incapacidade acidental há declaração e há vontade, mas esta apresenta-se, no momento da prática do ato, viciada por insuficiente esclarecimento e liberdade
40
Entende a Autora que conseguiu provar que a Ré CC padecia de doença psíquica incapacitante com anterioridade ao período em que praticou alegadamente o ato sendo assim de presumir que na data do ato estaria incapaz de o praticar.
41
Assim, claro se torna que que os factos constantes dos pontos 25, 26, 27 dos factos provados devem ser dados como não provados, por estarem em total contradição com os factos apurados nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 24 dos factos provados, e em consequência da procedência destas alterações da matéria de facto, devem também os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 dos factos não provados devem ser dados como provados.
42
No mesmo sentido os factos constantes dos pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos dados como provados devem ser dados como não provados, pois deles não se fez qualquer prova que não as simples declarações constantes do depoimento de parte do Réu BB, depoimento parcial e conivente com o aproveitamento ilegal da situação de debilidade psíquica comprovada da Ré CC.
43
Deve a decisão recorrida ser revogada por este Tribunal da Relação de Guimarães e substituída por outra que decida a ação procedente e ordene a anulação das escrituras outorgadas pela Ré CC
44
Foram violados os artigos 342º do Código Civil e o artigo 414º do Código do Processo Civil”.
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão em conformidade com as conclusões apresentadas.
O Réu BB apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
1 - Determinar se houve erro no julgamento quanto aos pontos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26 e 27 dos factos provados e aos pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37 dos factos não provados;
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. A A. e o terceiro R. são irmãos, filhos do 1.º R. e da 2.ª R;
2. Há mais de 15 anos que a 2ª R. CC, mãe da A., foi acometida de acidente vascular cerebral, o que lhe causou doença psíquica e neurológica (tendo sido diagnosticada em 2009 com ataxia degenerativa);
3. Desde então foi sofrendo progressiva deterioração cognitiva;
4.A A. intentou em setembro de 2017 uma ação judicial, então denominada de interdição/inabilitação, hoje denominada de acompanhamento de maior.
5. Ação judicial que correu termos neste Juízo de Competência Genérica ... nº 390/17...., no qual foi já proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu a ação procedente, determinando a medida de acompanhamento de maior da sua mãe CC.
6. Refere a Sentença no ponto 5) da decisão que o início do acompanhamento da Beneficiária CC se tornou conveniente a partir de 22/12/2010.
7. A Sr. Dr.ª EE, perita médico-legal nomeada nos referidos autos, deu como objetivável a necessidade da medida de acompanhamento, ainda antes da data decidida em Sentença, no ano de 2009.
8. A 2.ª R locomove-se em cadeira de rodas há mais de 10 anos;
9. Na escritura de doação outorgada em 21/12/2015, os dois outorgantes, 1.º e 2.ª RR, doaram ao 3º R., irmão da A., DD, diversos bens imóveis, cujo teor consta de fls. 37 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10.O 1º R. e a 2ª R. sempre foram donos e possuidores do trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e ainda as respetivas alfaias agrícolas, designadamente atrelado; Arado, Fresa e outros;
11.Em 13 de Novembro de 2017 o 1º R. vendeu ao 3º R., com consentimento da 2.ª R., o referido trator e as respetivas alfaias agrícolas, pelo preço de € 4.000,00 euros, que este último pagou.
12. A venda do referido trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas, atrelado, arado, fresa e outros, não teve o conhecimento prévio, autorização e/ou consentimento prévio ou ratificação da A.
13. A A. tem conhecimento do teor da escritura de doação de fls. 37 e ss. desde, pelo menos, inícios de 2016.
14. A instauração da ação no processo n.º 390/17.... foi publicitada por editais em 2.10.2017;
15. A sentença no processo n.º 390/17.... foi proferida em 17.12.2020;
16. Procedeu-se ao registo da sentença em 18.1.2021;
17. Procedeu-se à publicitação da sentença por anúncio em 16.2.2021;
18. Em data anterior a 21.12.2015, os 1.ºs e 2.ºs RR., sentindo-se velhos e cansados, resolveram proceder à partilha da maior parte dos seus bens pelos dois filhos – o terceiro R. e a A., designadamente os seus bens os seus bens rústicos, campos e montes, com exceção dos seus dois prédios urbanos, onde vivem e que não propuseram partilhar aos filhos porque os reservavam para o fim da vida se precisassem.
19.O terceiro R. aceitou a proposta de seus pais, aceitando a doação e registando os prédios a seu favor;
20. A A. recusou a proposta por pretender que lhe fosse atribuído o prédio urbano onde os seus pais viviam.
21. Os bens a si destinados continuam à espera da sua aceitação da doação;
22. Os demais processos entre as partes nestes autos, que correram termos neste juízo, iniciaram-se em 2016, após a referida doação em 21.12.2015.
23. A A. não contactou com a progenitora, a 2.ª R., nos últimos 6 anos.
24. Atualmente, a 2.ª R. está intelectualmente muito débil.
25. Em 21.12.2015, a 2.ª R. ouvia bem, falava com dificuldade, mas conseguia expressar-se, tendo capacidade para entender o negócio de doação celebrado e liberdade para expressar a sua vontade.
26. Até 2018 a 2.ª R., ainda que com dificuldades, denotava capacidade de se exprimir.
27. Em 1.3.2016 outorgou procuração notarial a favor do marido, que a Sr.ª Dr.ª Notária não objetou;
28. Em outubro de 2016 foi notificada para vir testemunhar no processo judicial. 29. A 18.10.2016, a Mm. ª Sr.ª Juíza ouviu-a, na presença de uma médica e validou o seu depoimento valorando-o na prova produzida.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

30. A escritura de fls. 37 e ss. foi celebrada contra a vontade da 2.ª R.
31. Os demais RR. negligenciaram os direitos e interesses da 2.ª R.
32. A escritura de doação outorgada em 21/12/2015 foi realizada em conluio entre o 1.º e o 3.º RR, sem o concurso da vontade livre e esclarecida da 2.ª R.
33. A 2.ª R. não outorgou a referida escritura de livre e esclarecida vontade, estando, à data, incapacitada de entender o sentido da sua declaração negocial e até de reconhecer os documentos de disposição patrimonial que assinava.
34. A 2.ª R. não deu o seu assentimento, muito menos a sua assinatura de forma consciente e esclarecida ao referido negócio jurídico.
35. O referido negócio jurídico de disposição patrimonial a favor de um dos filhos visava lesar o outro.
36. À data da celebração da escritura, em 21.12.2015, a 2.ª R. não estava consciente e capaz de outorgar a referida escritura.
37. Os 1.º e 3.º RR. agem para delapidar o património da 2.ª R.
38. A venda do referido trator da ..., Modelo ...10, Matricula nº CI - .. - .. e das respetivas alfaias agrícolas, - Atrelado; Arado, Fresa e outros, não teve o conhecimento e consentimento da 2ª R.
39. Em novembro de 2017, os 1.º e 2.ª RR. deram a seu filho, DD, o 3.º R., um trator agrícola e alfaias.
40. A A. sempre soube deste negócio e nele consentiu.
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No caso vertente, a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto, indicando expressamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões, e os concretos meios de prova que o justificam e em que fundamenta a sua pretensão.
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC), respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido n.º 5 do artigo 607º).
De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
A prova não visa a obtenção de uma certeza absoluta; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela/ J. Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436).
Está, por isso, em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, página 655); “o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
Por outro lado, considerando os princípios gerais da imediação e da oralidade, bem como da concentração e da livre apreciação da prova, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada quando, depois de se proceder à audição efetiva da prova gravada, se possa concluir com a necessária segurança, que analisada e conjugada a prova produzida esta aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância.
No caso concreto, sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 8, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26 e 27 dos factos provados que pretende sejam julgados não provados, e os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37 dos factos não provados, que em seu entender devem ser dados como provados.
Relembramos aqui, antes de mais, a motivação constante da sentença recorrida:
“No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (art. 607.º do Código de Processo Civil).
O Tribunal sopesou ainda o conjunto de prova documental junta aos autos, à qual se fará oportuna referência, designadamente: cópia de sentença proferida no processo n.º 390/17...., a fls. 13 e ss., auto de audição da beneficiária (2.ª R) nos mesmos autos, de fls. 25 e ss., anúncio de 16.2.2021 relativo à publicidade da sentença de fls. 13. e ss., relatório médico de fls. 27 e ss., relatório médico-legal de fls. 32 e ss., esclarecimentos ao relatório pericial de fls. 35 e ss., escritura de justificação e doação de fls. 37 e ss., MM de fls. 41 e ss., talão de depósito de fls. 42, procuração de fls. 55, ata de audiência de julgamento no processo n.º 59/16...., de fls. 57 e ss. O Tribunal consultou ainda o processo n.º 390/17...., uma vez que o mesmo foi tramitado neste Juízo.
O 1.º R. BB, prestou depoimento direto e assertivo quanto à escritura de justificação de fls. 37 e ss. A sua mulher, ainda viva, que o próprio representa nestes autos (na qualidade de acompanhante designado por sentença no âmbito do processo n.º 390/17....) estava ciente do teor do declarado, correspondendo tal declaração à sua real vontade, tal como do próprio depoente. O declínio cognitivo foi progressivo ao longo dos anos, desde a primeira manifestação da doença em 2009/2010, mas em 2015 mantinha capacidade para entender e querer. Tanto que quiseram ambos, em vida, distribuir a generalidade dos prédios rústicos de que eram titulares pelos dois filhos (3.º R e A.), pois já não tinham saúde e disponibilidade para o seu cultivo, tendo a A. recusado a repartição feita pelos pais por se sentir prejudicada. Indicou como razão para a recusa de tal acordo por parte da A. a demanda prévia relativamente à antiga casa de morada da família (onde habitaram juntos por 10 anos, e objeto da discussão no processo n.º 59/16....). Como a A. queria o domínio sobre tal habitação, e a mesma não era contemplada em tal acordo, não o aceitou (segundo a versão do 1.º R). Explicou ainda que os prédios destinos à A. continuam à espera do seu assentimento para lhe serem entregues, não estando ocupados nem explorados por nenhum dos RR.
Sobre o estado de saúde da sua mulher confirmou que a sua doença foi diagnosticada entre 2009 e 2010, tendo-se agravado progressivamente até 2017, momento em que esta perdeu o discernimento. À data da escritura de justificação e doação a mesma estava lúcida e ciente do declarado, tendo acordado com o 1.º R., pelas razões já expostas, doar os referidos prédios aos dois filhos. Acrescentou, ainda, que no decurso das várias ações intentadas pela sua filha contra si e vice-versa, a 2.ª R foi ouvida em juízo, por volta de 2016, tendo então prestado depoimento inteligível. Aludiu ainda à procuração de 2.3.2016, outorgada a seu favor, explicando que a Sr.ª Notária conferenciou em privado com a 2.ª R., na ausência do 1.ª R., tendo esta acabado por subscrever tal instrumento, na presença daquela oficial.
Já no que concerne ao negócio do trator ..., o depoente hesitou e foi muito dúbio, sendo notório que não quis, pelo menos, inicialmente, admitir a real natureza do negócio realizado. Inicialmente, disse que o trator era sua pertença e que o doou ao filho. Depois admitiu que o comprou em 2002, já casado com a 2.ª R. Indagou previamente se podia dar o trator ao filho e a 2.ª R. respondeu-lhe afirmativamente em 2017, sendo essa a sua vontade.
Assim sendo, confirmou a pertença do dito trator e alfaias ao acervo da comunhão conjugal com a 2.ª R. e, após confrontação, com os documentos de fls. 41 e 42 acabou por admitir que recebeu do filho €4.000,00 como contraprestação (como “paga”…sic) pela alienação do direito de propriedade sobre o referido bem (indicou-lhe previamente que queria receber ajuda financeira, não falando de concreta quantia). Também confirmou que a A. não participou em tal negócio, nem o consentiu expressamente.
AA, A., explicou que as desavenças familiares se iniciaram em 2015 por causa de uma zanga entre o seu marido e o seu pai. Negou, na íntegra, a versão do pai, quanto à lucidez e capacidade de entendimento da sua mãe, colocando o seu declínio cognitivo definitivo, sem momentos de lucidez, ou qualquer capacidade de expressão desde 2009/2010. Contudo, fê-lo de modo quase mecânico, sem qualquer trejeito ou expressão de emoção, sendo evidente que era conhecedora das implicações jurídicas das suas afirmações, procurando, de modo, pouco espontâneo, ser cuidadosa nas respostas a algumas instâncias, ao contrário do seu pai que, confrontado com fls. 41 e ss. acabou por, com sinceridade, admitir os termos do negócio. A credibilidade da A. e das suas declarações foi minada em absoluto quando aventou que só há cerca de um ano e meio a esta parte (ou seja, por volta dos inícios ou meados de 2021) teve conhecimento da doação dos referidos prédios (vide escritura de fls. 37), mais negando qualquer indagação prévia dos seus pais quanto à possibilidade de esta aceitar a doação, em vida, de parte dos prédios. Isto porque foram as próprias testemunhas da A. a confirmar que, logo em 2015/2016, toda a localidade soube da desavença entre os familiares e o destino dos prédios em escritura de doação (sendo igualmente o trecho da justificação escriturada objeto de publicação em 2015), ou que, pelo menos, em 2020, já o marido da A. ventilava publicamente a sua opinião sobre o teor desse negócio (dizendo que a sua mulher havia sido deserdada). Ora, tais testemunhas, como infra veremos, confirmaram inclusivamente que fora o marido da A. a contar-lhes sobre a escritura de doação, pelo que as declarações da A. não nos mereceram qualquer credibilidade. A A. acrescentou que também não contacta com a mãe desde a zanga entre familiares em finais de 2015, porque o seu pai a proíbe.
A Dr.ª NN, médica da especialidade clínico-psiquiátrica, confirmou o teor do relatório médico de fls. 20v e ss., renovando as conclusões aí exaradas, reportando uma objetivável perda de capacidade de comunicação e capacidade cognitiva em 2010, considerando que já então não havia pela 2.ª R capacidade de comunicar. Explicou a metodologia que presidiu às suas conclusões, mas não deixou de reconhecer que em 16.1.2018, o Dr. OO, especialista em medicina geral e familiar observou a 2.ª R., diagnosticando “grave limitação motora e da fonação, mas sem défice cognitivo percetível, pois apresenta orientação temporo-espacial e vida de relação, apenas limitada pela dificuldade em expressão oral”
HH, amigo da A., fez algumas obras na anterior moradia comum da família, em 2008-2009. Lembra-se de que a 2.ª R. ria-se, mas não era possível entabular um diálogo com esta última. Tal voltou a acontecer em 2014, num encontro em ..., no qual não foi possível interagir com a 2.ª R. Confirmou que o marido da A., pelo menos desde o início de 2016, já sabia da doação dos pR.dios, tendo o próprio comentado consigo tal realidade na senda da zanga com o sogro em 2015. Confirmou, ainda, sem assombros a sua reduzida razão de ciência sobre os factos relevantes, desde 2009 não mais entrou na habitação da 2.ª R., sendo evidente que não conhecimento do seu dia-a-dia e evolução quotidiana de saúde desde 2009.
II, amigo da A., esteve com a 2.ª R. em 2018 ou 2019, não sabendo precisar, o que sucedeu por pura causalidade. Na ocasião, aquela última nem o conheceu. Também confirmou que, em conversa com o marido da A., em 2020, este lhe havia transmitido que os sogros tinham deserdado a filha, passando todos os terrenos para o nome do filho, facto que era objeto de conversa pública na localidade.
JJ, viu a 2.ª R. pela última vez em 2015 ou 2016, não sabendo precisar. Da última ocasião, esta apresentava-se de cadeira de rodas, não falava e não conhecia as pessoas. Há um ano ou dois (cerca de 2020) soube das “partilhas”, porque o marido da A. lhe falou do assunto, dizendo-se que maior parte dos bens para o filho foram doados ao filho, prejudicando a A.
PP, ex-presidente da junta de ..., afirmou que a partir de 2008/2009, a 2.ª R. já se compreendia muito mal, estando de cadeira de rodas há muito tempo (em tudo o mais o seu depoimento foi meramente opinativo. Com relevo, confirmou que nos anos de 2016/2017 já se falava publicamente da doação dos imóveis feita em 2015, sendo do conhecimento dos locais o conjunto de desavenças entre os familiares, parte nesta demanda. O Dr. LL, médico especialista de medicina geral e familiar, confirmou, na íntegra, o seu parecer clínico de fls. 20 e ss. (mencionado no relatório da Dr.ª FF), ou seja, em 2018 entendeu que a 2.ª R. perceberia as coisas, mas não conseguia expressar-se. Foi médico de família da 2.ª R durante muitos anos, exercendo medicina há 43 anos.
Dr.ª QQ, notária em ..., reconheceu a procuração de Fls. 55 e ss., outorgada em 1.3.2016. Não se recordou em concreto da situação, mas afirmou que o seu procedimento é sempre despistar eventuais incapacidades notórias de exercício de direitos e/ou declarativas do outorgante, recusando a celebração em caso de dúvidas notórias. Atestou em juízo a sua perceção firmada no instrumento declarativo: a 2.ª R à data, em 1.3.2016, estava, pelo menos a título aparente ou notório, capaz de declarar (caso contrário, teria recusado a celebração).
RR, reconheceu a sua escritura a fls. 40, tendo estado na presença de todos os outorgantes, aquando da celebração do dito negócio jurídico por escritura pública. O instrumento foi lavrado na presença dos outorgantes, todos ouviram a leitura e assinaram, com concordância. Lembrou-se que a 2.ª R. assinou pela própria mão, não tendo suscitado qualquer oposição ou pedido de esclarecimento. Lembrou-se até de que à data a 2.ª R falava baixinho com os presentes.
A Dr.ª SS, não se recordou do seguimento em consulta da 2.ª R., não tendo qualquer razão de ciência relevante para os autos.
TT, prestou depoimento absolutamente equívoco e contraditório, com vincadas dificuldades mnésicas, apenas reconhecendo a sua presença como testemunha na escritura de justificação, sendo sua a assinatura de fls. 40. Foi a ... a pedido do 1.º R. BB.
UU, prestou depoimento absolutamente equívoco e contraditório, com vincadas dificuldades mnésicas (teve um acidente grave após a celebração da escritura), apenas reconhecendo a sua presença como testemunha na escritura de justificação, sendo sua a assinatura de fls. 40.
A Dr. EE limitou-se a confirmar as conclusões já exaradas em sede de relatório médico-legal, a 2.ª R estaria incapaz desde 2009 de celebrar negócios jurídicos (o que concluiu com base em elementos clínicos, com base das peças processuais, com diagnóstico em 2009, declarações médicas posteriores). Colocou a tónica da sua análise e conclusão pericial na incapacidade de comunicação. Contudo, aquando do exame da 2.ª R. reconheceu que esta realizou um esforço para colaborar às perguntas que lhe foram colocadas (vide o “exame do estado mental” a fls. 33 e 33, realizado em 3.8.2020: “ o seu discurso foi proferido com frases muito simples, auxiliado por gestos simples para responder a algumas questões, mas estava de acordo com o que era questionado).
Dr.ª VV, notária em ..., confirmou a presença das partes (RR.) e das 3 testemunhas na escritura de justificação e doação. Todos assinaram a escritura, após leitura e explicação do seu teor. A assinatura foi feita na sua presença. A 2.ª R. esteve presente em simultâneo com todas as outras partes outorgantes. De acordo com a sua perceção, a 2.ª R tinha capacidade de entender e querer. Se não estivesse orientada no espeço e no tempo, não iria celebrar o negócio, ao abrigo dos seus poderes funcionais como oficial. Em momento algum verificou dificuldades da 2.ª R, ela manifestou a vontade de fazer a escritura, doando os prédios ao filho, facto que não lhe suscitou qualquer dúvida. Nenhum dos presentes pôs em causa que a 2.R não tivesse capacidade. Esta sabia que estava num cartório e que estava a doar imóveis ao filho, sendo essa a sua vontade. Nem sequer procurou ter uma conversa isolada ou à parte com a 2.ª R, pois não teve dúvidas sobre a sua vontade.
Afirmou ainda que o seu procedimento é sempre despistar eventuais incapacidades notórias de exercício de direitos e/ou declarativas do outorgante, recusando a celebração em caso de dúvidas notórias.
A Mm.ª Juiz Dr.ª WW, a exercer funções no Juízo Local Cível – J... no tribunal de .... confirmou o teor da ata de audiência de julgamento no processo n.º 59/16...., de fls. 57 e ss., mormente que o depoimento de parte da 2.ª R foi inteligível tendo permitido ditar uma assentada nos termos do art. 463.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Em suma e concluindo:
1. Toda a factualidade alegada por ambas as partes como base para reproduzir, interpretar, comentar ou extrapolar consideração a partir de outros ações que  correram (ou correm) termos neste juízo entre as mesmas partes, foi totalmente desconsiderada pelo Tribunal, atenta a sua total inocuidade e irrelevância para a apreciação da causa de pedir nos presentes autos (anulação dos negócios em causa).
2. Por outro lado, note-se que tal matéria não foi considerada como carecida de instrução – não tendo sido enunciada nos temas de prova – enunciação essa que não foi objeto de reclamação.
3. A A. beneficiava de mera presunção simples, de facto ou de experiência decorrente da fixação de uma data relevante para a conveniência das medidas de acompanhamento decretadas pela sentença nos autos 390/17....;
4. Essa presunção constituía um começo de prova, e não invertia o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação.
5. E a A. não logrou o cumprimento desse ónus probatório, no termos e para os efeitos do art. 342.º do Código Civil e art. 414.º do Código de Processo Civil, porquanto os RR. fizeram contraprova bastante do contrário, ou seja, da capacidade da 2.ª R para entender e querer o negócio de doação e de compra e venda em causa.
6. Quanto ao negócio de doação são diversos os factos-índice que derrogam o valor daquela presunção referida, a saber: em 1.3.2016 a 2.ª R. outorgou procuração notarial a favor do marido, que a Sr.ª Dr.ª Notária não objetou; em outubro de 2016 foi notificada para vir testemunhar no processo judicial.; a 18.10.2016, a Mm. ª Sr.ª Juíza ouviu-a, na presença de uma médica e validou o seu depoimento valorando-o na prova produzida [o argumento da A. de que, porventura, no depoimento então prestado a R. estaria previamente coagida pelos dois Réus presentes na sala, não encontrou qualquer sustentação probatória nestes autos – vide o depoimento da Mm.ª Juiz WW].
7. Nesse sentido veja-se igualmente o depoimento da Sr. Notária, Dr.ª VV, que não objetou à celebração da escritura de doação, donde se retira que, a existir a alegada incapacidade, esta não seria notória ou aparente [nesse mesmo sentido, ainda que lateralmente, as testemunhas da própria escritura de justificação, presentes na data da assinatura e não relatando, pelo menos a título notório ou aparente, uma incapacidade da 2.ª R.]
8. Note-se que o 1.ª R. BB, com mais credibilidade do que a própria A. (que não contacta regularmente com a mãe desde a zanga dos familiares em final de 2015) foi perentório na afirmação de que a 2.ª R. entendeu e quis os dois negócios em causa nestes autos, pelas razões já expostas [ainda que o 1.º R. conhecesse a existência da doença que retirou à 2.ª R mobilidade e capacidade plena de expressão, este sempre afirmou a capacidade de entendimento e de expressão, ainda que com dificuldades, do seu querer].
9. Veja-se ainda que a prova carreada pela A., mormente pelo depoimento das Senhoras Dr.ªs FF e EE mais não é do que a reprodução dos relatórios médico-clínicos realizados no âmbito do processo de interdição, devendo a data da fixação da conveniência das medidas, a título retroativo, ser lida com ponderação casuística – caso contrário o art. 154.º do Código Civil não remeteria para as regras da incapacidade acidental – art. 257.º do mesmo diploma.
10. E, nesta senda, veja-se como os próprios dados clínicos são contraditórios, o que os RR. colocaram a nu: o parecer do médico de família, Dr. OO, também referido naqueles autos de interdição, cujo depoimento em juízo veio confirmar, aludiu à ausência de declínio cognitivo em 2018, confirmando a versão dos RR. nestes autos.
11. Nem tão-pouco se diga que o referido clínico, sendo médico de família ou especialista em medicina geral e familiar, não estaria habilitado para a realização de tal diagnóstico, porquanto de todos os clínicos que observaram a 2.ª R foi o Dr. OO quem mais tempo e mais consultas fez à 2. R em contexto de avaliação medica.
12. Acresce que as testemunhas trazidas a juízo pela A. não tiveram mais do que contactos episódicos com a 2.ª R. não privando com ela mais do que duas ou três ocasiões de circunstância. E, como vimos, as declarações de parte da A. mereceram-nos pouca credibilidade, uma vez que foi desmentida pelas próprias testemunhas que arrolou quanto à data em que teve conhecimento do negócio em causa.
13. Finalmente, quanto ao negócio de compra e venda do trator e alfaias, o 1.º R. confessou a natureza translativa onerosa do mesmo e não a tese de doação, confirmando, no que ora releva, que a A. não foi consultada, nem consentiu no mesmo (art. 877.º do Código Civil)”.
Como ressalta do que vem de se transcrever, o tribunal a quo equacionou toda a prova produzida, e fê-lo de forma crítica, fundamentada e exaustiva, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, explicitando de forma clara as razões que motivaram a mesma.
Analisemos então os motivos da discordância da Recorrente quanto aos diversos pontos impugnados, sendo que para o efeito iremos conhecer dos mesmos de forma conjunta seguindo, por razões de maior simplificação e coerência, a mesma forma e ordem com que se mostram indicados nas alegações.
*
Pontos 18), 19), 20), 21), 22) e 23) dos factos provados

“18. Em data anterior a 21.12.2015, os 1.ºs e 2.ºs RR., sentindo-se velhos e cansados, resolveram proceder à partilha da maior parte dos seus bens pelos dois filhos – o terceiro R. e a A., designadamente os seus bens os seus bens rústicos, campos e montes, com exceção dos seus dois prédios urbanos, onde vivem e que não propuseram partilhar aos filhos porque os reservavam para o fim da vida se precisassem.
19. O terceiro R. aceitou a proposta de seus pais, aceitando a doação e registando os prédios a seu favor;
20. A A. recusou a proposta por pretender que lhe fosse atribuído o prédio urbano onde os seus pais viviam.
21. Os bens a si destinados continuam à espera da sua aceitação da doação;
22. Os demais processos entre as partes nestes autos, que correram termos neste juízo, iniciaram-se em 2016, após a referida doação em 21.12.2015.
23. A A. não contactou com a progenitora, a 2.ª R., nos últimos 6 anos”.

Sustenta a Recorrente que que a única prova que foi feita relativamente a esta matéria consiste no depoimento do Réu BB, que considera parcial e conivente com o aproveitamento da situação de debilidade psíquica da Ré CC.
Mais alega que tal matéria carece de sentido dada a conflitualidade existente entre as partes que nem se falavam há anos, sendo falaciosa a data de 2015 invocada para o acordo de partilha, tanto mais que nessa data a Ré CC já não tinha vontade própria.
Vejamos.
Analisada a motivação constante da decisão recorrida e ouvida a prova gravada, concluímos que o tribunal a quo se baseou efetivamente nas declarações prestadas pelo Réu BB, por contraponto com as declarações, em sentido absolutamente oposto, que foram prestadas pela Recorrente.
Porém, ouvidas as declarações prestadas pelo Réu BB não acompanhamos a Recorrente quando afirma serem parciais; pelo contrário, não obstante a circunstância de ser Réu, juntamente com a sua mulher e o seu filho, numa ação instaurada por sua filha, e as relações desavindas existentes entre as partes, prestou um depoimento no geral espontâneo, direto e circunstanciado sobre os factos.
É inquestionável, ouvidas as suas declarações e as da Recorrente, que as mesmas se excluem, sendo notório que alguém faltou intencionalmente à verdade.
Mas, analisada a restante prova, designadamente as declarações prestadas pelas próprias testemunhas por si indicadas, não é a mesma no sentido de apoiar e dar credibilidade às declarações da Recorrente.
Como se afirma na sentença a credibilidade da Autora e das suas declarações “foi minada em absoluto quando aventou que só há cerca de um ano e meio a esta parte (ou seja, por volta dos inícios ou meados de 2021) teve conhecimento da doação dos referidos prédios (vide escritura de fls. 37), mais negando qualquer indagação prévia dos seus pais quanto à possibilidade de esta aceitar a doação, em vida, de parte dos prédios. Isto porque foram as próprias testemunhas da A. a confirmar que, logo em 2015/2016, toda a localidade soube da desavença entre os familiares e o destino dos prédios em escritura de doação (sendo igualmente o trecho da justificação escriturada objeto de publicação em 2015), ou que, pelo menos, em 2020, já o marido da A. ventilava publicamente a sua opinião sobre o teor desse negócio (dizendo que a sua mulher havia sido deserdada). Ora, tais testemunhas, como infra veremos, confirmaram inclusivamente que fora o marido da A. a contar-lhes sobre a escritura de doação, pelo que as declarações da A. não nos mereceram qualquer credibilidade”.
Acresce dizer ainda que a forma como a Recorrente prestou as suas declarações se revelou também muito menos espontânea, e bem mais cautelosa.
Ora, as declarações de parte são, desde a entrada em vigor do atual CPC um novo meio de prova, sujeito, em termos de força probatória, à livre apreciação do tribunal (a não ser que se apresentem confessórias).
O artigo 466º do CPC estabelece no seu n.º 1 que as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto, prevendo no n.º 3 que o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Nesta matéria, podemos afirmar a existência, no essencial, de três teses que se foram posicionando relativamente à valoração das declarações de parte (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 532): a do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, a tese do principio de prova e a tese da autossuficiência ou valor autónomo das declarações de parte.
Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, sendo o seu particular relevo nas situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão.
Para a tese do princípio de prova as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova; ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios de prova.
Para a terceira tese, as declarações de parte, pese embora a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo num valor probatório autónomo.
Ao contrário do que parece sustentar a Recorrente, não afastamos que as declarações de parte possam estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente e possam assumir um valor probatório autónomo.
Porém, tudo dependerá da análise critica da prova produzida em cada processo, e com base na qual será formada a convicção do julgador.
É aliás o que decorre do n.º 3 do artigo 466º: o tribunal aprecia livremente as declarações das partes (salvo se as mesmas constituírem confissão), e deve fazê-lo na análise do conjunto dos meios de prova produzidos, designadamente testemunhal, documental ou eventualmente pericial.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/04/2017 (Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, Relator Luís Filipe Pires de Sousa, disponível em www.dgsi.pt) “[N]a valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade”.
Assim, um relato espontâneo que faça uma contextualização pormenorizada, circunstanciada e plausível deverá colher maior credibilidade por contraponto com um relato seco e estereotipado ou com recurso a generalizações.
No caso dos autos, contudo, não se nos afigura que releve a discussão teórico/jurídica sobre a valoração das declarações de parte, mas sim a análise critica das declarações prestadas pelo Réu, no confronto com a demais prova produzida, mas também com as declarações prestadas pela Recorrente, e a que já nos referimos.
Salientamos, por isso, que apesar da Recorrente ter negado qualquer contacto dos seus pais quanto à possibilidade de esta aceitar a doação, em vida, de parte dos prédios e ter referido só ter conhecimento da doação ao irmão há cerca de ano e meio, tal não é confirmado pela demais prova testemunhal.
Assim, a testemunha HH reconheceu que logo em 2015/2016 se falava entre os vizinhos que os Réus BB e CC tinham deixado os melhores terrenos para o filho; a testemunha II esclareceu que o marido da Autora lhe contou que tinham deserdado a filha para dar ao filho, porque pedira de volta a casa e a testemunha JJ referiu-se expressamente à “questão das partilhas”. Quanto à testemunha PP, ainda que dizendo não saber se foi feito acordo, confirmou que se falava que o Réu tinha proposto acordo ao marido da Autora que não aceitou e que tinha dado uns terrenos ao filho e um trator.
As declarações destas testemunhas corroboram, ainda que não tendo conhecimento direto de um concreto acordo ou proposta, a versão apresentada pelo Réu BB, pois que logo por volta de 2015/2016 efetivamente se falava na localidade, entre os vizinhos e em conversa de café, numa questão de partilha (em vida) dos bens pela Autora e pelo Réu DD, nos terrenos dados a este e na Autora ter sido deserdada.
Por outro lado, a prova produzida nos autos também não permite afirmar que o Réu BB se aproveitou da situação de debilidade psíquica da Ré CC, e nem que em 2015 esta já não tivesse vontade própria, como adiante iremos concretizar.
Na verdade, não só outorgou procuração em momento posterior ao da escritura de justificação e doação, sem que tivesse levantado qualquer duvida à Sr.ª Notária que afirmou que se tivesse alguma margem de dúvida teria solicitado peritos médicos como é procedimento usual, mas essencialmente prestou depoimento de parte em audiência, perante juiz, na qual estava presente a Recorrente e seu Ilustre Mandatário (v. ata de fls. 57) que motivou que ficasse exarada a assentada na parte em que confessou, no âmbito do processo n.º 59/16...., pelo que daqui também se retira que os processos entre as partes correram termos após a escritura em 21/12/2015, o que não é infirmado por qualquer outro meio de prova.
Por último importa apenas concretizar que o que consta como provado é exatamente que a Recorrente não aceitou qualquer doação e que foi a própria a reconhecer não ver ou estar com a mãe, desde 2015 quando cortaram relações, ainda que dizendo que tal ocorre por o pai e o irmão não deixarem.
Inexiste, por isso, qualquer erro de julgamento a pontar e nem fundamento para dar como não provados os pontos 18), 19), 20), 21), 22) e 23) dos factos provados.
*
Pontos 25), 26) e 27) dos factos provados
“25. Em 21.12.2015, a 2.ª R. ouvia bem, falava com dificuldade, mas conseguia expressar-se, tendo capacidade para entender o negócio de doação celebrado e liberdade para expressar a sua vontade.
26. Até 2018 a 2.ª R., ainda que com dificuldades, denotava capacidade de se exprimir.
27. Em 1.3.2016 outorgou procuração notarial a favor do marido, que a Sr.ª Dr.ª Notária não objetou”.

Sustenta a Recorrente em primeiro lugar que existe contradição entre esta matéria de facto e a que consta dos pontos 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8) e 24) dos factos provados.
Vejamos.
No ponto 24) dos factos provados consta que atualmente, a 2.ª Ré está intelectualmente muito débil; os factos em causa reportam-se a 2015, 2016 e a “até 2018”, pelo que inexiste qualquer contradição.
No ponto 8) consta que a 2.ª Ré se locomove em cadeira de rodas há mais de 10 anos; é também manifesta a inexistência de contradição: a dificuldade de locomoção e mobilidade não significa falta de capacidade para entender o negócio e nem falta de liberdade para expressar a vontade, ou dificuldade de expressão.
Os pontos, 2), 3), 4), 5), 6) e 7) referem-se à doença sofrida pela Ré CC e à sua progressão, bem como à ação de interdição/inabilitação, hoje denominada de acompanhamento de maior, que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... n.º 390/17...., no qual foi proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu a ação procedente, determinando a medida de acompanhamento de maior da Ré.
Tais factos, contudo, não são passiveis de ser considerados sem mais como sendo contraditórios entre si.
É um dado assente nos autos que foi proferida sentença, transitada em julgado, determinando a medida de acompanhamento de maior da Ré CC, a qual refere que o início do acompanhamento AA se tornou conveniente a partir de 22/12/2010 e que a Sr. Dr.ª EE, perita médico-legal nomeada nessa ação, deu como objetivável a necessidade da medida de acompanhamento, ainda antes da data decidida em Sentença, no ano de 2009.
In casu, as partes estão a discutir uma escritura de justificação e doação outorgada em 21 de dezembro de 2015; a ação n.º 390/17.... foi instaurada em 21/09/2017 e publicitada a sua instauração por editais em 2/10/2017, procedendo-se ao registo da sentença em 18/01/2021 e à publicitação da sentença por anúncio em 16/02/2021.
Isto é, está em causa uma escritura outorgada quase dois anos antes da instauração da ação, sendo que antes do anúncio do início do processo os negócios jurídicos estão sujeitos ao regime da incapacidade acidental previsto no artigo 257º do CC, conforme estabelecido no artigo 154.º n.º 3 do CC.
Assim, o que verdadeiramente se questiona é qual o valor da fixação da data na sentença que decretou a medida de acompanhamento onde consta que o início do acompanhamento se tornou conveniente a partir de 22/12/2010.
Entendemos, seguindo a posição jurisprudencial anteriormente formada relativamente ao regime da interdição (o artigo 150º do CC, na redação anterior à introduzida pela Lei 49/2018 de 14/08, determinava da mesma forma que aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação era aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental) ser de atribuir a tal declaração judicial um valor meramente indiciário: “não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação” (v. Acórdão da Relação de Coimbra de 12/12/2017, Processo n.º 123/15.1T8TCS.C1, Relator Luís Cravo, disponível em www.dgsi.pt).
Foi este também o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo.
Ora, tratando-se de uma mera presunção de facto ou judicial, não invertia o ónus da prova, não recaindo sobre os Réus a obrigação de ilidir a presunção: a Autora é que tem o ónus de prova (artigo 342º n.º 1 do CC), assistindo aos Réus a possibilidade de fazer contraprova nos termos gerais (cf. artigo 346º do CC).
A este propósito, ainda que no âmbito do regime da interdição e em anotação ao artigo 150º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1987, p. 157) chamavam a atenção para a importância que pode revestir a fixação da data e afirmavam que se o negócio foi realizado posteriormente “há uma forte presunção de que o negócio foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade”.
E essa presunção não pode deixar de ser considerada em sede de decisão sobre a matéria de facto; tal não significa, contudo, que o tribunal, valorando a prova produzida, não possa concluir que no momento da celebração do concreto negócio a pessoa não estava incapacitada de entender.
Inexistindo a apontada contradição, analisemos agora se a prova produzida nos autos e a que a Recorrente faz apelo determina que se julgue não provada a matéria de facto constante dos pontos 25), 26) e 27).
E, começando pelo ponto 27) não vemos como possa ser julgado não provado que a Notária não objetou na outorga em 1/03/2016 de procuração a favor do marido.
Que a mesma nada objetou resulta desde logo da própria outorga da procuração; mas resulta também de forma linear e inequívoca das declarações que em audiência a Notária (a testemunha Dr.ª QQ) prestou. A mesma afirmou não se recordar em concreto desta procuração, mas esclareceu que o seu procedimento é sempre o de averiguar da capacidade ou de incapacidades notórias, sendo que se lhe tivesse surgido qualquer duvida teria solicitado peritos médicos, e em caso de suspeita teria recusado o ato.
Deve, pois, manter-se o ponto 27).
No ponto 25) consta que em 21/12/2015, data da outorga da escritura, a 2.ª Ré ouvia bem, falava com dificuldade, mas conseguia expressar-se, tendo capacidade para entender o negócio de doação celebrado e liberdade para expressar a sua vontade.
No ponto 26) consta que até 2018, ainda que com dificuldades, denotava capacidade de se exprimir.
A Recorrente fundamenta essencialmente a sua pretensão nos relatórios das perícias realizadas na ação n.º 390/17.... e nas declarações prestadas em audiência pelas testemunhas Dr.ª FF e Dr.ª EE, que os subscreveram.
Temos como certo que para a formulação de um juízo sobre a existência de uma incapacidade proveniente de uma anomalia psíquica e fixação da data do seu começo será sempre preponderante o parecer de peritos médicos, uma vez que estamos perante uma questão de natureza eminentemente técnica e que exige conhecimentos especiais que, em regra, o julgador não possui.
Ainda assim, importa referir que as perícias em causa não foram realizadas nos presentes autos, constituindo os respetivos relatórios prova documental junta aos autos.
Não podemos também esquecer que as Dr.ª FF e Dr.ª EE apenas contactaram com a Ré CC a partir de 2018, baseando as suas conclusões nos elementos clínicos que lhes foram apresentados, na patologia de que a Ré padece e no facto do seu diagnóstico se reportar a 2009.
Constatamos então que consta dos autos um primeiro relatório, datado de 4 de abril de 2018, e subscrito pela Dr.ª FF onde se conclui que a doença se terá iniciado em 2004 ou 2005, sendo a perda de capacidade progressiva e sendo objetivável em 2010 a perda de capacidade para a comunicação e consequente deterioração cognitiva; refere-se neste relatório que a Ré CC se mostra colaborante em todo o momento e realiza um esforço em comunicar com o interlocutor, mas não consegue estabelecer uma comunicação eficaz pois a linguagem é muito rudimentar pela existência de disartria e afasia motora muito acentuada que só lhe permite emitir sons, sendo predominantemente uma comunicação gestual; e que a Ré apresenta algumas deformações das extremidades superiores que a impedem de exercer a comunicação através do meio escrito, não havendo possibilidade de comunicar.
A Dr.ª FF em audiência renovou, no essencial, as conclusões constantes do seu relatório, considerando que em 2010 já não havia pela Ré capacidade de comunicar; referiu, no entanto, tratar-se de uma doença progressiva, de um processo degenerativo gradual.
Quando expressamente questionada se a Ré em 2015 seria capaz de assinar uma escritura e compreender o seu conteúdo respondeu que provavelmente não.
Contudo, a Ré assinou a escritura outorgada em 21/12/2015, ainda que da mesma ressalte alguma dificuldade em fazê-lo.
A Dr.ª EE confirmou as conclusões do relatório que subscreveu; também deste relatório, datado de 3/08/2020, ressalta o esforço da Ré CC para colaborar e responder às perguntas que lhe foram colocadas e nele consta que o “o seu discurso foi proferido com frases muito simples, auxiliado por gestos simples para responder a algumas questões” e que se encontrava orientada no tempo (disse ano, dia e mês) e no espaço.
Depreende-se das suas declarações que o problema da Ré CC se situa ao nível da incapacidade de comunicação; esclareceu que teve duvidas se existiria défice cognitivo e por isso até pediu uma avaliação psicológica, e que no exame não foi possível estabelecer se compreendia o alcance dos negócios que realizava.
Da sentença proferida na ação n.º 390/17.... pode ler-se que na avaliação psicológica o perito concluiu que a Ré apresenta sérios défices na comunicação e na psicomotricidade.
Ora, ouvidas as declarações e lidos os relatórios o que se depreende é que a tónica é sempre colocada na dificuldade da Ré CC em conseguir comunicar, assumindo a gravidade da dificuldade em comunicar desde 2009, 2010.
Porém, a doença da Ré CC é uma doença progressiva e degenerativa, que afeta sobretudo ao nível muscular, que vai ficando pior ao longo do tempo, perdendo-se também a capacidade de comunicar ao longo do tempo.
 E da prova produzida nos autos resultam elementos probatórios, documentais e testemunhais, com conhecimento direto da Ré CC e dos factos em 2015, bem como de factos de 2016, que permitem concluir que, nestas datas, apesar da dificuldade em se expressar, a sua capacidade de comunicação não estava ainda tão afetada.
Vejamos:
A Ré CC esteve presente e assinou a escritura em dezembro de 2015.
A testemunha Dr.ª VV, notária que realizou a escritura, confirmou a presença de todos na escritura e que todos assinaram na sua presença; de acordo com a sua perceção, a Ré não lhe suscitou qualquer duvida, ela manifestou a vontade de fazer a escritura, doando os prédios ao filho, sendo essa a sua vontade. Afirmou ainda que o seu procedimento é sempre despistar eventuais incapacidades notórias de exercício de direitos e/ou declarativas do outorgante, recusando a celebração em caso de dúvidas notórias.
Em março de 2016 outorgou ainda procuração; como já referimos, a Notária (a testemunha Dr.ª QQ) prestou afirmou não se recordar em concreto desta procuração, mas esclareceu que o seu procedimento é sempre o de averiguar da capacidade ou de incapacidades notórias, sendo que se lhe tivesse surgido qualquer duvida teria solicitado peritos médicos, e em caso de suspeita teria recusado o ato.
Assim, tendo a Ré comparecido perante ela, não lhe suscitou qualquer dúvida a outorga da procuração, de tal forma que nem solicitou a comparência de médicos.
E em outubro de 2016, quase um ano após a outorga da escritura de justificação e doação, a Ré CC foi ouvida em tribunal, em depoimento de parte e declarações de parte, e fê-lo comunicando de tal forma, que foi possível exarar assentada, na parte em que confessou.
A Mm.ª Juiz Dr.ª WW, ouvida em audiência, confirmou o teor da ata junta a fls. 57 e ss., e que o depoimento foi inteligível, tendo permitido ditar uma assentada.
Da ata consta que a mesma fez uma alocução à Ré CC, ali Autora, no sentido de afiançar da capacidade de prestar depoimento e, verificando que tinha dificuldade em se expressar, concluiu que não era impeditivo de a mesma prestar depoimento.  
Veja-se ainda que estava em causa a possibilidade de prestar depoimento, pois a capacidade da Ré para estar por si em juízo nem sequer foi questionada, designadamente pela aqui Autora, que nos presentes autos veio afirmar que a mãe (de quem disse cuidar e levar ao médico até à zanga na altura das vindimas de 2015) tinha perdido o discernimento desde 2010/2011.
Acompanhamos, por isso, o tribunal a quo, quando afirma que, quanto ao negócio de doação, estes diversos os factos derrogam o valor da referida presunção; à data da escritura, bem como ainda posteriormente, durante o ano de 2016, a Ré CC, ainda que com dificuldade em se expressar, comunicava e exprimia a sua vontade, tendo outorgado uma procuração e prestado depoimento de parte em tribunal, tendo sido ditada uma assentada.
E a tal não obstam as declarações das demais testemunhas a que se refere a Recorrente, na parte em que são contraditórias com o que acabou de se referir, mas ainda porque, de qualquer forma, o conhecimento que expressaram relativamente à situação da Ré foi de mera circunstância.
Devem, por isso, manter-se os pontos 25), 26) e 27) dos factos provados.
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Pontos 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36) e 37) dos factos não provados

“30. A escritura de fls. 37 e ss. foi celebrada contra a vontade da 2.ª R.
31. Os demais RR. negligenciaram os direitos e interesses da 2.ª R.
32. A escritura de doação outorgada em 21/12/2015 foi realizada em conluio entre o 1.º e o 3.º RR, sem o concurso da vontade livre e esclarecida da 2.ª R.
33. A 2.ª R. não outorgou a referida escritura de livre e esclarecida vontade, estando, à data, incapacitada de entender o sentido da sua declaração negocial e até de reconhecer os documentos de disposição patrimonial que assinava.
34. A 2.ª R. não deu o seu assentimento, muito menos a sua assinatura de forma consciente e esclarecida ao referido negócio jurídico.
35. O referido negócio jurídico de disposição patrimonial a favor de um dos filhos visava lesar o outro.
36. À data da celebração da escritura, em 21.12.2015, a 2.ª R. não estava consciente e capaz de outorgar a referida escritura.
37. Os 1.º e 3.º RR. agem para delapidar o património da 2.ª R.”

De tudo o que já dissemos, e que aqui reiteramos, facilmente se percebe que inexiste também fundamento para dar como provados estes pontos da matéria de facto julgada não provada, até por coerência lógica relativamente à matéria de facto que se manteve como provada.
Ouvidos, pois, os depoimentos das testemunhas, mas também as declarações da própria Recorrente e do Réu BB, conjugados com a prova documental, e analisados à luz das regras da experiência comum, entendemos que não se verifica qualquer erro de julgamento, inexistindo fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pela Recorrente, devendo, pois, manter-se inalterados os pontos 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36) e 37) dos factos não provados.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

No que se refere à decisão jurídica propriamente dita, e em face da manutenção da decisão da matéria de facto, terá a mesma também que se manter, tanto mais que a alteração da decisão jurídica no sentido pretendido pela Recorrente, mesmo na sua perspetiva (cfr. conclusão 10), pressupunha a alteração da decisão de facto, pelo que, não tendo procedido a sua pretensão de ver alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, terá de se manter a decisão por este proferida.
Vejamos.
A Autora/Recorrente veio alegar nos presentes autos que a Ré CC desde 2010 não estava na posse de todas as suas faculdades físicas, mentais e psíquicas, para de vontade livre e esclarecida celebrar negócios jurídicos, envolvendo disposições patrimoniais relevantes, doando e testando os seus bens sem qualquer justificação nem controlo, e terminou pedindo a anulação da escritura de doação efetuada pelo 1º Réu BB e pela 2ª Ré CC a favor do 3º Réu DD, realizada no Cartório Notarial ... em 21 de dezembro de 2015, e a anulação do negócio de compra e venda do Trator da ..., Modelo ...10, matricula n.º CI-..-.. e das respetivas alfaias agrícolas, celebrado entre o 1º Réu e o 3º Réu, regressando tal viatura à esfera jurídica da acompanhada CC.
Na sentença recorrida foi decidido declarar apenas a anulação do negócio de compra e venda de trator da ..., Modelo ...10, matricula n.º CI-..-.. e respetivas alfaias agrícolas, realizado 13/11/2017, determinar que tal bem volte a integrar o acervo patrimonial conjugal do 1.º e 2.ª Réus, e absolver os Réus de todos os demais pedidos formulados.
Com o presente recurso pretende a Recorrente obter também a anulação da escritura de justificação e doação outorgada em 21/12/2015.

Estabelece o n.º 1 do artigo 154.º do CC que os atos praticados pelo maior acompanhado que não observem as medidas de acompanhamento decretadas ou a decretar são anuláveis:

a) Quando posteriores ao registo do acompanhamento;
b) Quando praticados depois de anunciado o início do processo, mas apenas após a decisão final e caso se mostrem prejudiciais ao acompanhado.
Se os atos praticados são anteriores ao anúncio do início do processo aplica-se o regime da incapacidade acidental (n.º 3 do referido artigo 154º).

O n.º 1 do artigo 257º (“Incapacidade acidental”) estabelece que “[A] declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”; o n.º 2 prevê que o facto é notório quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
Podemos, pois, concluir, quanto aos atos praticados antes do anúncio do inicio do processo, que a sua anulação só pode ser obtida por incapacidade acidental.
A incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do CC exige, para a anulabilidade do ato, não só que, no momento da sua prática, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, mas também que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.
Assim, a anulação da declaração negocial por incapacidade acidental depende da verificação destes requisitos cumulativos previstos no artigo 257º do CC, reportados ao momento da celebração do ato impugnado, recaindo sobre o autor o ónus da prova dos mesmos, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do CC;  ou seja, compete a quem invoca uma incapacidade fundada no artigo 257º alegar e provar que o declarante se encontrava, na altura da prática do ato, incapacitado nos termos e para o feito do disposto neste artigo.
Pelo que, e considerando agora o caso concreto, competia à aqui Recorrente, Autora, o ónus de provar os factos demonstrativos da incapacidade.
Como já referimos, a data fixada na sentença que decretou a medida de acompanhamento onde consta que o início do acompanhamento se tornou conveniente a partir de 22/12/2010, tem apenas um valor meramente indiciário, não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato, o qual recai sobre quem pede a anulação.
In casu, não tendo a Autora logrado provar a existência da incapacidade da Ré CC de entender o sentido da declaração constante da escritura de justificação e doação, ou que lhe faltasse o livre exercício da vontade, tanto basta para que não possa proceder a sua pretensão, pois que estamos perante requisitos cumulativos, e o segundo dos requisitos exigiria sempre a verificação do primeiro: que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário.
Improcede, pois, a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
As custas são da responsabilidade da Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do CPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 20 de abril de 2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Afonso Cabral de Andrade (1º Adjunto)
Alcides Rodrigues (2º Adjunto)