Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
156/18.6YRGMR
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL
VÍCIOS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. - Nos termos do art. 46º, nº 9 da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária), o Tribunal Estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem decididas;

II. – Na verdade, os vícios que podem fundamentar a acção de anulação da decisão arbitral são vícios processuais equiparáveis a nulidades processuais – nulidades processuais ou procedimentais específicas do processo arbitral – pelo que, no caso de serem invocadas nulidades da sentença arbitral, não se verifica nenhuma especialidade relativamente a idêntico vício das decisões judiciais e, nessa medida, tudo quanto se refere a estas será aplicável àquelas;

III. - Estabelece-se no art. 42º, nº 3 da LAV que “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art. 41º”, pelo que, tal como sucede com a decisão judicial, também aqui se exige que o Tribunal Arbitral fundamente a sua decisão em termos de facto e de direito.

IV. – Nesta conformidade, o vício de nulidade por falta de fundamentação (art. 46º, nº 3, al. a), vi) da LAV) da sentença arbitral - invocável através da acção de anulação - só pode ser declarado nos casos em que exista a falta absoluta de motivação. Sempre que a motivação seja deficiente deve essa deficiência ser suprida através de recurso;

V. – Deve-se entender que não se verifica o aludido vício quando o Tribunal Arbitral recorrido fundamenta a sua decisão, colocando na base da sua decisão a factualidade pertinente e invocando os pertinentes preceitos legais - não se coibindo, aliás, de julgar inconstitucional a norma do art. 78°, n° 1 do Regulamento do Serviço Público de Correios, que havia sido invocada pela Recorrente, por ter considerado que a mesma violava o disposto nos arts. 60º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição (CRP).

VI. – Tal julgamento de inconstitucionalidade daquela norma não constitui também qualquer ofensa de qualquer princípio da ordem pública internacional (ou interna) (outro fundamento de anulação da sentença arbitral previsto no art. 46º, nº 3, al. b), ii) da LAV), uma vez que, estando expressamente consagrado constitucionalmente que os Tribunais arbitrais são verdadeiros e próprios Tribunais (arts. 209º, nº 2 da CRP; cfr. art. 42º, nº 7 da LAV), surge como uma evidência que as suas decisões são susceptíveis de ser controladas constitucionalmente (através de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos em que seja admissível) e, por outro lado, que o próprio Tribunal arbitral não pode deixar de ponderar a constitucionalidade das normas jurídicas que aplica no caso concreto (art. 204º da CRP onde se afirma que “nos feitos submetidos a julgamento, não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” )”.
Decisão Texto Integral:
- Acção de anulação da decisão arbitral -
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s) / Autor: - CORREIOS, S. A.;
Recorrido/ Réu: Manuel.
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O Recorrente, inconformado com a decisão proferida a fls. 14 e ss., veio requerer contra Manuel a presente Acção especial de anulação de sentença arbitral, nos termos dos arts. 46° e 59° da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, e dos art.° 644 e segs. do CPC, requerendo que seja anulada a sentença Arbitral de 8.06.2018, proferida no processo, que sob o n° 413/2018, correu termos no CIAB - Tribunal Arbitral de Consumo de Braga, em que foram partes, a ora Requerente, como Reclamada, e o Requerido, como Reclamante.

O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

O aqui Requerido apresentou perante o Tribunal Arbitral, supra identificado, reclamação, pedindo que a Requerente (Reclamada) fosse condenada a pagar uma indemnização de €1.500 (mil e quinhentos euros), pelos prejuízos causados pelo extravio de uma encomenda postal que continha emblemas/crachás militares.
A Requerente apresentou a sua contestação assumindo o extravio, e consequente pagamento da indemnização, de acordo com o estabelecido no Regulamento do Serviço Público de Correios constante no Decreto-Lei n° 176/88 de 18 de Maio.

Alegou a agora Requerente que, ao caso em apreço, se aplicaria o Regulamento supra mencionado, nomeadamente, o art. 78°: "No caso de perda, espoliação total ou avaria do conteúdo de uma correspondência registada, o remetente tem direito à importância reclamada, não podendo exceder a quantia equivalente a vinte vezes a taxa de registo paga".
O Requerido não subscreveu o serviço de valor declarado, pelo que não poderia ser aplicado o art.° 79° do mesmo diploma com a consequente indemnização por esse valor.
Produzida a prova apresentada, foi, de seguida, proferida a seguinte decisão aqui posta em crise:

“Pelo exposto, se decide:

1) Julgar inconstitucional a norma do art. 78º, l, do Regulamento do Serviço Público dos Correios, por violação dos arts. 60º, nº 1,e 18º, nº 2, da Constituição.
2) Julgar em parte procedente e provada a acção condenando a Rda. "CORREIOS, SA", a pagar ao Rte. Manuel o que se liquidar em execução de sentença quanto ao valor dos emblemas/crachás extraviados”.
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Insurge-se o Recorrente/Autor contra esta decisão, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“Conclusões:

1. A Requerente propõe a presente acção de anulação de Sentença Arbitral nos termos do Artigo 46°, n° 3, a), vi) e b), ii) da Lei da Arbitragem Voluntária, proferida pelo Tribunal de Consumo de Braga, processo 413/2018, que correu termos no CIAB de Braga.
2. Face à matéria dada como provada e objecto do processo em apreço o Tribunal Arbitral, apesar de existir Lei especial, reconduziu a sua decisão ao apuramento da legislação aplicável - o Regulamento Público dos Serviços Postais, no seu art. 78º, n° 1 ou a Lei do Consumidor no disposto do Art.° 12°, 3. Ora, apesar do Tribunal Arbitral ter o dever de decidir segundo o direito constituído, decidiu não aplicar a legislação especial existente, considerando-a inconstitucional.
4. Com efeito, o Tribunal Arbitral, tecendo as suas considerações ao arrepio do decidido pelo Tribunal Constitucional no processo 650/2004, decidiu declarar e julgar inconstitucional a norma do art.° 78°, n° 1 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
5. No referido Acórdão foi declarado que a norma não padecia de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo incompatibilidades com a Lei do Consumidor.
6. Considera-se que o Tribunal Arbitral excedeu o que se pode considerar um erro de julgamento, extrapolando a sua competência, enfermando a sentença de nulidade por falta de fundamentação.
7. Conforme estipulado no artigo 233° da Constituição da República Portuguesa compete exclusivamente ao Tribunal Constitucional apreciar da constitucionalidade e ilegalidade nos termos dos 277° e seguintes.
8. "a ordem pública remete para um conjunto de valores e princípios injuntivos do ordenamento, base de coexistência social geral e garantes de um bem público e que ela representa como que uma cláusula de salvaguarda de que dispõe o sistema jurídico para assegurar o respeito dos seus pilares fundamentais"
9. Ora, a necessidade de respeito pela ordem pública material de um Estado coloca-se relativamente a toda e qualquer sentença arbitral proferida no seu território.

Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente pedido de anulação da Sentença do Tribunal Arbitrai supra identificado “.
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O Recorrido/ Réu apresentou oposição, onde pugna pela improcedência dos fundamentos aduzidos pelo Autor/Recorrente.
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Nos termos do art. 46º, nº 2, al. e) da Lei da Arbitragem voluntária (LAV - Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro) segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações.
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O Tribunal da Relação é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia (art. 46º, nº 1 e 59º da LAV).
Inexistem nulidades principais.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade ad causam.
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As partes mostram-se notificadas e não é caso de conceder ao Tribunal arbitral a oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo do requerimento inicial deduzido pelo Recorrente (cfr. art. 60º, nº 2 da LAV) por se tratar de acto inútil.
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Compulsados os autos, considera-se, também, que não se torna necessário solicitar outras informações que sejam convenientes para a prolação da decisão (art. 60º, nº 3 da LAV).
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Nada obsta, pois, ao proferimento da decisão.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente/Autor coloca a(s) seguinte(s) questão(ões) que importa apreciar:

1. Nulidade da decisão arbitral por falta de fundamentação:

- alega, em síntese, que o percurso lógico-jurídico da decisão arbitral é inaceitável e absolutamente contra legem, violando princípios básicos do estado de Direito, nomeadamente, a competência exclusiva do Tribunal Constitucional e a separação de poderes para declarar como inconstitucionais normas vigentes.
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2. Nulidade da decisão arbitral por ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado português.
-alega, em síntese, que o Tribunal Arbitral ao extrapolar a sua competência no que concerne à declaração da inconstitucionalidade de uma norma feriu a sentença de uma violação constitucional, uma vez que, se trata de poderes exclusivos do Tribunal Constitucional.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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“Após produção de prova na audiência de julgamento, o Tribunal Arbitral considerou como provados os seguintes factos:

"1. No dia 08/11/2017, o Rte. Enviou dos Correios de Fão uma encomenda registada para ser entregue em Lisboa:
2. A referência do objecto postal enviado por correio registado é …;
3. Essa correspondência foi aceite em 8/11/2017 pelo posto de correio de Fão;
4. Em 9/11/2017, foi efectuada a recepção nacional dessa correspondência;
5. O referido objecto postal não foi recebido pelo destinatário;
6. Após a reclamação do Rte. a Rda., enviou ao Rte. a carta de fls. 23, de 28/11/20107, informando-o que, após averiguações, não foi possível localizar esse objecto, considerando-o por isso extraviado;
7. O objecto postal extraviado continha emblemas/crachás militares da Guerra Colonial (doc. de fls. 4 a 8 dos autos);
8. O Rte. não contratou o serviço que a Rda. disponibiliza denominado "Seguro extra" ou " valor declarado", que obriga esta a indemnizar o remetente pelos prejuízos causados pela perda, espoliação ou avaria de um objecto postal, na importância do valor declarado.
9. O Rte. pagou pelo registo do objecto extraviado a quantia de €3,20"
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de entrarmos nos fundamentos invocados pelo Autor/Recorrente, importa efectuar aqui um enquadramento geral sobre o âmbito da presente acção de anulação da decisão arbitral.

Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que esta acção especial não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito. Tal é objecto do recurso a interpor da decisão arbitral, quando admissível (art. 39º, nº 4 e 59º, nº 1, al. e) da LAV).

Efectivamente, nos termos do art. 46º, nº 9 da NLAV, o Tribunal Estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas (no caso do Tribunal Estadual anular a sentença arbitral).

Assim, “a propositura da acção de anulação no Tribunal Estadual não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objecto do litígio. A acção de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objecto da acção é, simplesmente, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Caso se verifique um fundamento de anulação, o Tribunal Estadual deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra” (1).
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No tocante à impugnação de sentença arbitral, sob a forma de pedido de anulação, estabelece o nº 3 art. 46º da LAV, que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:

a) A parte que faz o pedido demonstrar que:

i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º (2), com influência decisiva na resolução do litígio; ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs 1 e 3 (3) do artigo 42.º; ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ; ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

Como decorre do exposto, no fundo, os vícios que podem fundamentar a acção de anulação da decisão arbitral “são, portanto, vícios processuais equiparáveis a nulidades processuais – nulidades processuais ou procedimentais específicas do processo arbitral” (4).
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Aqui chegados, entremos na primeira questão atrás enunciada.

Defende o Autor/Recorrente que a decisão é nula, por falta de fundamentação

Para tanto alega, em síntese, que o percurso lógico-jurídico da decisão arbitral é inaceitável e absolutamente contra legem, violando princípios básicos do estado de Direito, nomeadamente, a competência exclusiva do Tribunal Constitucional e a separação de poderes para declarar como inconstitucionais normas vigentes.

Vejamos se assim é.

O vício que o Recorrente aponta à decisão é equiparável a nulidade a que alude a al. b) do art. 615º do CPC.
E daí que, uma vez que “… não se verifica nenhuma especialidade relativamente a idêntico vício das decisões judiciais … tudo quanto se refere a estas será aplicável àquelas … “ (5).

Conforme já se referiu, no âmbito da LAV estabelece-se no art. 42º, nº 3 que “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate e sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art. 41º” – sendo que não se verificam estas últimas situações no caso concreto.

Nesse sentido, tal como sucede com a decisão judicial, também aqui se exige que o Tribunal Arbitral fundamente a sua decisão em termos de facto e de direito.
Ora compulsada a decisão arbitral, aqui posta em crise, é inequívoco que o Juiz Árbitro proferiu a sua decisão, dando obediência integral a este comando legal processual, uma vez que não só colocou na base da sua decisão a factualidade pertinente, como, além disso, procedeu ao enquadramento jurídico das pretensões das partes, concluindo com a pronúncia sobre os pedidos formulados pelas partes.

Como é sabido, a nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito (al. b) do art. 615º do CPC) está relacionada com o comando do artigo 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico da doutrina, nestes casos, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista no citado dispositivo legal.
A fundamentação (motivação) – art. 607º nº 4 do CPC - deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (6).

Assim, só existirá a nulidade do art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC quando o juiz não tiver discriminado, de uma forma absoluta, os factos provados e não provados e/ou as normas jurídicas que lhes aplicou e na qual estribou a decisão de mérito que acabou por proferir.
Portanto, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão (7) - o que, como decorre da decisão proferida, não ocorreu no caso concreto (v. a factualidade acima mencionada).
Do mesmo modo, importa dizer que também não existe falta de fundamentação de direito.

Como é sabido, quanto à arguição deste vício de nulidade, à excepção dos actos meramente ordenadores do processo e dos despachos de mero expediente, compete, efectivamente, ao juiz (e ao Juiz Árbitro) fundamentar todas as decisões tomadas: art. 154º, nº 1 do CPC (“As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre justificadas”).
Mesmo que o CPC não o referisse, essa necessidade de fundamentação resultaria por imposição directa do art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP): “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Será esta fundamentação que assegura ao cidadão o controlo da decisão e permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Essa fundamentação deve ser expressa e, ainda que sucinta, deve ser suficiente para permitir o controlo do acto.
É também esse o sentido que a falta de fundamentação da decisão assume no âmbito específico das decisões arbitrais.

Na verdade, e conforme por todos refere Paula Costa e Silva (8), ”pode dizer-se genericamente que uma sentença é provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que tal motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral invocável através da acção de anulação. Sempre que a motivação seja deficiente e, não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso...".
Ora, no caso concreto, e conforme resulta da decisão proferida, o Tribunal Recorrido fundamenta a sua decisão, invocando os pertinentes preceitos legais (não se coibindo, aliás, de julgar inconstitucional a norma do art. 78°, n° 1 do Regulamento do Serviço Público de Correios), não se verificando o vício de falta de fundamentação que o Recorrente invoca (9).

No entanto, de uma forma forçada (dadas as limitações legalmente existentes quanto aos fundamentos da anulação pretendida), o Autor/Recorrente coloca o enfoque da arguição da nulidade, na ideia de que o Juiz Árbitro, ao efectuar o referido julgamento de inconstitucionalidade, teria violado princípios básicos do Estado de Direito, nomeadamente, a competência exclusiva do Tribunal Constitucional e a separação de poderes.

Julga-se, no entanto, que tal argumentação não pode ser enquadrada no vício de falta de fundamentação (e, portanto, no fundamento correspondente ao nº 3 do art. 46º da LAV, al. a), ponto vi).

Na verdade, afigura-se-nos que tal fundamento contende antes com a arguição de um erro de julgamento ou com a apreciação do mérito da decisão de direito proferida.

Nessa medida, só por aqui improcederia a arguida nulidade por falta de fundamentação.

De qualquer forma, sempre nos pronunciaremos sobre a questão enunciada, agora que entramos no segundo fundamento invocado, justificando-se a pronúncia conjunta sobre esta argumentação.

Com efeito, embora o Autor enquadre a sua pretensão em dois fundamentos juridicamente diferentes, a sua argumentação funda-se, no essencial, na mesma ideia, ou seja, que o Tribunal Arbitral extrapolou a sua competência ao julgar inconstitucional a referida norma (porque este julgamento de constitucionalidade é competência exclusiva do Tribunal Constitucional), sendo que, ao fazê-lo, violou também o princípio da separação de poderes por declarar, como inconstitucionais, normas vigentes.
Nessa sequência, além da alegada falta de fundamentação, junta o vício da ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Antes de entrarmos na apreciação daquela argumentação, importa esclarecer em que é que se pode traduzir esta ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português – a que, aliás, faz apelo o próprio legislador na LAV no seu art. 46º da LAV, nº 3, al. b), ponto ii).
Compulsada a anterior LAV (Lei nº 31/86) constata-se que a mesma, contrariamente à actual, não elencava no seu art. 27º esta causa de anulação da decisão arbitral.
Cremos que essa opção tinha a ver com o facto de se entender que tal seria matéria de recurso que, então, era muito mais latamente admissível do que fundamento de anulação.
Durante os trabalhos preparatórios do diploma vigente houve grande oposição à inclusão desse fundamento, por se ter receio que o mesmo pudesse ser utilizado de uma forma abusiva, tendo em consideração o carácter indeterminado do conceito “ordem pública” (10).
A questão, tendo em conta o apelo à ordem pública internacional, coloca-se com mais acuidade quando se trata de arbitragens internacionais, em paralelo com o disposto na alínea f) do artigo 980.º do Código de Processo Civil, quanto à confirmação das sentenças estrangeiras.

Mas Luís Lima Pinheiro (11) esclarece que a “anulação só deve ser admitida, com fundamento em contrariedade à ordem pública naqueles casos excepcionais em que a decisão conduza a um resultado manifestamente incompatível com normas e princípios fundamentais da ordem jurídica local.”

Nesta linha, o Acórdão do STJ de 26.09.2017 (12) julgou no sentido de se exigir que a decisão “conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um patente, certo e efectivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica”.

Todavia, como a LAV veio consagrar esse fundamento de anulação (alínea b), ii, n.º 3, artigo 46.º), há que ter muitas cautelas em considerá-lo presente, sob pena de, para o julgar, se ter de invadir o mérito da decisão, o que, como vimos, aquela lei não autoriza (13).
O conceito de ordem pública é aberto, a densificar e, em consequência, de muito difícil subsunção (14).

“Em termos muito genéricos, o conceito da ordem pública internacional caracteriza-se pela sua já referida imprecisão, pelo cariz nacional das suas exigências – que variam de Estado para Estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles –, pela excepcionalidade – por ser um limite a uma decisão arbitral putativamente estribada no princípio da autonomia privada –, pela flutuação e pela actualidade – intervém em função das concepções dominantes no tempo do julgamento, no país onde a questão se põe – e pela relatividade – intervém em função das circunstâncias do caso concreto e, particularmente, da intensidade dos laços entre a relação jurídica em causa e o Estado português” (15).

Está, assim, pacificamente adquirido que a cláusula geral da ordem pública internacional veicula princípios e normas fundamentais em que se baseia a ordem jurídica, económica, social e ética da comunidade (do foro), fazendo actuar os valores aos mesmos imanentes de modo a impedir a consagração de uma determinada decisão arbitral.
O que significa que o conteúdo dessa cláusula é enformado pelos princípios estruturantes da ordem jurídica, como são, desde logo, os que pela sua relevância, integrem a Constituição em sentido material, pois são as normas e os princípios constitucionais, sobretudo, os que tutelam direitos fundamentais, que não só informam mas também conformam a ordem pública internacional: a Constituição reflecte os valores mais importantes que conformam o plano estrutural ou a ordem jurídica fundamental de uma comunidade nacional, pelo que é nesses valores que deve assentar a ordem pública internacional do Estado (no sentido aqui exigido).

Além disso, é também pacificamente aceite que que devem integrar a ordem pública internacional de cada Estado, princípios fundamentais como os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras e da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível.
Porém, dado possuírem um conteúdo normativo amplo ou indeterminado – ainda que mais nuns casos do que noutros –, a invocação da sua violação, como fundamento da anulação de sentença arbitral, terá de ser sujeito a acentuadas restrições.

E é esse o sentido interpretativo que, de um modo ou outro, vinha e vem sendo apontado, em geral, pela jurisprudência (16) e pela doutrina (17).
O que significa que este reexame é excepcional, porque, apesar de o controlo da ordem pública internacional implicar (re-) olhar para o mérito da decisão arbitral, também é verdade que esta análise é feita, exclusivamente, para aferir se o resultado da decisão postergou as regras fundamentais da nossa ordem jurídica (18).
Neste âmbito, questiona-se, no entanto, se, além destes princípios da ordem pública internacional- únicos princípios a que o legislador faz expressa referência -, não deverá merecer igual tratamento a violação da ordem pública interna por parte da decisão arbitral.
O legislador apenas se refere àquela, mas “… não podemos ignorar uma sentença arbitral que ofenda a nossa ordem pública interna, permitir que a mesma se torne inatacável e, consequentemente, que adquira força de caso julgado e força executiva” (19).

Nesta conformidade, também na ordem jurídica interna, na arbitragem doméstica, tem de se reconhecer, como fundamento de anulação, a violação da ordem pública interna, na medida em que é impossível admitir a inexistência total de controlo estadual da aplicação do seu direito pelos Tribunais Arbitrais.
Ora, no caso concreto, julga-se que o vício invocado contende justamente com a ordem pública interna (a ordem constitucional interna) - mais do que com a ordem pública internacional.

Na verdade, a questão que o Autor/Recorrente coloca passa por saber o estatuto constitucional dos Tribunais Arbitrais e das suas decisões.
Aliás, nessa medida, tratando-se da eventual violação dos princípios constitucionais que integram a ordem pública interna, no caso de estar em causa a aplicabilidade de uma norma, podia até estar aberta a possibilidade de Recurso directo para o Tribunal Constitucional, se aquele estatuto puder ser equiparado ao dos Tribunais Judiciais.

A opção do Autor/Recorrente, no entanto, foi a de instaurar a presente acção de anulação da decisão arbitral - sem ter ponderado aquela questão- e onde vem, segundo se julga, invocar esta violação da ordem pública interna (constitucional), admitindo-se, conforme se defendeu atrás, que tal fundamento possa ainda ser enquadrado no art. 46º da LAV.
Aqui chegados, importar reverter para o caso concreto, e ponderar, ao mesmo tempo, se a ideia do Autor/Recorrente, que parte da alegação de que o Tribunal Arbitral teria extrapolado a sua competência no que concerne à declaração da inconstitucionalidade de uma norma legal, pode constituir fundamento para se considerar que a decisão arbitral é nula, por falta de fundamentação e/ou por ofensa dos princípios da ordem pública.

Como se referiu, o Autor fundamenta esta sua posição, porque considera que o Tribunal Arbitral extrapolou a sua competência no que concerne à declaração da inconstitucionalidade, uma vez que alegadamente se trataria de poderes exclusivos do Tribunal Constitucional.

Julga-se, no entanto, que o Autor/Recorrente não tem razão quando invoca esta alegada “invasão” da competência do Tribunal Constitucional por parte do Tribunal Arbitral.

Na verdade, contrariamente ao que defende, o Tribunal Arbitral não só pode, como deve, declarar a inconstitucionalidade das normas legais que tenha que aplicar, quando as mesmas padeçam de vício de inconstitucionalidade.
Trata-se de matéria que, inclusivamente, já foi objecto da pronúncia do Tribunal Constitucional.

Na verdade, no seu Acórdão nº 181/2007 (relator: Paulo Mota Pinto) (20), esta Alta Instância Constitucional esclareceu que:

“Um primeiro problema de que há que tratar é o de saber se a Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol, de cuja decisão se recorre para o Tribunal Constitucional, é um verdadeiro “tribunal” para efeitos de funcionamento do mecanismo de justiça constitucional que é o recurso de constitucionalidade.
A Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional encontra-se prevista nos artigos 52.º a 58.º dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Deles retira-se que tal Comissão Arbitral, é formada por um presidente, nove vogais efectivos e três suplentes, que devem ser licenciados em Direito, sendo lhes aplicável “com as necessárias adaptações, o regime dos impedimentos e suspeições previsto no Código do Processo Civil para os juízes” (artigo 53.º, n.º 3). À Comissão Arbitral compete, no que ora interessa, dirimir “os litígios entre a Liga e os clubes membros ou entre estes, compreendidos no âmbito da associação” (artigo 54.º, alínea b)).

Ora, o Tribunal Constitucional, tendo em conta que os tribunais arbitrais (necessários e voluntários) são também “tribunais”, com o poder e dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo judicial e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais, considerou ter natureza de tribunal arbitral a comissão arbitral prevista no artigo 36.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (Acórdãos n.ºs 33/96, 258/97 e 363/97, disponíveis em www.tribunalconstitucinal.pt), bem como certas formas de arbitragem previstas noutras áreas, como, por exemplo, a arbitragem a que se refere o artigo 37.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (Acórdãos n.ºs 757/95, 259/97 e 465/97, igualmente disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Entende-se que a mesma orientação é de aplicar à Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol, de cuja decisão se recorre para este Tribunal…” (sublinhados nossos).

No mesmo sentido se pronunciam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (21): “Naturalmente que a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais, sem excluir naturalmente o próprio Tribunal Constitucional, como tribunal que é, quer quando ele funciona como tribunal de instância, julgando os assuntos que a Constituição e a lei lhe atribuem para além da fiscalização de inconstitucionalidade…”.

E em outro passo acrescentam: “Em princípio, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões proferidas por todos os órgãos constitucionalmente considerados como tribunais (ordinários ou especiais), incluindo os Tribunais arbitrais (salvo quando decidam ex aequo et bono, pois aí não há aplicação de normas) …” (22).

É essa também a opinião de Galvão Telles (23) que conclui em - estudo que tem justamente por tema a questão que aqui é colocada - que:
“Nos termos do hoje art. 204º da CRP também os Tribunais arbitrais não podem, nos feitos submetidos a julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” (pág. 647).
A razão de ser desta unanimidade doutrinal e Jurisprudencial (do Tribunal Constitucional) resulta directamente da própria Constituição.
Na verdade, os tribunais arbitrais estão constitucionalmente consagrados como verdadeiros e próprios Tribunais, estando expressamente previstos como tais no art. 209º, nº 2 da CRP.
E, por outro lado, está também admitido que os mesmos exercem a função jurisdicional, julgando litígios, sendo a sentença arbitral equiparada à sentença de um Tribunal Estadual (art. 42º, nº 7 da LAV) (24).

Esta equiparação, no entanto, não significa que as mesmas sejam iguais.

Na verdade, elas “são realidades desiguais, com distintas fontes de legitimação, percursos processuais diversos e características variadas”. Pelo que seria absurdo uma equiparação absoluta entre estes dois tipos de sentenças. Acresce que as sentenças estaduais “são proferidas por órgãos de soberania, enquanto as decisões arbitrais emanam de privados, temporariamente incumbidos do exercício de poderes jurisdicionais de fonte privada” (25).

No entanto, estando expressamente consagrado constitucionalmente que os Tribunais arbitrais são verdadeiros e próprios Tribunais, surge como uma evidência que as suas decisões são susceptíveis de ser controladas constitucionalmente (através de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos em que seja admissível) e, por outro lado, que o Tribunal arbitral não pode deixar de ponderar a constitucionalidade das normas jurídicas que aplica no caso concreto.

Com efeito, o art. 204º da CRP afirma que “nos feitos submetidos a julgamento, não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”

Por sua vez, o art. 280º abre dizendo que “cabe Recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais”.
A questão que se colocaria era a de saber se as decisões dos Tribunais arbitrais constituiriam “decisões dos Tribunais” para este efeito.
Ora, conforme já se referiu, hoje (desde a revisão constitucional de 1982) isso decorre directamente da CRP, pois que tal situação está expressamente consagrada no art. 209º, nº 2 da CRP, onde se prevê que “podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.
“Os tribunais arbitrais ficaram assim constitucionalmente admitidos, por forma expressa, como Tribunais. E a sua caracterização como tribunais em sentido constitucional veio a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional” (26).
“(A) consequência que daí imediatamente decorre é que, nos termos do hoje art. 204º da CRP, também os Tribunais arbitrais não podem, nos feitos submetidos a julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” (27).

Nesta conformidade, e como resulta do exposto, não podem existir dúvidas que o meio de fiscalização concreta da constitucionalidade (difuso) (28) – arts. 204º e 280º, nº1 da CRP - é aplicável aos Tribunais Arbitrais.
Significa isto que, conforme já se antecipou, o Autor/Recorrente não tem qualquer razão quando pretende imputar os vícios que invoca à decisão arbitral aqui posta em crise.

Na verdade, o Tribunal Arbitral podia, como efectuou, não aplicar a norma do art. 78º, l, do Regulamento do Serviço Público dos Correios, se entendesse, como entendeu, que a citada norma era inconstitucional (por violação dos arts. 60º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição).
Nessa medida, ao fazê-lo, ao julgar inconstitucional tal norma, não incorreu no vício de nulidade por falta de fundamentação invocado pelo Autor, nem, por outro lado, ofendeu qualquer princípio da ordem pública internacional (ou interna).

Aqui chegados, podemos, assim, afirmar que a sentença arbitral, que constitui o objecto desta acção, não padece de falta de fundamentação, nem conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública internacional do Estado português (ou interna), pelo que só nos resta concluir pela rejeição do pedido da sua anulação, razão pela qual deve antes ser confirmada a decisão recorrida.
Não pode, pois, o presente Tribunal reconhecer os vícios imputados à decisão pelo Recorrente.
Improcede a acção de anulação.
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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a presente acção de anulação de sentença arbitral que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Custas pelo Recorrente.
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Guimarães, 15 de Novembro de 2018

Pedro Damião e Cunha
Maria João Matos
José Alberto Moreira Dias

1. Ac. da RC de 20.4.2015 (relator: Henrique Antunes), in dgsi.pt.
2. Princípios da defesa (al. a)); da igualdade (al. b)), e do contraditório (al. c)).
3. “A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate e sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art. 41º” (nº 3).
4. Ac. da RC de 20.4.2015 (relator: Henrique Antunes), in dgsi.pt.
5. Paula Costa e Silva, in “Roa”, ano 56, págs. 184/5.
6. Neste sentido, v. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, vol. V, pág. 140 e Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, pág. 669.
7. Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
8. No seu estudo publicado na “ROA”, ano 52, pág. 938.
9. V. sobre a arguição deste vício nesta sede arbitral, por ex., o ac. da RL de 2.10.2006 (relator: Tibério Silva), in dgsi.pt: 1. O dever de fundamentar previsto no art. 23°, nº3 e na al. d) do n° 1 do art. 27° da Lei n° 31/86, de 29 de Agosto (Arbitragem Voluntária), corresponde ao estabelecido na al. b) do n° 1 do art. 668° do Código de Processo Civil.2. Aplicando-se à fundamentação das decisões arbitrais os princípios gerais do processo civil, é de concluir que a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação da decisão é a absoluta e não a meramente insuficiente. 3. A incompletude ou deficiência, podendo conduzir à alteração ou revogação da decisão, não a tornam nula. Mas a deficiência da decisão arbitral só pode ser combatida por via do recurso (se for admissível, designadamente por a ele não terem as partes renunciado).4. O peso que, na solução adoptada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade é questão que excede a acção de anulação, na qual apenas se cuida de vícios de natureza processual.5. O vício da contradição entre os fundamentos e a decisão não pode incluir-se, por não estar previsto no art. 27º, al. d), conjugado com o art. 23º da Lei nº 31/86, de 29-08, na causa de pedir da acção de anulação” e o já citado ac. da RC.
10. Cfr. António Pedro Pinto Monteiro, in “Da ordem pública no processo arbitral” (Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas), Vol. II, pág. 589-673.
11. In “Direito Internacional Privado”, Vol. I, págs. 659, 663 e 666.
12. (relator: Alexandre Reis), in dgsi.pt.
13. Afirmando esse risco, v. António Pedro Pinto Monteiro, in “Da ordem pública no processo arbitral” (Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas), págs. 663 ss. e Assunção Cristas/ Mariana França Gouveia in “A violação da ordem pública como fundamento de anulação de sentenças arbitrais” e o Acórdão do STJ, de 10 de Julho de 2008 – proc. nº 1698/08 – (“Cadernos de Direito Privado”, n.º 28 Janeiro/Março 2010), págs. 41/56. É o seguinte o sumário do referido Acórdão: “I – Convencionando as partes que as questões que entre elas viessem a ter lugar seriam necessária e exclusivamente decididas por um Tribunal Arbitral e que da decisão deste não cabia recurso para outra instância, vedada lhes estava a discussão por via de recurso do mérito da decisão final dos árbitros, dispondo, todavia, da possibilidade de anulação da sentença arbitral, atentos os fundamentos previstos no art. 27 da Lei 31/86, de 29-8.II - O fundamento de anulação constante da alínea e) do nº1 do art. 27 tem correspondência com a previsão da alínea d) do nº 1 do art. 668 do CPC.III - Quando se verifique numa sentença arbitral a violação de uma regra de ordem pública, ocorrerá necessariamente a nulidade directa desta sentença arbitral, quando a contrariedade com a ordem pública estiver contida na própria sentença arbitral, tendo de ser paralisados os efeitos desta por recurso aos critérios gerais de direito. IV – Tendo no acórdão arbitral sido reconhecido às autoras um direito a uma indemnização contida numa cláusula penal acordada, apesar de a ré haver provado a ausência de dano decorrente do incumprimento desta, não resulta deste reconhecimento uma ofensa a uma norma de ordem pública, quer porque se não pode aferir da natureza exclusivamente indemnizatória da cláusula penal – por a mesma aferição implicar a reapreciação do mérito da causa arbitral, o que é vedado por força da renúncia ao recurso – quer por aquele reconhecimento, podendo violar norma de direito civil, no caso de estar ausente qualquer intuito compulsório no estabelecimento da cláusula penal, mas não abalar qualquer norma estrutural do nosso sistema legal. V - Só o caso de falta absoluta de motivação gera uma situação de nulidade da sentença arbitral, de acordo com o disposto nos artigos 27º, n.º 1, al. d) e 23.º, nº 2 da Lei n.º 31/86; sempre que a motivação seja deficiente não havendo lugar a anulação, essa deficiência será susceptível de impugnação através de recurso interposto contra a sentença arbitral, se houver lugar ao mesmo”.
14. Prof. Baptista Machado, in “Lições de Direito Internacional Privado”, págs. 259 ss; cfr. Pereira Barrocas, in “A ordem pública na Arbitragem”, disponível na internet, onde se analisa, com profundidade, as diversas noções de ordem pública: Ordem Pública Internacional, Ordem Pública Interna e Ordem Pública Transnacional.
15. Ac. do STJ de 26.9.2017 (relator: Alexandre Reis), in dgsi.pt.
16. Além do citado ac. do STJ, v. ainda os acs. do STJ, respeitantes exclusivamente a decisões arbitrais, de 22-09-2011 (relator: Silva Gonçalves), de 14-03-2013, (relator: Sérgio Poças) e de 23-10-2014, (relator: Granja da Fonseca), in dgsi.pt.
17. Prof. Baptista Machado, in “Lições de Direito Internacional Privado”, págs. 259 e ss.: “resultado intolerável [traduzido, no plano psicológico, por uma reacção fortemente desaprovadora do seu espírito de jurista, formado no estudo do direito interno], “quer do ponto de vista do comum sentimento ético-jurídico ('bons costumes'), quer do ponto de vista dos princípios fundamentais do direito português: algo de inconciliável com as concepções jurídicas que alicerçam o sistema” [Cfr. Ferrer Correia, Anteprojecto de 1951, nota ao art. 34.° (“Boletim do Min. da Justiça”, nº 24)] ”; no mesmo sentido, v. Prof. Ferrer Correia, in “Direito Internacional Privado - Alguns Problemas”, pág. 126: “ (…) produziria um resultado absolutamente intolerável para o sentimento ético-jurídico dominante, ou lesaria gravemente interesses de primeira grandeza da comunidade local”; “ (…) um resultado intolerável”.
18. Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, “A violação de ordem pública como fundamento de anulação de sentenças arbitrais”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 29, Janeiro/Março 2010, pág. 56.
19. António Pedro Pinto Monteiro, in ““Da ordem pública no processo arbitral” (Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas), págs. 656.
20. Disponível no sítio do Tribunal Constitucional.
21. In “CRP anotada”, Vol. II, pág. 521. Também é essa a posição de Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “CRP anotada”, t. III, págs. 117 e 118.
22. Obra citada, pág. 942.
23. No estudo “Recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais Arbitrais”, disponível na internet.
24. V., António Pedro Pinto Monteiro, in ““Da ordem pública no processo arbitral” (Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas), págs. 635 e 636.
25. Mariana França Gouveia, in “Curso de resolução alternativa de litígios”, pág. 253.
26. Galvão Telles, in ““Recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais Arbitrais”, disponível na internet, citando os seguintes acórdãos: ac. 230/86 (relator: Martins da Fonseca) e 52/92 (relator: Assunção Esteves) – onde se defendeu que: (no primeiro Acórdão) “É que, por um lado, mesmo que os tribunais arbitrais não se enquadrem na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania (artigo 205º), nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais (haverá, portanto, outros tribunais, para além dos que podem ser qualificados como órgãos de soberania) …”; (e no segundo) “A Constituição da República, no artigo 211.º, n.º 2, inclui, expressamente, os tribunais arbitrais entre as diversas categorias de tribunais. E não distingue entre tribunais arbitrais voluntários e tribunais arbitrais necessários. Legítimo será concluir que, na nossa ordem constitucional, a jurisdictio não tem necessariamente de ser exercida por órgãos do Estado: certos litígios podem ser decididos por árbitros, em resultado de convenção ou disposição da lei. E “mesmo que os tribunais arbitrais se não enquadrem na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania (CRP, artigo 205.º), nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais” (cfr. o Acórdão n.º 230/86 do Tribunal Constitucional — Diário da República, I Série, de 12 de Setembro de 1986).Com efeito, o «juiz-árbitro» desenvolve uma função jurídica pela qual declara o Direito (jurisdictio), se bem que não possa executá-lo, ao invés do que se passa com o «Juiz-funcionário». Mas pode dizer-se que «esta evidente ausência de ‘potestas’ por parte do árbitro, enquanto não representa ou encarna a organização jurídico-política do Estado, se vê compensada com a ‘auctoritas’ (cfr. José Medina e José Merchán, Tratado de Arbitraje Privado Interno y Internacional, Madrid, 1978, p. 183). «As decisões do árbitro são verdadeiras e próprias decisões jurisdicionais, dotadas de autoridade» (cfr. Carlo Guarnieri, L'Independenza della Magistratura, Pádua, 1981, p. 23). A decisão do árbitro sobre a controvérsia que lhe é submetida tem efeito de caso julgado. A lei confere-lhe a mesma força vinculativa de que gozam as sentenças judiciais (cfr. Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, aplicável por via do artigo 1528.º do Código de Processo Civil) ”.
27. Galvão Telles, in ““Recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais Arbitrais”, disponível na internet, pág. 647.
28. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “CRP anotada”, pág. 520 “Surgindo o incidente de inconstitucionalidade – seja porque o juiz julgou uma norma inconstitucional (“decisão positiva de inconstitucionalidade”), seja porque não julgou inconstitucional uma norma impugnada por uma das partes no processo (“decisão negativa de inconstitucionalidade”) – seguem-se as regras específicas do recurso de constitucionalidade (cfr. art. 280º). Quando tenha havido um juízo de inconstitucionalidade, pode - e em muitos casos deve (art. 280º, nº2) – haver recurso para o Tribunal Constitucional, independentemente de a decisão, quanto ao mais, admitir Recurso para outro tribunal. Se o juiz não tiver julgado inconstitucional uma norma arguida de inconstitucionalidade no processo, então também pode haver recurso para o TC, nos termos previstos na lei (art. 280º, nº4), a qual neste caso exige o prévio esgotamento dos recursos ordinários…”.