Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2164/16.2T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O despedimento por extinção do posto de trabalho é uma modalidade de despedimento individual, por causas objectivas, determinado pela queda imediata e automática do posto de trabalho por efeito do motivo económico legalmente relevante que foi invocado, pelo que, para obstar a que o mesmo seja desvirtuado por manobras fraudulentas que ofendam o princípio da segurança no emprego, se prescinde da intervenção do empregador na determinação do trabalhador a despedir, excepto se naquelas circunstâncias existirem mais postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico do que aqueles que é necessário extinguir, e, ainda assim, a selecção tem de observar os critérios que estão legalmente definidos com essa mesma finalidade.

II – Assim, se o fundamento do despedimento reside no encerramento de certa secção ou estrutura equivalente, é óbvio que os trabalhadores escolhidos têm de ocupar os postos de trabalho da unidade extinta ou outros cuja subsistência dependa da existência da mesma.

III – Resultando da factualidade provada que o posto de trabalho de educador de infância ocupado pela trabalhadora autora se manteve incólume na organização da empregadora ré, ou seja, na Creche e Jardim de Infância, em Chaves, tendo sido extintos – isso sim –, dois postos de trabalho de educador de infância na Creche e Jardim de Infância de …, por encerramento desta valência, improcede necessariamente a justificação do despedimento daquela.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

M. A. veio através de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento opor-se ao despedimento por extinção do posto de trabalho efectuado por SANTA CASA DA MISERICÓRDIA, juntando o respectivo formulário.
Realizada audiência de partes, não foi possível atingir um acordo entre as mesmas e no respectivo prazo legal a R. veio apresentar o seu articulado inicial, invocando que a A. foi contratada para exercer na instituição da demandada as funções referentes à categoria profissional de educadora de infância, a partir do dia 01/09/2002, auferindo a remuneração mensal de € 1.400,00.
Mais invoca a R. que a redução do número de crianças a frequentar as instalações da creche e ensino pré-escolar da mesma tornou redundante a existência de dois postos de trabalho num total de seis educadores de infância ao seu serviço, pelo que se iniciou o procedimento para a extinção dos respectivos postos de trabalho, tendo a A. sido seleccionada com base em critérios legais, juntamente com a colega A. G..
Por outro lado, a R. comunicou à A. que a compensação devida pela extinção do seu posto de trabalho, que calculou em € 28.353,77, estaria à sua disposição a partir do dia 10/11/2016, mediante cheque a levantar na secretaria, pelo que conclui pela licitude do despedimento e pela integral improcedência da acção.
A A. veio apresentar contestação com pedido reconvencional, afirmando, em síntese, que a compensação devida pela extinção do seu posto de trabalho nunca lhe foi liquidada, estando ainda por liquidar valores referentes a créditos laborais vencidos, o que determina por si só a ilicitude deste despedimento.
Por outro lado, tendo sido encerrado um dos estabelecimentos da R., os quais funcionam de forma autónoma, os postos de trabalho a extinguir deveriam ser os que se referem a esse estabelecimento, acrescendo que a R. não atendeu à diferenciação de formação que os trabalhadores da mesma categoria profissional ao seu serviço apresentam nem, quanto à onerosidade da manutenção do seu vínculo laboral, que a A. apesar de auferir remuneração mensal superior tem menos anos até à idade da reforma do que outras suas colegas.
Termina, pedindo a condenação da R. no pagamento da retribuição referente a 14 dias de trabalho prestado em Novembro de 2016, dos proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado em 2016, da indemnização de antiguidade, caso opte pela mesma em detrimento da reintegração, e das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final.
Em sede de resposta à contestação, a R. veio alegar que o valor devido a título de compensação esteve disponível a partir de 09/11/2016 nas instalações da R., não tendo sido solicitado pela A., e que a licitude do despedimento afasta qualquer condenação no pagamento das demais quantias peticionadas pela A..
Proferido despacho saneador, realizou-se a audiência de julgamento, após o que pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nos termos expostos e tudo visto, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência, condena-se R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho, de forma a que continue a exercer as mesmas funções, sem perda de antiguidade (dado que não optou pelo pagamento de qualquer indemnização), mais se condenando a R. a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o dia seguinte ao do despedimento – 14/11/2016 – e das vincendas até ao trânsito em julgado da presente decisão. Condena-se ainda a R. a pagar à A. a retribuição relativa aos 14 dias do mês de Novembro de 2016.
Fixa-se aos autos o valor de € 30.000,01.
Custas pela R.»

A R., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«•A Ré promoveu valida e regularmente o despedimento da A. através do procedimento por extinção do posto de trabalho; procedimento ajustado e adequado na medida em que a Ré é uma “media empresa” com mais de 100 trabalhadores sendo que o despedimento atingia uma categoria especifica de trabalhadores “educadores de infância”
•Não é certo, que a Ré tivesse de lançar mão ao procedimento de despedimento coletivo para extinguir os dois postos de trabalho que como resulta dos fatos provados eram inúteis e redundantes.
•Não se impunha a Ré que tivesse de optar necessariamente pelo despedimento dos educadores de infância que trabalhavam na “valência” da creche e jardim de infância de … pois, esta não tem secções nem estruturas diversas nem autónomas atuando de modo unitário e em bloco para prosseguir o seu escopo social e humanitário.
•Pelo que, considerando esta realidade de fato e de direito, é indiferente para os postos de trabalho a extinguir o local das instalações onde aquela atividade puramente social e desenvolvida e guiada pelo único propósito de servir aquela comunidade.
•A A. tem menores habilitações académicas que o seu colega V. S..
•A Ré observou na íntegra todas as formalidades designadamente os critérios que presidem à seleção dos trabalhadores a despedir e à extinção dos postos de trabalho.
O tribunal a quo fez errónea interpretação e implicação do disposto do artigo 100º, nº 1, al) c; 359, nº 2; 366º e 367º, todos do código do trabalho.»
A A. apresentou resposta ao recurso da R., pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- se a R. devia ter recorrido ao procedimento de despedimento colectivo em vez do de despedimento por extinção do posto de trabalho;
- se, não obstante a redundância de dois postos de trabalho resultar do encerramento do jardim de infância de …, o despedimento podia incidir sobre trabalhadores do jardim de infância de Chaves;
- se a A. foi correctamente seleccionada em função do critério atinente às habilitações académicas dos trabalhadores.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:

• A R. é uma instituição particular de solidariedade social, pessoa de direito canónico, sendo uma Irmandade de Fiéis, que prossegue acção social e humanitária de apoio aos pobres e aos social e economicamente desfavorecidos, à terceira idade, a crianças em geral e a órfãos em particular, que acolhe nas suas instalações, espalhadas pelo concelho de Chaves, onde funcionam as diversas valências.
• A A. foi contratada pela R. para exercer as funções próprias de educadora de infância, que iniciou em 01/09/2002, sob a sua orientação, autoridade e instruções, mediante remuneração, auferindo à data da cessação do seu vínculo laboral a retribuição mensal e ilíquida de € 1.400,00.
• O encerramento da creche e jardim-de-infância de … determinou a inutilidade da manutenção dos dois postos de trabalho ali existentes de educador de infância.
• Na R. não se faz a avaliação dos trabalhadores.
• Na valência de creche e jardim-de-infância da R. em … trabalhavam como educadores de infância V. S. e M. S..
• A R. remeteu à A. a comunicação que consta do documento junto aos autos de fls. 2 a 6 (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido), dando-lhe conhecimento da extinção do seu posto de trabalho a partir de 14/11/2016.
• A R. não pagou à A. a retribuição correspondente ao trabalho prestado pela mesma nos 14 dias de Novembro de 2016, nem os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado em 2016.
• A R. pagou à A. duas prestações de € 58,33 cada, sendo uma referente a metade do subsídio de férias e outra a metade do subsídio de Natal.
• A A. gozou em 2016 22 dias úteis de férias, vencidas em 01/01/2016, e recebeu parte do respectivo subsídio, sendo os duodécimos pagos de Janeiro a Outubro, acrescidos de € 700,00.
• A educadora de infância A. G. ainda se mantém ao serviço da R..
• A crise demográfica e baixa natalidade, aliadas à emigração crescente dos jovens, determinaram a redução do número de crianças a frequentar a creche e o ensino pré-escolar, nas instalações da R. situadas no lugar …, em Chaves, e em ….
• Entre outros factores, a escassez de crianças foi-se acentuando ao longo dos anos e levou ao encerramento da Creche e Jardim de Infância em ….
• Este encerramento tornou inúteis dois postos de trabalho de um total de seis educadores de infância ao serviço da R., o que determinou o desencadear em Julho de 2016 do procedimento para a extinção desses dois postos de trabalho.
• A R. detém actualmente um passivo que se situa nos € 3,5 milhões, sendo que a valência da R. de creche e jardim de infância em … não tinha qualquer acordo de cooperação com a Segurança Social.
• Em 2014, esta valência da R. tinha 17 crianças na creche e 12 no Jardim de Infância; em 2015, passaram para 13 e 10, respectivamente; e em 2016 para 10 em ambos os serviços.
• A R., na selecção dos postos de trabalho a extinguir (dentro do total de 6 educadores de infância), atendeu aos seguintes critérios:
- pior avaliação de desempenho, com parâmetros já conhecidos dos trabalhadores;
- menores habilitações académicas e profissionais;
- maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
- menor experiência na função; e
- menor antiguidade.
• Ao serviço da Santa Casa da Misericórdia, nas diversas valências da mesma, encontram-se a trabalhar, sob as suas instruções, ordens e direcção, seis educadores de infância, a saber:
- C. F., que iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 01/07/2002, como trabalhadora auxiliar, licenciada desde 2009, desempenhando as funções de educadora de infância desde 01/10/2009, auferindo uma retribuição mensal de 1.146,00€ (mil cento e quarenta e seis euros); posteriormente a trabalhadora inscreveu-se no mestrado em ensino de educação pré-escolar …, tendo concluído com sucesso o primeiro ano, o que lhe confere grau equivalente a pós-graduação;
- M. A., licenciada, que iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 01/09/2002, como educadora de infância, auferindo uma retribuição mensal de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros);
- M. R., licenciada em 2001, iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 13/12/2002, como educadora de infância, auferindo uma retribuição mensal de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros); posteriormente a trabalhadora concluiu mestrado em ciências da educação – especialização em animação sociocultural;
- V. S., licenciado em 2003, iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 15/09/2003, como educador de infância, auferindo a retribuição mensal de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros); posteriormente concluiu pós-graduação em comunicação e tecnologias educativas;
- M. S., licenciada em 2003, iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 01/09/2006, como educadora de infância, auferindo a retribuição mensal de 1.146,00€ (mil cento e quarenta e seis euros); e
- A. G., licenciada em 2004, iniciou funções na Santa Casa da Misericórdia em 01/09/2006, como educadora de infância, auferindo a retribuição mensal de 1.146,00€ (mil cento e quarenta e seis euros).
• Tendo em conta o grau académico dos trabalhadores em causa, supra indicado, a R. excluiu da selecção os seguintes trabalhadores: M. R., com grau de mestre, C. F., com grau de pós-graduada, e V. S., com grau de pós-graduado.
• As restantes trabalhadoras, M. A., M. S. e A. G., são todas licenciadas e possuem diversas formações profissionais relevantes para o exercício da profissão adquiridas ao longo dos anos, pelo que apresentam as mesmas habilitações académicas e profissionais.
• Atendendo a que todas as trabalhadoras têm habilitações académicas idênticas, aplicou-se o critério da maior onerosidade na manutenção do vínculo laboral na selecção dos trabalhadores a despedir, com base no valor da respectiva retribuição mensal, o que no caso da A. se situava no montante de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros).
• A R. no âmbito das suas atribuições e para a realização dos seus objectivos cria as estruturas e equipamentos necessários à resposta a dar a problemáticas sociais existentes, tendo diversas valências onde exercem funções outros educadores de infância, sendo estas respostas sociais de apoio à população, sem autonomia financeira, administrativa ou outra.
• Os funcionários não são contratados para uma valência específica, podendo ser colocados nas diversas valências consoante as necessidades da R. e dos próprios trabalhadores, tendo a A. sido inicialmente contratada para o serviço da R. em …, que foi encerrado, e posteriormente colocada na valência situada no lugar ….
• A compensação devida pela extinção do posto de trabalho da A. encontrava-se disponível a partir de 09/11/2016, mediante cheque a levantar na secretaria da R.
• Em meados do mês de Novembro de 2016, a A. deslocou-se às instalações da R., tendo requerido a emissão duma declaração por parte da demandada de que teria preferência na colocação em posto de trabalho que viesse eventualmente a existir, como educadora de infância na valência de …, caso esta reabrisse, tendo-lhe então sido proposto acordo de pagamento fraccionado do valor devido a título de compensação e de créditos laborais (cfr. doc. de fls. 199 e v.º, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido), o que a A. não veio a aceitar.
• As colegas da A. M. S. e A. G. têm idades muito inferiores à da A., o que determina a manutenção dos seus vínculos laborais por mais tempo até à idade da reforma.

4. Apreciação do recurso

4.1. A Recorrente vem, em primeiro lugar, sustentar que, contrariamente ao considerado na sentença recorrida, o despedimento por extinção de posto de trabalho constituía no caso em apreço o procedimento adequado para fazer cessar o contrato de trabalho que mantinha com a trabalhadora Recorrida, bem como com a outra trabalhadora envolvida nesse mesmo despedimento.
Afigura-se-nos que assiste, nesta parte, razão à Apelante, aliás, como admite a Recorrida nas suas alegações e entende o Ministério Público no seu parecer.
Com efeito, a esse propósito, refere-se na fundamentação da sentença recorrida o seguinte:
«(...) Ora, desde logo, e de acordo com o que dispõe o art. 368º em análise há que considerar que a mesma impõe, logo no seu nº 1, que o despedimento por extinção do posto de trabalho apenas se pode aplicar quando não seja aplicável o despedimento colectivo. A este respeito e por força do estatuído no art. 359º do mesmo diploma legal, verifica-se que o despedimento colectivo se aplica quando a empresa pretender extinguir, no mínimo, 2 ou 5 contratos de trabalho, caso se trate de micro ou pequena empresa ou de média ou grande empresa, respectivamente. O critério de caracterização da empresa quanto à sua dimensão depende do número de trabalhadores ao seu serviço e do seu volume de negócios, sendo que a aqui R. tendo ao seu serviço menos de 250 pessoas e com um volume de negócios que não excede os 50 milhões de euros, deverá ser considerada como uma PME – atento os valores constantes dos documentos de fls. 224 a 228 e 230 dos autos – pelo que se conclui que a R. deveria ter procedido ao despedimento colectivo para fazer cessar os contratos de trabalho que considerou supérfluos, nos termos do art. 368º nº 1 al. d) do CT (...)».
Atendendo à data do início do procedimento para despedimento por extinção do posto de trabalho, à situação dos autos é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02 (diploma a que se reportarão todos os preceitos citados doravante sem outra indicação), mormente os seus arts. 367.º a 372.º, na redacção conferida pela Lei n.º 53/2011, de 14/10, pela Lei n.º 23/2012, de 25/06 (excepto na parte que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 20 de Setembro, declarou inconstitucional, com força obrigatória geral), e pela Lei n.º 27/2014, de 08/05.
Ora, em 1.º lugar, o tribunal a quo lançou mão de factos atinentes ao número de trabalhadores e volume de negócios da R. que não foram dados como assentes de acordo com as regras processuais, após incidência de contraditório e instrução, conforme se alcança da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, a ser verdade que a R. emprega de 50 a menos de 250 trabalhadores, deve ser considerada uma média empresa, por força do estabelecido no art. 100.º, n.º 1, al. c), pelo que a cessação dos dois aludidos contratos de trabalho pela Recorrente não se enquadra na modalidade de despedimento colectivo, conforme se mostra definido no art. 359.º, n.º 1, mas sim na de despedimento por extinção de posto de trabalho, nos termos dos arts. 367.º e ss., como efectivamente sucedeu.
Assim, não se mostra violado o requisito previsto na al. d) do n.º 1 do art. 368.º.
4.2. Posto isto, importa apreciar e decidir se, não obstante a redundância de dois postos de trabalho resultar do encerramento do jardim de infância de Vidago, o despedimento podia incidir sobre trabalhadores do jardim de infância de …, designadamente a A..

Nos termos do art. 367.º, considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento colectivo, nomeadamente (art. 359.º, n.º 2):

a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Por outro lado, estabelece o art. 368.º:

1 - O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento colectivo.

2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respectivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:

a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;
d) Menor experiência na função;
e) Menor antiguidade na empresa.

3 - O trabalhador que, nos três meses anteriores ao início do procedimento para despedimento, tenha sido transferido para posto de trabalho que venha a ser extinto, tem direito a ser reafectado ao posto de trabalho anterior caso ainda exista, com a mesma retribuição base.
4 - Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
5 - O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho.
6 - Constitui contra-ordenação grave o despedimento com violação do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 e nos n.ºs 2 ou 3.
Perante este quadro legal, temos como bom que o despedimento só se mostra justificado quando o motivo invocado pelo empregador, para além de verdadeiro e atendível legalmente, acarreta automaticamente a queda do posto de trabalho do trabalhador visado, ou seja, como conclui Pedro Furtado Martins, “o conceito de posto de trabalho aqui relevante coincide com a função ou o conjunto de tarefas localizado organizacionalmente – isto é, numa concreta organização produtiva, que é fruto do modo como o respectivo titular decide organizar e dividir o trabalho necessário ao funcionamento da mesma –, de cuja execução é encarregue um trabalhador.”(1)
Com efeito, desde logo, a própria noção deste tipo de despedimento, constante do art. 367.º, implica que se verifique uma cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador fundamentada na extinção do posto de trabalho do trabalhador despedido.
Em conformidade, nos termos do n.º 2 do art. 368.º, apenas haverá que determinar o concreto trabalhador a despedir se existir uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico na secção ou estrutura equivalente em que se verifique a extinção de posto de trabalho por efeito do motivo económico invocado, sendo irrelevante que aquela unidade organizativa que serve de referência seja desprovida de autonomia administrativa e financeira.
Aliás, se assim não fosse, ou seja, se fosse legítimo extinguir postos de trabalho no conjunto da empresa ou do estabelecimento, ainda que organizacionalmente localizados fora da secção ou estrutura equivalente em que o motivo económico determinou a extinção de postos de trabalho, careceria de sentido útil o n.º 3 da mesma norma, nos termos do qual o trabalhador que, nos três meses anteriores ao início do procedimento para despedimento, tenha sido transferido para posto de trabalho que venha a ser extinto, tem direito a ser reafectado ao posto de trabalho anterior caso ainda exista, com a mesma retribuição base.
Está em causa um despedimento individual e por causas objectivas, determinado pela queda imediata e automática do posto de trabalho por efeito do motivo económico legalmente relevante que foi invocado, pelo que, para obstar a que o mesmo seja desvirtuado por manobras fraudulentas que ofendam o princípio da segurança no emprego, se prescinde da intervenção do empregador na determinação do trabalhador a despedir, excepto se naquelas circunstâncias existirem mais postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico do que aqueles que é necessário extinguir, e, ainda assim, a selecção tem de observar os critérios que estão legalmente definidos com essa mesma finalidade.
Assim, sublinha o autor acima citado, “(…) se o fundamento reside no encerramento de certa secção, é óbvio que os trabalhadores escolhidos têm de ocupar os postos de trabalho da secção extinta ou outros cuja subsistência dependa da existência da secção em causa.” (2)
De modo igualmente incisivo se expressa Bernardo da Gama Lobo Xavier, ao explicitar que “[n]o caso, não se trata propriamente de uma selecção em que concorrem negativamente e segundo a ordem referenciada todos os trabalhadores da empresa com a mesma categoria profissional. A selecção é desde logo restrita aos trabalhadores de uma micro-estrutura (secção ou equivalente) (…)
O círculo de trabalhadores a seleccionar para despedimento parece definido objectivamente pela titularidade de postos de trabalho idênticos dentro da mesma secção. Ainda que em termos gestionários fosse justificável que a selecção pudesse abranger um âmbito mais vasto, de modo a uma mais eficaz reorganização do pessoal da empresa, a verdade é que a letra da lei não favorece que a redistribuição dos efectivos possa atingir indirectamente trabalhadores da mesma categoria de fora da estrutura considerada ou que não tenham conteúdo funcional idêntico.” (3)
Por seu turno, a jurisprudência tem sido constante no sentido da sindicabilidade do nexo de causalidade entre a motivação invocada para o despedimento e a efectiva extinção do posto de trabalho do trabalhador despedido, como se sintetiza no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 822/08.4TTSNT.L1.S2, ao afirmar que, “[n]ão demonstrado o nexo causal entre os motivos económicos invocados pela entidade empregadora para a reorganização da estrutura da empresa e a extinção de um concreto posto de trabalho, carece de licitude o despedimento levado a efeito sob tal declarado propósito.” (4)
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 1950/14.2TTLSB.L1, se refere que “[a] lei exige, pois, a existência de motivos objetivos relativos à necessidade invocada para proceder ao despedimento e à sua relação com o posto de trabalho afetado pela medida adotada.” (5)
Pelo exposto, em suma, resultando da factualidade provada que o posto de trabalho de educador de infância ocupado pela Recorrida se manteve incólume na organização da Apelante, ou seja, na Creche e Jardim de Infância de …, em Chaves, tendo sido extintos – isso sim –, dois postos de trabalho de educador de infância na Creche e Jardim de Infância de …, por encerramento desta valência, improcede necessariamente a justificação do despedimento daquela, ficando prejudicado o conhecimento da última questão equacionada.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)


Sumário (elaborado pela Relatora):

I – O despedimento por extinção do posto de trabalho é uma modalidade de despedimento individual, por causas objectivas, determinado pela queda imediata e automática do posto de trabalho por efeito do motivo económico legalmente relevante que foi invocado, pelo que, para obstar a que o mesmo seja desvirtuado por manobras fraudulentas que ofendam o princípio da segurança no emprego, se prescinde da intervenção do empregador na determinação do trabalhador a despedir, excepto se naquelas circunstâncias existirem mais postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico do que aqueles que é necessário extinguir, e, ainda assim, a selecção tem de observar os critérios que estão legalmente definidos com essa mesma finalidade.
II – Assim, se o fundamento do despedimento reside no encerramento de certa secção ou estrutura equivalente, é óbvio que os trabalhadores escolhidos têm de ocupar os postos de trabalho da unidade extinta ou outros cuja subsistência dependa da existência da mesma.
III – Resultando da factualidade provada que o posto de trabalho de educador de infância ocupado pela trabalhadora autora se manteve incólume na organização da empregadora ré, ou seja, na Creche e Jardim de Infância de …, em Chaves, tendo sido extintos – isso sim –, dois postos de trabalho de educador de infância na Creche e Jardim de Infância de …, por encerramento desta valência, improcede necessariamente a justificação do despedimento daquela.

(Alda Martins)

1. Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 2012, p. 251.
2. Op. cit., p. 305.
3. Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, p. 835.
4. Disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.