Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1115/18.4T8BGC-C.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
INDEFERIMENTO
MULTA
DESENTRANHAMENTO DA PETIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I. A omissão do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de petição inicial após indeferimento de apoio judiciário dá lugar a aplicação de multa e, se a omissão persistir, a nova multa, se tal indeferimento só for conhecido após a citação dos réus.
II. Ressalvada a proibição de desentranhamento da petição inicial após a estabilização da instância, há que aplicar o regime genérico previsto para os actos em geral, onde se contempla a possibilidade de praticar o acto mediante multa ou multa agravada (art. 145º/3, CPC).
III. Acrescendo a suspensão da instância por falta de impulso processual do autor, se e enquanto não pagar a totalidade da taxa de justiça, multa e, se for o caso, multa agravada, podendo a irregularidade ser sanada enquanto não ocorrer deserção de instância (281º/1, CPC).

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTORA: J. S..
RÉS – “Seguradoras …, S.A.” e “Santa Casa da Misericórdia de ….

A autora apresentou petição inicial nesta acção especial emergente de acidente de trabalho, que prosseguiu para a fase contenciosa. Juntou aos autos formulário de pedido de apoio judiciário, sendo proferido despacho judicial a determinar o prosseguimento dos autos com a citação das rés.
As rés foram citadas e apresentaram contestação, a ré empregadora em 29-04-2019 e a ré seguradora em 6-05-2019.
Em 27-05-2019, foi junta aos autos documento oriundo da segurança social dando conta do indeferimento do pedido judiciário formulado pela autora. O qual foi notificado à autora e às rés em 21-06-2019.
Em 2-08-2019, na sequência de despacho judicial, a secretaria notificou a ora autora para proceder ao pagamento de taxa de justiça e multa nos termos do artigo 570º/4, CPC. O prazo para o pagamento terminava em 14-08-2019 conforme menção constante na guia de pagamento.
Esta multa foi paga em 10-09-2019, conforme comprovativo entregue nos autos nessa mesma data, com alegação por parte da mandatária de dificuldades em contactar a autora.
Em 12-09-2019, a ré empregadora apresentou requerimento alegando, entre o mais, que a autora não pagou a taxa de justiça e multa no prazo concedido, o que equivale a excepção dilatória inominada por falta de um requisito externo da petição, pelo que a acção deveria ser extinta.
Tal requerimento não teve deferimento e a autora foi convidada a pagar a multa acrescida prevista no artigo 570º/5, CPC, sendo este o despacho alvo de recurso.

DESPACHO ORA RECORRIDO (dipositivo):

“Pelo exposto, convida-se a A. proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, nos termos do disposto no nº 5 do art. 570º do CPC, sob pena de, não o fazendo, ser ordenado o desentranhamento da petição inicial.”
A ré empregadora recorreu deste despacho.

RECURSO DA RÉ EMPREGADORA- CONCLUSÕES:

1 - O presente recurso tem por objecto o despacho proferido a fls. dos autos e com a referência 22255485 que indeferiu a pretensão da recorrente com a referência 1423935.
2 –No requerimento com a referência 1423935 a Recorrente, perante o requerimento da A. com a referência 1422305, pugnou pelo indeferimento do requerido pela A. e invocou perante o Tribunal a quo uma excepção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, concretamente a falta de pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual da Petição Inicial (um requisito externo), tendo como consequência extinguir a acção, nos termos do disposto no artigo 207º e 577º do CPC.
3 – O Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente através do despacho com a referência 22255485 fundamentando que a excepção dilatória inominada, por meio de requerimento autónomo, posterior à contestação, era extemporâneo.
4 – Referindo ainda que não existia qualquer facto superveniente que justificasse a dedução de articulado superveniente onde se invocou a excepção dilatória inominada.
5 – E, ainda, o Tribunal a quo convidou a A. a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 570.º do CPC.
6 – Salvo o devido respeito, que é muito, não poderia a Recorrente ter invocado a falta de pagamento da taxa de justiça por parte da A. na sua contestação, uma vez que, foi citada para contestar 10/04/2019 e a A. tinha junto aos autos em 02/04/2019 o comprovativo do pedido de concessão do apoio judiciário.
7 - O pedido de apoio judiciário foi indeferido em 18/06/2019, muito após a apresentação da contestação da Recorrente, em 29/04/2019, tendo a secretária dado conhecimentos às partes no processo, inclusivamente à A., não podendo ainda neste momento a Recorrente vir alegar falta de pagamento por a parte ter direito a efectuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias após a notificação de indeferimento do referido apoio.
8 – Após o Tribunal a quo notificou a A. através da Il. Mandatária em 30/07/2019 para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante.
9 – A Guia tinha como data limite de pagamento 14/08/2019.
10 – Em 10/09/2019 a A. através de requerimento veio penitenciar-se, sem proceder a qualquer notificação à contraparte ou comprovativo do impedimento para a falta de pagamento da referida taxa, juntar para o efeito dois DUC por depósito autónomo no valor da Guia.
11 – Após o prazo indicado na guia (14/08/2019) a A. através de meio que não era o próprio, embora pudéssemos cuidar que o DUC por depósito autónomo garante o efeito útil económico, veio a A. através do referido DUC proceder ao pagamento.
12 – Não subscrevemos já tal entendimento do efeito útil económico quando não é efectuado dentro do prazo estipulado como aconteceu, mas passado 27 dias do termo do prazo (10/09/2019).
13 – A Recorrente após o supra referido veio através de requerimento autónomo suscitar o indeferimento do requerido pela A. e invocou perante o Tribunal a quo uma excepção dilatória inominada insuprível.
14 – A invocada excepção dilatória inominada insuprível através de requerimento que dirigiu ao Tribunal a quo não foi extemporânea, mas sim, tempestivo uma vez que o que lhe deu causa é posterior à sua contestação.
15 – Mais entende a Recorrente que o pagamento da taxa de justiça sendo um pressuposto processual nem carecia de ser alegado pela ré, incumbindo oficiosamente ao tribunal verificar da sua (des)conformidade, pelo que, também por este motivo, não pode considerar-se a invocação da ré (Recorrente) como extemporânea.
16 – A Recorrente invocou a excepção dilatória inominada insuprível, como decorre da dinâmica dos autos, em virtude de a A. não ter liquidado no prazo apontado após o indeferimento do apoio judiciário e sucessivamente não ter sido liquidado a guia e a respectiva multa como ordenado pelo Tribunal a quo.
17 – A Recorrente não podia ter suscitado a sua pretensão na contestação, como se referiu, uma vez que a falta de pagamento foi posterior.
18 – A Recorrente não tem a obrigação de fiscalizar o pagamento da guia, estando-lhe vedado saber se a mesma foi paga ou não.
19 – No referido despacho a fls. dos autos com a referência 22255485, o Tribunal a quo convidou a A. a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da multa e valor igual ao da taxa de justiça inicial, nos termos do artigo 570.º, n.º 5 do CPC.
20 – O Tribunal a quo convidou a A. nos moldes mencionados a suprir a falta que cometerá, salvo o devido respeito, discordamos do despacho.
21 – Por três razões:
a) A A. foi notificada através do Tribunal, na pessoa da sua Il. Mandatária, do indeferimento do apoio judiciário, sabendo que decorria o prazo de 10 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida;
b) Deu-se após outra oportunidade à A. para no prazo de 10 dias, através de Guia, efectuar o pagamento em falta;
c) O art. 570.º do Código de Processo Civil está inserido no Livro II, Título VI, capítulo III sob a epígrafe “Contestação” que regula as formalidades processuais relativas à apresentação de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça na contestação, sendo também claro que o seu nº 5 dispõe sobre o procedimento a efectuar se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu.
22 – Atendendo à posição da parte (Autora) e à falta do pagamento da taxa de justiça devida na Petição Inicial, não vislumbramos similitude que implique a aplicação ao caso vertente, por analogia das normas (artigo 570.º, n.º 3 a 5 do C.P.C) ao caso vertente, uma vez que as mesmas se referem à omissão de pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual da contestação.
23 – O Autor Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, anotado, 3ª edição, Almedina, pags. 438/439.) sustenta que, “detectada, durante a tramitação do processo, a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida relativa à petição ou requerimento inicial, face ao disposto o artº 560º do Código de Processo Civil, não se pode decidir esta questão em termos de implicar para o autor uma consequência mais gravosa do que aquela que resulta daquele artigo, ou seja, a apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no decêndio posterior à recusa do recebimento da petição ou do requerimento inicial”.
24 – Como sucede dos autos a oportunidade para posteriormente ser efectuada o pagamento da taxa de justiça foi conferida duas vezes: com a notificação do indeferimento do Apoio Judiciário do qual decorre o pagamento no prazo de 10 dias e com a notificação para proceder a A. ao pagamento através de Guia.
25 – Resultando evidente dos autos a falta de comprovativo do pagamento da taxa de justiça após o indeferimento do Apoio Judiciário e a falta de pagamento da Guia.
26 – Assim, se não se pode decidir para o A. uma consequência mais gravosa que o estipulado no art. 560.º do CPC, entende a Recorrente, que também não pode ser decidido de forma mais gravosa para o R. ver a instância regularizada através do convite pelo Tribunal a quo através de normas que não se aplicam ao Autor, subvertendo o estipulado no artigo 570.º do CPC.
27 – Reiterando-se que a A. teve pelo menos, duas oportunidades, para proceder ao pagamento da taxa de justiça e não tendo efectuado o mesmo, não se verificam motivos para os autos prosseguirem através de convite a A. para regular a instância.
28 – Acresce ainda que a Il. Mandatária da A., invocou que não conseguia contactar com a sua cliente e por isso não foi paga a taxa de justiça, mas não há o mínimo indício que comprove a verificação do impedimento invocado. Pelo que em rigor nem ficou comprovado a impossibilidade de pagamento atempado da taxa de justiça.
29 – Assim tendo a Recorrente invocado perante o Tribunal a quo uma excepção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, impunha-se decidir em conformidade, indeferindo liminarmente o requerimento da Autora, e consequentemente extinguindo a acção, nos termos do disposto no artigo 207.º, al. e) e 577.º do CPC.

CONTRA-ALEGAÇÕES: não foram produzidas.

PARECER DO MINSITÉRIO PÚBLICO

Emite parecer no sentido da procedência do recurso “ ….pela intempestividade do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da PI, por não aplicação ao caso em apreço, por analogia, do disposto no artigo 570º, nº 3 a 5 do Código de Processo Civil e pela verificação da exceção dilatória inominada que fora alegada”.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): saber se é aplicável à autora o regime previsto para o réu no artigo 570º, 4 e 5, CPC. Permitindo-lhe o pagamento extemporâneo da taxa de justiça devida pela apresentação de petição inicial após indeferimento de apoio judiciário, mediante o pagamento de multa e, eventualmente, de multa agravada.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:

São as constantes do relatório.

B) DIREITO

Importa saber se, não tendo a autora pago a taxa de justiça nos 10 dias subsequentes ao conhecimento do indeferimento do pedido de apoio judiciário, lhe é aplicável o regime de pagamento de multa e de multa acrescida previstas para o atraso do pagamento pelo réu (570º, 3 a 5, CPC). Ou se, ao invés, ocorreu uma excepção dilatória que leva à extinção da instância, por falta de pressupostos processuais ligados à falta de pagamento da taxa de justiça.
Não obstante no despacho recorrido se ter considerado o contrário, tal como refere a ré no recurso, a arguição desta “excepção”/questão é tempestiva, porquanto à data da contestação ainda não havia conhecimento nos autos do indeferimento do apoio judiciário. Pelo que a mesma não poderia ser arguida, enquanto “excepção”, no articulado contestação.

Quanto ao mérito:
A versão do código de processo civil (NCPC (2)) a atender é a resultante da 8ª redacção dada pela Lei 27-2019, de 28-03, atenta a data da prática/omissão de actos (3) em causa nos autos (4).
A taxa de justiça é o quantitativo a pagar pelos sujeitos processuais que é devida pelo impulso processual - 529, 2, NCPC. Os actos sujeitos ao pagamento de taxa de justiça estão discriminados no regulamento de custas processuais - 530º/1 NCPC.
No artigo 145º, NCPC, encontramos um regime regra (padrão) para a generalidade dos actos. As partes têm de comprovar o prévio pagamento de taxa de justiça sempre que a prática de um acto o exija ou, em alternativa, demonstrar que dela estão isentos porque lhes foi concedido apoio judiciário (ou têm isenção de custas- 4º RCP). Nessa regra padrão prevêem-se, seguidamente, cominações para o seu incumprimento, que consistem em multas e, em ultima instância, permanecendo a omissão, o desentranhamento de actos, ressalvando-se as disposições relativas à petição inicial – 145º, 3, NCPC
Estabelece, ainda, a lei adjectiva regras específicas relativamente à petição inicial e à contestação (5).
Em paridade com a regra geral, quer o autor, quer o réu, com a apresentação dos articulados devem demonstrar que pagaram a taxa de justiça ou que lhes foi concedido apoio judiciário - 552º, 3, 570º, 1, NCPC.
A lei prevê depois excepções para casos em que ocorra aquilo que, de um modo geral, se considera “razão de urgência” em que se permite ao autor a mera apresentação de comprovativo de pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido. Ao réu permite-se a mera junção de pedido de apoio judiciário se estiver a aguardar a sua decisão – o que acontecerá amiúde dado ser normal que, entretanto, se esgote o prazo para contestar- 552º, 5, 570, 1, NCPC.
O caso dos autos encaixar-se-á na primeira previsão. A autora na acção especial de acidente de trabalho, de natureza urgente, juntou mero comprovativo de pedido de apoio judiciário, a petição inicial foi recebida, prosseguiu, os réus foram citados e contestaram e somente depois foi conhecido o indeferimento do pedido de apoio judiciário.
O objecto do recurso centra-se nas consequências de a autora não ter cumprido, por duas vezes, o prazo para pagamento da taxa de justiça após o conhecimento do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Dispõe a lei que em caso de junção de mero pedido de apoio judiciário “…o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efectuada a citação do réu”- 552, 6, NCPC.
A autora foi notificada do indeferimento em 21-06-2019 e não pagou a taxa de justiça no prazo de 10 dias. Este é o primeiro incumprimento a que a ré empregadora se refere.
Depois foi a autora notificada pela secretaria para pagar a taxa de justiça omitida e multa a que se refere o artigo 570º, 4, NCPC, regime previsto para a contestação.
O prazo terminaria a 14-08-2019. A autora pagou a taxa de justiça e multa, mas fora de prazo, em 10-09-2019, com alegação por parte da mandatária de dificuldades em contactar a autora. Este é o segundo incumprimento a que a ré se refere.
A senhora juiz a quo determinou então que a autora pagasse a multa agravada a que se refere o artigo 570º, 5, NCPC. A ré empregadora opõe-se a tal, tendo interposto o recurso alegando que foram várias as oportunidades dadas à autora. Que este regime da contestação não lhe é aplicável. Que não existe analogia. Que ocorre uma excepção dilatória inominada (falta de prossupostos processual relativo à petição inicial) e que a instância deve ser extinta.
O litígio não encontra solução clara e expressa na lei.

O regime específico da petição inicial apenas contempla duas hipóteses:

Primeira: a recusa da petição inicial por parte da secretaria em caso de não pagamento da taxa de justiça ou de falta de comprovativo de concessão de pedido de apoio judiciário, exceto se estiver em causa a referida “situação de urgência” que permite a junção de mero comprovativo de pedido desse apoio - artigo 558º, f) NCPC (6). Em caso de recusa dá-se o benefício ao autor de apresentação de outra petição ou de juntar comprovativo de pagamento, considerando a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada – 560º NCPC. Este não é caso dos autos porque a petição não foi recusada e os autos prosseguiram.
Segunda: a hipótese de o autor já com a acção proposta ter sido, entretanto, notificado do indeferimento do pedido de apoio judiciário. Caso em que, em 10 dias, deve comprovar o pagamento da taxa de justiça, sob pena de desentranhamento da petição inicial. Simplesmente esta cominação não operase o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efectuada a citação do réu”- 552º, 6, NCPC. É uma norma que presta tributo à estabilização da instância – 259º, 2, 260º, CPC. Este também não é o caso dos autos porque os réus já tinham sido citados e até contestado.

Quid juris?

A doutrina e jurisprudência preconizam essencialmente três hipóteses a aplicar a casos semelhantes:

Primeira: suspensão dos autos, que ficam a aguardar impulso processual:
Assim o considera Salvador da Costa “As custas processuais”, 7ªe ed., p. 66/7, que defende que constatada a omissão de pagamento atempado da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial após a citação “o juiz deve proferir despacho a ordenar que o processo aguarde que o omitente o junte, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, nº1, ou seja de deserção e extinção da instância”.
Também no sentido da suspensão dos autos e sem aplicação de qualquer multa, o Ac. RG 9-11-2005 (7), sob o argumento de que a lei processual, a partir de certa altura, deixou de prever a multa, mas continuou em vigor a disposição que determinava a suspensão da instância não havendo lacuna a preencher, nem tão pouco analogia com o regime da contestação.
Segunda: recurso, por analogia, ao regime previsto para a contestação, aplicando-se multa e multa agravada se persistir a omissão e, seguidamente, suspender a instância se o pagamento não ocorrer:
Entendimento sufragado por parte da doutrina, incluindo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. I, 4ª ed., p. 497”…se, porém, o réu já tiver sido citado à data em que o autor é notificado do indeferimento do pedido de apoio judiciário, a apetição não é desentranhada, devendo aplicar-se analogicamente a norma do art. 570º,-5 e ficando a acção suspensa se o pagamento não for efectuado nos 10 dias seguintes à notificação do despacho do juiz “- também p. 556.
Também alguma jurisprudência preconiza este entendimento.

Ac. RL de 26-01-2011- com o seguinte sumário:
”I- Tendo sido indeferido o pedido de apoio judiciário já depois da citação da ré, fica excluída a possibilidade de desentranhamento da petição inicial, por virtude do disposto no art. 467º, nº 6, do CPC.II - Nesta conformidade, uma vez que, à data em que foi proferido o despacho recorrido, já tinha decorrido o prazo de dez dias para pagamento da taxa de justiça devida na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário, deve o recorrente, por força das disposições conjugadas dos arts. 29º, nº 5, al. c), da Lei do Apoio Judiciário, 467º, nº6 e 486º-A, nº 3, do CPC, pagar a taxa de justiça em falta, acrescida da respectiva multa”.

Igual entendimento quanto à aplicação de multa foi seguido no Ac. RP de 16-11-06 (embora este acórdão divirja na solução final, apos estar esgotado o prazo de pagamento de multa e multa acrescida).
Também no Ac. RG de 30-11-2016, num caso de não pagamento de complemento da taxa de justiça devida pela apresentação de petição inicial, cujas razões colhem aqui, recorreu-se ao regime da contestação referindo-se:
A omissão do pagamento do reforço da taxa de justiça decorrente do aumento do valor da acção verifica-se num momento em que está ultrapassada a fase do art.º 558.º alínea f) do CPC (“recusa da petição pela secretaria”), pelo que é de aplicar o regime previsto para a omissão do pagamento da taxa de justiça concernente ao instrumento da contestação previsto no art.º 570.º do CPC, máxime nos seus números 2 a 5, até em nome do princípio da celeridade e aproveitamento dos actos processuais.”

Terceira: extinção da instância, com base em diversas justificações, seja por inutilidade superveniente da lide, seja por absolvição da instância por ocorrer excepção dilatória atípica.
Foi o entendimento expresso no Ac. RP de 16-11-06 (acima referido), na sequência de omissão de pagamento de taxa de justiça após indeferimento do apoio judiciário, defendendo a extinção da instância por excepção dilatória atípica (depois de dada oportunidade ao autor para pagar a taxa de justiça e multa e, ainda, a multa agravada).

Numa perspectiva histórica e de sucessões de lei no tempo, recorrendo-se a um passado próximo, identificámos desde a revisão do CPC velho (95/96) (8) essencialmente três regimes. O referido marco assinala uma mudança de paradigma, a saber o abandono do sistema de consequências cominatórias até ali vigentes (tais como a extinção de instância e o desentranhamento de peças).

O primeiro período que durou até 2000 (9) caracterizou-se pela eliminação das anteriores cominações em nome do acesso à justiça. Existiam momentos de pagamento das taxa de justiça (para a petição inicial 10 dias a contar da distribuição (10)) e, em caso de omissão do seu pagamento atempado, pagava-se multa (11) que apenas dava lugar a execução, sem cominação de maior. Quanto a falta de preparo inicial provinha do autor, à multa acrescia a suspensão da instância (art. 14º das disposições introdutórias e transitórias (12) (13)).
Num segundo momento, com o DL 183/2000, de 10-8, que deu nova redacção ao CPC velho, a principal novidade consistiu na exigência do pagamento imediato da taxa de justiça até à prática do acto (150º, 4 e 5 CPC velho), tal como acontece nos dias de hoje, com vista a imprimir celeridade processual, libertar as secretarias da tarefa burocrática de emissão de guias, passando a haver uma ideia de autorresponsabilização das partes.
Mas continuava a não haver a cominação de recusa do acto ou outras consequências mais gravosas. Com excepção da petição inicial onde se instituiu logo um regime similar ao actual dos art.s 552º, 3 a 6, NCPC (14) ( pagamento imediato ou comprovação imediata do deferimento de apoio judiciário, sob pena de recusa da petição inicial, e seu desentranhamento em caso de não pagamento depois de indeferido o apoio judiciário, excepto se o réu estiver citado).
No mais, continuava apenas a aplicar-se multas no caso de não pagamento das taxas de justiça e, no caso do autor, acrescia a suspensão da instância - artigo 14º, 2 e 3, das disposições transitória do Decreto-Lei 329-A/95 de 12/12 (CPC velho), com a alteração introduzida pelo artigo 4º do decreto-lei 180/96 de 25 de Setembro.
Finalmente, na terceira fase, a partir do DL 324/2003, de 27-12, instituíram-se regras já muito similares às actuais previstas nos então artigos 145º (actos em geral), 570 (contestação) e 642º (recurso), sendo a tónica dominante a agravação das consequências de não pagamento atempado da taxa de justiça.
Visou-se a cobrança das receitas devidas, evitar a execução por custas e tornar mais eficaz o procedimento, sobretudo no que se refere às partes passivas. Para o autor já estava prevista a suspensão da instância (15). Inexistia, por exemplo, mecanismo eficaz para o demandado/réu, ou para situações de recurso. Constatando-se que “ na maioria dos casos, o réu não pagava a taxa de justiça, nem as multas aplicadas, não tinha qualquer sanção adicional que o impulsionasse a fazê-lo na pendência do processo” – Ac. RG 9-11-05.
Criaram-se então cominações de desentranhamento quer para a contestação, quer para outros actos, precedido de aplicação de multas (16). Continuou a ressalvar-se um regime próprio para a petição inicial. Manteve-se sem revogação o nº 3 do artigo 14º das disposições transitórias que determinava a suspensão da instância em caso de não pagamento de preparo por parte do autor, requerente de providência cautelar ou exequente.
Do exposto resulta que a partir de 95/96, a multa e a suspensão da instância aplicada ao autor pela falta de preparo inicial coexistiram como formas de o pressionar a pagar o serviço de justiça (17). Para o réu criou-se, a partir de certa altura, um mecanismo diferente para o pressionar a tal, já que a lógica do impulso do processo se afigura naturalmente contrária ao seu interesse. Esse mecanismo foi o desentranhamento da peça, a consequência mais gravosa após não ter acatado o pagamento de multas.
Em traços largos e sem preocupação de maior pormenorização que ao caso desinteressam, são estas as bases históricas mais recentes a ter presente para uma melhor compreensão dos autos.
O não pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação de petição inicial sempre teve um regime próprio. Sempre foi feita a distinção fundamental entre o réu estar, ou não, citado, sendo diferentes os regimes, na medida em que a partir de então a instância está completa e deve manter-se estável.
O regime hoje vigente busca as suas raízes nesta lógica acima referida.

No caso dos autos, estando os réus citados, o não pagamento atempado da taxa de justiça devido pela apresentação de petição inicial não pode dar lugar ao seu desentranhamento, sendo tal expressamente vedado pela lei – 552º, 6, CPC novo.
Assim, ressalvada a proibição de desentranhamento, há que regressar ao regime regra ou padrão previsto para os actos em geral no artigo 145º, 3, CPC novo. Onde se estabelece um sistema de pagamento de multa e de multa agravada, no caso o previsto para a contestação (articulado equivalente à petição inicial), sendo esta a parte aplicável em resultado deste reenvio. Sem propriamente haver necessidade de recorrer à analogia, entendendo-se que o caso está regulado no que respeita à possibilidade de aplicar multa e multa acrescida, apenas se excluindo o desentranhamento da peça.
Parecendo-nos, também, que a simples suspensão de instância, desacompanhada de multas, além de ter uma menor força compulsória do rápido andamento do processo, é também menos paritária quanto a igualdade de obrigações entre as partes.
Se, ainda assim, não for paga a multa, nem a multa acrescida, entendemos que a instancia se suspende por falta de impulso processual, assim se mantendo até que o autor proceda ao pagamento do devido (taxa de justiça, multa, multa agravada) ou até que ocorra a deserção por negligência da parte- 281º NCPC.
Mecanismo que teve acolhimento num passado recente e que melhor se compatibiliza com o lugar que a parte ocupa na causa, ao autor competindo impulsionar o processo, numa lógica diferente da prosseguida pelo réu.

Acrescendo que a defesa da extinção da instância por excepção inominada ou outra nos parece forçada. Na verdade:

A taxa de justiça devida pelo impulso processual em geral não respeita á relação jurídica substantiva discutida no processo, nem os respetivos pressupostos, pelo que não há fundamento para que a referida omissão implique a extinção da instancia, seja por via da absolvição do reu da instancia, seja por causa da impossibilidade superveniente da lide” - Salvador da Costa, ob. citada, p. 66., nesta parte concordando-se o autor.
Donde se conclui que o pagamento por parte da autora da taxa de justiça e multa (570, 4, NCPC) feita fora de prazo (em 10-09-19 e o termo era 14-08-19) dá lugar à possibilidade do pagamento de multa acrescida (570º, 5, NCPC) nos termos sufragados pela senhora juiz a quo.
Podendo o autor pagar a qualquer momento, enquanto se mantiver a instância suspensa e não findar por deserção ao fim de 6 meses. Não tendo assim a ré razão em opor-se a tal.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663. do C.P.C, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 22-10-2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. DL 41-2013, de 26-06.
3. O DL 97-2109, de 26-07, só entrou em vigor em 16-09-2019.
4. É essa a versão do NCPC que invocamos doravante, sempre que não fizermos ressalva.
5. Por facilidade e maior clareza referimo-nos apenas às situações que importam ao caso, pese embora o regime, neste aspeto, seja extensível por exemplo à apresentação de recurso – 145º e 642º NCPC.
6. 558º, f, NCPC “A secretaria recusa o recebimento da petição inicial…quando ocorra alguns dos seguintes factos:….f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento de taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n. 5, do artigo 552º”.
7. In www.dgsi.pt, fonte de toda a jurisprudência doravante citada.
8. DL 329-A/95, de 12-12.
9. A alteração decorreu do DL 183/2000, de 10-08.
10. Artigos 23º e 24º, 1, Código das Custas Judiciais, DL 224-A/96, de 26-11, rect. nº 4-B/97, de 31-01.
11. CCJ - “Art 28º (omissão de pagamento pontual das taxas de justiça) Na falta de pagamento pontual das taxas de justiça nos termos dos artigos 23.º a 27.º, e sem prejuízo do disposto na lei de processo, a secretaria notificará o interessado para, em cinco dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC
12. Art. 14º do decreto-lei 329-A/95 de 12/12 CPC velho revisto, com a alteração introduzida pelo artigo 4º do decreto-lei 180/96 de 25 de Setembro): 2 - Sem prejuízo do pagamento das quantias em dívida, as cominações e preclusões processuais revogadas por esta disposição são substituídas por uma multa, fixada pelo juiz, consoante as circunstâncias, entre o triplo e o décuplo das quantias em dívida, não podendo, todavia, exceder 20 UC; 3 - No caso de falta de pagamento de preparo inicial pelo autor, requerente de procedimento cautelar ou exequente, o processo não terá andamento enquanto não forem pagos o preparo em falta e a multa a que se refere o número anterior, podendo ainda ser requerido o cancelamento do registo da acção que, entretanto, tenha sido efectuado.”
13. Ver também Lebre de Freitas, Introdução ao Processo civil, 1996, p.93.
14. Antes da redacção dada ao NCPC dada pelo DL 97/19, de 26-07, que como ressalvámos acima não é aplicável ao litigo dos autos, dada a sua entrada em vigor posterior às omissões em causa.
15. O artigo 14º, 3, CPC velho na redação do DL 180/96 (suspensão da instância) manteve-se em vigor, apenas tendo sido revogado nº 2 do art. 14 (multa) o que deu azo a querelas a partir de então sobre se, à suspensão da instância por falta de impulso do autor, acrescia ou não multa.
16. Artigo 150-A CPC velho, redação do DL 324/2003, de 27-12.
17. Pese embora após a nova redacção do CPC (2003) acima referida, com a supressão do nº 2, do artigo 14 da norma transitória, houvesse quem defendesse não haver lugar a pagamento de multa, sendo somente suspensa a instância.