Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
360/12.0TAVNF.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: BENS APREENDIDOS
LEVANTAMENTO
FASE DE INQUÉRITO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade, aliás, de conhecimento oficioso (arts. 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do CPP). Também as demais decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos (art. 97º, nº 5, do CPP).
II – Contudo, é consensual que só importa para o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada.
III – A nulidade de sentença constituída pela omissão de pronúncia ocorre, nos termos do art. 379º, nº 1, c) do nº 1 do CPP, quando o tribunal deixe de resolver as «questões» submetidas à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, mas a expressão «questões» prende-se apenas com a concreta pretensão submetida à apreciação do tribunal, não se podendo confundir, de modo algum, com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia.
IV – Na fase de inquérito, o juiz de instrução não tem competência para determinar o levantamento dos objectos apreendidos, mesmo nos casos em que a lei lhe atribui competência para ordenar as apreensões, cabendo ao Ministério Público, enquanto titular do inquérito, a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade de manter uma apreensão para efeito de prova e, consequentemente, a decisão sobre a entrega dos objectos apreendidos (arts. 186º, 53º, 268º e 269º do CPP).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos de inquérito n.º 360/12.0TAVNF, a correr termos no Ministério Público de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga, em que eram arguidos F. C., R, J. e …, Lda, foi proferido despacho pelo Juiz de Instrução Criminal, em 2 de Setembro de 2016, indeferindo liminarmente um requerimento apresentado por esta última, manifestando, substancialmente, a pretensão de restituição de bens apreendidos em tal inquérito. O Sr. Juiz fundamentou essa decisão na exclusiva competência do Órgão (Ministério Público) titular da acção penal para tratar da matéria em questão, estando vedado ao juiz de instrução o seu conhecimento e devendo a reação deduzida ter sido dirigida ao magistrado do Ministério Público titular do inquérito, com possibilidade de subsequente reclamação para o respectivo superior hierárquico.
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Inconformado com o referido despacho, a requerente… Unipessoal, Lda, interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1.º Sobe o presente recurso da decisão (conclusão de 02-09-2016) que não conheceu das nulidades invocadas pela arguida …Lda, e bem assim da pretensão formulada por esta de que lhe fossem restituídos os bens que lhe foram apreendidos em sede de inquérito porquanto tal fase processual terminou com o arquivamento dos autos não tendo sido requerida a abertura da instrução.
2.º A recorrente apresentou nos autos em 31/05/2016 o requerimento constante dos mesmos, que por motivos de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido, em que requereu lhe fossem entregues/devolvidas os bens que lhe foram apreendidos em sede de inquérito, porquanto o inquérito estava já findo e não foi requerida a abertura da instrução.
3.° Tal requerimento (31/05/2016) foi dirigido ao Digníssimo Procurador do MP, por ser o mesmo o titular do inquérito, e por o processo correr termos naquele MP, não obstante, o que se pretendia era ver a questão que foi suscitada perante o JIC relativa à devolução das paletes apreendidas a esta - sendo que esta sempre se arrogou legítima proprietária das mesmas. Conforme resulta inclusivamente das declarações prestadas em juízo pela legal representante da recorrente (cfr fls 169), em que a mesma reclamou a propriedade dos bens que lhe foram apreendidos e requereu expressamente lhe fossem oportunamente devolvidos.
4.° Por despacho do MP, foi indeferido o requerido pela recorrente. Designadamente que a questão suscitada pela recorrente relativa à devolução dos bens que lhe foram apreendidos fosse apreciada pelo JIC competente, para que as questões levantadas nos mesmos fossem alvo de decisão judicial por aquele (JIC).
5.º E tal despacho do MP indeferiu o requerido pela aqui recorrente com o fundamento que os bens apreendidos haviam sido já entregues à denunciada aquando da apreensão.
6.° Nos termos do disposto no art. 17.º do CPP, é ao JIC que compete exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento. Ou como é o caso dos autos, após o despacho de arquivamento e decorrido o prazo para requerer a abertura da instrução.
7.° Até porque, é apenas aos Meritíssimos Juízes que compete julgar. Não sendo essa a competência do MP nos termos do previsto no art, 53.º do CPP. O que expressamente se invoca.
8.º Verificando-se assim desde logo que o despacho recorrido violou o art. 53.º do CPP, pois pretendeu exercer competências e poderes para além das atribuições que lhe estão legalmente previstas.
9.° Nem é legítimo o MP negar que um requerimento dirigido ao JIC seja por este apreciado. Pois tal consubstanciará no caso concreto, uma violação do direito de acesso à justiça que assiste à recorrente, na medida em que nega a esta o cabal exercício da função jurisdicional atribuída ao JIC nesta fase do processo penal, e bem assim a decisão de uma questão jurídica levantada pela recorrente, e cuja única competência para a decidir assiste ao JIC.
10.º O inquérito findou com a prolação do despacho de arquivamento pelos motivos constantes do mesmo, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Importando no entanto, ainda, salientar a seguinte factualidade e conclusões constantes daquele despacho de arquivamento no sentido em que: "Assim, na ausência de elementos que indiciem de que forma a ...Lda entrou na posse das paletes" não nos é possível configurar a mera detenção com a prática de qualquer ilícito criminal."
11.° Não só não se verificou a prática de qualquer ilícito criminal, como os objectos apreendidos que estavam na posse da ...Lda (aqui recorrente) aquando da sua apreensão, nos termos do previsto no art. 186.º do CPP teriam de ser restituídos a esta. Não o tendo sido foi violado tal normativo.
12.° Nos termos do previsto no n.º 2 do art. 178.º do CPP "Os objectos apreendidos são juntos ao processo, quando possível, e, quando não, confiados à guarda do funcionário de justiça adstrito ao processo ou de um depositário, de tudo se fazendo menção no auto.”. (O negrito e sublinhado são nossos).
13.º A lei apenas prevê que na sequência de apreensão de bens em processo penal em situações como é o caso dos presentes autos, os bens ou são juntos aos autos, ou se tal não for possível, são confiados à guarda de funcionário judicial ou de depositário.
14.º Em momento algum está prevista na sequência de apreensão em processo penal a imediata entrega dos bens apreendidos, a título definitivo, a quem quer que seja.
15.° Prevê sim o no 6 do citado art. 178.° que "Os titulares de bens ou direitos objecto de apreensão podem requerer ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 68.º.". (o negrito e bold são nossos).
16.º O que no caso dos autos não veio a suceder.
17.º Na sequência do despacho de arquivamento e decorrido o prazo legal para abertura da instrução, e porque aquele era omisso relativamente à restituição dos bens apreendidos, a ...Lda requereu ao JIC a restituição dos bens que lhe foram apreendidos.
18.º Tendo em conta o poder jurisdicional que apenas ao mesmo cabe para decidir, e as garantias de que dispõem os arguidos, previstas desde logo, e entre outras, nos arts. 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 61 n.º 1 alínea b) do CPP, art. 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do homem.
19.º Semelhante entendimento foi defendido no mui douto Acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa, de 24-09-2015 Relator Antero Luís, processo 208/13.9TEL5B-B.Ll-9, disponível em www.dgsi.pt.. Cujos excertos da respectiva fundamentação foram transcritos na motivação do presente recurso.
20.º Em que se conclui que "O princípio do acusatório não implica, nem exige estanquicidade nas várias fases do processo no que respeita à intervenção dos vários órgãos com competência em sede processo criminal. O que exige, por força do julgamento justo e equitativo que resulta das várias normas constitucionais em matéria de processo criminal e de direitos liberdades e garantias, é que a apreciação de todas as questões em que os mesmos estejam em causa, seja feita por um órgão jurisdicional, neste caso o juiz de instrução, atenta as suas garantias de independência e imparcialidade.",
21.° E semelhante entendimento se encontra no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ 11/2016 de 23-06-2016, e em decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Cujos excertos da respectiva fundamentação foram transcritos na motivação do presente recurso.
22.º Estando em causa um direito constitucionalmente protegido (direito de propriedade), e perante a "silêncio" quanto ao destino dos bens apreendidos no despacho de arquivamento, sendo certo que nunca foi pedida a modificação ou revogação da medida de apreensão (art. 178.º n.º 6 do CPP), e não existe na lei a possibilidade de apreensão e entrega imediata a título definitivo dos bens apreendidos (cfr art. 178.º n.º 2 do CPP), resulta que é ao JIC que compete conhecer do pedido de restituição formulado pela recorrente no seu requerimento.
23.º Tal entendimento igualmente decorre do previsto no art. 178.º n.º 6 do CPP. Uma vez que a competência para a modificação ou revogação da medida de apreensão tem de ser formulada perante o JIC - o que bem se compreende atentas as garantias e direitos supra referenciados no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência - igualmente por maioria de razão tem igualmente de ser o JIC a conhecer do pedido de restituição formulado pela recorrente.
24.º Não se entende o alcance da decisão recorrida ao referir "Concordamos assim com a posição assumida pelo Ministério Público na promoção antecedente, ou seja, estando em causa um acto da exclusiva competência do Ministério Público, está vedado ao juiz de instrução conhecer da sua eventual ilegalidade."
25.º Desde logo porque a recorrente ...Lda não foi notificada de qualquer "promoção antecedente", mencionada na decisão recorrida. Nem se alcança a que acto concreto a decisão recorrida se refere que entende ser "da exclusiva competência do Ministério Público".
26.º O teor e fundamentação da decisão recorrida, só por si, não permite entender a sua justificação ou os motivos em que assenta.
27.º Verificando-se assim a nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, por referência à deficiente fundamentação prevista no art. 374.º no 2 do CPP.
28.º Pois por exigência do art. 205.º n.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas nos termos legais. Por sua vez, os requisitos da sentença, nos termos do art. 374º nº 2 do CPP, impõem que ao relatório se siga a fundamentação, com a enumeração dos factos provados e não provados, e com uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
29.° Tal como foi entendido no mui douto Acórdão da Relação do Porto de 22/09/2010. Relator: Jorge Raposo, no de documento RP20100922581/05.2TAVLG.P1.
30.º A decisão recorrida ao remeter para uma "promoção antecedente" de que a recorrente não foi notificada, aliada ao tear da fundamentação constante da mesma (decisão recorrida), não cumpriu o ónus previsto no aludido art, 374.º n.º 2 do CPP, verificando-se assim a nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 alínea a) do CPP. O que expressamente se invoca.
31.° Não só nunca poderia ter acontecido a entrega definitiva à queixosa dos bens aquando da sua apreensão em sede de inquérito - desde logo por violação de imperativo legal (art. 178.º n.º 2 do CPP) nos termos supra alegados - como tal entrega a titulo definitivo sem que fosse dada a possibilidade à arguida ...Lda de exercer o contraditório (como não foi dada no caso concreto) viola frontalmente o principio do contraditório e as garantias constitucionais da ...Lda nos termos supra referidos (violação dos arts. 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 61, n.º 1 alínea b) do CPP, art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do homem) constituindo assim nulidade processual, ou pelo menos séria irregularidade de conhecimento oficioso. O que expressamente se invoca.
32.º Verificando-se assim a violação dos artigos 178.º n.º 2 do CPP, porquanto não está legalmente prevista na sequência de apreensão em processo penal a imediata entrega dos bens apreendidos, a título definitivo, a quem quer que seja. Mas apenas, e quando muito a um depositário. Bem como a violação dos art. 18, e 32.º da CRP, art. 61 n.º 1 alínea b) do CPP, art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porquanto ao se ter procedido à entrega a titulo definitivo (que não enquanto depositário) dos bens apreendidos à recorrente sem que se tivesse dado a possibilidade a esta de se pronunciar acerca de tal e assim exercer o contraditório foram violadas as garantias de defesa da mesma no que respeita a tal, e bem assim o direito a um processo equitativo, uma vez que foram provocadas coercivamente alterações à esfera jurídica da mesma ao se ter desapossado coercivamente a recorrente dos bens de que se arroga proprietária e uma vez findo o processo sem que se constatasse qualquer ilícito criminal, não foi a situação reposta no estado em que estava mediante a devolução dos bens apreendidos à recorrente que sempre se arrogou proprietária dos mesmos.
33.º E igualmente nula, por violadora dos preceitos legais mencionados no artigo anterior, será qualquer decisão proferida nestes autos que ordene ou tenha ordenado a entrega dos bens apreendidos à queixosa, ou a qualquer outra pessoa ou entidade, que não aquela que estava na posse dos mesmos aquando da apreensão efectuada e que sempre se arrogou legitima proprietária dos mesmos. Ou seja à aqui recorrente ...Lda. Nulidade que expressamente se invoca.
34.º Verificando-se igualmente a violação do previsto no art. 186.º no 1 do CPP. Pois que os bens apreendidos, uma vez proferido despacho de arquivamento e não tendo sido requerida a abertura da instrução, deveriam ter sido restituído à recorrente.
35.º Sobre similar questão levantada pela recorrente no seu requerimento relativamente à devolução dos bens que lhe foram apreendidos, se pronunciou a Veneranda Relação de Coimbra no douto Acórdão proferido em 02/27/2013, relator Maria José Nogueira, disponível em www.dgsi.pt.
36.º Em que foi decidido que "... no âmbito do processo de natureza penal, não se tratando de caso credor de regime especial, só pode o respectivo juiz conhecer de matéria cível, que surja controvertida, nos estritos termos contemplados nos artigos 71.º e ss. do CPP ou, em concretização do seu artigo 7.º, o que, já vimos, não sucedeu. Afigura-se-nos, assim, ocorrer a nulidade insanável prevista na alínea e) do artigo 119.º do CPP, resultante da violação das regras da competência em razão da matéria, o que conduz à invalidade da decisão [em crise] e, bem assim, à de todos os actos processuais à mesma tendentes, designadamente à decisão de fls. 225 a 227 [e processado subsequente], subsistindo, contudo, esta, na parte em que foi declarado juridicamente inexistente o despacho de arquivamento no segmento em que decidiu o conflito sobre a propriedade dos bens apreendidos nos autos determinando, em consequência, a sua entrega à ofendida A... [artigo 122.º do CPP].”
37.º Nulidade que no caso concreto, e com os fundamentos supra referidos (violação art. 7.º e 77.º do CPP) igualmente se invoca, resultante da violação das regras da competência em razão da matéria, o que conduz à invalidade de qualquer decisão quer sobre a propriedade dos bens apreendidos à recorrente, quer sobre a entrega dos mesmos (que não apenas enquanto depositária) a qualquer pessoa ou entidade que não a recorrente, e bem assim, à de todos os actos processuais à mesma tendentes, sejam ou tenham sido praticados pelo JIC ou pelo MP.
38.º E foi ainda decidido naquele douto Acórdão da Relação do Coimbra que, "Sobrevive, pois, a questão da restituição dos objectos apreendidos [artigo 186.°, n. o 1 do CPP], a qual, no quadro controvertido, que subsiste, respeitante à titularidade dos bens, reflectido na análise levada a efeito no despacho de arquivamento, tem necessariamente de ser resolvida à luz dos princípios gerais, independentemente de as «partes» virem a dirimir o litígio que as opõe quanto à titularidade do direito no foro próprio, isto é recorrendo aos meios civis.
E aqui chegados, sendo incontestável terem sido os objectos [paletes] apreendidos à B... - nas respectivas instalações - atendo-nos à decisão que pôs fim ao inquérito, a qual incidindo sobre os elementos probatórios constantes dos autos discorreu conforme supra transcrito, impõe-se, em concordância com a mesma, determinar a sua restituição à B..., entidade que à data da apreensão as detinha, as possuía; se de boa ou má - fé, se entroncam em negócio nulo …, enfim se titular do direito é a recorrente ou, antes, a recorrida é matéria que as «partes», querendo, terão de ver respondida no foro próprio
É esta, aliás, a solução que, respeitando o quadro legal, se mostra em consonância com a fundamentação do despacho que pôs termo ao inquérito, donde resulta não estar inequivocamente demonstrada a «propriedade» da denunciante sobre os bens apreendidos, tão pouco a ilicitude da respectiva detenção/posse por parte da denunciada, a quem foram apreendidos.".
39.º Verificando-se assim que tal como no caso sub judicio, e com os fundamentos já ali invocados, os bens apreendidos devem ser restituídos à aqui recorrente. O que uma vez mais se invoca e requer.
40.º Pois que à semelhança do caso decidido naquele Acórdão da Relação do Coimbra, também da fundamentação do despacho de arquivamento dos presentes autos se concluiu que não existem "... elementos que indiciem de que forma a ...Lda entrou na posse das paletes... ". O que equivale e dizer que não há certezas de que as paletes não sejam efectivamente da recorrente. Bem como não se verificou nos autos qualquer entrega dos bens apreendidos por qualquer título não translativo da propriedade.
41.° Em total desconsideração pelos elementos constantes dos autos, designadamente o auto de apreensão dos bens em causa, os requerimentos acima referidos apresentados em juízo pela recorrente, e o despacho do MP de 07-06-2016 em que refere que "... os bens apreendidos foram restituídos à denunciante aquando da realização da busca.", que mostram claramente a alteração forçada ocorrida na esfera jurídica da recorrida em total arrepio do legalmente previsto e sem que esta tivesse a possibilidade de exercer o contraditório, a decisão recorrida vem afirmar que qualquer questão relativa à propriedade das paletes tem obrigatoriamente de ser resolvida no âmbito do direito civil.
42.º Tal entendimento vertido na decisão recorrida é totalmente contrário à conclusão de que o despacho proferido pelo MP nada decidiu. Pois o despacho proferido pelo MP considerou desde logo que os bens que são da recorrida e que foram apreendidos a esta em sede de inquérito, e de que a mesma sempre se arrogou proprietária, haviam sido entregues a titulo definitivo à denunciante.
43.º Perante tal disparidade entre o afirmado na decisão recorrida e os efeitos do despacho proferido pelo MP, resulta estarmos perante a situação prevista no art. 410.º n.º 2 alínea b) do CPP (contradição insanável entre a fundamentação e a decisão).O que expressamente se invoca.
44.º A decisão recorrida ao não conhecer das nulidades invocadas pela recorrente no seu requerimento (cfr folha 7 do aludido requerimento) de fls... (enviado para o tribunal por via postal em 23/06/2016 -), designadamente da nulidade em que incorreu o despacho proferido pelo MP em 07/06/2016 em que negou o conhecimento das questões levantadas nos requerimentos apresentados pela recorrente em 19-03-2015 e 31/05/2016, e da nulidade invocada relativa a qualquer decisão que ordene ou tenha ordenado a restituição dos bens apreendidos à queixosa, tudo nos termos supra invocados, incorreu na nulidade decorrente de omissão de pronuncia (cfr art 379.º n.º 1 alínea c) do CPP). O que se invoca.
45.º Pois o vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.
46.º Porquanto o tribunal tem por obrigação emitir um juízo de apreciação e valoração sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão de um pleito que submetam à sua decisão. Independentemente da bondade ou inocuidade das questões, sob o ponto de vista jurídico, e da sua atinência ou não para a solução do conflito que o tribunal tem de decidir, exige a lei que o tribunal emita pronúncia sobre todos elas, formulando um juízo de apreciação jurídico e de valoração para o objecto do processo ou para a resolução da questão material controvertida.
47.º O que facilmente se verifica não ter sucedido na decisão recorrida.
Conclui, dizendo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e assim ser declarada a inexistência do despacho proferido pelo MP em 07-06-2016 bem como ser revogada a decisão recorrida, ou apenas caso assim se não entenda, deverão ser declaradas as nulidades supra invocadas, e em todo o caso ser ordenada a restituição dos bens apreendidos à recorrente, nos termos supra descritos.».

O recurso foi admitido por decisão proferida a fls. 370.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, por entender, que o despacho recorrido não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando-se devidamente fundamentado, sendo da exclusiva competência do Ministério Público a decisão sobre o destino dos objectos apreendidos, na fase de inquérito, é. E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto remeteu para a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª Instância.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso a única e verdadeira questão suscitada é a de saber a quem compete dar destino final aos objectos apreendidos em sede de inquérito. Não obstante ser esta a substancial pretensão recursiva a recorrente assaca ao despacho recorrido os vícios de nulidade por falta de fundamentação [art. 379º, nº 1, a), do CPP), por omissão de pronúncia relativa a todas as questões suscitadas, por contradição insanável entre a decisão e a fundamentação e por violação das regras de competência material do tribunal, a qual constituiria a nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. e) do CPP.
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Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes, para além das ocorrências extraídas dos autos, o seguinte teor do despacho recorrido:
«Requerimento de fls. 265 e seguintes:
A forma processualmente válida para reagir contra o despacho proferido a fls. 249 é sempre diante do magistrado do Ministério Público titular do inquérito, com possibilidade de subsequente reclamação para o respectivo superior hierárquico.
Portanto, o vício invocado no requerimento em apreço só pode ser invocado perante o magistrado do Ministério Público titular do inquérito, sendo que, posteriormente, na falta de acolhimento da pretensão, a sindicância da decisão posta em crise poderá ser efectuada através da reclamação hierárquica.
Concordamos assim com a posição assumida pelo Ministério Público na promoção antecedente, ou seja, estando em causa um acto da exclusiva competência do Ministério Público, está vedado ao juiz de instrução conhecer da sua eventual ilegalidade.
De todo o modo, sempre se dirá que, como bem refere a requerente no requerimento em apreço, o litígio respeitante à propriedade dos bens em questão apenas é passível de ser apreciado e decidido em acção cível que terá de ser instaurada para esse efeito (sendo certo que, quanto a este aspecto, o despacho proferido pelo Ministério Público nada decidiu).
Consequentemente e sem necessidade de mais considerações, indefere-se liminarmente o requerido.
Notifique.».

As ocorrências extraídas dos autos:
1º- O inquérito iniciou-se, no dia 8/3/2012, com uma denúncia apresentada pela sociedade “La …, S.A.U.”, participando criminalmente contra os responsáveis pela gestão da sociedade “...Lda - Unipessoal Ldª.” por factos passíveis de integrar, em primeira linha, a prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, nº. 1, do C. Penal.
2º- Nessa denúncia dizia-se que, no dia 7/3/2012, pelas 16,30 horas, encontravam-se nas instalações da sociedade “...Lda”, sitas na Av. Dr. Mário Soares, em Joane, Vila Nova de Famalicão, várias paletes pertencentes à primeira.
3º- Por despacho de 28/6/2012, o MP determinou a apreensão de várias paletes de cor vermelha que se encontravam na posse da dita “...Lda” e a subsequente entrega à denunciante (fls. 111-113).
4º - Em 18/7/2014, foi proferido despacho de arquivamento, por ausência de indícios suficientes (fls. 234-236).
5º- No dia 19/3/2015, a “...Lda” apresentou um requerimento dirigido ao Mmº. JIC, solicitando a devolução das paletes que tinham sido apreendidas.
6º- Porém, tal requerimento não deu entrada nos autos por motivo de extravio.
7º- No dia 16/6/2015 foi aposta a assinatura do visto em correição.
8º- No dia 31/5/2016 a “...Lda” - renovou o requerimento apresentado no dia 19/3/2015.
9º- Por despacho de 7/6/2016, o MP indeferiu o requerido.
10º- Insurgindo-se quanto à incompetência do MP para apreciar o requerimento a sociedade “...Lda” pugnou pela sua inexistência ou nulidade.
11º- Subsequentemente, o MP remeteu os autos ao JIC, que instou o MP a pronunciar-se sobre os vícios invocados pela exponente
12º - O MP defendeu que, em sede de inquérito, lhe compete restituir os objectos, ao abrigo do disposto no art. 186º do CPP, e que não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade de qualquer acto processual.
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1. A falta de fundamentação, a omissão de pronúncia e a contradição insanável entre a decisão e a fundamentação.
A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade, aliás, de conhecimento oficioso.
A recorrente invoca o art. 379º, nº 1, al. a), do CPPenal, segundo o qual “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do n.º 3 do art. 374º”. Por sua vez, este normativo (art. 374º), sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu nº 2, quanto à respectiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» (1).
Também as demais decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas (2) e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos.
Para além dessa proeminência da fundamentação, enquanto garantia integrante do Estado de direito democrático, no domínio do processo penal, a mesma assume uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos. Uma fundamentação cuidada é, pois, absolutamente essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso.
O art. 97º, nº 5, do CPPenal, consagra o princípio geral sobre a fundamentação dos actos decisórios, estatuindo que estes são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Este princípio geral é reiterado relativamente a alguns particulares e específicos actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos.
Não obstante o empenho do legislador ao impor a comunicação dos fundamentos que subjazem às decisões judiciais, o certo é que, no processo penal, ao incumprimento desse dever não corresponde um regime sancionatório particularmente gravoso.
Com efeito, de acordo com o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no art. 118º, nº 1, do CPPenal, “a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
Ora, em relação a esta nulidade que a recorrente assaca ao despacho recorrido, com invocação do citado art. 379º, sublinha-se, desde logo, que nada nos permite aplicar à decisão em causa a exigência de fundamentação inerente ao acto decisório a que se reporta, especialmente, tal vício, a sentença, que conhece do mérito e que coloca termo ao processo.
Assim, quanto a este concreto despacho, não existe norma alguma que estabeleça os requisitos a que deva obedecer a respectiva fundamentação ou a sanção correspondente à sua omissão e, por isso, não se encontrando cominada na lei a insanabilidade de tal vício, este, não sendo arguido no prazo legalmente estabelecido, ter-se-ia por sanado. O que se verificaria neste caso, porquanto a recorrente não arguiu o vício nos três dias seguintes a contar da notificação do despacho recorrido, como se infere dos autos.
Por outro lado, se, como se assinalou, todas as decisões devem ser sempre fundamentadas, também é consensual que só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada.
Ora, analisando a motivação da decisão questionada, é patente que, sem margem para dúvidas, na mesma constam, explícita e implicitamente – por remissão para o despacho do Ministério Público – as razões quer de facto quer de direito, que levaram o Sr. Juiz, a indeferir o requerimento da aqui recorrente quanto à questionada entrega dos bens que foram apreendidos: o certo é que a decisão recorrida foi efectivamente fundamentada com o exibido entendimento de que, durante a fase do inquérito, é da exclusiva competência do Ministério Público ordenar a entrega dos bens apreendidos, com a explicação suplementar de que a reacção válida contra um despacho do Ministério Público é a subsequente reclamação hierárquica.
Em segundo lugar, a invocada omissão de pronúncia ocorre, nos termos do art. 379º, nº 1, c) do nº 1 do CPPenal, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar e constitui uma nulidade, também apenas aplicável à sentença, e sanável, por não se encontrar incluída na previsão do art. 119º do CPPenal.
Esse vício prende-se com o incumprimento do dever de resolver as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Mas a expressão «questões», de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia, antes se prende, desde logo, com a pretensão que os peticionantes submetam à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir invocadas.
Assim, encarando o tema da nulidade suscitada na perspectiva da pretensão formulada pela ora recorrente de que lhe fossem restituídos os objectos apreendidos, não pode deixar de se reconhecer que na decisão recorrida se tomou conhecimento da mesma, com a pronúncia sobre a incompetência do juiz para decidir sobre o destino final a dar aos bens apreendidos em inquérito, por se ter entendido que é da exclusiva competência do Ministério Público a concretização ou execução das decisões respeitantes aos bens, na sequência do despacho de arquivamento de tal inquérito.
Em terceiro lugar, como é evidente, nenhuma contradição pode ser apontada entre o sentido dessa pronúncia e a respectiva fundamentação, no caso, a exclusiva competência do Órgão titular da acção penal.
Por conseguinte, no caso em apreço, a decisão não enferma manifestamente de qualquer dos vícios que lhe foram assacados.

2. A nulidade insanável a que alude o artigo 119.º, al. e) do CPP.
Defende a recorrente terem sido violadas as regras de competência em razão da matéria, na medida em que o Ministério Público decidiu a questão relativa à restituição dos objectos apreendidos nos autos, o que lhe estava vedado, pois, trata-se de matéria de exclusiva competência do JIC.
Para melhor compreensão da suscitada questão importa relembrar parte dos factos.
No âmbito do inquérito, por despacho proferido a 28/06/2012, o Ministério Público determinou a apreensão de várias paletes que se encontravam na posse da sociedade denunciada a aqui recorrente e a sua subsequente entrega à sociedade denunciante.
Após a realização das diligências probatórias consideradas pertinentes, o titular do inquérito decidiu por despacho proferido em 18/07/2014 pelo arquivamento dos autos, considerando não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática pela recorrente de qualquer ilícito criminal, nomeadamente, o dos crimes de furto e de receptação, nada tendo dito quanto aos bens.
Este despacho foi devidamente notificado a todos os intervenientes processuais.
Na sequência do mencionado despacho, não foi suscitada a intervenção hierárquica ou requerida a fase da instrução, nem ocorreu a posterior reabertura do inquérito (cf. artigos 286.º, 278.º e 279.º do CPPenal).
Apenas no dia 31/05/2016 (a recorrente alegou ter apresentado no dia 19/03/2015, um requerimento que se extraviara), a recorrente solicitou ao JIC a devolução dos mencionados bens, tendo o Ministério Público indeferido tal pretensão por despacho proferido a 7/06/2016.
Insurgindo-se contra este despacho, a ora recorrente apresentou novo requerimento endereçado ao JIC, que o indeferiu por ter entendido que o vício invocado teria de ser formulado perante o Ministério Público, enquanto titular do inquérito, e que, na falta de acolhimento da pretensão, a sindicância da decisão posta em crise deveria ser efectuada através de reclamação hierárquica.
Tanto o Ministério Público como o JIC, entendem que, em sede de inquérito, é da competência exclusiva do primeiro dar destino aos objectos apreendidos ao abrigo do disposto no art. 186º, do CPPenal.
Vejamos, se assim é:
A competência do Ministério Público encontra-se definida no art. 53º, competindo-lhe, designadamente, dirigir o inquérito (nº 2, alínea b), e, por sua vez, os actos da competência do JIC, no âmbito do inquérito, estão bem delimitados pelos artigos 268º e 269º do referido código: no que concerne a bens apreendidos, estabelece o nº 1, alínea e) do primeiro deles que compete ao JIC declarar a sua perda a favor do Estado, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277º, 280º e 282º do mesmo diploma.
E o artigo 178º, n.º 6, introduzido pela Reforma Processual de 98 (Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) apenas permite a modificação ou revogação (pelo JIC) da medida preventiva de apreensão de objectos, que pode ser requerida pelo titular do respectivo bem ou direito que se considere ilegitimamente lesado, situação que nada tem a ver com a ora suscitada no recurso.
É o art. 186º que fixa o regime que regula a restituição dos objectos apreendidos e como refere o Conselheiro Santos Cabral, em anotação ao preceito (in Código de Processo Penal Comentado), «é ao Ministério Público que, no exercício do seu mandato de titular do inquérito, cabe a decisão sobre a necessidade/desnecessidade de manter uma apreensão para efeito de prova e, consequentemente, decidir sobre a entrega dos objectos e bens apreendidos.».
Semelhante interpretação é acolhida por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª. Ed., Universidade Católica Editora, 2008: «Na fase de inquérito, a autoridade competente para restituir os objectos é o Ministério Público, no exercício das suas funções de direcção do inquérito (ver a anotação ao artigo 53.°). O Ministério Público é que sabe se os objectos apreendidos são ou não necessários para fazer a prova da acusação. O juiz de instrução não tem competência para, na fase de inquérito, determinar o levantamento dos objectos apreendidos, mesmo nos casos em que a lei lhe atribui competência para ordenar as apreensões (acórdão do TRL, de 9.6.1998, in CJ, XXIII, 3,153). A decisão do Ministério Público de não restituição de um objecto apreendido pode ser sindicada pelo superior hierárquico, por via da reclamação hierárquica (ver a anotação ao artigo 48), ou através do incidente de "impugnação judicial", previsto no artigo 178, n.° 6 (ver a anotação a este artigo). A decisão do Ministério Público de restituição de um objecto apreendido não é passível de sindicância judicial nos termos do artigo 178º, n.°6 (acórdão do TRL, de 5.12.2005, in CJ, XXX, 5, 143), mas admite reclamação hierárquica.» (sublinhado nosso).
Também no Acórdão da RP de 14/10/2009 (P. 4448/07.1TDPRT-A.P1 - Luís Teixeira) se obteve a seguinte síntese conclusiva: «Em processo penal, a apreensão de objectos tem natureza preventiva, constitui meio de obtenção de prova e tem uma função cautelar. Na ocorrência da alteração dos pressupostos que a fundamentaram, designadamente cessando a sua função probatória, devem os objectos apreendidos ser restituídos a quem de direito. Existem no processo três momentos diferentes para apreciar a situação jurídica dos bens apreendidos: na acusação, na pronúncia e na sentença. O titular que em cada momento preside à respectiva fase processual (inquérito, instrução ou julgamento) deve distinguir entre os objectos que revistam ou indiciem natureza ilícita daqueles que revistam natureza lícita ou que não sejam indiciados como de proveniência ilícita.». Afirma-se, ainda, neste acórdão que «Será de boa prática processual, minimizando desta forma os efeitos nefastos da apreensão de um objecto, que o titular do inquérito, proferida a acusação, ordene a imediata restituição dos bens não ilícitos, aqueles que não indiciam nem integram a prática de qualquer crime».
No mesmo sentido, se pronunciou o Ac. desta Relação de 12/10/2009, in CJ, 4º/293.
É o entendimento que também nós perfilhamos por ser o único com apoio na lei, emanando da conjugação de todos os preceitos citados. Portanto, segundo se nos afigura, não se verifica a nulidade insanável prevista na alínea e) do artigo 119º, resultante da violação das regras da competência em razão da matéria, e consequentemente, não merece qualquer censura o despacho recorrido.
*
Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento total no recurso, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 4 unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do CPP e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

Guimarães, 20/02/2017

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado

1 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito». Também Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter“ seguido no tratamento valorativo da prova».
2 Cfr. art. 97º nº 5 do CPP.