Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2878/19.5T8VCT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
VIOLAÇÃO DE REGRAS ESTRADAIS
DANO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Ao lesado que não exerça ainda atividade remunerada (estudante) assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial (em resultado da afectação da sua capacidade geral ou funcional), apesar de não haver perda da capacidade de ganho.
II - Situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adotados pelos nossos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não havendo razões para dele dissentir, deve o mesmo, no âmbito do recurso de apelação, ser mantido.
III - Para serem indemnizáveis, exige-se que os danos não patrimoniais sejam graves e que mereçam, por essa gravidade, a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil).
IV - As simples contrariedades ou os meros incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para justificar uma indemnização, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 496º do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

E. B. intentou contra Companhia de X Seguros, S.A, actualmente denominada Companhia de Seguros Y, S.A, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe:

I - a indemnização global líquida de 184.144,90 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente acção, até efectivo pagamento;
II – a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 302º. a 319º., vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º., nº. 2, do Código Civil), ou, segundo outro entendimento, a indemnização que vier a ser relegada para Incidente de Liquidação (artigos 358º., nºs.1 e 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil).
Para tanto, alegou, em suma, que foi interveniente, como condutor do motociclo de matrícula NE, num acidente de viação ocorrido, no dia 10 de maio de 2017, o qual foi causado por culpa exclusiva do veículo seguro na ré (automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN), em resultado do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Citada, a Ré deduziu contestação, refutando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro e impugnou os danos alegados pelo autor, concluindo pela total improcedência da ação (ref.ª 33495389 - fls. 179 a 188 e 204 a 211).
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No apenso A:
J. G. intentou contra Companhia de X Seguros, S.A, actualmente denominada Companhia de Seguros Y, S.A, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização global de € 5.100,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a dada da propositura da presente acção, até efectivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que à data do acidente em discussão nos autos, causado única e exclusivamente por culpa do condutor do veículo seguro na ré, era o dono e legítimo proprietário do motociclo de matrícula NE; como consequência directa e necessária do acidente resultaram para o motociclo danos múltiplos, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de mecânico, de chapeiro e de pintor, bem como a substituição de peças múltiplas, cujo valor foi orçamentado no montante de 3.113,75 €, o qual, acrescido de IVA, perfez 3.792,54 €, que é superior ao valor real e de venda de 3.000,00 € à data dos factos, pelo que há perda total, descontado o valor dos salvados de €200,00; toda a situação causou-lhe desgosto e sofrimento.
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Regularmente citada, a ré contestou refutando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro e impugnou os danos alegados pelo autor.
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Por despacho de 7/10/2019, foi deferida a apensação aos presentes autos da acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum n.º 2924/19.2T8VCT (ref.ª 44461072 - fls. 212).
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Procedeu-se à realização da audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância; procedeu-se de seguida à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova (ref.ª 47590803 - fls. 472 e 473).
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 176060397 e 47824967 - fls. 475 a 479).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 48040892 - fls. 481 a 505), nos termos da qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu condenar a R. Companhia de Seguros Y, S.A. a pagar:

«1. Ao autor E. B. a quantia total de €128.264,55 (cento e vinte oito mil duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), assim distribuída:
.- a quantia de €8.912,00 (oito mil novecentos e doze euros), a título de perdas decorrentes do período de repercussão temporária na actividade formativa total, acrescida de juros legais de 4% ao ano, contada desde a data da citação da ré para a acção e até efectivo e integral pagamento;
.- a quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros), a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, contados desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento; .- a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, contados desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
.- a quantia de €14.032,55 (catorze mil e trinta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), a titulo de despesas, acrescida de juros legais de 4% ao ano, contada desde a data da citação da ré para a acção e até efectivo e integral pagamento;
.- a quantia de €320,00 (trezentos e vinte euros), relativa aos objectos pessoais e peças de vestuário, acrescida de juros legais de 4% ao ano, contada desde a data da citação da ré para a acção e até efectivo e integral pagamento;
.- a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do art. 564º, nº 2 do CC, e que corresponder ao valor do capacete.
2. Ao autor J. G. a quantia total de €3.600,00 (três mil e seiscentos euros), assim distribuída:
.- a quantia de €2.600,00 (dois mil e seiscentos euros), devida pelo valor do motociclo;
.- a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, contados desde a data da prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento».
Absolver a ré do mais peticionado pelos autores.
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré (ref.ª 41553090), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
(…)
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Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 41980633).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 48592240).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (comum ao processo principal e ao processo apenso);

Quanto ao processo principal (recorrido E. B.):
ii) – Da responsabilidade pela eclosão do acidente;
iii) – Do valor indemnizatório fixado para indemnização do período de repercussão da actividade formativa parcial de 486 dias (€ 8.912,00);
iv) – Do valor indemnizatório fixado pela perda de capacidade de ganho e consequentes danos futuros (€ 80.000,00);
v) – Do valor indemnizatório fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais (€ 25.000,00);

Quanto ao processo apenso (recorrido J. G.):
vi) – Da atribuição de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrido;
vii) – Do valor atribuído pelos danos patrimoniais sofridos pelo motociclo de matrícula NE.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. No dia - de Maio de 2017, pelas 00,53 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Estrada Nacional nº. … – Avenida ....
2. Em frente à casa de habitação com o número de polícia “…”, sita a na margem direita da referida via, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, na freguesia de ..., do concelho e comarca de Viana do Castelo.
3. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos:
1º. – o motociclo de matrícula NE;
2º. – o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
4. O motociclo de matrícula NE era conduzido pelo Autor E. B..
5. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN era propriedade de J. B., residente na Rua …, nº. …, Viana do Castelo.
6. E, na altura da ocorrência do acidente era por ele próprio conduzido.
7. A Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... -, no local da deflagração do acidente, configura um troço de recta.
8. A faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... – tinha uma largura de 07,00 metros.
9. O seu piso era pavimentado a asfalto.
10. O tempo estava nublado.
11. Pelas duas margens apresentava bermas.
12. Também pavimentadas a asfalto.
13. Delimitadas, em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... -, através de uma linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade: linha delimitadora contínua – Marca M19.
14. Em frente à casa de habitação correspondente ao número de polícia “…”, a marginar a berma asfáltica da Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... -, situada do lado direito, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, existia, à data do sinistro, um rego ou valeta para escoamento de águas pluviais.
15. No preciso local da deflagração do acidente, a Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... – configura um entroncamento.
16. Pela margem esquerda da Estrada Nacional nº. … – Avenida da ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, conflui, com ela, a denominada Avenida de ....
17. A qual dá acesso, no sentido Norte-Sul, da Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... -, ao lugar …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo.
18. A Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... - permite o trânsito automóvel nos seus dois sentidos de marcha.
19. Para o efeito, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … – Avenida de ... -encontrava-se subdividida em duas hemifaixas de rodagem distintas.
20. A faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. … apresentava, no seu eixo divisório, pintada a cor branca, uma linha sem quaisquer soluções de continuidade: Linha contínua – marca M1.
21. No preciso local do referido entroncamento a linha interrompe-se, ao longo de uma distância de apenas dois metros.
22. No local do entroncamento configurado pela Estrada Nacional nº. …/Avenida de ... e pela Avenida de ... -, ao longo dessa distância de apenas dois metros, em vez da referida LINHA CONTÍNUA – MARCA M1 -, existia, pintada a cor branca, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, uma Linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade: LINHA DESCONTÍNUA – MARCA M2.
23. A partir do local do supra-referido entroncamento, após a existência da supra-referida linha descontinua, sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., continua a existência da linha contínua- marca 1, ao longo de uma distância superior a duzentos metros, no sentido Poente, em direcção a Viana do Castelo.
24. A hemi-faixa de rodagem situada do lado Norte, resultante da supra-referida divisão da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
25. A hemi-faixa de rodagem situada do lado Sul, resultante da supra-referida divisão da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, Viana do Castelo-....
26. No dia 10 de Maio de 2017, pelas 00,53 horas, o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor – E. B. – transitava pela Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ..., no sentido Nascente-Poente, ...-Viana do Castelo.
27. O motociclo de matrícula NE transitava pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. ../Avenida de ..., tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.
28. Sendo que o seu farol dianteiro seguia ligado e aceso, comutado na posição de médios.
29. Ao aproximar-se do preciso local da deflagração do acidente, o Autor E. B., apercebeu-se de que, à sua frente, se encontrava, aí, imobilizado e parado, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula DN, conduzido pelo seu proprietário J. B..
30. Com a sua parte frontal apontada no sentido Poente, em direcção a Viana do Castelo. 31. Com a sua parte traseira apontada no sentido Nascente, em direcção a ....
32. Com os seus dois rodados direitos totalmente sobre a berma asfáltica situada do lado direito da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
33. Com os seus rodados esquerdos por forma a ocuparem, como ocupavam, uma largura, de medida não concretamente apurada, da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
34. Com os seus faróis traseiros e frontais ligados e acesos.
35. Com os seus sinais luminosos - “piscas” -, do lado direito, em funcionamento, de forma intermitente.
36. Perante a presença do veículo de matrícula DN, imobilizado e parado, nas circunstâncias atrás referidas o Autor, condutor do motociclo de matrícula NE, reduziu a velocidade de que se seguia animado.
37. E com os rodados do motociclo de matrícula NE sobre a linha média da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, prosseguiu, dessa forma, a sua marcha, por forma a descrever uma trajectória rectilínea, certa e inalterável.
38. Ao chegar ao preciso local da deflagração do acidente, em frente ao número de polícia “120”, ali existente, na margem direita da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, depois de o Autor E. B., ter guinado, como guinou, o motociclo que tripulava, ligeiramente para o seu lado esquerdo, foi embater, como embateu, contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
39. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN tinha a intenção de, no local da deflagração do acidente, levar a efeito a manobra de mudança de direcção à sua esquerda.
40. Penetrar, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, na Avenida de ....
41. E prosseguir a sua marcha, através da referida Avenida de ..., no sentido Norte-Sul. 42. Em direcção ao lugar de …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo.
43. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, reiniciou a sua marcha e penetrou, totalmente, com o referido veículo, em toda a largura correspondente à metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
44. E, atravessou, completamente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN em toda a largura correspondente à metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
45. Com vista a concretizar a sua supra-referida manobra de penetração na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., de mudança de direcção à sua esquerda e de penetração na faixa de rodagem da Avenida de ..., que ali entronca com a Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Nascente- Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
46. Por onde – Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ... -, naquele preciso momento, transitava o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor E. B..
47. Numa altura em que o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor – E. B. -, se encontrava já no preciso local da deflagração do acidente.
48. O condutor do motociclo de matrícula NE – o Autor E. B. - foi embater, como embateu, com este, contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, tripulado pelo J. B..
49. Ao mesmo tempo que o motociclo de matrícula NE foi, também ele, embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
50. E essa colisão verificou-se entre a parte frontal, ao nível da roda da frente, do motociclo de matrícula NE e a parte lateral esquerda frente, ao nível do guarda-lamas e da roda, do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
51. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN foi imobilizar a sua marcha sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
52. De forma atravessada.
53. Em frente à embocadura da faixa de rodagem da Avenida de ....
54. Com a sua parte frontal apontada no sentido Sul, em direcção à faixa de rodagem da Avenida de ....
55. E com a sua parte traseira apontada no sentido Norte, em direcção ao eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ....
56. Por sua vez, o motociclo de matrícula NE, após o embate e por força deste ficou imobilizado, em posição paralela em relação ao veículo automóvel DN e do seu lado esquerdo.
57. Após a deflagração do acidente o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN reconheceu que a culpa na sua produção era única e exclusivamente sua.
58. Como consequência directa e necessária do acidente e da queda que se lhe seguiu, resultaram, para o Autor E. B., lesões corporais várias, nomeadamente: rotura total do LLE – Ligamento Lateral Esquerdo/Joelho esquerdo –, e ângulo postero-externo, lesão do nervo CPE do membro inferior esquerdo, rotura total da inserção do bicípite femural esquerdo, junto à inserção distal da cabeça do perónio, da rotura total da cápsula articular posterior, da rotura parcial do poplíteo, da rotula do (LCA) Ligamento Cruzado Anterior e da fissura do menisco interno, cisto de Baquer com 4,6 cm e neuropatia do nervo peronial comum, axonatemese grave do nervo peronial comum entre o colo do perónio e o cavado poplíteo, edema no joelho, perna, articulação tibiotársica e pé esquerdos; impotência funcional em todo o membro inferior com pé esquerdo pendente; escoriação do tornozelo esquerdo, edema em face externa da mão direita, hematoma da região cubital da palma da mão direita,; escoriações superficiais do membro inferior direito.
59. O Autor foi transportado, de ambulância para o Hospital de …, de Viana do Castelo – ULSAM, EPE.
60. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência.
61. Onde permaneceu desde as 02:33:03 horas até às 10:27:46 horas do dia 10/05/2017.
62. Foram-lhe, aí, efectuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.
63. Foram-lhe, aí, prescritos analgésicos.
64. Os quais o Autor se viu na necessidade de tomar e de ingerir.
65. Após o que lhe foi dada alta para o domicílio.
66. Medicado (analgesia em SOS).
67. E com indicação de não fazer carga (esforços), ao longo de um período de tempo de duas semanas.
68. Na sua casa de habitação, o Autor manteve-se, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de, pelo menos, três dias.
69. Após o que retomou a frequência das aulas, na Escola Secundária de ..., em Viana do Castelo.
70. O Autor teve necessidade de caminhar com o auxílio de um par de canadianas, como auxiliar de locomoção.
71. As quais o Autor viu-se na necessidade de usar, ao longo de um período de tempo de cerca dois meses.
72. O Autor, porém, continuou a ser acometido de dores muito intensas, nas regiões do seu corpo atingidas.
73. E com permanente inchaço ao nível de todo o membro inferior esquerdo.
74. Sem força, ao nível do membro inferior esquerdo.
75. Sem qualquer actividade, ao nível do membro inferior esquerdo. 76. E com o pé esquerdo pendente – Pé Equino.
77. Por essa razão, o Autor recorreu à consulta do Médico Fisiatra Dr. C. R., com consultório na cidade de Viana do Castelo.
78. O qual prescreveu, ao Autor, uma Ressonância Magnética – RMN – e uma Electromiografia ao membro Inferior esquerdo: MIE.
79. Em virtude de o Autor apresentar indícios de pé esquerdo pendente: Pé Equino.
80. O Dr. C. R. prescreveu, ao Autor, tratamento de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – Fisioterapia.
81. O qual o Autor se viu na necessidade de cumprir, como cumpriu, na Clínica de Reabilitação Médico-Desportiva, do Dr. C. R., com sede na Rua …, Lote … Viana do Castelo.
82. No dia 28 de Junho de 2017, o Autor foi internado no Hospital ... (...), na cidade de Vila Nova de Gaia: Dr. A. S..
83. Foram-lhe, aí, efectuadas análises clínicas.
84. Foi-lhe, aí, ministrada uma anestesia geral.
85. E foi, aí, submetido a uma intervenção cirúrgica, consubstanciada em artroscopia com reconstrução do LCA – Ligamento Cruzado Anterior –, do LLE – Ligamento Lateral Esquerdo – e ângulo póstero-externo; neurólise do nervo CPE joelho esquerdo.
86. O Autor manteve-se, internado, no Hospital ..., ..., Vila Nova de Gaia, entre os dias 28-06-2017 a 29-06-2017.
87. Após o que obteve alta para o seu domicílio.
88. Com ortótese perna-tornozelo-pé, que o autor começou a retirar alternadamente a partir de 03-04-2018.
89. O Autor viu-se na necessidade de caminhar com o auxílio de um par de canadianas, ao longo de um período de tempo de cerca de dois meses.
90. E continuou a frequentar tratamento de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, na Clínica de Reabilitação Medico-Desportiva do Dr. C. R., submetendo-se a tratamentos de reabilitação (fisioterapia) diariamente entre 22.05.2017, inclusive, até 13/04/2018 e, depois, em sessões alternadas (2-3 vezes por semana) desde 16/05/2018 inclusive até 14/09/2018.
91. No dia 14 de Setembro de 2018, o Autor obteve a sua consolidação médico-legal das lesões.
92. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, dado o carácter súbito e imprevisto que caracterizou o acidente, a sua incapacidade de lhe escapar e a queda que se lhe seguiu.
93. O Autor receou pela própria vida.
94. O Autor sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente ao nível do membro inferior esquerdo.
95. Como QUEIXAS das lesões sofridas, o Autor apresenta: a nível funcional:
- alguma limitação em efectuar corrida;
- limitação a subir e descer escadas, só se forem muitas;
- alguma limitação em percorrer pisos irregulares;
- limitação em permanecer em posição ortostática para além de meia hora de modo contínuo;
- alguma limitação em permanecer na posição de cócoras;
- dores na face posterior do joelho esquerdo, com esforços, quando permanece de modo prolongado na posição ortostática, não diários;
- efectua medicação para as dores em SOS;
- por vezes o joelho esquerdo falha, sobretudo quando faz transferências;
- sensação de encortiçado no dorso do pé e na face lateral da perna esquerdos. . a nível situacional:
- vida afectiva, social e familiar: Viu-se na necessidade de abandonar todas as actividades lúdicas e recreativas que impliquem a marcha prolongada, designadamente as corridas;
- perdeu, totalmente, a performance física inerente à sua idade, para a prática de diversas actividades desportivas, que impliquem a corrida;
- viu-se absolutamente impossibilitado de continuar a prática do Hóquei em Patins, que praticava, à data da deflagração do acidente, na categoria de Juniores, no ... ... Club, que praticava com regularidade (3 a 4 treinos por semana), integrado no campeonato nacional de Juniores.
96. Como SEQUELAS das lesões sofridas, o Autor apresenta:
- membro inferior direito: na face ântero-interna do terço proximal de perna observada civatriz de cariz cirúrgico, não aderente e não hipertrófica, medindo 3 centímetros de maior eixo; no dorso do pé observadas três cicatrizes hipopigmentadas, planas, medindo 1 centrímetro de maior eixo.
- membro inferior esquerdo: na face lateral do joelho observada cicatriz de cariz cirúrgico, não aderente e não hipertrófica, em forma de “L”, medindo 15 centímetros de maior eixo; na face ântero-interna do terço superior da observada cicatriz de cariz cirúrgico, não hipertrófica, medindo 3 centímetros de maior eixo, com dor referida ao toque; na face anterior do terço inferior da perna cicatriz hipopigmentada, plana, medindo 1,5 centímetros de maior eixo; perímetro muscular da coxa e da perna inferior em 0,5 centímetros, comparativamente ao lado contra-lateral; joelho: sem edema nem derrame articular aparente; sem dor referida à palpação; sem instabilidade ligamentar aparente; mobilidade conservada; alterações subjectivas de sensibilidade tátil referidas na face lateral da perna e no dorso do pé; diminuição de força na dorsiflexão do hálux, comparativamente ao lado contra-lateral; défice de 5º de dorsiflexão do pé, comparativamente ao lado contra-lateral; apoio em pontas de pé simétrico; apoio em calcanhares com menor afastamento do solo à esquerda.
97. O Autor nasceu no dia - de Março de 1999.
98. À data do acidente era um rapaz saudável, ágil, forte, robusto e dinâmico.
99. Havia praticado hóquei em patins, desde o cinco (05,00) anos de idade, na Escola Desportiva de ….
100. E, na altura da ocorrência do acidente praticava esta modalidade integrado no Campeonato Nacional de Juniores, no ... ... Club.
101. Nunca havia sofrido qualquer outro acidente de trânsito (ou qualquer outro). 102. Nem nunca havia sofrido de qualquer enfermidade.
103. Pelo que não sofria de qualquer defeito físico, aleijão, deformidade, ou incapacidade física ou funcional.
104. Não padecia, por isso, de qualquer diminuição da sua capacidade desportiva e/ou laboral ou de utilização do seu corpo.
105. E viu-se absolutamente impossibilitado, para toda a sua vida, de praticar Oquei em Patins. 106. Os factos descritos nos pontos precedentes causam-lhe um profundo, intenso e inultrapassável desgosto.
107. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um período de Défice Funcional Temporário Total de 3 (três) dias.
108. Um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 490 (quatrocentos e noventa dias).
109. Um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Total de 7 (sete) dias.
110. Um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Parcial de 486 (quatrocentos e oitenta e seis dias).
111. E, a final, ficou a padecer de um Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 (oito pontos).
112. O Autor sofreu um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7. 113. Um dano estético permanente de grau 2, numa escala de 0 a 7.
114. Uma Repercussão permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 3, numa escala de 0 a 7.
115. À data do acidente o Autor frequentava o décimo segundo (12º.), na Escola Secundária de ..., em Viana do Castelo.
116. Na presente data, o Autor frequenta o quarto ano do Curso de Engenharia Mecânica, na Faculdade de Engenharia Mecânica, da Universidade de ....
117. Com a sua Licenciatura/Mestrado em Engenharia Mecânica, o Autor pretende, na sua vida profissional, exercer a profissão de Engenheiro Mecânico.
118. O Autor efectuou despesas diversas, ainda não reembolsadas pela Ré, todas elas consequência directa e necessária do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, nomeadamente:
a) em consultas médicas € 70,00 (setenta euros);
b) em medicamentos, pelo menos, € 81,00 (oitenta e um euros);
c) em exames complementares de diagnóstico €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros); d) em tratamentos de enfermagem €15,00 (quinze euros);
e) em material ortopédico €495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros);
f) em tratamentos de MFR – Fisioterapia e consultas, pelo menos, € 4.450,00 (quatro mil quatrocentos e cinquenta euros);
g) no custo de uma intervenção cirúrgica – Hospital ... - € 8.183,00 (oito mil cento e oitenta e três euros);
h) nas deslocações de táxi, nomeadamente de e para os tratamentos de fisioterapia e consultas, pelo menos, € 363,55 (trezentos e sessenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos).
119. Viu danificadas e inutilizadas as peças de vestuário e de calçado que usava aquando ao acidente: 1 par de calças de ganga 120,00 €; b) 1 par de sapatilhas 100,00 €; c) 1 par de luvas, pelo menos, € 50,00.
120. E viu danificados e inutilizados os seguintes objectos de uso pessoal: 1 capacete de protecção, de valor não concretamente apurado; uma mochila 50,00 €.
121. Esporadicamente, o Autor pode necessitar de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, até ao fim da sua vida.
122. Para a Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.”, actualmente denominada COMPAÑIA DE SEGUROS Y, S.A.”, Sucursal em Portugal” - estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ………40, em vigor à data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos.
**
123. Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram, para o motociclo de matrícula NE – propriedade do Autor J. G. -, danos múltiplos, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de mecânico, de chapeiro e de pintor, bem como a substituição de peças múltiplas, cujo valor foi orçamentado no montante de 3.113,75 €, o qual, acrescido de IVA, perfez 3.792,54 €.
124. O respectivo orçamento foi elaborado, por estimativa, pelos serviços técnicos da Ré Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.”, na oficina “MOTO…”, de A. E., com sede na Quinta …, Rua de …, Viana do Castelo.
125. E mereceu a inteira concordância da Ré.
126. O Motociclo de matrícula NE é de marca “HONDA”, modelo “CBR”, 125 R 10-14, de 125 centímetros cúbicos de cilindrada, propulsionado a gasolina.
127. Foi construído no ano de 2012.
128. Havia sido comprado, pelo Autor J. G., no mercado dos usados.
129. No mês de Março de 2017.
130. Em perfeito estado de novo.
131. Pelo preço de 3.000,00 €.
132. Na altura da ocorrência do acidente, contava, percorridos, apenas 5.336,00 quilómetros.
133. O Autor J. G. sempre lhe havia prestado boa assistência, tanto à sua parte mecânica, como à sua estrutura.
134. Nunca havia sofrido qualquer acidente de trânsito, além do que deu origem à presente acção.
135. E o Autor recolhia, diariamente, o motociclo de matrícula NE em garagem privativa. 136. A Ré Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.” considerou tratar-se de “perda total”.
137. Os salvados do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula FM foram avaliados no valor de 200,00 €.
138. Sofreu o Autor J. G. um grande desgosto, ao ver o seu motociclo muito amolgado e desfigurado.
139. Tinha o motociclo de matrícula NE, em grande apreço.
140. Pois havia-o comprado, embora no mercado dos usados, em muito bom estado de conservação – com aspecto de novo.
141. O Autor é um amante do motociclismo.
131. Coleccionador de veículos de duas (02,00) rodas.
132. E um assíduo frequentador de concentrações de motociclistas.
133. E praticante de passeios de motociclo.
134. Sozinho e acompanhado de colegas e amigos praticantes da modalidade.
*
E deu como não provados os seguintes factos:

a) A recta supra referida em 7. tem um comprimento superior a trezentos (300,00) metros.
b) Esse sector de recta é imediatamente precedido de uma curva, situada do lado Nascente – do lado de ... -, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
c) E esse sector de recta é seguido de uma outra curva, situada do lado Poente – do lado de Viana do Castelo -, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
d) No preciso momento da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, não chovia.
e) E o pavimento asfáltico da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... - encontrava-se limpo e em bom estado de conservação.
f) Ligeiramente húmido, mas não molhado.
g) No preciso momento da ocorrência do acidente não se precipitavam as águas pluviais.
h) A berma do lado direito, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, tem uma largura de 00,60 metros.
i) A berma do lado esquerdo, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha – Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo -, tem uma largura de 00,85 metros.
j) O rego ou valeta supra referida em 14. tem uma largura de 0,70 metros e com uma profundidade de 0,50 metros de largura.
k) Para quem se encontra no preciso local da deflagração do acidente consegue avistar-se a sua faixa de rodagem da referida via – da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ... - e suas bermas asfálticas -, em toda a sua largura:
a) no sentido Nascente - em direcção a ... -, ao longo de uma distância superior a cem (100,00) metros;
b) no sentido Poente – em direcção a Viana do Castelo -, ao longo de uma distância superior a duzentos (200,00) metros.
l) A distância referida na alínea a), da precedente alínea, é ditada pela existência da supra-referida curva, que precede o local da deflagração do sinistro dos presentes autos, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, que delimita a visibilidade a essa distância superior a cem (100,00) metros, do lado Nascente – ou seja, do lado de ... -, em relação ao preciso local da deflagração do sinistro dos presentes autos.
m) A distância referida na alínea b), da alínea k), é ditada pela existência de uma outra curva, situada do lado Poente – ou seja, do lado de Viana do Castelo -, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, a essa distância superior a duzentos (200,00) metros do lado Poente (do lado de Viana do Castelo), em relação ao preciso local da deflagração do sinistro dos presentes autos.
n) A linha supra referida em 20. tinha e tem o seu início a uma distância superior a duzentos (200,00) metros antes de chegar ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – antes de chegar ao local do entroncamento configurado pela E. N. nº. 103 – Avenida de ... - e pela Avenida de ... -, para quem circula no sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
o) E essa prolonga-se, desde o local do supra-referido entroncamento, no sentido Poente, em direcção a Viana do Castelo, ao longo de igual distância superior a duzentos (200,00) metros.
p) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas nos factos provados o motociclo NE seguia com todos os seus faróis frontal e traseiro, ligados e acesos e animado de uma velocidade não superior a trinta (30,00) quilómetros, por hora.
q) A largura supra referida em 33. era de 0,90 metros.
r) O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN encontrava-se imobilizado e parado num local em que Linha Descontínua – MARCA M2 - existente no preciso local do referido entroncamento havia já terminado.
s) E num local onde sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... - existia já a Linha Contínua – MARCA M1 –, existente, do lado Poente (do lado de Viana do Castelo), a partir do local onde, na zona do ponto médio do entroncamento existe uma Linha Descontínua – MARCA M2 -, e se prolonga, no sentido Nascente-Poente, desde a Zona do preciso local do referido entroncamento, em direcção a Viana do Castelo.
t) Numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a setenta (70,00) metros, à retaguarda do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, o autor comutou, de forma alternada e repetidamente, o farol frontal do referido motociclo de matrícula NE, para as posições de máximos e de médios.
u) Pôs em funcionamento os sinais luminosos – “piscas” -, do lado esquerdo. v) E passou a rodar a uma velocidade inferior a 30 Km/h. w) Nas circunstâncias supra referidas em 38., depois de o autor ter travado, como travou, o motociclo que tripulava.
x) O J. B., não se apercebeu da presença do supra-referido entroncamento.
y) Prosseguiu, sempre, a sua marcha, através da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, no sentido Poente, em direcção a Viana do Castelo.
z) E transpôs, para o lado Poente – para o lado de Viana do Castelo -, o local do entroncamento configurado pela Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ... e pela Avenida de ....
aa) Após ter transposto o local do supra-referido entroncamento, o J. B. apercebeu-se do engano em que havia incorrido.
bb) Imobilizou a sua marcha.
cc) Engrenou a caixa de velocidades do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN em marcha-atrás.
dd) Pôs em funcionamento os sinais luminosos – “piscas” -, do lado direito, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN em funcionamento, de forma intermitente.
ee) Passou a rodar, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN de marcha-atrás e às arrecuas, pela Estrada Nacional nº.103/Avenida de ..., no sentido Poente-Nascente, ou seja, Viana do Castelo-....
ff) Até chegar ao preciso local onde existe o acesso à garagem do edifício com o número de polícia “120”, existente na margem direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, onde imobilizou a sua marcha e parou, completamente.
gg) O J. B. não accionou o sinal sonoro - “buzina/apito” - do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
hh) Nem pôs em funcionamento o sinal luminoso - “pisca” -, do lado esquerdo, desse referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, que tripulava.
ii) Antes de penetrar na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ....
jj) O J. B., sempre com os sinais luminosos – “piscas” -, do lado direito, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, em funcionamento, de forma intermitente.
kk) Nas circunstâncias referidas em 47. a uma distância não superior a três (03,00)) metros do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
ll) O embate entre o motociclo de matrícula NE e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN – conduzido pelo J. B. - ocorreu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo.
mm) Após o embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN prosseguiu, sempre, a sua marcha, para o seu lado esquerdo.
nn) O J. B. transpôs, para o seu lado esquerdo, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, a Linha, pintada a cor branca, sem quaisquer soluções de continuidade - LINHA CONTÍNUA – MARCA M1 -, existente sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ....
oo) Arrastou, consigo, preso, agarrado e encastrado, o motociclo de matrícula NE.
pp) No local onde sobre esse eixo divisório existia e existe, pintada a cor branca, uma Linha sem quaisquer soluções de continuidade: LINHA CONTÍNUA – MARCA M1.
qq) O condutor do veículo DN apresentou, nos serviços da Ré Companhia de Seguros “X SEGUROS, S.A.” a “DECLARAÇÃO AMIGÁVEL DE ACIDENTE DE VIAÇÃO”, declarando-se único e exclusivo culpado.
rr) Em ambulância da Cruz Vermelha Portuguesa de …, Barcelos.
ss) Foram-lhe efectuadas análises clínicas e prescritos anti-inflamatórios.
tt) O período referido em 68. foi de 5 dias.
uu) Regressado ao seu domicílio, o Autor manteve-se, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de uma semana.
vv) O autor sofreu dores ao nível do crânio, da coluna lombar, dorsal e cervical, dos dois membros inferiores.
ww) As dores afectaram o Autor, ao longo de um período de tempo superior a um ano e meio.
xx) O Autor continuou a sofrer dores intensas, a partir desse período de tempo de um ano e meio.
yy) Na presente data, o Autor ainda é acometido de dores muito intensas, com maior incidência ao nível do membro inferior esquerdo.
zz) E o Autor vai continuar a ser acometida de intensas dores, ao nível do seu pé esquerdo, do crânio, da coluna lombar, dorsal e cervical e dos seus dois membros inferiores, ao longo de toda a sua vida.
aaa) O Autor sofreu os efeitos perniciosos dos R.X., da Ressonância Magnética e da Electromiografia, a que foi sujeito.
bbb) Sofreu os efeitos maléficos inerentes aos medicamentos que se viu na necessidade de ingerir.
ccc) Não suporta permanecer na posição de pé por períodos prolongados de tempo; não pode caminhar por longos períodos; tem dores e dificuldades em subir e em descer escadas; tem limitação e dificuldades em todos os gestos que dependam da marcha, que está francamente condicionada e limitada; tem limitação na condução de um veículo automóvel e de um motociclo, pelas dores despertadas no membro inferior esquerdo; tem limitação da profissão de Engenheiro Mecânico – cujo curso o Autor se encontra a frequentar.
ddd) Deixou de participar em todas as actividades lúdicas, recreativas, sociais e desportivas inerentes à sua idade, em que a posição de pé e a marcha autónoma é determinante.
eee) Tem dificuldades acrescidas na execução de todos os gestos que obrigue a transportar objectos pesados, a caminhar, ou permanecer por períodos prolongados de tempo, na posição de pé; dificuldades e limitações no desempenho das diferentes actividades e tarefas cuja permanência na posição de pé e a marcha sejam determinantes, nomeadamente no desempenho das tarefas de Engenheiro Mecânico – cujo curso o Autor frequenta, na presente data.
fff) Tem sequelas de neuropraxia/axonametese do nervo CPE, com défice de extensão do pé esquerdo, claudicação, na marcha; atrofia muscular, na perna esquerda; medo em andar de veículo automóvel e de motociclo; medo de conduzir um veículo automóvel e um motociclo; sonhos e pesadelos alusivos ao acidente; sintomatologia de Stress Pós-Traumático, dependência de ingestão de medicação analgésica e antiinflamatória, ao longo de toda a sua vida; necessidade de frequência de tratamento de Médica Física de Reabilitação – MFR/Fisioterapia – e de sessões de Yoga regular, ao longo de toda a sua vida.
ggg) A impossibilidade supra referida em 105. é para qualquer outra modalidade desportiva que implique força ou esforço físico.
hhh) Sofreu um “Coeficiente de Dano” de grau 3, numa escala de 0 a 4.
iii) E sofreu um “Prejuízo de Afirmação Pessoal” de grau 3, numa escala de 0 a 5.
jjj) As lesões sofridas, as sequelas delas resultantes o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, de que o Autor ficou a padecer têm de rebate profissional, pois, são compatíveis com o exercício da actividade habitual do Autor – Engenheiro Mecânico, cujo curso se encontra a frequentar, na presente data -, mas implicam dores, perda de tempo, sacrifícios, perdas de tempo, ajudas de terceiras pessoas e esforços suplementares.
kkk) Em consequência do acidente de trânsito, do internamento hospitalar, a da intervenção cirúrgica, do período de acamamento que lhe seguiu e da necessidade de frequentar consultas médicas e tratamento de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – Fisioterapia – a que se viu na necessidade de se submeter, o Autor reprovou no exame de fisico-química, no décimo segundo (12º.) anos, na Escola Secundária de ..., de Viana do Castelo.
lll) Pelo que o Autor perdeu, assim, um ano da sua vida académica.
mmm) O autor pretende exercer no sector da indústria de construção de veículos automóveis e de máquinas pesadas perfuradoras, escavadoras e de terraplanagem, além de outras máquinas e equipamentos, para a agricultura, para a indústria mineira, pescas e área industrial em geral.
nnn) Onde vai, seguramente, auferir, como contrapartida do seu trabalho, um ordenado inicial nunca inferior a 1.750,00 €, por mês, mas que vai evoluir para valor situado entre 2.500,00 € e 3.000,00 €.
ooo) A partir da data da ocorrência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor jamais pôde, nem vai poder, jamais, no futuro, exercer a sua actividade/profissão Engenheiro Mecânico, como o podia fazer, se não fosse a deflagração do acidente, as lesões sofridas e as sequelas delas resultantes.
ppp) Em consequência das dores, de que passou a ser acometida, nomeadamente na coluna lombar, dorsal e cervical e ao nível dos seus dois membros inferiores, com maior incidência ao nível do membro inferior esquerdo.
qqq) E, também, em consequência da limitação e dificuldade em caminhar, em permanecer na posição de sentado e na posição de pé e em conduzir um veículo automóvel.
rrr) E, ainda, em consequência das queixas e das sequelas, de que ficou a padecer, em consequência do acidente de trânsito, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes supra descritas.
sss) E da perda de força, de que ficou afectado nas regiões do tronco e dos membros inferiores, com maior incidência ao nível do seu membro inferior esquerdo.
ttt) O Autor passou, também, a sentir medo e fobia permanentes e inultrapassáveis em atravessar vias públicas de circulação automóvel e em andar no interior de quaisquer veículos automóveis, por associação com o sinistro que deu origem à presente acção.
uuu) O Autor ficou e vai ficar limitado na execução das suas tarefas inerentes à profissão de Engenheiro Mecânico.
vvv) Já que, no desempenho dessa profissão de Engenheira Mecânico, tem – vai ter -necessidade de se manter na posição de pé, ao longo de períodos prolongados de tempo.
www) Tem – vai ter - necessidade de movimentar e de fazer força, com o seu corpo, nomeadamente com a coluna lombar, dorsal e cervical e com os seus dois membros inferiores.
xxx) Manter-se na posição de pé, caminhar, subir e descer escadas e conduzir um veículo automóvel.
yyy) O Autor em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, vai passar a produzir um rendimento mais reduzido, vai passar a necessitar de fazer intervalos de descanso, no desempenho dessa sua referida profissão de Engenheiro Mecânico e vai passar a necessitar da presença, do auxílio e da ajuda de colegas de trabalho – Engenheiros(as) Mecânicos(as) - e de terceiras pessoas, que o vão passar a complementar e a substituir em tarefas que ele não já capaz de executar ou não é já capaz de executar sozinho.
zzz) O autor despendeu: em consultas médicas e obtenção do Relatório Médico junto aos autos 410,00 €; na obtenção de 1 certidão de nascimento 20,00 €; em despesas com deslocações para consultas médicas, exames de diagnóstico e tratamentos – veículo automóvel próprio 500,00 €
aaaa) Em consequência o autor perdeu um telemóvel no valor de 200,00 €.
bbbb) O Autor não se encontra ainda completamente curado, nem clinicamente estabilizado.
cccc) No futuro, vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente aos ossos do joelho esquerdo e aos ligamentos e meniscos do joelho esquerdo, além de outras regiões do seu corpo.
dddd) Para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, das especialidades de medicina, de ortopedia, de cirurgia, de neurocirurgia e de fisiatria, além de outras.
eeee) Vai, por isso, ter necessidade de pagar os custos correspondentes a essas consultas médicas.
ffff) Vai necessitar de suportar os prejuízos decorrentes ao tempo de trabalho perdido, para a obtenção dessas consultas médicas e, ainda, com transportes, refeições no restaurante, além de muitas mais.
gggg) Vai ter necessidade de adquirir e de tomar medicamentos vários, ao longo de toda a sua vida, que passou a ter necessidade de tomar e de ingerir, em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes.
hhhh) O Autor vai ter necessidade de se submeter a novas periódicas e contínuas sessões de Medicina Física de Reabilitação – MFR/Fisioterapia -, ao longo de toda a sua vida.
iiii) E vai ter necessidade de pagar os honorários médicos, os medicamentos e internamentos hospitalares, além de todas as outras despesas necessárias e indispensáveis a todos os tratamentos de que vai carecer.
jjjj) Vai necessitar de se submeter a diversas cirurgias plásticas, para tentativa de eliminação e/ou atenuação das cicatrizes de que ficou a padecer, na sua perna esquerda.
kkkk) Vai ter de recorrer a Serviços de Enfermagem, para curativos e a outros tratamentos de que carece já e de que vai carecer, ao longo de toda a sua vida.
llll) Vai perder o tempo de trabalho com as consultas médicas e tratamentos a que vai necessitar de se submeter, ao longo de toda a sua vida.
mmmm) E, a final, vai, ainda, ver a Incapacidade Parcial Permanente, para o Trabalho – Défice Permanente da Integridade Físico-Psíquica -, de que ficou a padecer, ainda mais agravada.
nnnn) Com os reflexos negativos no desempenho da sua actividade/profissão de Engenheiro Mecânico.
oooo) E com grande sacrifício.
qqqq) O embate, entre as viaturas acima descritas, acontece quanto o ligeiro realiza uma manobra de mudança de direcção, saindo da Estrada Nacional n.º 103 para entrar na Avenida de ....
rrrr) O motociclo, tentou efectuar uma manobra de ultrapassagem ao ligeiro de passageiros quanto este se encontrava a realizar a manobra de mudança de direcção.
ssss) O motociclo contava à data da compra supra referida em 129. com 2.000,00 quilómetros percorridos.
tttt) Na altura da ocorrência do acidente o motociclo de matrícula NE tinha um valor real e de venda de 3.000,00 €.
uuuu) Os factos supra descritos em 138-145, (em relação ao autor J. G.) o que tudo lhe causou um estado de intenso nervosismo, irritação, revolta, tristeza, ansiedade e até insónias, desde a data da ocorrência do acidente.
vvvv) O qual se mantém, na presente data.
wwww) E vai continuar a perdurar e manter-se, no futuro, até ao dia em que a Ré indemnize o Autor por todos os danos por ele sofridos em consequência do acidente.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, a apelante/Ré impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Aplicando tais critérios ao caso constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que, na sua ótica, o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente os ónus de impugnação estabelecidos no citado art. 640º.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a Ré/recorrente pretende:
i) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 10, 32, 36, 37, 43, 47, 57, 93, 95, 106, 121, 138 e 139 dos factos provados da decisão recorrida;
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva das alíneas qqqq) e rrrr) dos factos não provados da decisão recorrida;
Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pela apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos a nossa análise sobre se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, ou não, à prova realmente obtida, importa deixar consignadas algumas considerações prévias que nesta matéria se fazem sentir.
i) Desde logo o facto de que os acidentes de viação resultam da combinação dos fatores do sistema rodoviário que compreendem a via, o ambiente, o veículo, o condutor e as circunstâncias de interação. Alguns fatores contribuem para a ocorrência dos acidentes e constituem parte da sua causa. Outros agravam as consequências do acidente, contribuindo assim para a gravidade do sinistro.
Regra geral, os acidentes de viação caracterizam-se pela rapidez e fluidez dos eventos, embora não se produzam de uma forma instantânea.
Em função da natureza dinâmica dos acidentes não podemos perder de vista as limitações da prova testemunhal na sua perceção. É sabido que a atenção do ser humano aos eventos que decorrem à sua volta é extremamente limitada e focada em pormenores. Considerado o facto do acidente de viação ocorrer de forma muita rápida, é normal que as testemunhas apenas captem pedaços do evento, focando a sua atenção em determinados pormenores. Isto porque, num espaço de tempo tão reduzido, é impossível que logrem captar todo o evento que se desencadeia. É, aliás, frequente que quando duas testemunhas depõem sobre o mesmo acidente apresentem versões diferentes sobre o modo como o mesmo terá ocorrido, o que se pode dever ao facto de o terem percecionado estando colocadas em sítios diferentes, e com capacidades de observação e de atenção igualmente diferentes, sem que alguma delas esteja necessariamente a subverter a realidade por si percecionada.
Acresce que as testemunhas revelam outro tipo limitações sensoriais, como seja a dificuldade de calcular distâncias e velocidades de circulação.
A tarefa de descobrir a verdade, que já de si é difícil, no caso da prova testemunhal sofre por vezes um aumento de complexidade decorrente da postura tendenciosa de uma ou outra testemunha. Com efeito, muitas vezes as testemunhas são os próprios intervenientes no acidente (condutores, passageiros e peões) e o seu depoimento pode ser influenciado pelo interesse próprio que possuem no caso, denotando-se, por vezes, alguma relutância em assumir que tiveram uma conduta consubstanciadora do preenchimento duma contraordenação estradal com eventual repercussão na eclosão do evento ou, dito de uma forma mais simples, tiveram alguma responsabilidade na produção do acidente.
Assim, dada a fragilidade e o cariz da prova testemunhal, assume especial relevo a prova material, dada a sua natureza objetiva, sendo certo que um acidente de viação produz diversos vestígios que podem ser observados na via rodoviária e nas áreas adjacentes (pavimento, bermas, passeios, etc.), como nos veículos e nas pessoas envolvidas (lesões sofridas pelos condutores, passageiros e peões), os quais podem vir a revelar-se como um elemento de particular relevância tendente à formulação de um juízo sobre o modo como o mesmo se terá produzido.
Em suma, deve, pois, o Tribunal proceder à análise e valoração de todos os meios de prova disponíveis, uns de natureza subjetiva, outros de natureza objetiva, procedendo se possível à conjugação daqueles com estes, de forma a que, após a análise de cada elemento de facto de per si, e de cada prova isoladamente considerada, seja possível obter uma descrição o mais possível aproximada à realidade.
ii) Com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos (testemunhais, declarações de parte) prestados na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares e/ou truncados (de tais depoimentos) invocados na apelação como justificadores da impugnação da decisão da matéria de facto. Para além disso, foram analisados todos os documentos carreados aos autos, bem como a prova pericial realizada nos autos.
iii) Nas razões apresentadas quanto à sua discordância da apreciação da prova produzida a recorrente alicerça essencialmente a sua discordância no facto de, quanto à dinâmica do sinistro, a Meritíssima Juiz “a quo” assentar a sua resposta à matéria de facto nas declarações de parte do Autor, condutor do motociclo, que, refere, “conforme seria de esperar limita-se a confirmar a sua tese quanto aos factos trazidos a juízo na petição por ele apresentada”.
Afirma não estar em causa o princípio da livre apreciação da prova por parte do Tribunal quanto às ditas declarações de parte, mas sim a sua delimitação em termos de prova e a respectiva confirmação com outros meios de prova, que, no entender da recorrente, não se verificou.

Mais invoca em abono da sua posição o Acórdão desta Relação de 18-01-2018, (relatora Vera Sottomayor), proc. n.º 294/16.0Y3BRG.G1, in www.dgsi.pt, no qual se sumariou:

“(…) II - Da declaração da parte importa que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.
III - A prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes”.
A respeito desse concreto meio de prova importa fazer uma breve menção de cariz conceptual ou teórica.

O regime legal da prova por declarações de parte mostra-se regulado no art. 466.º do CPC, nos moldes seguintes:
«SECÇÃO II
Prova por declarações de parte
Artigo 466.º
Declarações de parte
“1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que deu origem à Lei n.º 41/2013 de 26/06, faz-se-lhe uma sucinta referência nos termos seguintes:
Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
Como tem sido salientado, a introdução no nosso ordenamento jurídico-processual das declarações de parte como meio de prova autónomo traduz o acolhimento do entendimento, que já se vinha afirmando no seio da doutrina e da jurisprudência (2), no sentido de considerar e valorar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade material. O mesmo é dizer que este novo e autónomo meio probatório corresponde ao acolhimento da “possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de direta e pessoal intervenção da parte ou do seu direto conhecimento” (3).
A sua consagração na lei adjetiva constitui um reforço da tutela do direito à prova, enquanto manifestação do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa – pois que, em muitos casos, pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos por via diversa da do próprio relato das partes –, e à finalidade da descoberta da verdade material – porque as partes terão, muitas das vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam, já que os praticaram ou presenciaram (4).
Esse novo meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro íntimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, nessa medida, de mais difícil demonstração. Contudo, a lei não restringe a admissão deste meio de prova a estes casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, apenas que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento direto (5).
As declarações de parte, tal como os depoimentos testemunhais, são de livre apreciação, exceto na parte em que consistam em confissão (art. 466º, n.º 3, do CPC). Daí que o tribunal não tem que acreditar, necessariamente, em tudo ou nada do que o declarante refere na sua prestação probatória. Esta releva na medida em que convencer, sendo o convencimento tanto maior quanto mais justificado estiver e se aproximar da prova credível fornecida por outros meios, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica da vida. Pode uma parte das declarações convencer e outra parte não convencer. O tribunal não pode olvidar que o declarante tem interesse direto na sorte da ação (6).
A respeito do meio de prova em análise e do modo como deve ser valorado, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro (7) dizem-nos que “não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção e racional do julgador, isto, é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz.
Questão diferente é a da suficiência das declarações favoráveis ao depoente para a formação desta convicção. A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto.
Como tem sido aduzido na jurisprudência (8) no tocante às particularidades que devem nortear a valoração desse especifico meio de prova previsto no artigo 466º do CPC, “[a]s declarações de parte […] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos”.
Mas, tal como se sintetiza no Ac. da RL de 26/04/2017 (relator Luís Filipe Pires de Sousa) (9), in www.dgsi.pt., “i) no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte”; (ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente”.
Daí que, “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Por fim, como se refere no Ac. do STJ de 28/01/2020 (relator Pinto de Almeida), ECLI, «será, por outro lado, de admitir a autossuficiência dessas declarações, ou seja, elas podem servir de apoio autónomo e auto-suficiente para a convicção do juiz; a exigência de que tais declarações sejam corroboradas por outros meios de prova é critério que pode ser seguido no âmbito da referida livre apreciação, mas que a lei não impõe».
*
Feitos estes considerandos prévios, vejamos circunstanciadamente cada um dos factos impugnados.
Ponto 10 dos factos provados.

O aludido ponto fáctico impugnado apresenta a seguinte redação:
“10. O tempo estava nublado”.
Resposta pretendida: “O tempo estava de chuva, o piso encontrava-se molhado e era de noite”.
No dizer da recorrente, quanto ao tempo que se fazia sentir ao momento do acidente, em face da resposta dada parece retirar-se que apenas existiriam algumas nuvens.
Sucede constar do próprio auto de ocorrência (fls. 29 e 30 do apenso), lavrado pelas autoridades, que à data da ocorrência do sinistro o tempo era de chuva intensa, o que foi confirmado (nomeadamente no que concerne às condições meteorológicas) pelo agente da Guarda Nacional Republicana que elaborou o auto em apreço, quando ouvido em audiência de julgamento.
Mais alega ainda que o próprio Autor, em declarações de parte, confirmou que «estava dia de chuva, “quase de inverno” e o piso estava molhado».
Pois bem, independentemente da questão da pluviosidade ter ou não tido qualquer relação causal com a forma como se deu o sinistro e/ou com as suas consequências, neste domínio importa tão só indagar se a facticidade alegada está mostra ou não provada.
E, como bem referem os recorridos, o que constituía matéria controvertida era tão só e apenas se o tempo estava nublado ou não (art. 13° da p.i.) e se chovia ou não (ano. 14 da p.i.), mas não se essa chuva era intensa, posto que este último facto não foi alegado.
Ora, atendo-nos às declarações de parte do Autor E. B., referiu este que, no momento do acidente, estava de chuva, “quase de inverno”, precisando que tinha chovido cerca de meia hora antes.
Mais adiante particularizou que, aquando do embate, não estava a chover seguido, estando, sim, a orvalhar, era tipo chuva miudinha e o chão estava molhado.
Por sua vez, o soldado da GNR que se deslocou ao local e tomou conta da ocorrência – a testemunha M. F. – não soube precisar o período de tempo que mediou entre a eclosão do acidente e a chegada ao local, tendo confirmado o teor daquele auto, do qual consta, no tocante às condições ambientais meteorológicas, “chuva intensa” (fls. 30 da ação apensa).
Estas condições atmosféricas reportam-se, porém, às existentes aquando da chegada da patrulha da GNR ao local, e não, necessariamente, aquelas que existiam no momento do sinistro.
Nesta conformidade, considerando que a resposta dada pelo Tribunal recorrido encontra suporte suficiente e plausível nas declarações de parte do autor, que não se mostram contrariadas pelo auto de participação, nem por qualquer outro meio de prova, entende-se inexistir razões que imponham a alteração da resposta dada.
Improcede, por isso, a impugnação neste ponto.
*
Ponto 32 dos factos provados.
Resposta impugnada:
“32. Com os seus dois rodados direitos totalmente sobre a berma asfáltica situada do lado direito da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo”.
Resposta pretendida:
- Não provado; ou
- “32. Imobilizado na hemi-faixa de rodagem situada do lado direito da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo (…)”.
Defende a Recorrente que esta matéria não deveria ter resultado provada, porque das declarações de parte do Autor/recorrido resultaria apenas que o veículo ligeiro de passageiros se encontrava encostado do lado direito da estrada, não tendo sido «dito em momento algum que este tinha os rodados completamente sobre a berma asfáltica do lado direito».
Carece, no entanto, de razão.
Atendendo às declarações prestadas pelo Autor E. B., indicou este que, quando circulava na estada nacional nº 103 que liga Barcelos a Viana, no sentido de marcha ...-Viana do Castelo, conduzindo o motociclo de matrícula NE, ao aproximar-se dum entroncamento situado entre os dois semáforos, após passar o primeiro semáforo que se encontrava desativado, avistou, do lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, um veículo automóvel parado na berma/valeta, com o pisca do lado direito. Esclareceu que o veículo ligeiro estava parcialmente na berma/valeta (ocupava metade da hemi faixa e metade da berma), não se encontrando junto ao eixo da via, mas sim na valeta.
E a referida testemunha M. F., soldado da GNR que elaborou a participação de acidente de viação, relatou que o condutor do veiculo segurado lhe disse que encostou à direita, junto à casa, porque a ideia dele era fazer inversão de marcha, mas lá deve ter visto que não conseguia fazer a inversão, apercebeu-se do motociclo a vir, mas calculou mal o tempo, tendo-se dado o acidente e assumindo a responsabilidade (“a culpa”) pela verificação do mesmo.
Mais esclareceu que o ligeiro encostou-se à direita para fazer a inversão, sendo que o “miúdo ia na faixa dele e quando o carro vai fazer a inversão, ele não tem tempo de travar e tenta desviar-se para o lado esquerdo e bate”.
Conjugados estes dois depoimentos com as fotografias constantes de fls. 56 vº a 58 da acção apensa, é possível inferir que ao encostar o veículo de matrícula DN à casa de habitação existente na margem direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, ou seja, ...-Viana do Castelo, este ficou com os seus rodados direitos totalmente sobre a berma direita do mesmo lado.
Nessa medida, não merece censura a decisão proferida sobre o ponto 32 dos factos provados.
*
Pontos 36, 37, 43, 47 e 57 dos factos provados e das alíneas qqqq) e rrrr) dos factos não provados.
Ponto 36 dos factos provados.

Ponto impugnado:
“36. Perante a presença do veículo de matrícula DN, imobilizado e parado, nas circunstâncias atrás referidas o Autor, condutor do motociclo de matrícula NE, reduziu a velocidade de que se seguia animado.
A referida facticidade foi confirmada pelo autor E. B., em sede de declarações de parte, o qual referiu – no seguimento do relato supra explicitado – que, ao avistar o veículo automóvel na berma, parado, com o pisca do lado direito, abrandou, e apercebeu-se que tinha espaço suficiente para passar entre o carro e a linha da hemi-faixa de rodagem.
Mais referiu que, no momento em que estava a ultrapassar o veículo segurado (mal passou a traseira), este começou a virar, para o lado esquerdo, saindo da berma e atravessando-se na sua frente (“meteu-se no meio estrada”, tendo o Recorrido tentado travar para evitar o embate. mas não o tendo conseguido.
Inexiste qualquer outra prova que infirme a referida facticidade.
Acresce que a testemunha M. F., soldado da GNR, referiu que o condutor do veículo ligeiro lhe disse que encostou junto à casa existente do lado direito da hemi-faixa de rodagem, porque o seu propósito era fazer inversão de marcha; tendo-se apercebido da aproximação do motociclo calculou mal o tempo e quando realizou a manobra de inversão de macha ou inversão do ilhéu deu-se a ocorrência do acidente, assumindo que a culpa era dele.
No tocante ao apuramento da matéria de facto irreleva saber se, tratando-se de um cruzamento, o condutor do motociclo podia ou não realizar uma manobra de ultrapassagem ao veículo imobilizado.
Nesta medida, é de manter a resposta ao ponto impugnado.
*
Ponto 37 dos factos provados.
Ponto impugnado:
37. E com os rodados do motociclo de matrícula NE sobre a linha média da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... -, tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo, prosseguiu, dessa forma, a sua marcha, por forma a descrever uma trajectória rectilínea, certa e inalterável.
A explicitação da resposta ao ponto em apreço emerge já da motivação antecedente, por referencia às declarações de parte do autor E. B., que aqui se dão por reproduzidas.
Encontrando-se o ligeiro imobilizado, parcialmente na berma/valeta (ocupando metade na hemi faixa e metade na berma), não se encontrando junto ao eixo da via, mas sim na valeta, admite-se que o motociclo tivesse espaço suficiente para realizar, com segurança, a manobra de ultrapassagem do veículo ligeiro.
*
Ponto 43 dos factos provados.
Ponto impugnado:
43. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, reiniciou a sua marcha e penetrou, totalmente, com o referido veículo, em toda a largura correspondente à metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido Nascente-Poente, ou seja, ...-Viana do Castelo”.
Além de confirmado pelas declarações de parte do autor E. B., a referida facticidade infere-se igualmente do depoimento da testemunha M. F., soldado da GNR, o qual na sua perceção e com base no que o condutor do veículo segurado lhe referiu, concluiu que o ligeiro encostou-se à direita para fazer a inversão de marcha, circulando o condutor do motociclo na hemi faixa de rodagem direita atento o seu sentido de marcha, sendo que o carro iniciou uma manobra de mudança de direção (embora fale em inversão de marcha), e o condutor do motociclo, atenta a sua proximidade, não teve tempo de travar e tentou desviar-se para o lado esquerdo e bateu no ligeiro, daí os dois veículos terem ficado imobilizados no lado esquerdo da hemi faixa de rodagem.
Estando o veículo ligeiro imobilizado parcialmente na berma e apercebendo-se o respetivo condutor da aproximação do motociclo, a manobra por si entretanto encetada de mudança de direcção, impedindo o sentido de marcha ao motociclo, tem de considerar-se como “súbita, brusca, imprevista e inopinada”.
Donde o reconhecimento da culpa na eclosão do acidente por parte do condutor do veiculo segurado.
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Ponto 47 dos factos provados.
Ponto impugnado:
47. Numa altura em que o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor – E. B. -, se encontrava já no preciso local da deflagração do acidente”.
A motivação da resposta ao ponto em causa emerge já da fundamentação anterior, mormente da percepção do acidente reproduzida pelo soldado da GNR que tomou conta da ocorrência do acidente, que aqui se dá por reproduzida.
Termos em que improcede a referida impugnação da matéria de facto.
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Ponto 50 dos factos provados.
Ponto impugnado:
50. E essa colisão verificou-se entre a parte frontal, ao nível da roda da frente, do motociclo de matrícula NE e a parte lateral esquerda frente, ao nível do guarda-lamas e da roda, do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN”.
Diversamente do aduzido pela recorrente, o Tribunal “a quo” não se estribou apenas nas declarações de parte do autor E. B., mas também no depoimento da testemunha M. F., soldado da GNR, que tomou conta da ocorrência do acidente, bem como no auto de participação de acidente constante de fls. 44 e 45.
*
Ponto 57 dos factos provados.
Ponto impugnado:
57. Após a deflagração do acidente o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN reconheceu que a culpa na sua produção era única e exclusivamente sua”.
A demonstração dessa facticidade emerge do depoimento da testemunha M. F., soldado da GNR, que elaborou a participação do acidente de viação, o qual confirmou que, aquando da tomada de declarações aos condutores intervenientes para elaboração do respetivo auto, o condutor do veículo ligeiro disse-lhe que a culpa pela verificação do acidente era dele, o que foi vertido no referido auto (“tornando-se o possível culpado”).
Nesta conformidade, é de secundar a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao ponto impugnado.
Nesta conformidade, são de secundar as respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos pontos impugnados, improcedendo a pretensão impugnatória em apreço.
*
Ponto 93 dos factos provados.
Ponto impugnado:
93. O Autor receou pela própria vida”.
Embora o Autor E. B. e a sua mãe R. B. tenham respondido afirmativamente à questão diretamente colocada, e não se questionando que o autor tenha sofrido um enorme/valente susto, entrou em pânico, teve medo, padeceu de dores e estava a chorar quando a mãe foi ter com ele à urgência, não resultando dos autos que tenha perdido a consciência, afigura-se-nos antes que, em face dos concretos danos sofridos e da sua extensão (relembre-se que teve alta hospitalar no dia seguinte, pelas 10h), deverá dar-se tão só como provado que o mesmo receou pela sua condição física, e não pela sua vida. O receio pela própria vida, a ter ocorrido, terá sido manifestamente desproporcional e não objetivada. Acresce que não é por o autor verbalizar essa ideia que a mesma deverá necessariamente ser dada como demonstrada, pois não condiz com a gravidade das lesões evidenciadas.
Assim, altera-se o ponto impugnado, que passará a valer com a seguinte redação:
93. O Autor receou pela sua condição física”.
*
Ponto 95 dos factos provados.
Ponto impugnado:
«95. Como QUEIXAS das lesões sofridas, o Autor apresenta:
(…)
. a nível situacional:
(…)
- perdeu, totalmente, a performance física inerente à sua idade, para a prática de diversas actividades desportivas, que impliquem a corrida;
(…)».
No tocante à matéria em apreço, mais do que o depoimento das testemunhas ou as declarações de parte do autor, dado o seu cariz técnico e específico, sobreleva o teor do relatório pericial médico, onde se especificou que o Autor E. B. ficou a padecer de um Prejuízo de Afirmação Pessoal no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, considerando as limitações que ficou permanentemente a padecer em face das actividades desportivas e de lazer e que praticava à data do acidente (cfr. fls. 471)
Nesta conformidade, afigura-se-nos que a resposta dada não poderá manter-se, pois que embora decorrendo que o autor perdeu, em parte, a performance física inerente à sua idade, para a prática de diversas actividades desportivas que impliquem a corrida, não resulta que essa perda tenha sido total.

Consequentemente, altera-se o ponto impugnado, que passará a valer com a seguinte redação:
- perdeu, parcialmente, a performance física inerente à sua idade, para a prática de diversas actividades desportivas, que impliquem a corrida;
*
Ponto 106 dos factos provados.
Ponto impugnado:
«106. Os factos descritos nos pontos precedentes causam-lhe um profundo, intenso e inultrapassável desgosto».
Entende a Recorrente que o tribunal “a quo” não deveria ter dado como provado que o desgosto sofrido pelo Autor E. B. é "inultrapassável".
Admite-se que o referido segmento será de manter, porquanto, não obstante o juízo subjetivo e de futurologia que o mesmo comporta, a verdade é que dos depoimentos das testemunhas I. R., B. F. e P. C., amigos do Autor, bem como do depoimento da sua mãe R. B., ressalta que o facto de o Autor ter ficado impossibilitado de continuar a praticar o desporto que praticava desde criança (hóquei em Patins) lhe provocou um desgosto que se mantém - e manterá indelevelmente -, sendo notória essa tristeza, por exemplo, sempre que o mesmo vai assistir uma partida de Hóquei.
Pelo exposto, deve ser mantido o segmento em discussão.
*
Ponto 121 dos factos provados.
Ponto impugnado:
«121. Esporadicamente, o Autor pode necessitar de ingerir medicação analgésica e anti-inflamatória, até ao fim da sua vida».
Entende a Recorrente que, do relatório médico do IML, nada consta quanto à toma de analgésicos, referindo inclusivamente que: “(…) face ao quadro sequelar considerado como resultante do evento em apreço não se considera nem se prevê, de forma certa e segura, a necessidade de tratamentos regulares, seguimento clínico regular nem outro tipo de dependências.”
E o Perito Médico nomeado pelo Autor, nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, “referiu que, esporadicamente, poderia o Autor ter de tomar medicação analgésica. No entanto, não indicou que seria uma situação que o iria seguir para o resto da sua vida”.
Pois bem, embora seja certo que o perito não indicou que tal toma ocasional de medicação analgésica e anti-inflamatória se imporá até ao final da vida do autor, certo é que o quadro traçado para a necessidade daquela toma - no caso de uma dor ou de um esforço acrescido, ou nas mudanças de tempo (na variável de temperatura e humidade) – aliado ao facto da irreversibilidade das sequelas que o autor padece em consequência do acidente, permitem concluir, com elevada probabilidade, que tal carecimento se verificará até ao fim da sua vida, não sendo expetável que com o avançar da idade essa necessidade cesse; pelo contrário, as regras da experiência comum e da normalidade da vida dizem-nos que essa demanda tenderá a aumentar.
Improcede, pois, a impugnação do aludido ponto.
*
Pontos 138 e 139 dos factos provados.
Pontos impugnados:
«138. Sofreu o Autor J. G. um grande desgosto, ao ver o seu motociclo muito amolgado e desfigurado.
139. Tinha o motociclo de matrícula NE, em grande apreço».
Sendo tarefa eminentemente subjetiva a de quantificar a intensidade da dor ou, no caso, de um desgosto, a verdade é que dos elementos probatórios não decorre que, em consequência dos danos sofridos pelo motociclo, tenha sido grande o desgosto sofrido pelo Autor J. G..
Além de ter adquirido o referido motociclo há apenas cerca de dois meses, no mercado dos usados, em muito bom estado de conservação, com aspecto de novo, de ser um amante do motociclismo, coleccionador de veículos de duas (02,00) rodas, um assíduo frequentador de concentrações de motociclistas e praticante de passeios de motociclo, a verdade é que, como bem refere a recorrente, tudo indica que o veículo acidentado era um veículo utilitário, que era também utilizado pelo filho nas suas deslocações de escola ou pessoais.
Por outro lado, não se tratando de um clássico, nem decorrendo da prova produzida que o referido motociclo lhe merecia um especial papel de destaque ou de tratamento, inexiste fundamento para concluir que o tinha em grande apreço.
Nesta conformidade, a matéria objeto do ponto 139 dos factos provados merece a resposta de não provada, sendo transferida para o elenco dos factos não provados (com a alínea xxxx), ao passo que o ponto 138 dos factos provados passará a valer com a seguinte redação:
«138. O Autor J. G. ficou desgostoso ao ver o seu motociclo amolgado e desfigurado».
*
Das alíneas qqqq) e rrrr) dos factos não provados.
As referidas alíneas têm a seguinte redação:
«qqqq) O embate, entre as viaturas acima descritas, acontece quanto o ligeiro realiza uma manobra de mudança de direcção, saindo da Estrada Nacional n.º 103 para entrar na Avenida de ....
rrrr) O motociclo, tentou efectuar uma manobra de ultrapassagem ao ligeiro de passageiros quanto este se encontrava a realizar a manobra de mudança de direcção».
No tocante à referida matéria fáctica remete-se para as considerações explicitadas a propósito da impugnação da decisão sobre os pontos dos 36, 37, 43, 47 e 57 dos factos provados, das quais decorre a não demonstração dos factos impugnados, cuja resposta negativa se mantém.
*
Pelo exposto, nos termos assinalados, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto (10).
*
2. Quanto ao processo principal.
2.1. Da responsabilidade civil pela eclosão do acidente de viação.
A sentença recorrida considerou como verificados os pressupostos de que depende o dever de indemnizar a cargo da demandada, estabelecidos no art. 483º, n.º 1, do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC), por ter concluído pela atuação ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na ré.
A recorrente contrapõe, defendendo que o condutor do motociclo foi o único responsável pelo sinistro em causa, atendendo a que não soube adequar a marcha do seu veículo às condições da estrada onde seguia, sendo de noite e a chover, efectuando uma manobra proibida para o local onde circulava, a velocidade a que seguia não era a adequada, porquanto não lhe permitiu parar no espaço visível à sua frente.
Subsidiariamente, a considerar-se que alguma responsabilidade pela ocorrência do sinistro poderia ser atribuída ao condutor do ligeiro de passageiros, esta teria de ser “repartida”, atribuindo-se numa maior proporção para a responsabilidade do Autor.
Vejamos.
A responsabilidade civil emergente de acidente de viação tanto pode basear-se na culpa do condutor (art. 483º, n.º 1, do CC), como no risco (art. 503º, n.º 1, do CC).
Estabelece o art. 483º, n.º 1, do CC que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Trata-se da responsabilidade civil subjetiva, extracontratual, delitual ou aquiliana pela prática de factos ilícitos.
São os seguintes os pressupostos que se têm de verificar para que surja, na esfera do lesante, a obrigação de indemnizar: (i) o facto voluntário; (ii) a ilicitude da conduta; (iii) a imputação do facto ao lesante a título de culpa; (iv) o dano; e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Como primeiro requisito da responsabilidade exige-se que se esteja perante um comportamento humano susceptível de ser controlado ou dominável pela vontade.
Este comportamento consiste, em regra, num facto positivo (apropriação ou destruição de coisa alheia, afirmação de um facto injurioso ou difamatório), que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. Mas pode também traduzir-se num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão (11). Para tanto é necessário que exista, por força da lei ou de negócio jurídico, um especial dever jurídico de atuar que, com toda a probabilidade, evitaria a consumação do evento (art. 486º do CC).
Do facto voluntário excluem-se aquelas situações de caso fortuito ou de força maior como sejam as forças naturais invencíveis.
Para que exista responsabilidade é, ainda, necessário que o facto do agente seja ilícito, em termos de violar um direito de outrem ou de qualquer norma destinada a proteger interesses alheios.
Quanto à culpa, como pressuposto da responsabilidade, tem de verificar-se se a atuação do lesante foi em termos de merecer reprovação ou censura do direito em face da sua capacidade e circunstâncias concretas, pois que poderia e deveria ter agido de outro modo (12).
Nestes termos, o lesante apenas pode ser censurado quando, estando em condições de compreender o valor e o alcance dos seus atos, não tenha feito o devido uso das suas capacidades.
A culpa pode revestir duas formas diferenciadas: i) o dolo ou ii) negligência ou mera culpa.
Nos termos do art. 487º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas, cabendo, por regra, ao lesado o ónus de alegação e prova da culpa do autor da lesão - n.º 1 do citado preceito -, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra.
O critério legal de apreciação da culpa afere-se em abstrato, ou seja, a existência de culpa e a individualização da modalidade de dolo ou de neglicência determinam-se perante o caso concreto, mas atendendo ao critério de uma pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente. Assim, não releva o comportamento que o agente habitualmente mantém, mas antes aquele que deve ou devia observar e este é aquele que, no contexto em consideração, uma pessoa regularmente vigilante deveria ter observado (13).
Como pressuposto da responsabilidade civil é necessário, também, que se tenha produzido um prejuízo que na sua vertente patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.
O dano patrimonial é susceptível de avaliação pecuniária directamente reparável através de reconstituição específica da situação anterior à lesão ou pela via indireta da atribuição de uma prestação pecuniária; ao invés, dano não patrimonial é o que tem por objeto um interesse não patrimonial, ou seja, um interesse não avaliável em dinheiro (abrangendo não só as dores físicas ou morais, mas também a diminuição de prestígio ou de reputação pública).
Por último, a obrigação de indemnizar implica que entre o ato ilícito e culposo e o prejuízo exista uma relação causal, o mesmo é dizer que o primeiro possa ser considerado a causa jurídica do segundo (14).
Dispõe o art. 563º do CC: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
É entendimento quase unânime na doutrina que o citado normativo acolhe a teoria da causalidade adequada.
Quando o facto ilícito se traduz na produção de um acidente de viação algumas particularidades resultam.
Como já atrás salientamos, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão (cfr. art. 487º, n.º 1, do CC).
Assim, cumpre ao lesado o ónus de demonstrar ter o lesante praticado voluntariamente actos integradores de negligência simples – v.g. omissão dos deveres normais de diligência – ou de negligência presumida – violação de preceitos destinados a proteger interesses alheios.
As dúvidas quanto a ter-se como provada a culpa deparam-se quando o lesado apenas consegue demonstrar uma situação objetiva de culpa: - apenas resulta demonstrado que o condutor lesante causou o dano estando fora da sua meia faixa de rodagem e invadindo a contrária quando pretendia efetuar manobra de mudança de direcção.
Ora, tem-se entendido que as regras de trânsito, contidas no Código da Estrada, configuram deveres de diligência cuja violação pode servir de base à negligência. Essas regras contêm em si determinados padrões de conduta os quais, visando acautelar prejuízos, devem ser acatados pelos seus destinatários (15).
Nesses casos meramente objetivos de violação de uma regra estradal, não se pode concluir, sem mais, ter tal conduta resultado da vontade do lesante ou, por outras palavras, afirmar-se a culpa pela forma positiva.
Para obviar à rigidez do princípio de que a alegação e prova dos factos incumbe ao lesado tem-se entendido que a regra do n.º 1 do art. 487º do CC deve ser compreendida “cum grano salis”, sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável.
Como forma de aligeirar tal ónus probatório deve ter-se em conta a prova da primeira aparência, pela demonstração de certos factos através de presunções naturais ou judiciais alicerçadas na experiência comum.
É, aliás, jurisprudência pacífica e corrente que, em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação provocado por uma contra-ordenação ao Código da Estrada, existe presunção judicial de culpa contra o respectivo infractor (cfr. art. 351º do CC), cabendo, então, a este (leia-se, o responsável civil) infirmar esses factos por simples contraprova, bastando para o efeito que faça prova de factos que criem a dúvida ou incerteza no espírito do julgador da existência daqueles factos, sob pena de responder a título de culpa (16), considerando-se, para o efeito, que a inobservância das leis e regulamentos, faz presumir a culpa da produção dos danos dela decorrentes, dispensando a comprovação concreta da falta de diligência, já que, “por se estar perante normas legais de proteção de perigo abstracto, a conduta infractora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior” (17).
Enunciados que estão os pressupostos da responsabilidade civil, e antes de entrarmos no exame e análise específicos do quadro factual que subjaz ao evento, convirá situar e delimitar a “regra” ou “regras” estradais concretamente aplicáveis.
Como é sabido, a circulação rodoviária obedece a regras e prescrições, cujo cumprimento e acatamento é indispensável, sob pena de se originarem e provocarem eventos, algumas vezes altamente danosos.
Princípio geral em matéria de trânsito rodoviário é o de que todo o condutor se deve comportar prudentemente, agindo sempre com o objectivo de não comprometer com a sua condução a segurança do tráfego.
Nesse sentido estabelece o n.º 2 do art. 3º do Código da Estrada que “as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis”.
Ora, do exame sumário do quadro factual, decorre que a situação haverá de ser analisada tendo em atenção os preceitos dos arts. 12º, n.º 1, 13º, n.º 1, 29º, n.º 1, 31º, n.º 1, alínea a), 35º, n.º 1 e 44º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada.
Com efeito, estão em causa as normas estradais que regulam o início de marcha, a posição de marcha, a cedência de passagem em certas vias ou troços e a mudança de direção para a esquerda.

Os citados normativos prescrevem:
Os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente” (art. 12º, n.º 1).
“A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes” (art. 13º, n.º 1).
O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste” (art. 29º, n.º 1).

Deve sempre ceder a passagem o condutor:
a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular” (art. 31º, n.º 1, al. a);
O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito” (art. 35º, n.º 1).
O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação” (art. 44º, n.º 1).
Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias” (art. 44º, n.º 2).
No caso submetido à nossa apreciação, mantendo-se inalterada a matéria de facto, dúvidas não subsistem quanto à responsabilidade do condutor do veículo automóvel segurado na produção do acidente de viação.
Com efeito, mostra-se provado que, no dia 10 de maio de 2017, pelas 00,53 horas, ocorreu um embate na Estrada Nacional nº. 103 – Avenida ... –, no qual foram intervenientes o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor E. B., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN, conduzido pelo proprietário J. B..
A Estrada Nacional nº. 103 - Avenida de ... -, no local da deflagração do acidente, configura um troço de recta, tendo a faixa de rodagem uma largura de 07,00 metros; o seu piso era pavimentado a asfalto, as duas margens apresentavam bermas, também pavimentadas a asfalto, delimitadas, em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103, através de uma linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade: linha delimitadora contínua – Marca M19 e o tempo estava nublado.
No preciso local da deflagração do acidente, a Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ... – configura um entroncamento.
A Estrada Nacional nº. 103 permite o trânsito automóvel nos seus dois sentidos de marcha, encontrando-se a respetiva faixa de rodagem subdividida em duas hemifaixas de rodagem distintas.
No aludido dia, pelas 00,53 horas, o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor E. B. transitava pela Estrada Nacional nº. 103 – Avenida de ..., no sentido Nascente-Poente, ...-Viana do Castelo, pela metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha, sendo que o seu farol dianteiro seguia ligado e aceso, comutado na posição de médios.
Ao aproximar-se do preciso local da deflagração do acidente, o Autor E. B. apercebeu-se de que, à sua frente, se encontrava, aí, imobilizado e parado, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula DN, conduzido pelo seu proprietário J. B., com a sua parte frontal apontada no sentido Poente, em direcção a Viana do Castelo e com os seus dois rodados direitos totalmente sobre a berma asfáltica situada do lado direito da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103, tendo em conta o sentido ...-Viana do Castelo, com os seus faróis traseiros e frontais ligados e acesos e os seus sinais luminosos (“piscas”), do lado direito, em funcionamento, de forma intermitente.
Perante a presença do veículo de matrícula DN, imobilizado e parado, o condutor do motociclo de matrícula NE reduziu a velocidade de que se seguia animado e com os rodados do motociclo sobre a linha média da metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103, tendo em conta o sentido ...-Viana do Castelo, prosseguiu, dessa forma, a sua marcha, por forma a descrever uma trajectória rectilínea, certa e inalterável.
Contudo, ao chegar ao preciso local da deflagração do acidente, em frente ao número de polícia “120”, ali existente, na margem direita da Estrada Nacional nº. 103 - Avenida de ... -, depois de o Autor E. B. ter guinado o motociclo que tripulava, ligeiramente para o seu lado esquerdo, foi embater contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
O condutor do referido veículo automóvel, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, reiniciou a sua marcha e penetrou, totalmente, com o referido veículo, em toda a largura correspondente à metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., tendo em conta o sentido ...-Viana do Castelo e atravessou, completamente, o referido veículo automóvel em toda a largura correspondente à metade direita da faixa de rodagem da dita Estrada Nacional.
Visava concretizar a referida manobra de mudança de direcção à sua esquerda e de penetração na faixa de rodagem da Avenida de ..., que ali entronca com a Estrada Nacional nº. 103/Avenida de ..., pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido ...-Viana do Castelo, por onde naquele preciso momento transitava o motociclo de matrícula NE, conduzido pelo Autor E. B..
A colisão verificou-se entre a parte frontal, ao nível da roda da frente, do motociclo de matrícula NE e a parte lateral esquerda frente, ao nível do guarda-lamas e da roda, do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN.
Após a deflagração do acidente o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN reconheceu que a culpa na sua produção era única e exclusivamente sua.
Subscrevendo a conclusão extraída na sentença recorrida, os factos apurados permitem inequivocamente concluir que “o condutor do veículo seguro na ré omitiu as precauções ou cuidados impostos pela circulação rodoviária que lhe teriam permitido evitar o acidente e que estaria em condições de prever – nomeadamente, não regulou a sua velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, pudesse, em condições de segurança, executar a manobra de mudança de direcção que se propunha”. “E não fosse esse seu comportamento o acidente nunca teria ocorrido”.
O mencionado condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula DN não podia desconhecer que se encontrava sujeito a um especial dever de cuidado. Era-lhe exigível, de acordo com o critério do bonus pater familias, que empregasse no acto de condução a diligência necessária para evitar qualquer embaraço para a circulação rodoviária, designadamente cumprindo as normas a que se encontrava sujeito.
Estando provado que aquele condutor actuou em contra-ordenação ao disposto nos arts. 3º, nº 2, 12º, n.º 1, 13º, n.º 1, 29º, n.º 1, 31º, n.º 1, alínea a), 35º, n.º 1 e 44º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, e dada a ausência de prova de quaisquer factos que possam pôr em dúvida ou destruir a presunção de que age com culpa quem, em contravenção aos preceitos estradais, causa danos a terceiros, forçoso será concluir que a produção do evento ilícito é assacada a título de censura ético-jurídica (culpa) àquele condutor.
Em contrapartida, relativamente ao Autor E. B., condutor do motociclo de matrícula NE, os dados apurados permitem-nos concluir que este seguia em observância às regras estradais, em nada tendo contribuído para a ocorrência do acidente.
Nesta conformidade, confirmando-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula DN na produção do acidente e mostrando-se provados todos os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos da recorrente, improcede este fundamento da apelação.
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2.2. Do valor indemnizatório fixado (€ 8.912,00) para indemnização do período de repercussão da actividade formativa parcial (486 dias) do autor/recorrido E. B..
Na sentença recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” arbitrou o valor indemnizatório de 8.912,00€ (18), pelo período de repercussão na actividade formativa parcial de 486 dias que as lesões e tratamentos implicaram ao autor.
Para tanto aduziu tratar-se de um dano emergente indemnizável, pelo que, dado que o autor era estudante à data do acidente, socorrendo-se da equidade (art. 566º, n.º 3, do CC), tomou como referência para o arbitramento da indemnização devida a este título o valor fixado para o salário mínimo nacional então vigente (€557,00), assim alcançando o valor de € 8.912,00.
Entende, porém, a Recorrente que a referida repercussão na actividade formativa deve ser valorada em sede de dano não patrimonial, devendo já integrar o valor de € 25.000,00 que a este título foi fixado.
E, ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, entendemos assistir razão na impugnação deduzida.
Como é sabido, no âmbito da responsabilidade civil, como condição essencial, limite e escopo da obrigação de indemnizar, é imprescindível que haja dano, o que leva a que se diga que a responsabilidade civil tem uma função essencialmente reparatória/ressarcitória (sendo acessória e subordinada a sua função preventiva ou sancionatória).
Não contendo a nossa lei uma noção ou definição legal, o dano pode ser definido como toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, como "a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, como a lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente como uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante por ser tutelada pelo Direito" (19).
A responsabilidade civil tem em vista "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (art. 562.º do C. Civil), visando colocar o lesado na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo.
O citado normativo substantivo civil consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando Antunes Varela (20), «a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar».
Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, compreendendo aqueles, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes.
A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566º, n.º 1, do CC –, sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos – n.º 2 do art. 566º do CC –, sem deixar de se avaliar, em concreto, o dano sofrido.
Ora, situando-nos no âmbito dos danos patrimoniais, e não se mostrando provado que, em consequência do acidente de trânsito, do internamento hospitalar, da intervenção cirúrgica, do período de acamamento que lhe seguiu e da necessidade de frequentar consultas médicas e tratamento de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – Fisioterapia – a que se viu na necessidade de se submeter, o Autor reprovou no exame de fisico-química, no décimo segundo (12º.) anos, pelo que perdeu um ano da sua vida académica [als. kkk) e lll) dos factos não provados] na sentença é, aliás, feita expressa menção ao facto de não ter sido demonstrado o nexo de causalidade entre o acidente e a perda do ano escolar , carece de fundamento imputar o referido prejuízo a um dano emergente, na medida em que o autor era estudante e não está demonstrado que fosse beneficiário de proventos.
Sendo inquestionável que o referido dano se repercutiu na esfera jurídica do autor, a sua caracterização/valoração deveria ser feita em sede de dano biológico na vertente de dano não patrimonial, e não como se de um dano patrimonial autónomo se tratasse.
De outro modo, tal equivaleria a colocar o autor numa situação idêntica à de um trabalhador, que, auferindo o salário mínimo nacional, tivesse sofrido uma incapacidade temporária geral total (ou, na terminologia legal atual, um défice funcional temporário total) no período equivalente a 486 dias, o que é de rejeitar.
Procede, por conseguinte, este fundamento da apelação, impondo-se nesta parte a revogação da sentença.
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2.3. Do valor indemnizatório fixado pela perda de capacidade de ganho e consequentes danos futuros (€ 80.000,00).
O Tribunal “a quo” fixou a quantia de € 80.000,00 para indemnização do dano biológico, na vertente do patrimonial futuro, sofrido pelo recorrido E. B., em consequência do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer por força do sinistro.
Entende a recorrente que essa quantia é excessiva, escusando-se, porém, a indicar o valor indemnizatório que entende por adequado e justo.
Vejamos como decidir.
Por dano patrimonial ou material entendem-se todos aqueles prejuízos que, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão diretamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) pelo menos indiretamente (por meio de equivalente ou de uma indemnização pecuniária) (21).
O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
A reconstituição “in natura” é substituída pela indemnização em dinheiro “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” (art. 566.º, n.º 1, do CC).
Como resulta do critério legal, acolhido pelo art. 566º, n.ºs 2 e 3 do CC, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o art. 564.º do mesmo diploma legal:
«1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Extrai-se deste preceito legal que os danos futuros, para serem passíveis de indemnização, têm que ser previsíveis.
Assim, pode dizer-se que no dano patrimonial compreende-se também as utilidades futuras e simples expectativas de aquisição de bens.
O dano pode causar-se por dois modos, quer privando o terceiro daquilo que tem, quer impedindo-o de adquirir o que estava a caminho de ter.
Um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral (22).
Como vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (23), a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária. Trata-se, assim, neste âmbito de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro.
Tal dano consiste numa “incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade” (24).
É questão controversa a natureza do dano biológico [patrimonial, não patrimonial, mista ou tertium genus] (25).
A afetação da integridade físico-psíquica, designada como dano biológico, pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial (26).
Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.
Na sua dimensão patrimonial o dano biológico tem sido perspetivado na vertente de lucros cessantes, enquanto perda de capacidade de ganho ou, como hoje se designa, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, na medida em que respeita a incapacidade funcional (27).
Afirma-se, repetidamente, que esta incapacidade funcional, mesmo que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e que dela não resulte perda ou diminuição de vencimento, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.
Aliás, atualmente não oferece controvérsia que o facto de o lesado não exercer, à data do facto lesivo, qualquer profissão remunerada não afasta a existência de dano patrimonial pela incapacidade funcional de que o mesmo ficou a padecer em consequência dessa lesão, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens, sendo que a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida, capaz de propiciar rendimentos (28).
Como se salienta no Ac. do STJ de 25/11/2009 (relator Raúl Borges), in www.dgsi.pt., “neste leque, cingindo-nos agora à incapacitação para o trabalho, encontrar-se-ão os indivíduos lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, da vida activa laboral, e considerando a duração cronológica de vida, seja a montante – caso das crianças e dos jovens, ainda estudantes, ou não, mas que ainda não ingressaram no mundo laboral –, seja, a juzante, com os reformados/aposentados, que dele já saíram, sem esquecer os que estando fora destes parâmetros temporais, situando-se pela sua idade no período de vida activa, estão porém fora daquele mercado, porque desempregados (…)”.
Nas palavras de Maria da Graça Trigo (29), «é possível formular a seguinte conclusão: se, ao longo da segunda metade do século XX, bem como dos primeiros anos do século XXI, a jurisprudência nacional foi aperfeiçoando os critérios a ponderar na fixação equitativa da indemnização por danos patrimoniais futuros (traduzidos em perda de rendimentos) causados pela incapacidade laboral específica, isto é, causada pela afectação da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional à data da ocorrência da lesão física, os procedimentos utilizados não tinham em conta – ao menos de forma sistemática – a circunstância de que a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica das vítimas é, também ela, susceptível de determinar perdas de rendimentos e, portanto, danos patrimoniais futuros. Esta omissão mostrava-se especialmente evidente nas seguintes situações:
a) Situação de lesado menor de idade que, em razão da idade, não exerce qualquer profissão no momento do evento danoso;
b) Situação de lesado que, não sendo afectado na sua capacidade laboral específica, é, porém, afectado na sua capacidade laboral genérica;
c) Situação de lesado que, em razão de circunstâncias várias de idade, saúde, dedicação à família, etc., não exerce profissão à data de ocorrência da lesão, sendo, contudo, afectado na sua capacidade laboral genérica.
Na peculiar evolução que a utilização do conceito de dano biológico tem tido na jurisprudência nacional, pode, com segurança, afirmar-se que, com tal utilização, se pretendeu precisamente dar resposta a este tipo de situações».
Em idêntico sentido, propugnando que este dano tem expressão patrimonial, Rita Mota Soares (30) considera que, nessa óptica, «também àqueles que não exerçam ainda atividade remunerada (v.g. estudantes), àqueles que dela estejam privados (vg., desempregados), àqueles que já não se encontram no período de vida ativa (vg. Reformados e pensionistas) e àqueles que, apesar da incapacidade, mantenham a mesma profissão e/ou logrem uma reconversão que lhes assegure idêntico rendimento, assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial, apesar de não haver perda da capacidade de ganho».
O conceito de dano biológico é hoje predominantemente utilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para designar a afectação da integridade física-psíquica de uma pessoa, o mesmo é dizer que o significado com que mais frequentemente é usado é o correspondente «à de consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, aferida em função das Tabelas da incapacidade geral ou genérica em Direito Civil» (31).
Daí que se conclua que à atribuição do dano biológico na sua vertente patrimonial é suficiente, em princípio, que exista uma incapacidade ou diminuição da capacidade funcional do lesado; esta, sendo determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado, afetá-lo-á para o resto da vida, criando-lhe diversos constrangimentos no exercício da sua atividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras; assim, mesmo quando o lesado não fica impedido de trabalhar e, por isso, não se regista uma perda automática de rendimentos, existe uma perda que se reflete economicamente e que deve ser indemnizada como dano biológico patrimonial/dano patrimonial futuro.
Em suma, o dano biológico abrange um leque alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, compreendendo igualmente a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional do lesado, impliquem ainda assim esforços suplementares no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual (32).
Em jeito de conclusão, e socorrendo-nos novamente do supra citado estudo de Maria da Graça Trigo (33), «[c]om ou sem a denominação de dano biológico, o que importa, em nome do princípio da reparação integral dos danos, é assegurar que diversamente do que sucedia no passado, se indemnizem as vítimas não apenas pela perda de capacidade laboral específica para a profissão exercida à data do evento lesivo, mas também pela perda de capacidade laboral geral que as afectará ao longo do resto da vida».
Assim, o facto de não se ter provado que o demandante teve uma efetiva perda de rendimentos pois que, sendo estudante à data do acidente, não estava ainda integrado no mercado de trabalho, nem auferia proventos , não constituiu qualquer excludente da atribuição do dano biológico, na vertente patrimonial.
De facto, o caso dos autos, no qual foi dado como provado que, na sequência das sequelas resultantes do acidente de viação, foi atribuído ao A. um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 ponto, à data do acidente frequentava o décimo segundo (12º.), na Escola Secundária de ..., em Viana do Castelo e, aquando do julgamento na 1ª instância, frequentava o quarto ano do Curso de Engenharia Mecânica, na Faculdade de Engenharia Mecânica, da Universidade de ..., sendo que, com a sua Licenciatura/Mestrado em Engenharia Mecânica, pretende, na sua vida profissional, exercer a profissão de Engenheiro Mecânico, enquadra-se na hipótese supra indicada na alínea c): situação de lesado que, em razão da idade, não exerce ainda profissão à data de ocorrência da lesão (pois era estudante, encontrando-se prestes a concluir a sua formação académica), ficando, porém, afectado na sua capacidade laboral genérica.
Acresce que a relevância a atribuir à afectação da capacidade geral diz respeito não apenas ao período de vida activa do lesado (ou seja, até ao período que medeia entre a data da lesão e a data da sua previsível reforma), mas também para além dela. Deve assim ter-se em conta a esperança média de vida do lesado, uma vez que as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão.
Em suma, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual, nem se traduza em perda de rendimentos (de trabalho).
Daí ser manifesto o seu relevo enquanto dano biológico (como dano futuro previsível), sendo, por isso, passível de indemnização (art. 564.º, n.º 2, do CC).
Assente a ressarcibilidade deste dano, importa, de seguida, atentar na questão do cálculo da sua indemnização.
Essa perda da capacidade geral de ganho – quando, como no caso, não se traduz na perda de rendimentos da profissão (pois o autor, à data do acidente, era estudante) –, não sendo possível quantificá-la, em termos de exatidão, através da aplicação da fórmula estabelecida no art. 562º do CC, impõe ao Tribunal que julgue equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no art. 566º, n.º 3, do CC.
O cálculo do quantum indemnizatório, fixado para reparação pela perda da capacidade geral de ganho, tem pois, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade (34).
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o cálculo dessa indemnização, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores (35): (i) a idade do lesado e a sua esperança média de vida; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; (iv) conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as suas habilitações e/ou formação; e (v) jurisprudência anterior (por referência a decisões temporalmente próximas e nas quais estejam em causa situações fácticas essencialmente similares).
Desenvolvendo este último ponto dir-se-á que a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso concreto (36). Nas palavras do ac. do STJ de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”.
O que significa que, aquando da fixação da indemnização, o julgador deverá ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito aos casos análogos (art. 8º, n.º 3, do CC), a qual é, aliás, uma imposição do princípio da igualdade (art 13º, n.º 1, da CRP) (37).

Considerando, pois, que na situação em apreço nos autos:
i) - o autor nasceu em - de março de 1999, tendo 18 anos à data do acidente, o que lhe confere uma esperança de vida longa (38);
ii) Em consequência das lesões sofridas, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física-psíquica de 8 pontos;
iii) A consolidação médico-legal definitiva das lesões sofridas pelo autor foi fixada no dia 14 de setembro de 2018, tendo à data 19 anos;
iv) Ao tempo do sinistro, frequentava o décimo segundo (12º.), na Escola Secundária de ..., em Viana do Castelo;
v) A determinação do cálculo da referida indemnização é dificultada pelo facto de o autor ser estudante à data do embate, não exercendo qualquer profissão ou atividade remunerada;
vi) Tal dificuldade é, contudo, atenuada se se atender que à data da audiência de julgamento o autor frequentava o curso de Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia Mecânica, da Universidade de ..., estando na iminência de o concluir; concretamente, frequentava o quarto ano do referido Curso e com a sua Licenciatura/Mestrado pretende, na sua vida profissional, exercer a profissão de Engenheiro Mecânico;
vii) - É possível conjeturar acerca da sua evolução educacional e profissional e da sua carreira profissional ou dos rendimentos que da mesma poderá auferir, por forma a calcular aproximadamente e com base em critérios de equidade a quantia ajustada a compensar os efeitos patrimoniais futuros das sequelas permanentes de que ficou a padecer.
viii) - É de afastar o recurso à retribuição mínima mensal garantida ou ao salário mínimo nacional como ponto de partida para a quantificação desta indemnização (pelo miserabilismo que lhes está associado).
ix) - Afigura-se justo um critério que, partindo do valor médio correspondente ao salário de um licenciado em Engenharia Mecânica, tome em consideração as saídas profissionais do curso superior frequentado pelo autor e os vencimentos aí praticados em início de carreira, podendo, desta forma, alcançar-se o valor de € 1.200,00 (como fixado na sentença recorrida);
x) - Não teve qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, sendo este da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo segurado.
xi) - Convertendo o enunciado enquadramento numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, alcançamos um quantum indemnizatório orientador, fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva, relativamente ao Autor [(€1.200,00 x 14 meses x 57 anos) x 0,08) x 1%], condizente ao valor de € 68.948,16 (39).
Contudo, o valor alcançado através da referida fórmula matemática – e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório – terá de ser necessariamente temperado através do recurso à equidade (arts. 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3, do CC), de modo a introduzir um elemento corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de factores dinâmicos que não são subsumíveis ao referido cálculo objetivo, tais como: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, atendibilidade, ou não, do «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente.
Por outro lado, tendo em atenção como se disse serem aplicáveis critérios de equidade e a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (art. 8º, n.º 3, do CC), vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelos nossos Tribunais Superiores em situações fácticas com alguma similitude com a dos autos:
- Acórdão do STJ de 10/02/2022 (relator Vieira e Cunha): autor com 21 anos à data da consolidação das lesões, com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 14 pontos, esperança média de vida de 79 anos, perspectiva de aumento de rendimentos por valorização académica, a existência de inflação, anulando, ao menos tendencialmente, a remuneração do juro de uma aplicação bancária, considerou equitativa a quantia indemnizatória no montante de € 60.000,00.
- Acórdão do STJ de 19/10/2021 (relator Manuel Capelo): considerou respeitar os imperativos de equidade uma indemnização do dano biológico (por dano futuro) no montante de € 300.000,00 referente a um sinistrado que à data do acidente tinha 23 anos, que estava a realizar a sua formação universitária na área da segurança informática e ficou afectado com o membro superior esquerdo completamente paralisado e sem funcionalidade e uma IPG de 62,00 pontos.
- Acórdão do STJ de 11/04/2019 (relator Oliveira Abreu): autor, nascido no dia - de maio de 1999; padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 46 pontos; as sequelas de que ficou a padecer são compatíveis com o exercício da atividade de estudante do Autor/AA, implicando esforços suplementares, sequelas que, no entanto, condicionarão, de forma indelével as suas opções profissionais futuras, sendo que o Autor/AA ingressou, em setembro de 2017, no curso de licenciatura; a indemnização a título de perda de ganho futuro foi arbitrada na quantia de € 390.000,00;
- Acórdão do STJ de 10/11/2016 (relator Lopes do Rego): autora, então com 18 anos de idade, ficou a padecer de uma IPG de 31,20%, com possibilidade de agravamento futuro, envolvendo impossibilidade absoluta para o exercício da atividade profissional habitual e de todas as que envolvam componente significativa de esforço físico (e que eram as imediata e efetivamente acessíveis às capacidades naturais e habilitações da lesada antes do acidente); a indemnização como ressarcimento dos danos patrimoniais futuros situou-se no montante de € 100.000,00.
- Acórdão do STJ de 09/07/2014 (relator Alves Velho): menor de 16 anos à data do acidente, que vai ficar para o resto da vida com sequelas tão graves que atingem o nível da tetraplegia a que corresponde uma incapacidade permanente geral de 70%; foi considerado justo e equitativo fixar a indemnização, a título de diminuição da capacidade de ganho, na quantia de € 275.000,00.
- Acórdão do STJ de 08.05.2012 (relator Nuno Cameira): autora à data do acidente com 19 anos, estudante do 12º ano, tendo ficado a padecer com uma incapacidade permanente geral de 7%, a que acrescerão 2% no futuro, decidiu ser justo e equitativo o valor atribuído pelas instâncias no montante de € 39.000,00 a título de danos futuros associados à IPP de que a autora ficou a padecer.
- Acórdão do STJ de 19.04.2012 (relator Serra Baptista): autor nascido em 21 de janeiro de 1987 e que, em 2011/2012, perfez 24/25 anos de idade; desde então, com uma esperança de vida de cerca de 53/54 anos (78 – 24/25); sofreu, por via do acidente, de que foi único culpado o condutor do veículo seguro na ré, uma IPG de 13%, agravando-se as lesões para o futuro, entendendo-se como mais adequado o arbitramento da quantia de € 35.000,00 a título de indemnização por danos futuros.
- Acórdão do STJ de 30/09/2010 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza): autora tinha 17 anos e era estudante à data do acidente e da propositura da ação; a incapacidade resultante do acidente – 20% de IPP – é compatível com o exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares; considerou que o montante encontrado pelo acórdão recorrido – € 80.000,00 – a titulo de danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, corresponde a uma correção significativa (para mais) em relação ao resultado a que se chega utilizando o montante de € 900,00 mensais, permitindo considerar preenchidos os fatores elencados tendentes à fixação duma indemnização ressarcitória daqueles danos, pelo que o manteve, rejeitando quer o seu aumento, quer o seu abaixamento.
- Acórdão do STJ de 25/06/2009 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza): autora, estudante à data do acidente, e que em virtude deste não se pode integrar no mercado de trabalho; em consequência desse evento ficou a sofrer de uma incapacidade parcial permanente muito acentuada (50%, 53% de futuro) e de graves limitações no que respeita ao exercício futuro de uma atividade profissional. O Supremo manteve a indemnização arbitrada pela Relação, no valor de € 110.000,00, a título danos patrimoniais decorrentes da incapacidade parcial permanente, negando a revista.
- Acórdão da RG de 17/12/2019, processo n.º 6651/18.0T8BGR.G1 (prolatado por este Tribunal Coletivo): Autora, contando 21 anos de idade à data do acidente, frequentando então o 1º ano do curso de engenharia informática, que em consequência do embate e sequelas dele emergentes ficou a padecer de um défice permanente da integridade física psíquica fixado em 3 pontos, compatível com o exercício da sua atividade estudantil, mas implicando esforços suplementares, faltando-lhe à data do julgamento algumas cadeiras para concluir a licenciatura, teve por adequado o montante de 25.000,00 € fixado pela 1ª instância a título da indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da afetação da integridade física e psíquica sofrida pela Autora;
- Acórdão da RG de 25/05/2016 (relatora Ana Cristina Duarte): considerou adequada a fixação de uma indemnização de € 180.000,00, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, a favor de uma jovem de 18 anos, estudante universitária, com défice funcional permanente de 22 pontos;
- Acórdão da RG de 29/10/2015 (relatora Anabela Tenreiro): lesada, vítima de atropelamento em plena passadeira, que, à data do acidente, tinha 13 anos de idade e sofreu uma limitação grave do membro inferior (encurtamento de 3,8 cm), não havendo atualmente qualquer garantia de correção da dismetria a nível cirúrgico; foi fixada uma indemnização do dano patrimonial futuro no montante de € 40.000,00.
- Acórdão da RG de 27/10/2014 (relator Filipe Caroço): autora que ainda não entrou no mercado do trabalho e, à data da consolidação médico-legal, tinha cerca de 19 anos; as sequelas de que ficou a padecer determinam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos; partindo da referência dum vencimento mensal médio de € 750,00 considerou afigurar-se justa e equitativa a fixação da indemnização pelo dano biológico em € 23.000,00.
- Acórdão da RG de 05.06.2014 (relator Jorge Teixeira): lesado era menor (7 anos), estudante, não exercendo qualquer atividade profissional remunerada e ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 18 pontos, sendo que, em termos de rebate profissional (estudante), as sequelas são compatíveis com o exercício dessa atividade, mas implicam esforços suplementares e à data do embate frequentava o 2º ano da Escola EB11 da …, em Ponte de Lima; foi decidido não ser de alterar o valor atribuído a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes da perda da capacidade aquisitiva, fixado em € 90.000,00.
- Acórdão da RG de 15.10.2013 (relator António Fernandes dos Santos): autor com 15 anos de idade à data do “acidente, então estudante [frequentava o 10.º ano do ensino secundário, na área de “Artes” e, tendo mais tarde frequentado o 12º ano de escolaridade, não o veio a concluir], era antes do acidente uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído e sem qualquer defeito aparente, tendo ficado a padecer de uma IPP de 6 pontos; como referência foi considerada uma remuneração mensal não inferior a uma vez e meia o salário mínimo nacional vigente à (€727,50€); A Relação aumentou a indemnização arbitrada a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro e relacionada com a perda da capacidade aquisitiva de ganho do demandante, fixando-a em € 13.500,00.
*
Tudo ponderado, considerando que o Autor nada contribuiu para os danos sofridos, a repercussão dos mesmos na sua vida pessoal e na sua atividade de estudante e, ulterior e previsivelmente, na sua atividade profissional, a capacidade económica da obrigada à indemnização, tendo por base critérios equitativos, em conformidade com o disposto no citado n.º 3 do art. 566º do Código Civil, não se tem por desadequado o montante de 80.000,00 € fixado pela 1ª instância pelas consequências patrimoniais da afectação da capacidade geral ou funcional do lesado (o denominado “dano biológico”), em virtude do acidente a que aludem os autos. Com efeito, situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adotados pelos nossos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não há razões para dele dissentir.
Improcede, por conseguinte, este fundamento da apelação.
*
2.4. Do valor indemnizatório fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais (€ 25.000,00).
Embora a recorrente mencione discordar do valor arbitrado a título de danos não patrimoniais (conclusão CXXVI), a verdade é que nas suas conclusões, bem como no corpo das alegações, não especifica qualquer razão concreta para a sua discordância, o que obsta à apreciação dessa pretensão recursória.
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3. Quanto ao processo apenso.
3.1. - Da (indevida) atribuição de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido J. G..
Na ação instaurada o autor J. G. reclamou, a esse título, o valor de € 2.300,00, em virtude do enorme desgosto que sofreu ao ver o seu motociclo muito amolgado e desfigurado.
A Mmª Juíza “a quo”, entendendo que “os factos provados nos pontos 138 a 145 assumem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade”, reconheceu e fixou o dano não patrimonial no valor de € 1.000,00.
Em sede de apelação, a apelante/seguradora (autor) sustenta não haver lugar à atribuição de tais danos.
Cumpre, pois, averiguar se há (ou não) lugar à atribuição dos questionados danos não patrimoniais.
Na sua vertente não patrimonial, o dano abrange os prejuízos (como, por exemplo, as dores físicas, os desgostos morais ou por perda de capacidades físicas ou intelectuais, os vexames, sentimentos de vergonha, estados de angústia, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (40).
No que concerne aos danos não patrimoniais, a obrigação de indemnização decorre do disposto no art. 496º, n.º 1, do CC, no qual se estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O citado normativo não determina quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral que é o da gravidade desses danos. Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano merece ou não a tutela do direito.
Considera a jurisprudência que dano grave, merecedor da tutela do direito, não terá de ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade (41).
Isto é, um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação (42).
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (43), «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)». O mesmo é dizer que a gravidade deve ser apreciada em termos objetivos, evitando estados de especial sensibilidade do lesado (44).
Já os simples incómodos ou as meras contrariedades não serão, em regra, suficientes para justificar uma indemnização. De igual modo, está vedada a indemnização dos danos considerados triviais ou banais.
Por conseguinte, para serem indemnizáveis exige-se que os danos não patrimoniais sejam graves e que mereçam, por essa gravidade, a tutela do direito.
A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, nele distinguindo, como mais significativos e importantes, o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, designadamente na vertente familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica, o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar), que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o encurtamento na expectativa de vida, o “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida (45).

Retornando ao caso concreto, mostra-se provado que:
- O Autor J. G. ficou desgostoso ao ver o seu motociclo de matrícula NE amolgado e desfigurado, pois havia-o comprado, embora no mercado dos usados, em muito bom estado de conservação, com aspecto de novo;
- O Autor é um amante do motociclismo;
- Coleccionador de veículos de duas (02,00) rodas;
- E um assíduo frequentador de concentrações de motociclistas;
- E praticante de passeios de motociclo;
- Sozinho e acompanhado de colegas e amigos praticantes da modalidade.

Ora, com o devido respeito por entendimento contrário, consideramos que o sentimento evidenciado pelo Autor em consequência do sinistro dos autos – desgosto sofrido por ver o seu motociclo danificado – não reveste um tal grau de gravidade que mereça o reconhecimento do direito a danos não patrimoniais.
Na realidade, o dano em causa não se afigura ser excepcional.
E nem sequer se nos afigura que exorbite a mediania, nem que ultrapasse as fronteiras da banalidade em relação aqueles que sofre (sente) qualquer lesado que se vê confrontado com a perda do respetivo veículo em consequência de acidente de viação do qual não é responsável.
Contudo, essa situação sintomatológica, por si só, não configura a existência de danos que justifiquem a tutela do direito.
Sabido que a única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade (art. 496º, n.º 1, do CC), os simples incómodos ou o mero desgosto (danos não patrimoniais ou morais) sofridos pelo Autor em consequência da perda do veículo não são suficientes para justificar uma indemnização, por não serem, só por si, merecedores da tutela do direito
Pelo exposto, impõe-se a procedência da apelação na parte respeitante ao não reconhecimento da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela perda do motociclo, com a consequente revogação, nessa parte, da sentença recorrida.
*
3.2. - Do valor atribuído pelos danos patrimoniais sofridos pelo motociclo de matrícula NE.
Sustenta a recorrente que o Tribunal recorrido não tinha fundamento para considerar que o motociclo tinha o valor de € 2.800,00, quando o Autor não fez prova do valor real do mesmo, prova que lhe cabia, não obstante ter alegado que valia € 3.000,00.
Neste campo mostra-se provado tratar-se de um motociclo, da marca “HONDA”, modelo “CBR”, 125 R 10-14, de 125 centímetros cúbicos de cilindrada, propulsionado a gasolina, construído no ano de 2012, o qual havia sido comprado, pelo Autor J. G., no mercado dos usados, no mês de março de 2017, em perfeito estado de novo, pelo preço de 3.000,00 €, e na altura da ocorrência do acidente contava, percorridos, apenas 5.336,00 quilómetros.
O Autor J. G. sempre lhe havia prestado boa assistência, tanto à sua parte mecânica, como à sua estrutura, recolhendo-o, diariamente, em garagem privativa; e nunca havia sofrido qualquer acidente de trânsito, além do que deu origem à presente acção.
Em face da enunciada facticidade concorda-se que a desvalorização existe, mas é meramente residual.
Ora, recorrendo à equidade, e partindo da situação concreta e das suas especificidades próprias – ponderado, tal como na instância recorrida, as concretas características do motociclo do autor (em estado de novo); o custo da sua aquisição do motociclo (3.000,00 €) no mercado dos usados; o curto período da utilização desde a sua aquisição até à ocorrência do acidente (adquirido cerca de dois meses antes da data do acidente); era objeto de zelosa conservação; por estar inserto no mercado dos usados é comercialmente irrelevante o facto de ter passado a ter mais um proprietário registado –, temos por adequado, proporcionado e justo, o montante indemnizatório encontrado na decisão recorrida, correspondente a um valor de € 2.600,00, já deduzido o valor dos salvados.
Termos em que improcede este fundamento da apelação.
*
4. De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito, acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Como a apelação, quer quanto ao processo principal, quer quanto ao processo apenso, foi julgada parcialmente procedente, tanto a recorrente, como os recorridos, E. B. e J. G., ficaram parcialmente vencidos no recurso, pelo que devem os mesmos ser responsabilizados pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação) na proporção do respetivo decaimento.
*
Síntese conclusiva:
I - Ao lesado que não exerça ainda atividade remunerada (estudante) assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial (em resultado da afectação da sua capacidade geral ou funcional), apesar de não haver perda da capacidade de ganho.
II - Situando-se o juízo prudencial e casuístico feito na sentença recorrida dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adotados pelos nossos Tribunais Superiores em casos análogos ou similares, não havendo razões para dele dissentir, deve o mesmo, no âmbito do recurso de apelação, ser mantido.
III - Para serem indemnizáveis, exige-se que os danos não patrimoniais sejam graves e que mereçam, por essa gravidade, a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil).
IV - As simples contrariedades ou os meros incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para justificar uma indemnização, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 496º do CC.
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VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré Seguradora e, em consequência, revogam a sentença recorrida:
- Quanto à ação principal:
i) na parte em que condenou a R. Companhia de Seguros Y, S.A a pagar ao Autor E. B. a quantia de €8.912,00 (oito mil novecentos e doze euros), a título de perdas decorrentes do período de repercussão temporária na actividade formativa total, acrescida de juros legais de 4% ao ano, contada desde a data da citação da ré para a acção e até efectivo e integral pagamento, absolvendo nessa parte do pedido a ré.
- Quanto à ação apensa:
ii) na parte em que condenou a R. Companhia de Seguros Y, S.A a pagar ao Autor J. G. a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, absolvendo nessa parte do pedido a ré.
iii) Quanto ao mais (ação principal e apensa), manter e confirmar a sentença recorrida [ressalvando-se que o valor total da indemnização devida ao autor E. B. cifra-se na quantia total de € 119.352,55 (cento e dezanove mil, trezentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) e ao Autor J. G. na quantia de € 2.600,00 (dois mil e seiscentos euros)].
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Custas do recurso e da ação na 1ª instância a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
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Guimarães, 15 de setembro de 2022

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Ver, por todos, o Ac. da RG de 19/05.2011 (relator Raquel Rego), in www.dgsi.pt, bem como a doutrina e jurisprudência no mesmo citadas; ver, ainda, o estudo de João Paulo Remédio Marques, “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)favoráveis ao Depoente ou à Parte Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, Revista Julgar, n.º 16, janeiro-abril/2012, pp. 137/172.
3. Cfr. Estrela Chaby, O Depoimento de Parte em Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, p. 49.
4. Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., p. 307.
5. Dando conta dos constrangimentos do direito à prova e dos desequilíbrios entre as partes que o anterior regime processual civil era suscetível de causar, Paulo Pimenta dá, como exemplo, o caso de um acidente entre viaturas conduzidas pelos respetivos proprietários, em que sendo proposta ação para efetivação de responsabilidade civil por um dos condutores, o autor/condutor (parte) não poderia depor salvo com intuito confessório, enquanto o segurado (e também condutor) poderia depor como testemunha arrolada pela ré (seguradora). Outro exemplo, no domínio das relações negociais entre duas sociedades comerciais, intervindo, de um lado, o gerente ou administrador e, de outro, o diretor comercial, sendo que na respetiva ação judicial o diretor comercial pode depor como testemunha arrolada pela entidade patronal, mas o gerente ou o administrador, porque legais representantes da sociedade, apenas poderão depor em sede de depoimento de parte. Outro exemplo retira-se das ações que tenham por objeto relações jurídicas indisponíveis, como a ação de divórcio, em que não é possível requerer o depoimento de parte do outro cônjuge com vista a produzir prova, por não ser admissível confissão (cfr. Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 385/386).
6. Cfr. Ac. da RP de 29/06/2017 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt.
7. Cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2014 - 2ª ed., 2014, Almedina, p. 395.
8. Cfr., a título exemplificativo, Acs. da RP de 15/09/2014 (relator António José Ascensão Ramos), 17/12/2014 (relator Pedro Martins), 20/11/2014 (relator Pedro Martins), de 23.03.2015 (relator José Eusébio Almeida), de 2014/12/17 (relator M. Pinto dos Santos) e Ac. da RE de 17/01/2019 (relator Manuel Bargado), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
9. Cfr., Neste sentido, do valor probatório próprio e mesmo eventualmente autossuficiente das declarações de parte, entre outros, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2017, Almedina, pp.362/366, Luís Filipe Pires de Sousa Direito Probatório Material Comentado, 2020, Almedina, pp. 277/288; na jurisprudência, Ac. do STJ de 7/02/2019 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), Ac. do STJ de 11/07/2019 (relator Bernardino Domingos), Ac. da RG de 13/09/2018 (relatora Margarida Sousa), Ac. da RG de 4/04/2019 (relatora Maria João Matos), in www.dgsi.pt.
10. Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se os pontos fácticos objeto de alteração nos termos supra explicitados.
11. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, pp. 527/528,
12. Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 536.
13. Cfr. José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, pp. 371/372.
14. Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, p. 630.
15. Cfr. Dario Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., Almedina, 1987, p. 167.
16. Cfr. Acs. do STJ de 29/04/98 (relator Costa Marques), de 10/05/2007 (relator Pereira da Silva), de 28/11/2013 (relator Lopes do Rego) e de 23/02/2016 (relator João Silva Miguel); Ac. da RP de 07/10/2010 (relator Filipe Caroço) e Ac. da RC de 16-03-2016 (relatora Maria Catarina Gonçalves), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Ac. RP de 29/03/2007 (relator Teles de Menezes), in www.dgsi.pt.
18. E não de 25.000,00€, como refere o recorrido nas contra-alegações.
19. Cfr. Ac. do STJ de 09/07/2015, in CJ, 2015, T. II, p. 164 e o Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 5/07/2021 (relator António Barateiro Martins), in Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26.
20. Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 598.
21. Cfr. Antunes Varela, obra citada, pp. 600/601.
22. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 580.
23. Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 21/03/2013 (relator Salazar Casanova), disponíveis in www.dgsi.pt.
24. Cfr. Ac. do STJ de 6/07/2004 (relator Ferreira de Almeida) e Ac. da RL de 22/11/2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt.
25. Entre nós, existem três correntes essenciais no que concerne à categorização do dano biológico: i) uma parte da jurisprudência (maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; ii) outra corrente admite que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral, segundo uma análise casuística, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial [cfr. Ac. do STJ de 27/10/2009 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.]; iii) uma terceira posição propugna que o dano biológico é um dano base ou dano-evento, que é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial [cfr. Acs. do STJ de 20/05/2010 (relator Lopes do Rego) e de 10/10/2012 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.]. Para mais desenvolvimentos, ver o Ac. da RL de 22.11.2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt.; na doutrina, Maria da Graça Trigo, Obrigação de Indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Editora, pp. 69/86; Rita Mota Soares, “Poderes/Deveres da Relação na Reapreciação da Matéria de Facto. O Dano Biológico Quando da Afetação Funcional não Resulte Perda da Capacidade de Ganho – O Princípio da Igualdade”, Revista Julgar, n.º 33, 2017, pp. 111-135 e Maria da Graça Trigo, “O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo», Revista Julgar, n.º 46, 2022, pp. 257/270.
26. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 7/04/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), de 29/10/2020 (relator Nuno Pinto Oliveira), de 6/05/2021 (relatora Margarida Blasco) todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 23/04/2020 (relatora Catarina Serra), proc. n.º 1456/16.5T8VCT.G1.S1, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1456.16.5T8VCT.G1.S1/
27. Com exceção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais [por exemplo, Ac. da RP de 11/10/2016 (relator Rui Moreira Guimarães) e Ac. desta Relação de 12/09/2019 (relatora Conceição Sampaio), in www.dgsi.pt.], para as demais correntes este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar (cfr. Rita Mota Soares, estudo e obra citados, p. 122).
28. Cfr. Acs. do STJ de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres) e de 10/11/2016 (relator Lopes do Rego), ambos in www.dgsi.pt.
29. Cfr. O conceito de dano biológico (…), p. 262.
30. Cfr. Estudo e obra citados, p. 123/124.
31. Cfr. Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico (…), p. 269, acrescentando a citada autora que esse «significado coexiste com outros, designadamente com o de dano biológico como consequência não patrimonial de uma lesão psicofísica».
32. Cfr. Acs. do STJ de 7/06/2011 (relator Manuel Granja da Fonseca), de 2/06/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 12/01/2017 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/05/2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), disponíveis in www.dgsi.pt.
33. Cfr., O conceito de dano biológico (…), p. 269.
34. Cfr. Ac. do STJ de 23/05/2019 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt.
35. Cfr., Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico (…), p. 267 e Acs. do STJ de 7/05/2014 (relator João Bernardo), de 19/02/2015 (relator Oliveira Vasconcelos), de 4/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 7/04/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), de 14/12/2016 (relatora Maria da Graça Trigo) e de 24/02/2022 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
36. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
37. A observância desta regra, apelidada por Miguel Teixeira de Sousa de “jurisprudência constante”, “incrementa a confiança no sistema jurídico, na medida em que o sentido das decisões dos tribunais se torna previsível e expetável” e “através da previsibilidade que fornece às decisões dos tribunais, (...) é um importante facto de confiança” (cfr. Introdução ao Direito, Almedina, 2021, p. 138).
38. Segundo dados disponibilizados pelo INE, a esperança média de vida dos indivíduos nascidos em 1999 cifra-se em 76, sendo de 72,5 para indivíduos do sexo masculino e 79,7 para indivíduos do sexo feminino – cfr. elementos disponíveis in www.pordata.pt. (Portugal/ Esperança de vida à nascença: total e por sexo (base: triénio a partir de 2001, com a última atualização de 2022-08-09).
39. Seguimos aqui a formulação aludida no Ac. do STJ de 11/04/2019 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt. Considerando que o montante indemnizatório a arbitrar, pela perda da capacidade aquisitiva futura, irá ser entregue de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, em termos financeiros, impondo-se considerar esses proveitos, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido introduzir um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa da responsável civil, condizente a uma taxa de juro de 1%, julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco.
40. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª ed., Almedina, p. 571.
41. Cfr. Ac. do STJ de 4/03/2008 (relator Alves Velho), www.dgsi.pt.
42. Cfr. Ac. do STJ de 24/05/2007 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt.
43. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 499.
44. Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 304.
45. Cfr. Ac. do STJ de 6/07/2000, CJSTJ, Ano VIII – T. II, 2000, pp. 145.