Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1502/06.0TBVRL-A.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: INVENTÁRIO
TRANSMISSÃO
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Tendo o inventariado falecido e deixado como seus herdeiros a mulher e os pais, que morreram posteriormente sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, a filha destes e irmã do inventariado é interessada na partilha não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – RELATÓRIO.


Nos presentes autos de inventário, que corre termos no Tribunal da Comarca de Vila Real, por óbito de António … e em que exerce as funções de cabeça de casal sua mulher Maria …, foi proferido despacho que decidiu admitir a intervir nos autos, como herdeira legítima, por direito de representação, a interessada A…, irmã do inventariado.

Inconformada, dele veio interpor recurso o cabeça de casal.
*
Concluiu as suas doutas alegações nos seguintes termos:
1. O inventariado faleceu no estado de casado, sem descendentes, tendo deixado, no momento da abertura da herança, como seus herdeiros legítimos a sua viúva, aqui cabeça-de-casal e recorrente, e os seus pais.
2. Em data posterior à abertura da herança, faleceram os pais do inventariado.
3. O inventariado deixou uma irmã, A…, ainda viva e que se encontra casada com o requerente do inventário B…. Todavia,
4. O direito de representação não funciona relativamente aos descendentes dos pais do autor da herança e, por outro lado, os irmãos integram uma classe inferior à do cônjuge na escada dos sucessíveis.
5. Como está previsto no artigo 2143.º do C.C., “Se algum ou alguns dos ascendentes não puderem ou não quiserem aceitar, no caso previsto no nº1 do artigo anterior, a sua parte acresce à dos outros ascendentes que concorram à sucessão; se estes não existirem, acrescerá à do cônjuge sobrevivo.” Daí que, no presente inventário, a cabeça-de-casal, viúva do inventariado, é a única herdeira legítima do seu falecido marido.

Conclui pela procedência do presente recurso com a consequente revogação do despacho ora em crise.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, embora por diversa fundamentação jurídica.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra, acrescida da seguinte:
O inventariado faleceu em 15 de Agosto de 1991, no estado de casado, sem descendentes, tendo deixado no momento da abertura da herança, como seus herdeiros legítimos a sua viúva (aqui cabeça de casal) e os seus pais, António … e Maria ….
Estes últimos, vieram a falecer em data posterior à abertura da herança – a 17/09/91 e 1/12/92, respectivamente - e deixaram uma filha, A…, ainda viva, casada no regime da comunhão geral de bens com B…

Põe-se em causa o acerto da decisão do Tribunal a quo de admitir no presente inventário, como herdeira legítima, a interessada A…, irmã do inventariado.
Nela se entendeu que essa intervenção era feita por direito de representação, contra a qual se insurge a recorrente alegando ser a única herdeira, sendo de realçar que a arguida prescrição do direito não se inclui no objecto do presente recurso, pelo que dele não conheceremos.

Impõe-se, então, saber se a irmã do de cujus é interessada no inventário e, em caso afirmativo, se por representação ou por transmissão do direito de suceder.
A regra basilar, em sede de direito sucessório, é a de que o momento da abertura da sucessão é o momento da morte. Diz o artº 2031º do Código Civil que «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele». Daí decorrem um sem número de consequências, de que é principal a retroacção de todo o fenómeno sucessório, com implicações quanto à verificação da sobrevivência dos sucessíveis.
Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – artº 2023º - a que se apelida de vocação ou chamamento.

A regulamentação concernente ao direito de representação consta dos artºs 2039 a 2045º do Código Civil, dizendo-se no primeiro que ela ocorre quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado.
Neste caso, o representante é chamado tendo em conta a sua relação com o representado, que não entra na sucessão.
Já, porém, na transmissão do direito de suceder ocorre uma dupla transmissão, posto que pressupõe que «o transmissário fosse benefiário de uma vocação e morresse sem ter aceitado nem repudiado. O seu sucessível teria de aceitar a herança para encontrar dentro dela o direito de suceder ao autor da primeira sucessão. O transmitente tem de poder suceder ao autor, e o transmissário ao transmitente, mas não o transmissário ao autor.
Na representação, não há sucessão do autor da sucessão para o representado, e é indiferente que a haja deste para o representante. O representante tem de ter legitimidade em relação ao autor, mas não precisa de a ter em relação ao representado» - Direito Civil, Sucessões, Oliveira Ascensão, Coimbra Editora, 1981, pag.187.
A diferença, portanto, é que a transmissão do direito de suceder é derivada, adquirida por transmissão e no direito de representação, a vocação é originária.
Nas palavras de Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, vol.I, pag.313), o direito de transmissão pressupõe que o sucessível tenha falecido e que este falecimento se dê após a abertura do de cujus sem que o chamado tenha exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, ao invés do direito de representação, que postula estar o sucessível impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado.
Também se colhe dos ensinamentos de Pereira Coelho (Direito da Sucessões, Lições ao curso de 1973-1974), que «enquanto o direito de representação pressupõe que o representado não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado – que não chegou a ser chamado ou respondeu não ao chamamento sucessório -, o direito de transmissão, pelo contrário, pressupõe que o chamado à sucessão faleceu sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a herança ou o legado» - pag.125.
E, na página seguinte, pode ainda ler-se: «Enquanto no direito de representação há um só fenómeno sucessório, na transmissão do direito de aceitar operam-se dois fenómenos sucessórios (…) e, por outro lado, enquanto o direito de representação é exclusivamente atribuído (na sucessão legal), aos descendentes dos filhos ou dos irmãos do de cujus (artº 2042), o direito de aceitar ou repudiar transmite-se genericamente aos herdeiros (legítimos ou testamentários) do chamado que não chegou a exercer aquele direito (artº 2058º).
Por força do que se contém no artº 2042º, é pressuposto do direito de representação legal a falta de um parente da 1ª ou 3ª classe de sucessíveis do artº 2133º, resultante de pré-morte, incapacidade por indignidade, deserção, ausência ou repúdio.
No caso que ora nos ocupa, com a abertura da herança eram, inquestionavelmente, seus herdeiros a viúva e os pais do inventariado, posto que eram, estes, ainda vivos.
Morreram, porém, sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, direito esse que, todavia, se integrou na respectiva esfera jurídica e que, com a sua morte, se transmitiu, por via sucessória, à filha, irmã do de cujus.
Por tudo isso, a irmã do inventariado é interessada na partilha, não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder, uma vez que o direito de seus pais de aceitar ou repudiar a herança do filho transmitiu-se genericamente aos herdeiros, na qual se inclui a filha.

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e, embora por diversa fundamentação jurídica, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Guimarães, 11.06.2015
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha

Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora):
Tendo o inventariado falecido e deixado como seus herdeiros a mulher e os pais, que morreram posteriormente sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, a filha destes e irmã do inventariado é interessada na partilha não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder.