Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1301/0.5TBFAF-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Abusa de direito, violando o princípio da boa fé e exercendo de modo disfuncional a sua posição jurídica, o mutuário que enquanto pagou, percebia o que dizia no contrato. Quando deixa de pagar, deixa subitamente de perceber o que lá estava escrito, alega falta de uma cópia do contrato, que o contrato era nulo e que abusivamente a embargada preencheu a garantia que para o efeito lhe tinha entregue.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães-

I. RELATÓRIO
Embargante/executado:
DAVIDE J, executado nos Autos supra à margem melhor identificados.
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Embargada/exequente:
F – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., exequente nos autos supra à margem melhor identificados
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Em apreciação neste recurso temos uma decisão que julgou os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução apensa contra o ora embargante/executado.

Inconformado apela o embargante através deste recurso que termina com as seguintes conclusões:
1ª-). Ao contrário do decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, o contrato de crédito é nulo, atento o disposto nos artigos 6º, nº1 e 7º nº1 do Decreto-lei nº 359/91 de 21.09;
2ª-) E sendo nulo, devem os efeitos da nulidade operar quanto ao aqui recorrente, não podendo ser afastados pelo instituto do abuso de direito;
3ª-). Aliás, a exequente não logrou provar que entregou cópia do contrato ao executado e que lhe comunicou as cláusulas do mesmo;
4ª-) O exercício efectivo, eficaz da autonomia privada impõe que a vontade de contratar por banda dos aderentes aos contratos se encontre bem formada, desde logo com completo conhecimento de todo o clausulado. É imperioso que conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular. Por isso, devem as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato ser dadas a conhecer aos aderentes. É no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa-fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra dos projectos negociais.” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 6760/2005, 3ª Secção;
5ª-). Para que a relação contratual se possa considerar perfeita tem de existir a prévia comunicação, que in casu não existiu, conforme supra se referiu;
6ª-) Não foi feita nenhuma prova, no sentido de ter a exequente cumprido os deveres de informação quanto ao recorrente, pelo que, o mesmo não pode ser responsabilizado pelo pagamento de uma livrança, quando não lhe foi explicado o conteúdo do acordo que motivou o preenchimento da livrança.
7ª-) Não pode o tribunal “a quo”, aplicar o instituto do abuso de direito neste caso, pois não existiu nenhum comportamento do recorrente que pudesse levar a esse entendimento, tendo agido sempre de boa-fé;
8ª-) A exequente não logrou demonstrar que tenha havido entrega ao opoente de um exemplar do contrato de financiamento à data da sua assinatura, como é imposto pelo artigo 6º nº1 do DL nº 359/91 de 21.09, sendo a consequência a nulidade do contrato;
9ª-) O facto de terem sido pagas algumas prestações, pelo recorrente, não pode o tribunal recorrido entender que estamos perante um comportamento abusivo do oponente quando este alega a nulidade do contrato;
10ª-) A aplicação do instituto de abuso de direito no presente caso, é uma interpretação completamente desadequada e desconforme com toda a matéria constante dos autos e resultante da prova produzida e bem assim do próprio instituto de abuso de direito;
11ª-) O abuso de direito previsto no artigo 334º do CC, consiste no exercício de um direito excedendo-se manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito;
12ª-) A clamorosa violação dos limites da boa-fé, bons costumes ou fim do direito deve ser avaliada caso a caso, consoante as circunstâncias, sendo que, no caso do contratante que adere às cláusulas contratuais gerais, a violação dos limites da boa-fé terá de ser muito grave para se concluir pelo abuso do direito, face à especial protecção que a lei lhe concede e sob a pena de esta protecção ser neutralizada. – Ac. do STJ de 28.04.2009;
13ª-). Tem sido entendimento da maioria dos nossos tribunais que o simples facto de a arguição de nulidade ocorrer depois de o contrato já ter sido cumprido durante vários meses, por si só, não chega para constituir abuso de direito;
14ª-). In casu, não lhe foi explicado o conteúdo do contrato que motivou o preenchimento da livrança, nem o pagamento das mensalidades lhe foi transmitido, pelo que não se pode considerar a alegação da nulidade, que se verificou, um abuso de direito;
15ª-). Da matéria de facto dada como provada, retira-se que o recorrente nunca foi cabalmente informado, como deveria, sendo este absolutamente desconhecedor das consequências do incumprimento e do preenchimento da livrança e de todas as consequências resultantes das cláusulas que não lhe foram explicitadas;
16ª-) E ainda que assim não fosse, o facto de já ter decorrido um período de tempo durante o qual o contrato foi cumprido não significa necessariamente que o sujeito criou no proponente uma expectativa de que não irá impugnar a validade do contrato e de que prescindiu de se defender invocando a protecção que a lei lhe atribui acontecendo que, frequentemente, só depois dê decorrido algum tempo, quando ocorre uma situação de incumprimento é que o contratante aderente se apercebe do sentido de algumas cláusulas, veja neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 04.10.2011;
17ª-). Acresce que no caso dos autos, para além de não resultar dos factos provados uma actuação do réu violadora da boa-fé, tem de se considerar que a outorga do contrato não foi conduzida correctamente pela contra parte assumindo uma maior gravidade a omissão de informação, tendo em atenção a expectativa do réu em adquirir o veículo, entendimento aliás, perfilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 15.03.2012, em que foi relator Maria Teresa Pardal;
18ª-). Assim, e tendo em conta tudo o supra referido, deve a declarada nulidade do contrato de crédito, produzir os seus normais efeitos quanto ao recorrente;
19ª-). Ao decidir como decidiu, a sentença recorrido violou, entre outros, o artigo 334º do CC, os artigos 5º, 6º, 7º e 8º do Decreto-Lei nº 446/85 e o artigo 615º, nº1, al. c) do CPC.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada nesta parte a douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a oposição à execução procedente, obstando ao prosseguimento da execução contra o recorrente, no que farão V. Exas, a sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!


Contra-alega a embargada/exequente pedindo a improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

Como resulta do disposto nos art.º 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, nºs 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo Apelante este pretende que se considere a:
a) Nulidade do contrato de mútuo;
b) Inaplicabilidade do instituto do abuso de direito.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
O Tribunal recorrido considerou apurada a seguinte matéria de facto:
1.A Exequente é uma instituição financeira que se dedica à concessão de crédito ao consumo de bens ou serviços.
2.A Exequente alterou a sua denominação social, conforme consta da certidão permanente, que poderá ser consultada em www.portaldaempresa.pt através do código 0552-4571- 3221, motivo pelo qual surge identificada no contrato que celebrou com o Executado como F – Instituição Financeira de Crédito, S.A.
3.No exercício da sua atividade, a Embargada celebrou com o Embargante, a 2 de Julho de 2007, o contrato de mútuo nº 216473, destinado a financiar a aquisição de um veículo automóvel da marca Audi, modelo A4, com a matrícula 54-63-GU, no valor global de € 9.568,11 (nove mil quinhentos e sessenta e oito euros e onze cêntimos), conforme documento junto a fls. 27v e sgs, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4.Nos termos do referido contrato, a Embargada colocou à disposição do Embargante o montante mutuado, ficando aquele obrigado ao pagamento de 36 prestações mensais, no valor de € 259,33 (duzentos e cinquenta e nove euros e trinta e três cêntimos) cada, como se encontra estabelecido nas condições particulares.
5.A Embargada reservou ainda para si a propriedade do veículo, conforme o determinado na cláusula 10. das condições gerais do contrato.
6.Nos termos da mesma cláusula, o Embargante ficou ainda obrigado a entregar à Embargada, uma livrança em branco por si subscrita, como garantia das obrigações assumidas, o que o mesmo fez.
7.No caso de mora no pagamento das prestações acordadas, seria aplicável a taxa de juro fixada no contrato, acrescida da sobretaxa de mora de 4% ao ano, sobre o montante da prestação em atraso e durante o tempo em que a mora se verificasse – cor. cláusula 6. Das condições gerais.
8.Nos termos do contrato celebrado, e tal como referido em 6. da presente contestação, o Embargante entregou à Embargada uma livrança em branco por si subscrita, como garantia do contrato celebrado.
9.Sucede que, a partir de Janeiro de 2008, o Embargante deixou de cumprir as obrigações que assumiu no referido contrato, não pagando pontualmente as prestações a que se encontrava obrigado,
10.pelo que, a Embargada se viu obrigada a proceder à resolução do contrato e ao preenchimento da referida livrança, pelo valor em dívida à data de 20 de Fevereiro de 2010, acrescido dos juros contratualmente estabelecidos, cujo montante global ascendia a € 9.806,10 (nove mil oitocentos e seis euros e dez cêntimos),
11.comunicando tal situação ao Embargante por carta registada com aviso de receção, datada de 22 de Janeiro de 2010, conforme documento junto a fls. 28v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
12.Na referida livrança, foram reclamados os valores relativos às rendas vencidas e não pagas de – Doc. 3: Janeiro de 2008; Abril até Dezembro de 2008; Janeiro até Dezembro de 2009; e Janeiro de 2010.
13.Foram ainda reclamados os valores de € 1.191,09 (mil cento e noventa e um euros e nove cêntimos) relativo aos juros vencidos sobre as prestações vencidas e não pagas,
14. e de € 2.650,42 (dois mil seiscentos e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos) relativos ao capital vincendo, despesas judiciais e extrajudiciais, penalização pela resolução do contrato e despesas do contrato.
15.Apresentada tal livrança a pagamento, o Embargante não procedeu ao pagamento do valor em dívida.
16.A exequente comunicou ao executado o número de prestações, o valor de cada uma delas e data de vencimento das prestações.

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3.2. - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
- A exequente entregou cópia do contrato ao executado e comunicou-lhe as demais cláusulas não identificadas em 16. dos fatos provados.
- O executado/embargante pagou na íntegra o valor mutuado pela exequente.

B) DIREITO
Nas conclusões das suas alegações, o apelante sem impugnar a factualidade provada põe em causa a solução jurídica proclamada na sentença recorrida, pretendendo, outrossim, a sua revogação, por considerar que fez incorrecta interpretação dos preceitos legais que indica.
Vejamos se tem razão.
O recorrente apresenta embargos de executado defendendo-se da seguinte forma:
A livrança ora apresentada à execução é relativa a um contrato de crédito nº 216473.
O certo é que nunca foi entregue ao oponente quaisquer duplicados dos documentos assinados, mormente do aludido contrato.
Nunca lhe foi comunicada e explicada qualquer clausula constante do dito contrato.
Assim o oponente desconhece por completo os termos do contrato que motivou a emissão da livrança dada à execução uma vez que nunca lhe foi cedido qualquer exemplar.
Pelo que as cláusulas do aludido contrato não resultaram de negociação prévia entre as partes.
Nunca as mesmas foram comunicadas ou enviadas ao oponente.
Nunca lhe foram fornecidas as condições contratuais (artºs 17 a 23 da p. de embargos).
Relativamente à livrança o embargante alega que:
Sem prescindir na livrança apresentada à execução não foi oposto qualquer valor;
Nem indicado qualquer data de emissão ou do seu vencimento
Como também não foi convencionado a taxa de juro ou prazo de vencimento;
Na verdade, a livrança em branco deve ser preenchida de harmonia com os termos convencionados pelas partes ou com as cláusulas do negócio determinante da emissão do título.
Porém ao oponente não foi entregue quaisquer duplicados do contrato onde constasse os termos em que a livrança em branco iria ser preenchida.
A livrança foi assim preenchida após ter sido assinada em branco e sem consentimento do oponente.
Que desconhece os seus elementos essenciais.
Não deu qualquer autorização para o seu posterior preenchimento (artºs 33º a 41 da p.i dos embargos).
Depois sob a epígrafe “o direito”, o embargante sustenta que está em causa um contrato de adesão, pelo que as cláusulas se consideram excluídas do contrato deixando de subsistir a força executiva da livrança e que o preenchimento da livrança foi abusivo.
Refira-se ainda que termina a sua oposição alegando que pagou o montante total do financiamento.
Vejamos pois.
Do que resulta dos autos ambas as partes aceitam estarmos perante um contrato de adesão.
Contratos de adesão são aquelas cujas cláusulas contratuais gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar- porque uma das partes se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não sendo ajustados, caso a caso, todos os pontos do programa contratual – cf. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999 pp. 107.
A importância deste tipo de contratos e o reconhecimento de que a «padronização negocial», embora favorecendo o dinamismo económico, pode implicar restrições ou encargos irrazoáveis para o contraente mais fraco e menos prevenido, levou o legislador, na esteira de precedentes estrangeiros, e de recomendações do Conselho da Europa e de directivas comunitárias, a adoptar um regime específico relativamente às cláusulas contratuais gerais, o qual consta do Dec. Lei nº 446/85, de 25/X, alterado pelo Dec. Lei nºs 220/95, de 31/VIII (rectificado pela Declaração de Rectificação nº 114-B/95, de 31/VIII)) e depois pelos Dec. Lei nº 249/99, de 7/VIII, e nº 323/2001, de 17/XII.
Como flui do art. 1º, 1, do mencionado Dec. Lei nº 446/85, “o regime nele consagrado aplica-se às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”.
A protecção do consumidor contra “condições de crédito abusivas” foi, de resto, uma preocupação da então Comunidade Europeia, manifestada na Directiva 87/102/CEE, de 22/12/1986 (alterada pela Directiva nº. 90/88/CEE, de 22/02/1990), que se manteve presente nas Directivas que lhe sucederam com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros nesta matéria – Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5/04/1993 e a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011.
O acento tónico de todas estas Directivas vai no sentido do reconhecimento de um efectivo direito à informação do consumidor.
Dever de informar que, de resto, não se restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais, mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
No direito interno, cumpre ter presente o que estabelecem os artºs. 5º; 6º; e 8º., do Dec. Lei 446/85, de 25 de Outubro.
De acordo com estes normativos “O predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente.
A precedência da comunicação relativamente à adesão destina-se a tornar possível o conhecimento completo e efectivo das cláusulas contratuais gerais por quem use de comum diligência.
Depois, incumbe ainda ao predisponente cumprir o dever de informar a outra parte dos aspectos essenciais compreendidos nas cláusulas, aclarando o que seja necessário aclarar, chamando a atenção para as cláusulas que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que sejam mais desaforáveis para o aderente verificadas determinadas circunstâncias – v.g. se não forem cumpridos os prazos de pagamento acordados (o que em direito se traduz conceptualmente pela mora)”.
José Manuel Araújo de Barros distingue (e bem) a “comunicação” da “informação” dizendo que “visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual”, a primeira procura garantir “o conhecimento efectivo” desta proposta contratual e na informação “pressupõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente”, referindo ainda dever articular-se o nº. 1 do artº. 6º. com o nº. 2 do artº. 5º., concluindo que “o dever de informação recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta necessariamente a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, a pessoa a quem elas são dirigidas e todas as outras circunstâncias que podem condicionar a sua compreensão pelo aderente (in “Clausulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, págs. 92/93).
Trata-se, pois, de obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º., do C.C.
Também Ana Prata, referindo-se ao dever de comunicação imposto pelo artº. 5º., refere que ele tem de ser cumprido por forma a permitir ao bom pai de família, como paradigma da diligência juridicamente exigível, “o conhecimento completo e efectivo das cláusulas” retirando daquela norma que “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” e, citando Almeno de Sá, prossegue defendendo que “Não basta ... a pura notícia da «existência» de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada «transmissão». Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo”.
E, assim como o faz Araújo de Barros, de certo modo desvaloriza a declaração do aderente, constante do contrato, de que conhece todas as suas cláusulas e as aceita, porque isso “equivale a permitir que um regime legal de tutela de uma das partes, por se tratar de contraente débil seja afastado convencional ou, pelo menos, voluntariamente, o que será paradoxalmente quase inevitável” (in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 2010, págs. 238/239), sendo que Araújo de Barros defende que essa subscrição deverá apenas ser valorada como “um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente”.
De resto, quanto a esta parte, cumpre fazer ressaltar que nos contratos celebrados com consumidores ou equiparados são absolutamente proibidas as cláusulas que “atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato quer em aspectos jurídicos quer em aspectos materiais” – cf. alínea e) do artº. 21º., do supra mencionado Dec. Lei nº. 446/85.
Ainda sobre o artº. 6º., refere Ana Prata que, não decorrendo dele que o predisponente tenha a obrigação de explicar cada uma das cláusulas, “tem de prestar uma “informação circunstanciada”, “independentemente de pedido do aderente” em relação àquelas que se apresentem objectivamente difíceis de compreender e também quando tem pela frente uma contraparte impreparada para assimilar o seu verdadeiro alcance.
Como decidiu o S.T.J. no Ac. de 30/10/2007, “não é exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato” e “reserva de propriedade”, sobretudo se tais conceitos constarem das “Condições Gerais”, sendo, por isso, mais exigente o dever de informação” (Proc.º. 07A3048, Cons.º. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).
Também o Ac. do mesmo Alto Tribunal de 02/12/2013, discorrendo que “Dada a disparidade de poder entre as partes no contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência” cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objecto, quer quanto às condições do contrato”. Afirma ainda que “A comunicação das cláusulas deve ser clara e precisa e a informação completa, abrangendo as características do bem ou do serviço, a extensão dos riscos cobertos e a medida exacta dos direitos e obrigações previstos no contrato”, afirmando, bem assim, que o direito à informação “não se basta com o envio de uma nota informativa pela empresa utilizadora”, implicando ainda um “dever de aconselhamento” que pode ser definido como “uma obrigação de assistência que supõe não só uma grande lealdade, mas um verdadeiro serviço prestado ao aderente, e inclui um dever de chamar a atenção deste para cláusulas cujo conteúdo possa não corresponder às suas necessidades e situação pessoal ou que sejam «perigosas» para os seus interesses” (Proc.º. 306/10.0TCGMR.G1. S1, Cons.ª. Maria Clara Sottomayor, que contém profusa referência à jurisprudência e à doutrina sobre o conteúdo daqueles deveres de informação e comunicação, in www.dgsi.pt).
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente, nos termos consagrados do nº. 3 do artº. 5º do RGCCG – o que se entende se considerarmos que é este quem pretende fazer-se valer das cláusulas em que funda o seu direito, não havendo, assim, desvio à regra vertida no nº. 1 do artº. 342º., do C.C.
E o certo é que a embargada não cumpriu com este ónus pois resultou não provado que “A exequente entregou cópia do contrato ao executado e comunicou-lhe as demais cláusulas não identificadas em 16. dos factos provados”.
Posto que a não prova de um facto não signifique a prova do facto de sentido contrário, a decisão da questão há-de ser contra a parte onerada com a prova.
Com efeito, como refere o Ac. do S.T.J. de 2/12/2013 acima mencionado “A questão deve ser resolvida em prejuízo de quem tinha o ónus da prova, não só por razões formais, mas também por razões materiais, ligadas à protecção da parte mais fraca”. O risco da insuficiência de prova corre contra a parte a quem a lei atribuiu o respectivo ónus, equivalendo a falta de prova a uma decisão desfavorável relativamente à parte onerada, por ser o sujeito mais forte, que exerce o poder de estipulação sem negociação prévia e que domina o conteúdo do contrato por si unilateralmente”.
Não obstante ter incumprido essa formalidade legal, o que determina a exclusão das cláusulas, a embargada invocou, fundamentadamente, o abuso de direito.
Com referência a tal matéria, é hoje praticamente unânime o entendimento de que nada obsta a que o financiador se socorra do instituto do abuso do direito para, através dele, paralisar os efeitos da invocação pelo consumidor da nulidade formal do contrato de crédito ao consumo, sendo v.g. e em rigor “ legítima a pretensão do financiador que sustenta que a arguição da nulidade formal ou procedimental pelo consumidor configura um venire contra factum proprium já que o direito está a ser exercido em contradição com a sua conduta anterior”. - Cf. Fernando de Gravato Morais, in “Os Contratos de Crédito Ao Consumo”, Almedina, págs. 108 e sgs.
No essencial socorre-se a doutrina e a jurisprudência da concretização do “venire contra factum proprium” nos alegados vícios formais, caracterizando-se então o comportamento do consumidor pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente, ou seja, como ensina o Prof. Menezes Cordeiro (In Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 742 e sgs), em causa estão então dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo, sendo que o primeiro - o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.
Todavia a procedência do abuso de direito na invocação da nulidade do contrato de financiamento e preenchimento da livrança tem sido controvertida.
Como se refere no acórdão desta Relação datado de 30/01/2014 proferido no processo nº 2603/08.6 TBFLG.G1 no qual interviemos como adjunta: “Enquanto alguns defendem a posição que o mutuário/comprador age em abuso de direito quando invoca a nulidade de um contrato com fundamento na falta de entrega de cópia do contrato ou de falta de comunicação e explicação de cláusulas, quando já procedeu ao pagamento de várias prestações e/ou nunca invocou tal nulidade, apenas o fazendo para se eximir ao pagamento, outros defendem que, atenta a regra de proteção do consumidor que subjaz às relações de consumo, não age em abuso de direito o mutuário que invoca a nulidade do mútuo por falta de entrega de exemplar do contrato no momento da sua assinatura, mesmo que tal aconteça já depois de ter cumprido parcialmente o contrato”.
Para a resolver a questão enunciada convirá perguntar, no concreto condicionalismo dos autos, se a arguição da nulidade do contrato por falta de informação quanto às suas cláusulas e preenchimento abusivo da livrança constitui um ilegítimo e abusivo exercício do direito pelos executados.
O entendimento do apelante, a nosso ver – e seguimos aqui de perto o já subscrito no Acórdão desta Relação supra citado -, e com todo o respeito, não pode ser sufragado.
Como vimos já, o título executivo é uma livrança que entronca a respectiva justificação em contrato de mútuo para aquisição de veículo automóvel – aquele cuja nulidade é invocada pelo consumidor – datado de 07 de Julho de 2007 assinado pelo executado, tendo sido entregue o preço da viatura pelo financiador ao embargante/executado que consta no contrato como o fornecedor e tendo a viatura sido registada em nome do comprador/executado/embargante conforme consta do documento que juntou que lhe permitiu inclusive alegar o pagamento integral do financiamento.
O executado já na posse do veículo desde a data do financiamento a partir de Janeiro de 2008, deixou de cumprir as obrigações que assumiu no referido contrato, não pagando pontualmente as prestações a que se encontrava obrigado, pelo que, a financiadora/embargada se viu obrigada a proceder à resolução do contrato e ao preenchimento da referida livrança, pelo valor em dívida à data de 20 de Fevereiro de 2010, acrescido dos juros contratualmente estabelecidos, cujo montante global ascendia a € 9.806,10 (nove mil oitocentos e seis euros e dez cêntimos), comunicando tal situação ao Embargante por carta registada com aviso de receção, datada de 22 de Janeiro de 2010.
Tendo sido instaurada a execução, é em junho de 2015 (cerca de 9 anos após a outorga do contrato de crédito), já no âmbito obviamente da cobrança coerciva do título de crédito dado à execução, que vem o executado/embargante invocar a nulidade do contrato, pretendendo através da arguição do referido vício obstar ao pagamento da livrança.
Cumpre relembrar que o executado/embargante não invocou a nulidade de uma cláusula ou cláusulas especificas do contrato em apreço, mas sim do conteúdo integral por não ter sido informado pela embargada nem lhe ter sido entregue cópia do contrato.
Vir agora, em sede de oposição à execução, suscitar pela primeira vez a nulidade do contrato, cerca de 9 anos após a sua outorga e já depois de ter pago várias prestações, ou pior depois de já ter pago tudo ( como alegou o executado/embargante) e nunca antes se tendo socorrido de qualquer incompreensão relativa ao mesmo, configura em rigor o exercício ilegítimo de um direito, excedendo o executado, e manifestamente, os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e/ou económico do direito, o que tudo preenche o conceito previsto no art. 334º do Código Civil.
Mais vincada no caso em apreço esta conduta, pois o incumprimento contratual não resulta do alegado desconhecimento de uma qualquer cláusula do contrato em questão, antes resultando do incumprimento de uma cláusula que o recorrente tinha perfeito conhecimento; a cláusula que o obrigava ao pagamento da prestação mensal (ver ponto 16 dos factos provados).
Acresce que como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 29.06.2015, relatado por Manuel Domingos Fernandes no proc. n.º 549/13.5TBGDM-A.P1, in www.dgsi.pt, que se segue pela semelhança da situação “não se alcança como se possa invocar o preenchimento abusivo, ou seja, que o beneficiário da livrança desrespeitou os termos em que lhe estava autorizado o preenchimento, mediante acordo com o avalista, se não se aceita a existência ou eficácia de tal acordo, no caso por excluído do contrato outorgado entre as partes. É que, excluído o pacto constante do contrato, a excepção liberatória haverá de ter por objecto a violação de um outro acordo, formalizado ou não, expresso ou tácito, que a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica.
Ora, se em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção”.
Portanto, ou o embargante aceitava a validade do pacto consubstanciado na cláusula 10ª do contrato e, relativamente ao respectivo conteúdo obrigacional, opunha a excepção à exequente o que não fez ou, então, arguindo, como arguiu a invalidade e exclusão desse pacto, para sustentar o concurso da excepção, teria de invocar a violação de um outro pacto, o que também não fez.
Também no caso em apreciação o executado/ embargante assinou a livrança em branco entregando-a à embargada/exequente. Fê-lo, todavia, no contexto da celebração de um contrato de mútuo celebrado entre ele próprio na qualidade de mutuário e a embargada na qualidade de mutuante. Atenta a sua qualidade de mutuário que celebrou com uma instituição financeira um contrato de mútuo que é a razão de ser da emissão da livrança, independentemente da negociação ou não das respectivas cláusulas e ou do conhecimento efectivo e adequado de algumas das suas cláusulas, o executado/embargante não podia deixar de estar absolutamente consciente do que é uma livrança, do significado de apor a sua assinatura numa livrança, que a mesma estava relacionada com o contrato de mútuo celebrado em simultâneo, que a mesma se destinava a atribuir ao seu portador o poder de exigir o pagamento da quantia que nela viesse a ser inscrita, que a sociedade financiadora iria ficar na posição de credor do mútuo concedido e poderia exigir o reembolso do financiamento que viesse a fazer ao abrigo do aludido contrato, pretendendo para o efeito usar, se necessário, a livrança, ou seja, reclamar o pagamento de quem a assinou vinculando-se ao seu pagamento.
De efeito, é do conhecimento comum que a aposição de uma assinatura num título de crédito como uma letra ou livrança, por si só, tem aptidão para determinar uma vinculação cambiária. Para que assim não suceda, devem verificar-se circunstâncias excepcionais que carecem de ser alegadas por quem se quer prevalecer delas, como sejam, por exemplo, a existência de um défice cognitivo acentuado impossibilitador da percepção do alcance da subscrição cambiária ou uma situação de coacção na assinatura.
Nesse contexto e circunstâncias não pode deixar de se concluir que, ao menos de forma implícita, o executado autorizou a financiadora a preencher a livrança para obter o pagamento daquilo que viesse a tornar-se credor em cumprimento do aludido contrato de mútuo.
Daí que se entenda que ainda que se exclua do contrato a cláusula contendo o pacto escrito de preenchimento, tal não é bastante para permitir concluir que o preenchimento da livrança em branco foi feita sem autorização, melhor dizendo, sem autorização para qualquer preenchimento, designadamente nos termos em que ele acabou por ser feito e, portanto, que a livrança com o conteúdo que lhe foi aposto viola os termos da relação jurídica que presidiu à assinatura e entrega do título e que isso tem como consequência a invalidade ou ineficácia da obrigação cambiária.
Para consubstanciar essa excepção tornava-se imperioso que o executado tivesse alegado, por exemplo, que o valor inscrito na livrança não é relativo ao contrato de mútuo para cuja garantia assinou a livrança em branco, que o valor inscrito na livrança não está vencido ou não é exigível face aos termos do aludido contrato.
Só dessa forma, que aqui não se verifica, poderíamos encontrarmo-nos perante um preenchimento do título desconforme, não autorizado ou sem poderes, o qual poderia ser oposto à embargada/exequente uma vez que tendo sido esta a receber a livrança para aquele concreto fim e naquele contexto específico ao efectuar o preenchimento irregular cometeu uma falta grave (artigo 10.º da LU).
Em suma como bem refere a embargada/exequente nas suas contra-alegações “o Recorrente cumpriu o contrato durante um período longo, pagando diversas prestações, no valor correcto e no prazo contratualmente estipulado.
Durante todo esse período, e tal como resulta igualmente da matéria dada como assente, e não impugnada, não surgiram dúvidas sobre o conteúdo das cláusulas contratuais, nem consta que o Recorrente tenha dado pela falta de uma cópia do contrato (!). Esses “problemas” surgiram apenas na sequência do incumprimento do contrato, por parte do Recorrente.
Enquanto pagou, percebia o que se dizia no contrato, tal como confessou em audiência; quando deixou de pagar, deixou subitamente de perceber o que lá estava escrito, e até uma cópia lhe faltava, o contrato afinal era nulo e abusivamente a embargada preencheu a garantia que para o efeito lhe tinha entregue!”.
Manifestamente excede os ditames da boa fé esta conduta do embargante.
Em razão do exposto, temos para nós que inevitável se mostra a improcedência da apelação, razão porque importa confirmar a decisão/sentença apelada, determinando-se em consequência o prosseguimento da instância executiva.

Concluindo:
Abusa de direito, violando o princípio da boa fé e exercendo de modo disfuncional a sua posição jurídica, o mutuário que enquanto pagou, percebia o que dizia no contrato. Quando deixa de pagar, deixa subitamente de perceber o que lá estava escrito, alega falta de uma cópia do contrato, que o contrato era nulo e que abusivamente a embargada preencheu a garantia que para o efeito lhe tinha entregue.

V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP) sem prejuízo do apoio judiciário.
Notifique
Guimarães, 23 de junho de 2016
(processado em computador e revisto)
(Maria Purificação Carvalho)
(Espinheira Baltar)
(Henrique Andrade)