Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
836/20.6T8VVD.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: APELAÇÃO AUTÓNOMA
DESPACHO SANEADOR
ILEGITIMIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DESPESAS E ENCARGOS COM ELEVADORES
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - As despesas de conservação e de fruição das coisas comuns e o pagamento dos serviços de interesse comum recaem sobre os condóminos, cada um contribuindo na proporção do valor das suas frações (artigo 1424º, do Código Civil).
II - As despesas relativas a coisas comuns que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
III - O que conta é a destinação objetiva das coisas comuns, isto é, o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, e não o uso que efetivamente faça delas.
IV - Não é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (artigo 1420.º, nº2, do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
           
Os autores AA, BB, CC, DD e EE, FF e GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, intentaram a presente ação contra NN sito na Avenida ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., e outros condóminos individuais, todos representados pelo Administrador do Condomínio, I..., Lda., com sede na Praça ..., ... ..., tendo pedido que sejam declaradas inválidas e anuladas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, na parte respeitante à deliberação sobre repartição das despesas e encargos com os elevadores pelos condóminos proprietários das frações destinadas a atividades económicas.

Alegam em síntese que no dia 6 de Outubro de 2020 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, nos termos do qual foi votada e aprovada um deliberação no sentido de os proprietários das frações destinadas a atividades económicas (aqui autores) passarem a contribuir para as despesas e encargos com os elevadores, com efeitos a partir do mês de Abril de 2021. Todavia, invocam, que nunca se serviram ou beneficiaram dos elevadores do prédio, porquanto as suas frações dão diretamente para a via pública, não tendo os proprietários chaves ou códigos de acesso das portas de entrada do ... para o interior do prédio.
Os réus contestaram alegando que todas as frações em causa são servidas por escadas e elevadores, porquanto todas elas têm dependências/ arrecadações na cave (que equivale à garagem dos demais condóminos proprietários das frações destinadas à habitação), sustentando desse modo a não contrariedade à lei da deliberação tomada e ora posta em crise.
Designada data para a realização de audiência prévia, após contraditório, foi proferido despacho saneador, que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva oficiosamente suscitada no que concerne a cada um dos condóminos individualmente representados, absolvendo-os da instância.
A final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu de todos os pedidos contra si formulados.
*
Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões (transcrição):

1 - Os Recorrentes discordam da decisão proferida por várias ordens de razão, a saber:
I – Da ilegitimidade passiva do réu condomínio
ii - Da errada apreciação da matéria de facto, designadamente da prova por confissão;
iii - Do erro na aplicação do direito.
iv – Do abuso de direito
2 - Entendem os Recorrentes que andou mal o Tribunal “a Quo” quando decidiu que:
1. As despesas efectuadas e a efectuar nos elevadores são da responsabilidade de todos condóminos, cabem no nº 1 do art. 1424º do CC, pelo que deverão ser suportadas por todos;
2. O facto de existir uma deliberação a proibir o uso dos elevadores por parte dos proprietários das fracções destinadas ao comércio não infirma a conclusão anterior;
3. As deliberações ora postas em crise não contrariam o regime previsto no art. 1424.º do CC, pelo que não estão feridas de qualquer desvalor jurídico.
Vejamos:
i – Da ilegitimidade passiva do réu condomínio
3 - A legitimidade processual é o pressuposto adjetivo através do qual a lei indica quem deverá figurar e participar no processo apresentado a Juízo.
4 - Do ponto de visa substantivo, resume-se ao interesse em demandar e em contradizer.
5 - Os Recorrentes/Autores peticionaram a anulação da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, que teve lugar no dia 06.10.2020, na parte em que determinou que os proprietários das fracções destinadas a actividades económicas (aqui autores) devem passar a contribuir para as despesas e encargos com os elevadores, com efeitos a partir de Abril de 2021 é anulável, por violação do disposto no art. 1424.º, n.º 4 do CC, cumprirá, então, à luz do citado preceito, quais as pessoas que terão interesse em contradizer a pretensão dos Autores: Se é o Condomínio, tal como entendeu o Tribunal a Quo ou, ao invés, os Condóminos maioritários na deliberação, tal como entendem os Recorrentes.
6 - Mesmo conhecendo a controvérsia quanto à legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações tomadas em assembleia de condomínio, a verdade é que, tendo o legislador, muito recentemente, alterado parcialmente o regime da propriedade, pela Lei 8/2022, de 10/01, manteve inalterado o disposto no artigo 1433.º do CC que dispõe precisamente acerca da Impugnação das deliberações.
7 - O citado preceito, para além de fixar as regras para a impugnação das deliberações da assembleia de condomínio, determina, no n.º 6 que, a “representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”.
8 - Ora, no modesto entendimento dos Recorrentes, pretendeu o legislador, para além de atribuir a representação judiciária no Administrador, atribuir legitimidade passiva aos Condóminos que formaram maioria.
9 - Apesar de, como referir aquele preceito, a representação judiciária daqueles ser assegurada pelo Administrador do Condomínio.
10 - Quanto a este tema veja-se, a título de exemplo, o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/03/2022, proferido nos autos de processo 1257/19.9T8PVZ, disponível em www.dgsi.pt, onde resultou o seguinte sumário
I - O princípio do contraditório, nas suas mais recentes formulações, é formal, substancial e cooperativo. Materializa-se: (i) no dever de esclarecimento; (ii) no dever de prevenção; (iii) no dever de auxílio; (iv) no dever de consulta às partes (artigos 3,º 7º e 417º do CPC).
II - No segmento do dever de consulta às partes, visando evitar as “decisões surpresa”, incide sobre a questão decidenda e esgota-se no seu perímetro. Não se destina à comunicação exaustiva dos respetivos fundamentos. Os fundamentos da decisão são desenvolvidos em sede de substanciação do julgado.
III - A parte que, após os articulados, foi notificada para exercer o contraditório por escrito nada disse não pode depois vir invocar a sua preterição por omissão de audiência prévia, porque a tanto se opõe a boa fé processual (artigo 8º do CPC).
IV - Nas ações de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva radica nos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada (artigos 30º do CPC e 1433º nº 1 e 6 do CC).
V - A Lei 8/2022, de 10.01, que veio alterar o regime da propriedade horizontal, dá um claro sinal nesse sentido ao deixar inalterado o artigo 1433º do CC.
VI - Este entendimento é reforçado com a nova redação do artigo 1436º, da referida Lei 8/2022, que na alínea i), passou a delimitar as funções do administrador do condomínio, na execução das deliberações da assembleia de condóminos, restringindo-as às que “não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada”.
11- Aqui chegados, tendo em conta a tese defendida pelos Recorrentes, duas consequências há a retirar: i) O Condomínio Réu/contestante não é parte legítima na acção; ii) Não tendo os Condóminos Réus contestado a acção intentada pelos ora Recorrentes, a falta de contestação leva a que se tenham como confessados os factos articulados pelos Autores e, em consequência, condenados os Réus nos pedidos formulados na Petição Inicial.
II - Da errada apreciação da matéria de facto, designadamente da prova por confissão;
12 - No âmbito da presente ação, os ora Recorrentes, alegaram, em suma:
- Que no dia 6 de Outubro de 2020 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos do prédio melhor identificado no artigo 6º da petição inicial, nos termos do qual foi votada e aprovada um deliberação no sentido de os proprietários das fracções destinadas a actividades económicas (aqui autores) passarem a contribuir para as despesas e encargos com os elevadores, com efeitos a partir do mês de Abril de 2021.
- Que não usam e nunca se serviram dos aludidos elevadores, porquanto as suas fracções dão directamente para a via pública, não tendo os proprietários chaves ou códigos de acesso das portas de entrada do ... para o interior do prédio.
13 - Em sede de resposta à contestação apresentada pelo Condomínio, os ora Recorrente juntaram aos autos ata da assembleia Geral Extraordinária de Condóminos que teve lugar no dia de 16 de Agosto de 2019, de onde resultou a acta n.º ..., na qual foi colocado à discussão no ponto 1) da Ordem de Trabalhos o seguinte: “Análise, Discussão e deliberação Relativamente ao uso do elevador por parte da zona comercial”
Na referida assembleia, a de 16/08/2019, colocado a votação foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes, “proibir a utilização dos elevadores por parte dos condóminos da zona comercial. Nesse sentido deve ser alterado o código de entrada no edifício de forma a vedar àqueles condóminos o acesso ao patamar de entrada de acesso às habitações”
14 - A principal questão que se colocava a decidir ao Tribunal a “Quo”, é a de saber se os condóminos que não utilizam e, ainda, foram proibidos de utilizar os elevadores do prédio, proibição operada por deliberação que, apesar de anulável, não ter sido impugnada e, portanto, perfeitamente válida à data da deliberação impugnada, tal como perfeitamente válida na presente data, poderão, através da deliberação impugnada nos presentes autos, ser obrigados a comparticipar despesas ocasionadas por partes comuns do prédio para as quais se encontram proibidos de utilizar?
Para tanto, o Tribunal a “Quo” deu por provados os seguintes factos:
1) Encontram-se registadas a favor dos autores, respectivamente, as seguintes fracções autónomas destinadas a comércio, todas situadas no ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descritos na Conservatória de Registo Predial ... sob os n.º ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77... e ...77...;
a. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;---
b. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 AC;---
c. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;---
d. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;---
e. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 BB;---
f. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;---
g. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;---
h. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;---
i. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
2) As referidas fracções autónomas inserem-se num edifício constituído em propriedade horizontal o qual é composto por diversos blocos, com entradas distintas;---
3) No dia 6 de outubro de 2020, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária do prédio sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., tendo sido lavrada a acta n.º ...0;---
4) O segundo ponto da Ordem de Trabalhos da respectiva convocatória tinha a seguinte redacção: (…) 2) Apresentação, Análise e Deliberação sobre repartição das Despesas e Encargos com os Elevadores, pelos Condóminos Proprietários das fracções Destinadas a Atividades Económicas; (...);---
5) No âmbito daquele segundo ponto constante da Ordem de Trabalhos, o presidente apresentou parecer jurídico no sentido de que os lojistas não deverão participar “nas despesas de conservação dos elevadores do prédio, quando das suas lojas não têm acesso direto ao interior do prédio e aos elevadores”;---
6) Colocado à votação aquele ponto da ordem de trabalhos, foi sido deliberado, por maioria dos condóminos presentes, o seguinte: “aos proprietários das fracções destinadas a actividades económicas, contribuirão nas despesas e encargos com os elevadores, a partir de Abril de 2021, sendo que associada à despesa de manutenção dos elevadores, estão as rubricas “Limpeza”, ”Água”, “Eletricidade”, nas quais passam também a contribuir, tendo em conta que estes condóminos estão de facto a beneficiar e a usufruir dos referidos serviços”;---
7) A deliberação referida em 6) contou com os votos favoráveis correspondentes à permilagem 467,43, representativos das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...;---
8) A deliberação referida em 6) contou com os votos desfavoráveis correspondentes à permilagem 252,01, representativos das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., e “J”, propriedade dos aqui autores;---
9) Inexistiram quaisquer abstenções;---
10) Tal como resulta da descrição das fracções e do título constitutivo da propriedade horizontal, as fracções autónomas identificadas em 1) têm os seguintes números de entrada;---
a. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;
b. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 AC;
c. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;
d. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;
e. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 BB;
f. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;
g. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;
h. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;
i. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;
11) Todas as restantes fracções não se destinam a comércio, nem se situam no ... do prédio, e têm as respectivas entradas pelos n.ºs ..., ..., ... e ...;
12) A entrada para as lojas, todas situadas no ... do prédio referido em 1) é autónomo para cada uma das fracções e faz-se directamente da via pública;---
13) O acesso para as fracções destinadas a habitação faz-se através de entrada comum a estes, pelas entradas n.ºs ..., ..., ... e ...;---
14) Os autores não têm a chave de entrada de acesso aos números de porta referidos em 13);--
15) Todas as fracções referidas em 1) têm acesso ao interior do prédio, mais concretamente, a partes comuns do mesmo, tais como escadas e elevadores, por possuirem dependências na cave do edifício;
16) A fracção ... é composta por Loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
17) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio e serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave, designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 AC;
18) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio e serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave, designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 BB;
19) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
20) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
21) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
22) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
23) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
24) Todas as dependências de apoio das fracções descritas em 1) situam-se na cave (onde também se situam as garagens dos demais condóminos) onde todos os condóminos se podem servir das escadas e elevadores, como meios de circulação vertical do edifício;
25) É possível aos autores ou os seus funcionários, quando acedem às dependências que as suas fracções possuem na cave – onde armazenam bens para o exercício das suas actividades – acedem às escadas e ascensores comuns para circularem verticalmente no edifício – subindo ao ... através das partes comuns do edifício (escadas, elevadores, átrio) e saindo para o exterior onde se situam as respectivas lojas que confinam com a via publica;
26) Na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos que teve lugar no dia 16 de Maio de 2016, de onde resultou a acta n.º ..., foi deliberado aprovar o documento denominado regulamento interno de condomínio constante a fls 124-128, e que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
27) Na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos que teve lugar no dia de 16 de Agosto de 2019, de onde resultou a acta n.º ..., junta aos autos a fls. 110-112, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, foi colocado à discussão no ponto 1) da Ordem de Trabalhos o seguinte: “Análise, Discussão e deliberação Relativamente ao uso do elevador por parte da zona comercial”;
28) Colocado a votação foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes, “proibir a utilização dos elevadores por parte dos condóminos da zona comercial. Nesse sentido deve ser alterado o código de entrada no edifício de forma a vedar àqueles condóminos o acesso ao patamar de entrada de acesso às habitações”;
15 - E, por seu turno, deu por não provados os seguintes:
A. Que os lanços de escadas e elevadores sirvam exclusivamente as fracções destinadas a habitação;
B. Que os autores não tenham outro meio de acesso (para além da chave de entrada) às partes comuns do interior do prédio, tais como os vãos de escadas ou elevadores;
C. Que os autores se sirvam frequentemente das escadas e ascensores do prédio para transportarem bens que armazenam nas suas dependências para o exercício das suas actividades;
Da errada apreciação da matéria de facto: os pontos 15), 24) e 25) da matéria de facto dada por provada e ainda, os pontos a) e b) da matéria de facto dada por não provada:
16 - Em relação ao merito causae, parece-nos evidente que houve uma errada valoração da prova.
17 - Vejamos, portanto, a sentença proferida, que considera como provados os seguintes factos, os quais, no modesto entendimento dos Recorrentes, foram erradamente valorados e, portanto, em face da prova produzida, deveriam ter sido dados por não provados:
15) Todas as fracções referidas em 1) têm acesso ao interior do prédio, mais concretamente, a partes comuns do mesmo, tais como escadas e elevadores, por possuírem dependências na cave do edifício;
24) Todas as dependências de apoio das fracções descritas em 1) situam-se na cave (onde também se situam as garagens dos demais condóminos) onde todos os condóminos se podem servir das escadas e elevadores, como meios de circulação vertical do edifício;
25) É possível aos autores ou os seus funcionários, quando acedem às dependências que as suas fracções possuem na cave – onde armazenam bens para o exercício das suas actividades – acedem às escadas e ascensores comuns para circularem verticalmente no edifício – subindo ao ... através das partes comuns do edifício (escadas, elevadores, átrio) e saindo para o exterior onde se situam as respectivas lojas que confinam com a via publica;
18 - Por seu turno, o Tribunal a Quo, considera não provados os seguintes factos que, no modesto entendimento dos Recorrentes, esse entendimento precede um errado julgamento da prova produzida. Não fosse esse erro de julgamento, estes factos deveriam ser dados por provados:
A. Que os lanços de escadas e elevadores sirvam exclusivamente as fracções destinadas a habitação;---
B. Que os autores não tenham outro meio de acesso (para além da chave de entrada) às partes comuns do interior do prédio, tais como os vãos de escadas ou elevadores;---
19 - O Tribunal, formou a convicção para a prova dos supracitados factos, na seguinte prova:
• Para o ponto 15), 24) e 25) dos factos dados por provados “a partir da percepção directa que o Tribunal teve do prédio aqui em discussão, os meios de acesso (não só pelo interior das portas de entrada, como também pelo portão da garagem), incluindo as respectivas lojas, garagens, e arrecadações, tal como decorre do teor do auto de inspecção ao local, o qual teve lugar no passado dia 26 de Abril de 2022, em conjugação com a prova testemunhal e por depoimento de parte produzida em audiência, designadamente: depoimento de OO, actual legal representante do condomínio; dos co-autores LL (proprietário da fracção ...); DD (proprietário das fracções ... e ...); e FF (proprietário da fracção ...; e também das testemunhas PP, filha do autor JJ, e QQ, proprietário de uma fracção destinada à habitação.”
• Já relativamente aos factos não provados, “os pontos A) e B) foram julgados enquanto tal por ter sido feita prova do contrário, nos termos acima expostos”.
20 - Acontece que, tal como se referiu, do julgamento que teve lugar no dia 02/06/2022, tal como dos documento juntos aos autos, não foi feita prova dos aludidos pontos 15, 24 e 25 dos considerados provados e, ao invés, foi produzida prova suficiente para que o Tribunal a Quo desse por provados dos pontos A) e B) dos não provados.
21 - Neste conspecto, atente-se, no depoimento de parte prestado pelo Réu OO, em sede de audiência e julgamento do dia 02/06/2022, (CD/rotações: 00:01:05 a 00:01:14 horas), a instâncias do Meritíssimo Juiz, onde afirma ser administrador do Condomínio desde 2016 até 02/06/2022, data em que prestou o depoimento de parte
22 - O referido OO, em sede de audiência e julgamento do dia 02/06/2022, (CD/rotações: 00:01:30 a 00:03:23 horas), a instâncias do Meritíssimo Juiz, questionado sobre a factualidade em crise, onde o legal representante do Réu afirma que os ora Recorrentes nenhum uso fazem dos vãos de escadas e elevadores e, ainda, acabou por admitir que aconteceu uma utilização esporádica, por parte de um inquilino, ao que, imediatamente, o Condomínio chamou à atenção ao referido senhorio e a situação não mais se voltou a repetir:
Legal Representante do Réu/OO: O conhecimento que tenho é que os lojistas, houve ali uma fase em que um lojista fazia acesso por um elevador, que é um inquilino. Desde o momento em que foi chamado a atenção, ele deixou de usar o elevador. A partir daí não tenho mais conhecimento que alguns façam uso pelo elevador. Apenas fazem pelo portão de acesso à garagem.
Meritíssimo Juiz: Certo, e quando diz que fazem pelo portão de acesso à garagem é porque utilizam as arrecadações da garagem? É isso?
Legal Representante do Réu/OO: Sim, sim.
Meritíssimo Juiz: Que tipo de utilidade é que lhe dão? Sabe?
Legal Representante do Réu/OO: Arrecadação, não sei. É da actividade que têm, não sei.
23 - Atente-se ainda, no depoimento de parte prestado pelo Réu OO, em sede de audiência e julgamento do dia 02/06/2022, (CD/rotações: 00:04:07 a 00:06:01 horas), a instâncias do Meritíssimo Juiz, questionado sobre a factualidade em crise, onde o legal representante do Réu afirma que os ora Recorrentes fazem acesso às arrecadações pelo portão da garagem e, ainda, que o acesso ao vão de escadas é feito através de chave e código de acesso, os quais nunca foram entregues aos Recorrentes/Lojistas:
Meritíssimo Juiz: Habitualmente por onde é que eles acedem para as arrecadações?
Legal Representante do Réu/OO: Pelo portão da garagem.
Meritíssimo Juiz: Pelo portão da garagem? Mas fazem-no de carro, ou também a pé?
Legal Representante do Réu/OO: Essa questão já não posso responder.
Meritíssimo Juiz: Não sabe, pronto. Se não sabe, não sabe. Sabe se eles têm as chaves da porta de entrada do prédio? E também o códigozinho?
Legal Representante do Réu/OO: Tem código de acesso, sim. Mas chave não sei se tem.
Meritíssimo Juiz: E esse código de acesso está disponível também para os lojistas?
Legal Representante do Réu/OO: Nunca lhes foi dado
Meritíssimo Juiz: Nunca lhes foi dado?
Legal Representante do Réu/OO: Não. Pela minha parte não.
Meritíssimo Juiz: Mas por alguma razão?
Legal Representante do Réu/OO: Foram alterados. Os códigos foram alterados e foram só fornecidos às pessoas, aos residentes. Residentes da habitação.
Meritíssimo Juiz: Mas não faria sentido que eles também tivessem esses códigos de acesso?
Legal Representante do Réu/OO: Depende da disponibilidade do Condomínio. Da parte da Administração nunca lhes foi dado. Agora é um entendimento do Condomínio se é para dar ou não.
Meritíssimo Juiz: Mas eles pediram?
Legal Representante do Réu/OO: Não. Aquela situação que há bocado referi, em relação àquele condómino, inquilino, que fazia uso, que eu tenha conhecimento, era só na saída. Não era na entrada. Portanto, à partida, não tinha nem cópia, nem acesso pela porta.

24 - Continuou o referido OO, em sede de audiência e julgamento do dia 02/06/2022, (CD/rotações: 00:09:09 a 00:10:40 horas), a instâncias do Meritíssimo Juiz, questionado sobre o contexto em que foi redigida a acta n.º ..., que impediu o acesso dos Recorrentes à caixa de escadas e elevador.
25 - Quanto ao mesmo tema, atente-se, no depoimento de parte prestado pelo Réu OO, em sede de audiência e julgamento do dia 02/06/2022, (CD/rotações: 00:06:30 a 00:07:20 horas), a instâncias do Meritíssimo Juiz, questionado sobre a factualidade em crise, onde o legal representante do Réu afirma afirma perentoriamente que os ora Recorrentes/Lojistas nunca tiveram acesso ou fizeram uso das escadas e elevadores:
Meritíssimo Juiz: Mas, portanto, desde 2016, em que assumiu funções de Administrador aqui do Condomínio, está-me a dizer que nunca viu os lojistas fazerem uso das escadas ou dos elevadores? Nomeadamente para acederem à garagem?
Legal Representante do Réu/OO: Não. Aliás, quando aconteceu aquela situação do inquilino, fui com o Sr. CC falar como próprio inquilino, para reportar essa situação. Para ele deixar de usar não é?
Meritíssimo Juiz: Mas. Para deixar de usar porquê? Porque não podia? Qual é que foi a razão que levou os senhores a falar com ele para…
Legal Representante do Réu/OO: Porque na altura a situação era só de ter acesso para os moradores.
26 - Aqui chegados, em face da prova produzida, designadamente, a prova por confissão, o Tribunal a Quo fez errado julgamento da matéria de facto e, consequentemente, deveria ter dado por não provados os factos 15), 24) E 25) do rol da matéria de facto dada por provada, porque:
i) Não foi produzida prova ou foi produzida prova em contrário a que: “15) Todas as fracções referidas em 1) têm acesso ao interior do prédio, mais concretamente, a partes comuns do mesmo, tais como escadas e elevadores, por possuírem dependências na cave do edifício;” e, portanto, este facto deveria ter sido dado por não provado.
ii) Não foi produzida prova ou foi produzida prova em contrário a que: “24) Todas as dependências de apoio das fracções descritas em 1) situam-se na cave (onde também se situam as garagens dos demais condóminos) onde todos os condóminos se podem servir das escadas e elevadores, como meios de circulação vertical do edifício;” e, portanto, este facto deveria ter sido dado por não provado.
iii) Não foi produzida prova ou foi produzida prova em contrário a que: “25) É possível aos autores ou os seus funcionários, quando acedem às dependências que as suas fracções possuem na cave – onde armazenam bens para o exercício das suas actividades – acedem às escadas e ascensores comuns para circularem verticalmente no edifício – subindo ao ... através das partes comuns do edifício (escadas, elevadores, átrio) e saindo para o exterior onde se situam as respectivas lojas que confinam com a via publica;”e, portanto, este facto deveria ter sido dado por não provado.
27 - Em sentido inverso, deveria ter dado por provados os factos contidos nos pontos A) e B) do rol da matéria de facto dada por não provada porque:
i) Foi produzida prova: “A. Que os lanços de escadas e elevadores sirvam exclusivamente as fracções destinadas a habitação;”, e portanto, este facto deveria ter sido dado por provado.
ii) Foi produzida prova: “B. Que os autores não tenham outro meio de acesso (para além da chave de entrada) às partes comuns do interior do prédio, tais como os vãos de escadas ou elevadores”, e portanto, este facto deveria ter sido dado por provado.
III - Do erro na aplicação do direito – o artigo 1424.º do cc
28 - Apesar do Tribunal a Quo admitir, na sentença recorrida, a existência de uma deliberação anterior à ora impugnada, que impede os Recorrentes de usarem o vão de escadas e elevadores, acaba por retirar uma conclusão errada em relação à deliberação impugnada. Isto é, admitiu que, mesmo que os recorrentes estejam impedidos de usar determinada parte comum, tenham de arcar com as despesas de conservação das mesmas.
29 - No modesto entendimento dos Recorrentes, o Tribunal Recorrido fez uma errada interpretação do disposto no artigo 1424.º do CC, o qual determina o seguinte:
1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 - As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
5 - Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação. 6 - Caso o estado de conservação das partes comuns referidas no n.º 3 do artigo 1421.º afete o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na proporção indicada no n.º 1, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável.
30 - O Tribunal a Quo entendeu que, as fracções dos Recorrentes, apesar de estarem proibidas do uso dos ascensores, têm a virtualidade de deles se servirem, apesar de não o fazerem.
31 - Acontece que, as fracções dos Recorrentes estão impedidas do uso por uma deliberação válida e anterior à impugnada nos presentes autos.
32 - Por outro lado, determina o n.º 3 do citado preceito, determina que “As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.
33 - E se esse uso está interdito às fracções destinadas ao comércio (propriedade dos Recorrentes), então, nos termos do n.º 3, apenas as fracções destinadas à habitação deverão suportar os encargos com os vãos de escadas e elevadores porque, à saciedade se demonstrou, e resulta da prova gravada, que apenas essas fracções se servem exclusivamente dessas partes comuns do prédio.
IV – Do abuso de direito
34 - A figura do Abuso de Direito, apesar de não invocada na primeira instância, ela é do conhecimento oficioso deste Tribunal Ad Quem.
35 - No entanto, o que está patente nos presentes autos, e admitido na sentença recorrida é que, as fracções que foram impedidas do uso de elevadores e vãos de escadas, por deliberação que se mantém válida, sejam obrigados a suportar despesas de conservação e fruição daquelas partes comuns que, afinal, estão impedidos de usar.
36 - Quanto ao invocado Abuso de Direito preceituado no art. 334º C.C. consagra dois pressupostos: - que se trate de um acto praticado em conformidade com o direito subjectivo do respectivo titular,
- que o exercício desse direito suplante os limites que a boa fé, os bons costumes (ou o fim social ou económico) desse direito impõem.
37 - Chamando à colação a deliberação vertida na acta n.º ... e, ainda, a deliberação ora impugnada, é manifesto que esta viola o princípio da boa fé e o fim que o artigo 1424.º pretende atingir.
Razões pelas quais, deverá ser procedente o recurso e, consequentemente, a sentença recorrida ser substituída por outra que declare a invalidade e anulabilidade da deliberação impugnada.
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O Recorrido não apresentou contra- alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As conclusões recursivas têm uma função delimitadora das questões a decidir. No vertente caso, são três:
(i) saber se é admissível o recurso de decisão interlocutória, sujeito a apelação autónoma, com a sentença final;
(ii) se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
(iii) se deve ser alterada a decisão de mérito, aferindo-se do sentido e alcance normativo do artigo 1424º, do Código Civil
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III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como assentes na primeira instância os seguintes factos:

1) Encontram-se registadas a favor dos autores, respectivamente, as seguintes fracções autónomas destinadas a comércio, todas situadas no ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descritos na Conservatória de Registo Predial ... sob os n.º ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77..., ...77... e ...77...;
a. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
b. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 AC;
c. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
d. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
e. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 BB;
f. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
g. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
h. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
i. Fracção autónoma designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
2) As referidas fracções autónomas inserem-se num edifício constituído em propriedade horizontal o qual é composto por diversos blocos, com entradas distintas;
3) No dia 6 de outubro de 2020, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária do prédio sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., tendo sido lavrada a acta n.º ...0;
4) O segundo ponto da Ordem de Trabalhos da respectiva convocatória tinha a seguinte redacção: (…) 2) Apresentação, Análise e Deliberação sobre repartição das Despesas e Encargos com os Elevadores, pelos Condóminos Proprietários das fracções Destinadas a Atividades Económicas; (...);
5) No âmbito daquele segundo ponto constante da Ordem de Trabalhos, o presidente apresentou parecer jurídico no sentido de que os lojistas não deverão participar “nas despesas de conservação dos elevadores do prédio, quando das suas lojas não têm acesso direto ao interior do prédio e aos elevadores”;
6) Colocado à votação aquele ponto da ordem de trabalhos, foi sido deliberado, por maioria dos condóminos presentes, o seguinte: “aos proprietários das fracções destinadas a actividades económicas, contribuirão nas despesas e encargos com os elevadores, a partir de Abril de 2021, sendo que associada à despesa de manutenção dos elevadores, estão as rubricas “Limpeza”, ”Água”, “Eletricidade”, nas quais passam também a contribuir, tendo em conta que estes condóminos estão de facto a beneficiar e a usufruir dos referidos serviços”;
7) A deliberação referida em 6) contou com os votos favoráveis correspondentes à permilagem 467,43, representativos das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...;
8) A deliberação referida em 6) contou com os votos desfavoráveis correspondentes à permilagem 252,01, representativos das fracções ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., e “J”, propriedade dos aqui autores;
9) Inexistiram quaisquer abstenções;
10) Tal como resulta da descrição das fracções e do título constitutivo da propriedade horizontal, as fracções autónomas identificadas em 1) têm os seguintes números de entrada;
a. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;---
b. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 AC;---
c. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;---
d. A a fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;---
e. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 BB;---
f. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;---
g. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;---
h. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...;---
i. A fracção ..., tem entrada pelo n.º ...3 ...;---
11) Todas as restantes fracções não se destinam a comércio, nem se situam no ... do prédio, e têm as respectivas entradas pelos n.ºs ..., ..., ... e ...;
12) A entrada para as lojas, todas situadas no ... do prédio referido em 1) é autónomo para cada uma das fracções e faz-se directamente da via pública;
13) O acesso para as fracções destinadas a habitação faz-se através de entrada comum a estes, pelas entradas n.ºs ..., ..., ... e ...;
14) Os autores não têm a chave de entrada de acesso aos números de porta referidos em 13);
15) Todas as fracções referidas em 1) têm acesso ao interior do prédio, mais concretamente, a partes comuns do mesmo, tais como escadas e elevadores, por possuirem dependências na cave do edifício;
16) A fracção ... é composta por Loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
17) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio e serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave, designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 AC;
18) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio e serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave, designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 BB;
19) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
20) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
21) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
22) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...;
23) A fracção ... é composta por loja no ... destinada a actividades económicas, designadamente comércio, serviços, restauração e bebidas e uma dependência de apoio na cave designada pela letra ..., com entrada pelo n.º ...3 ...;
24) Todas as dependências de apoio das fracções descritas em 1) situam-se na cave (onde também se situam as garagens dos demais condóminos) onde todos os condóminos se podem servir das escadas e elevadores, como meios de circulação vertical do edifício;
25) É possível aos autores ou os seus funcionários, quando acedem às dependências que as suas fracções possuem na cave – onde armazenam bens para o exercício das suas actividades – acederem às escadas e ascensores comuns para circularem verticalmente no edifício – subindo ao ... através das partes comuns do edifício (escadas, elevadores, átrio) e saindo para o exterior onde se situam as respectivas lojas que confinam com a via publica;
26) Na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos que teve lugar no dia 16 de Maio de 2016, de onde resultou a acta n.º ..., foi deliberado aprovar o documento denominado regulamento interno de condomínio constante a fls 124-128, e que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
27) Na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos que teve lugar no dia de 16 de Agosto de 2019, de onde resultou a acta n.º ..., junta aos autos a fls. 110-112, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, foi colocado à discussão no ponto 1) da Ordem de Trabalhos o seguinte: “Análise, Discussão e deliberação Relativamente ao uso do elevador por parte da zona comercial”;
28) Colocado a votação foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes, “proibir a utilização dos elevadores por parte dos condóminos da zona comercial. Nesse sentido deve ser alterado o código de entrada no edifício de forma a vedar àqueles condóminos o acesso ao patamar de entrada de acesso às habitações”.
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3.1.2. Factos Não Provados

A. Que os lanços de escadas e elevadores sirvam exclusivamente as fracções destinadas a habitação;
B. Que os autores não tenham outro meio de acesso (para além da chave de entrada) às partes comuns do interior do prédio, tais como os vãos de escadas ou elevadores;
C. Que os autores se sirvam frequentemente das escadas e ascensores do prédio para transportarem bens que armazenam nas suas dependências para o exercício das suas actividades.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da admissibilidade ou inadmissibilidade de recurso de decisão interlocutória, sujeito a apelação autónoma, com a sentença final

Com o presente recurso pretendem os recorrentes, além do mais, reagir contra o despacho saneador que julgou partes ilegítimas cada um dos condóminos individualmente representados, absolvendo-os da instância.
Estamos, portanto, perante uma decisão que, sem pôr termo ao processo, absolveu alguns dos réus da instância.
Partindo da conformação dada à pretensão recursória, importa considerar a identificação das situações em que cabe a interposição da apelação autónoma, questão essencial com vista a evitar o efeito de caso julgado formal provocado pela omissão da sua interposição atempada.
A decisão judicial transita em julgado quando já não é suscetível de reclamação nem de recurso ordinário, nomeadamente quando nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais (artigo 628.º do Código de Processo Civil).
Como é sabido, só no caso das apelações que não sobem autonomamente, as decisões interlocutórias podem ser atacadas (desde que recorríveis), nos termos do artigo 644º, nº 3, do Código de Processo Civil, mediante recurso interposto com a decisão final ou daquela que conheça parcialmente do mérito de alguns pedidos ou que determine a absolvição da instância de algum ou alguns réus, por não se encontrarem cobertas pelo efeito de caso julgado formal.
Como ensina Lebre de Freitas “dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida.”
Assim, como se escreveu no Acórdão do STJ de 09.11.2015 “quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal.”[i]
Consequentemente:
No despacho saneador, foi decidido julgar cada um dos condóminos individualmente representados, partes ilegítimas, absolvendo-os da instância.
 Por força do disposto no artigo 644º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação autónoma do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
O prazo para a interposição do recurso é 30 dias, como prescreve o artigo 638º, nº1.
Discordando da decisão que julgou uma parte ilegítima, absolvendo-a da instância, teriam os autores que atacar essa decisão, como decorre do disposto no artigo 644º, do Código de Processo Civil, mediante recurso autónomo, a interpor no prazo geral de 30 dias e com subida imediata e em separado - artigos. 638º, nº 1 e 645º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, pelo modo e no prazo legalmente previstos, a decisão de absolvição de alguns dos réus da instância por ilegitimidade transitou em julgado.
Tendo transitado em julgado, a decisão tornou-se definitiva e consolidada na ordem jurídica.
Logo, a impugnação daquela decisão no presente recurso é inadmissível, dela não podendo este Tribunal conhecer, o que se decide.
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3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Os recorrentes consideram incorretamente julgada a matéria constante dos pontos 15, 24 e 25 dos fatos provados e os pontos A) e B) da matéria de facto não provada.

Não lhes assiste razão.

Os factos 15, 24 e 25 têm o seguinte teor:
15) Todas as frações referidas em 1) têm acesso ao interior do prédio, mais concretamente, a partes comuns do mesmo, tais como escadas e elevadores, por possuírem dependências na cave do edifício;
24) Todas as dependências de apoio das frações descritas em 1) situam-se na cave (onde também se situam as garagens dos demais condóminos) onde todos os condóminos se podem servir das escadas e elevadores, como meios de circulação vertical do edifício;
25) É possível aos autores ou os seus funcionários, quando acedem às dependências que as suas frações possuem na cave – onde armazenam bens para o exercício das suas atividades – acederem às escadas e ascensores comuns para circularem verticalmente no edifício – subindo ao ... através das partes comuns do edifício (escadas, elevadores, átrio) e saindo para o exterior onde se situam as respetivas lojas que confinam com a via publica.
Por sua vez, e inversamente, os factos não provados A) e B) têm a seguinte redação:
A. Que os lanços de escadas e elevadores sirvam exclusivamente as frações destinadas a habitação;
B. Que os autores não tenham outro meio de acesso (para além da chave de entrada) às partes comuns do interior do prédio, tais como os vãos de escadas ou elevadores.
A factualidade em causa prende-se com o acesso por parte dos proprietários das frações comerciais ao interior do prédio, mais concretamente, as partes comuns como escadas e elevadores.
Ora, estes factos foram julgados como provados (e inversamente como não provados) a partir da perceção direta que o Tribunal a quo teve do prédio em discussão,  e dos meios de acesso (não só pelo interior das portas de entrada, como também pelo portão da garagem), incluindo as respetivas lojas, garagens, e arrecadações, tal como decorre do teor do auto de inspeção ao local.
Pela sua pertinência e relevância, transcreve-se o que ficou consignado no auto de inspeção ao local:
«Chegados ao local o Tribunal começou por aferir se as frações autónomas propriedade dos aqui autores tem ou não acesso direto à via pública, tendo verificado que:
• A fracção autónoma ... propriedade da autora AA, têm acesso à via pública através do número de porta ...3 ...;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores BB e esposa CC, têm acesso à via pública através do número de porta ...3 AC;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores DD e esposa EE, têm acesso à via pública através do número de porta ...3 ...;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores DD e esposa EE, têm acesso à via pública através do número de porta ...;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores FF e esposa GG, têm acesso à via pública através do número de porta ...3 BB;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores HH e II, têm acesso à via pública através do número de porta ...;
• As fracções autónomas ... e ... propriedade dos autores JJ e esposa KK, têm acesso à via pública através dos números de porta ...3 ... e ...;
• A fracção autónoma ... propriedade dos autores LL e esposa MM, têm acesso à via pública através do número de porta ...3 ...;
De seguida, verificou-se que o prédio dispõe de quatro portas de entrada de acesso ao interior do edifício, aqui se incluindo as fracções e acesso de portas, respectivamente com os números ..., ..., ... e ....
O acesso da rua para o prédio é feito mediante a inserção de um código de acesso digital.
O acesso do prédio para a rua é feito através de um trique da porta.
Acedendo ao edifício através da pota ..., constata-se que o acesso às demais dependências do prédio pode ser feito pelo elevador (que serve os andares -1, 0, 1, e 2) e pelas escadas (que permite o acesso aos mesmos andares).
Descendo ao piso -1 através de escadas, constata-se, ser possível aceder às seguintes dependências:
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa às fracções ... e ... identificadas pelas letras ... e ....
• Garagem relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
• Dependência relativa à fracção ... identificada pela letra ....
Constatou-se através das portas de acesso números ..., ... e ..., é possível aceder através de elevador ou de escadas ao piso -1, e às dependências acima identificadas.
O acesso ao piso -1 pode ainda ser feito por viatura automóvel, é feito através de portão de garagem, com acesso á via pública».
Donde, da inspeção ao local decorre objetivamente que:
- todas as lojas têm dependências/ arrecadações na cave, sendo tais dependências utilizadas (ou pelo menos passíveis de ser utilizadas) pelos lojistas ou seus funcionários;
- os lojistas podem aceder sem dificuldade às respetivas dependências/ arrecadações na cave através do portão da garagem;
- a garagem (cave) é servida por escadas e por elevadores, podendo os autores aceder às partes comuns do prédio, designadamente utilizando o seguinte percurso: acesso pelo portão exterior da garagem, utilização das escadas ou elevadores (que dão acesso, entre outros, ao piso 0) e saída para o exterior, para o que não é necessário chave ou código de acesso.
Assim, independentemente da maior ou menor utilização das escadas ou dos elevadores como forma de aceder de e para as suas arrecadações, o que se demonstrou de forma objetiva é que nada impede os autores de utilizarem as escadas e elevadores, mesmo não se encontrando munidos das chaves ou códigos de acesso das portas que dão para a via pública. De igual modo, resultou demonstrado que as dependências/ arrecadações são servidas tanto por escadas como por elevadores, independentemente da maior ou menor utilização que lhes seja dado a casa momento.
Em momento algum da sua impugnação os recorrentes põem em crise o que resulta do auto de inspeção ao local e que, objetivamente, contraria a sua versão dos factos.
Ademais, não se alcança em que é que o depoimento de OO contraria a decisão de facto, sendo que as acríticas transcrições do seu depoimento não conduzem ao resultado propugnado pelos impugnantes.
Ora, como afirma Ana Geraldes[ii] “(…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
E prossegue a autora dizendo que “neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Concluindo que “exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.”
A prova produzida, considerada na sua globalidade e por referência às regras da experiência comum, não impõe decisão diversa (artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil), pelo que os pontos relacionados com a impugnação, não merecem acolhimento, sendo a decisão de facto correspondente à realidade processualmente adquirida.
Nestes termos, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.
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3.2.3. Sentido e alcance normativo do artigo 1424º, do Código Civil
A questão posta no recurso prende-se com a validade de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos sobre a repartição de despesas e encargos com os elevadores pelos condóminos proprietários de frações destinadas a atividades económicas
Em termos normativos a questão convoca a interpretação que deve ser dada ao disposto no artigo 1424º, do Código Civil.
O preceito legal (na redação dada pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto, em vigor à data dos factos) tem o seguinte teor:
«1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4 - Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
5 - Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»
Fixa-se no nº1 a regra geral supletiva – pois só vigora quando os interessados não estipulem regime diverso -, de que as despesas de conservação e de fruição das coisas comuns e o pagamento dos serviços de interesse comum recaem sobre os condóminos, cada um contribuindo na proporção do valor das suas frações.[iii]
Os condóminos podem acordar estabelecer formas distintas ou diverso critério de distribuição de encargos, seja no título constitutivo da propriedade horizontal (escritura pública de constituição da propriedade horizontal), seja através do acordo dos condóminos deliberado em reunião da assembleia de condóminos.
Porém, os nºs 3 e 4 constituem regras especiais face aos nos. 1 e 2 do artigo, sendo que “o nº3 parece permitir que se extraia dele uma regra mais ampla, segundo a qual as despesas inerentes à utilização das partes comuns que só sirvam alguns condóminos são suportadas apenas por eles – com a ênfase de que as despesas em causa são só as “correntes”[iv].
Como se afirma no Ac. da RL de 21.02.2020[v], estes nºs. 3 e 4 constituem condicionamentos de conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal, constituindo normas imperativas.
Especificamente na parte relativa às despesas dos ascensores, dispõe a lei que só participam nestas despesas os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
A propósito da aplicação deste critério "ei cui interest", a doutrina e a jurisprudência vem de forma unânime adotando o entendimento propugnado por  Pires de Lima e Antunes Varela[vi] no sentido de que “o que conta para a nossa lei é a destinação objectiva das coisas comuns - é o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio".
A razão de ser da comparticipação dos condóminos nas despesas comuns reside, pois, não na sua efetiva utilização, mas tão só na possibilidade de utilização dessas coisas comuns ao serviço da utilização da fração.
Ainda assim, como bem se salienta na decisão recorrida, é pressuposto dessa obrigação que o condómino de quem se exige o pagamento tenha acesso às partes comuns e delas se possa servir, ou seja, estando em causa partes comuns do edifício de que só alguns condóminos possam usufruir, a regra geral de comparticipação nas despesas de acordo com o valor de cada uma das frações, é alterada através da consagração legal de participação nesses encargos ou despesas daqueles condóminos que não as possam utilizar no âmbito da normal utilização da sua fração.
Na situação em apreço, todos as frações de que os recorrentes são proprietários são servidas pelos elevadores, não só as lojas sitas no ..., como também as respetivas dependências existentes na cave, o que sucede independentemente da utilização efetiva que cada um dos condóminos das frações destinadas ao comércio façam dos respetivos elevadores, ou da circunstância de possuírem o não chaves ou códigos de acesso ao interior do prédio.
Não se pode considerar isento da responsabilidade pelos encargos na conservação e fruição dos elevadores qualquer condómino cuja fração esteja em condições de ser servida por eles, só porque deles se não quer servir, ou porque deles aceitou fazer uma utilização limitada.
Consequentemente, os recorrentes têm o dever de contribuir para as despesas relativas aos elevadores.
Invocam os recorrentes, para se eximir a esta obrigação de pagamento, uma anterior deliberação da assembleia de condóminos, constante da ata nº8, que deliberou proibir a utilização dos elevadores por parte dos condóminos da zona comercial.
Vejamos qual a afetação desta deliberação anterior na validade da deliberação que se impugna, ou se a mesma poderá conduzir a uma situação de abuso de direito.
O condomínio traduz-se numa organização cujo estatuto – de natureza real – é integrado por normas consagradas diretamente na lei, por um título de origem negocial – título constitutivo da propriedade horizontal – e, relativamente à gestão das coisas comuns, pelas deliberações dos condóminos.
As deliberações tomadas em assembleia de condomínio assumem, dentro do instituto de condomínio horizontal, a natureza de tipo negocial autónomo, pelo qual uma pluralidade de pessoas decide por maioria ou por unanimidade sobre interesses próprios comuns.
Como negócio jurídico autónomo, a deliberação pode, eventualmente, padecer de um vício formal ou substantivo, de uma invalidade ou irregularidade suscetível de impugnação por nulidade, anulabilidade ou, simplesmente, ineficácia.
A nulidade encontra-se ligada à violação de preceitos legais de natureza imperativa (normas de interesse e ordem pública) ao passo que a ineficácia se conexiona com o proferimento, pela assembleia, de decisões que exorbitam a sua esfera de competência.
Para todas as outras ilegalidades ou decisões contrárias aos regulamentos anteriormente aprovados a sanção é a anulabilidade (artigo 1433.º, n.º 1 do Código Civil).
Quando se impugna uma deliberação, a intervenção jurisdicional cingida à violação da lei ou dos regulamentos em vigor, limita-se a uma simples fiscalização da legalidade, não cabendo ao tribunal a apreciação do mérito da deliberação, na tarefa de saber se a deliberação foi ou não a mais conveniente para os interesses dos condóminos.[vii]
Por outro lado, as deliberações validamente constituídas só deixam de vigorar se uma outra deliberação, validamente formada e adotada, as venha a derrogar, modificar ou substituir por outra que lhes retire a eficácia deliberativa, validamente formada e constituída[viii].
Analisado o teor da ata n.º 8 donde consta a deliberação aprovada no sentido de “proibir a utilização dos elevadores por parte dos condóminos da zona comercial”, da mesma não consta qualquer deliberação quanto à exclusão daqueles condóminos da participação para as despesas relativas aos elevadores.
Não cabendo aqui tecer considerações acerca do mérito de tal deliberação, a verdade é que o seu conteúdo não permite concluir que os condóminos quiseram excluir os proprietários das frações destinadas ao comércio da participação das despesas relativas aos elevadores.
Ademais, do teor literal daquela ata não resulta a intenção de vedar o acesso por meio dos elevadores de quem provém das dependências ou arrecadações sitas na cave afetas às frações comerciais.
Em boa verdade, desconhece-se o real contexto, sentido e alcance daquela deliberação, por se tratar de matéria que os recorrentes só em sede de recurso lançam mão, com a extensão de lhe assacar uma “limitação convencional” ao uso dos elevadores pelos logistas e, por consequência, a atual exigência do pagamento das suas despesas constituir um abuso de direito.
Importará, a propósito, evidenciar que as partes comuns são coisas funcionalmente adstritas às várias frações autónomas do prédio pelo que a lei proíbe a renúncia abdicativa liberatória do direito do condomínio à titularidade das mesmas (artigo 1420.º, n.º 2, do Código Civil).
Uma tal renúncia se deliberada ou se prevista no título constitutivo, dependeria sempre quanto à sua validade do modo como foi formada a vontade nesse sentido, nomeadamente se inclui a vontade unânime dos condóminos ou não, ou se estivesse prevista no título constitutivo as circunstâncias que a rodearam.
Essa alteração tem de resultar da vontade unânime dos condóminos, consubstanciada em escritura pública, pois trata-se da modificação do título constitutivo, tal como decorre do artigo 1419.º, nº. 1, Código Civil.
E entende-se que assim seja, pois colide com o princípio base do regime da propriedade horizontal na parte respeitante à compropriedade das partes comuns: o da proporcionalidade nos encargos comuns[ix].
Nesta conformidade, declara expressamente o artigo 1420.º, nº2, do Código Civil que não é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.
Em suma, para que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício deixem de ser pagas pelos condóminos em função do valor das quotas é necessário que tal resulte do título constitutivo da propriedade horizontal ou resulte da vontade unânime dos condóminos[x].
Ora, nenhuma daquelas situações se verificou.
Quanto ao invocado abuso de direito, o mesmo não tem substrato factual para vingar.
Na verdade, o exercício do direito pelos condóminos de deliberarem que os proprietários das frações destinadas a atividades económicas, contribuam nas despesas e encargos com os elevadores, a partir de abril de 2021, tendo em conta que estes condóminos estão de facto a beneficiar e a usufruir dos referidos serviços, não é contrario à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico que desse direito emerge.
Podem os recorrentes questionar a validade intrínseca da anterior deliberação, pois que se não é lícito ao condómino renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua fruição, é no mínimo discutível que possa o condomínio afastar o condómino da fruição de uma parte comum como meio de evitar despesas.
A questionação da bondade da anterior deliberação não torna a presente nula por não ser abusivo o direito através dela exercido.
Não é legitimo considerar que os restantes condóminos exercitam o seu direito de exigir a comparticipação nas despesas dos elevadores fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito destes ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito de que são titulares e as consequências a suportar por aqueles contra o qual é invocado.

Havermos, assim, de concluir nos termos da decisão recorrida:

1. As despesas efetuadas e a efetuar nos elevadores são da responsabilidade de todos os condóminos, cabem no nº 1 do artigo 1424º do Código Civil pelo que deverão ser suportadas por todos;
2. O facto de existir uma deliberação a proibir o uso dos elevadores por parte dos proprietários das frações destinadas ao comércio não infirma a conclusão anterior;
3. As deliberações ora postas em crise não contrariam o regime previsto no artigo 1424.º do Código Civil, pelo que não estão feridas de qualquer desvalor jurídico.
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Sumário:

I - As despesas de conservação e de fruição das coisas comuns e o pagamento dos serviços de interesse comum recaem sobre os condóminos, cada um contribuindo na proporção do valor das suas frações (artigo 1424º, do Código Civil).
II - As despesas relativas a coisas comuns que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
III - O que conta é a destinação objetiva das coisas comuns, isto é, o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, e não o uso que efetivamente faça delas.
IV - Não é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (artigo 1420.º, nº2, do Código Civil).
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 02 de Março de 2023

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes



[i] Disponível em www.dgsi.pt.
[ii] In “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, pag. 5.
[iii] Neste sentido, Rui Vieira Miller, “A Propriedade Horizontal no Código Civil”, Almedina, pag. 202.
[iv] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, p. 260.
[v] Disponível em www.dgsi.pt.
[vi]  In Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed, pag 432.
[vii] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, III, pag. 449.
[viii] Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 30.10.2018, disponível em www.dsgi.pt.
[ix] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 12.11.2009, disponível em www.dsgi.pt.
[x] Assim, também o acórdão da Relação de Guimarães, de 24.10.2019, disponível em www.dsgi.pt.