Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1315/14.6TBGMR.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: CIRE
PER
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Atento o disposto no artº 17º-G, do CIRE, não é permitido ao devedor instaurar sucessivos processos de revitalização sem ter que observar o referido período legal de carência, mesmo no caso de desistência da instância, sob pena de estar encontrada a forma ideal daquele fazer paralisar indefinidamente todas as acções judiciais para a cobrança de dívidas, pendentes ou a instaurar, assim como os processos de insolvência anteriormente instaurados
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da relação de guimarães

1.Relatório.
1. J… requereu este processo especial que a Lei 16/2012, de 20.04, introduziu no CIRE As normas legais que se indiquem sem expressa referência a outro diploma legal pertencem a esse CIRE, Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas aprovado pelo Dec-Lei nº 53/2004, de 18/03, alterado pelos Decretos-Leis nº 200/2004, de 18/09, nº 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho e 185/2009, de 12 de Agosto. nos artigos 17º-A a 17º-I, com vista a estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com eles um acordo conducente à sua revitalização económica.
Foi nomeado Administrador Judicial, que veio a apresentar a lista provisória de créditos nos termos e para os efeitos do disposto no nº3 do artigo 17º-D, a qual mereceu a impugnação por parte de alguns credores e, sem que as impugnações tenham sido objecto de decisão pelo tribunal, iniciou-se a fase de negociações nos termos do nº5 do artigo 17º-D.



2.Por requerimento datado de 13.10.2014, alegando não haver possibilidade de se saber da viabilidade do plano e da sua consequente aprovação – não querendo os credores votar sem que o seu crédito seja resolvido e estabilizado – e tendo o intuito de lançar mão de um novo PER, a requerente veio declarar a desistência do processo nos termos do artigo 17º-G, nº5, conjugado com o artigo 21º.
Por informação escrita de 17.10.2014 e 28.10.2014, a Sr.ª Administradora Judicial Provisória declarou não nada ter a opor à desistência apresentada.
3. Por despacho de 07.11.2014, foi proferido o seguinte despacho: «Ao abrigo do disposto no artigo 17º-G, nºs 1 e 5, do CIRE, declara-se encerrado o presente processo. Notifique a Sr.ª Administradora Judicial provisória para emitir parecer a que se alude no nº4 do mesmo preceito legal, em 5 dias».
4. Nesse mesmo dia 07.11.2014 a requerente solicita ao tribunal a prolação da decisão a declarar extinta a instância nos termos do artigo 277º, d), do C.P.C., invocando a aplicação do artigo 21º do CIRE para sustentar a admissibilidade da desistência da instância, posição que foi secundada pela A.J.P. Conclusos os autos, foi então proferido o seguinte despacho: «Requerimentos que antecedem: nada a ordenar, em face do despacho já proferido em 7 de Novembro de 2014. Renova-se a notificação ordenada à Sr.ª AJI com a mesma data».

5. Por posterior requerimento datado de 3 de Dezembro de 2014, a AJP solicitou o encerramento do processo, juntamente com o parecer nos termos do nº4 do artigo 17º-G, onde conclui: «Assim, e face ao exposto, encontra-se a devedora em situação de insolvência actual, nos termos que vêm definidos no nº1 do artigo 3º do CIRE, pelo que deverão os presentes autos ser encerrados e convertidos em processo especial de insolvência, nos termos do nº4 do artigo 17º-G do CIRE, o que será feito pela signatária por requerimento próprio.
6. No subsequente despacho de 10.12.2014, consigna-se: «O processo foi já declarado encerrado em 7 de Novembro de 2014, por a devedora ter posto termo às negociações (cfr. despacho de fls. 566). Vi o parecer que antecede. O requerimento de insolvência a apresentar pela Sr.ª AJP deverá ser dirigido à secção de comércio competente, sendo oportunamente apendados os presentes autos».
7. Em 19.01.2015, a AJP informou que a devedora requereu novo PER e que em 07.01.2015 foi proferido despacho de nomeação de AJP no âmbito do processo nº. 6366/14.8t8vnf, do Tribunal de VNF-Instância Central- 2ª Secção de Comércio-J2.
8. Em 23.01.2015, a requerente J… argui perante o tribunal recorrido as nulidades do artigo 195º e 200, nº3, do C.P.C. por não ter sido notificada dos requerimentos/pareceres do AJP de 17.10.2014, 28.10.2014 e 14.11.2014, e por omissão de pronúncia sobre a supra aludida desistência da instância, pretendendo a anulação de todo o processado subsequente a esses actos.
9. Sobre essa arguição de nulidades recaiu o seguinte despacho: «O processo foi encerrado em 7 de Novembro de 2014 por decisão transitada em julgado. Em 19 de Novembro de 2014 foi proferido despacho a consignar nada mais haver a ordenar em relação aos requerimentos apresentados sobre a desistência do processo em virtude de encerramento do mesmo. A devedora requereu novo PER, tendo sido proferido em 7 de janeiro de 2015 despacho de nomeação de AJP (cfr. 593 e 594). Inexistem requerimentos por apreciar e não há qualquer irregularidade no processo. Indefere-se a arguida nulidade. Custas do incidente pela devedora, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC».
10. É desse despacho que indeferiu as por si arguidas nulidades que a requerente do PER recorre, tendo para tanto formulado as seguintes conclusões:
. O Recorrente, na esteira do que vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, requereu a desistência da instância do PER em 13/10/2014, nos termos do art.º 17-G n.º 5 do CIRE conjugada com o art.º 21 do mesmo código (vide acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Proc.º n.º 84/13.1TBGMR.G1 de 01/10/2013 disponivel em www.dgsi.pt).
2ª. “Ao processo especial de revitalização é aplicável o artigo 21º do CIRE com as necessárias adaptações; No processo especial de revitalização, a prolação da decisão declaratória do encerramento do processo marca o limite a partir do qual deixa de poder haver lugar à desistência da instância ou do pedido de revitalização, sendo indiferente o trânsito em julgado desta decisão; Fundamental, para o efeito, é que o requerimento do desistente da instância ou do pedido de revitalização dê entrada antes da prolação da decisão declaratória do encerramento do processo.”
3ª. Sobre este requerimento não recaiu pronúncia até à data.
4ª. Por requerimento de 23/1/2015 de fls (reclamação sobre as nulidades), e apesar do presente processo já se encontrar encerrado por despacho de fls., a devedora/Recorrente, compulsados os autos na data do dito requerimento, deparou que existiam pareceres da Administradora Judicial Provisória (adiante AJP) nos autos, designadamente dos dias 17/10/2014, 28/10/2014 e 14/11/2014 de que a Recorrente não foi pelo tribunal notificada e que vinham até corroborar o solicitado pela Recorrente no requerimento de desistência interposto por este;
5ª. O que configuram nulidades processuais enquadráveis v.g. nos art.ºs 195º e artº 200 n.º 3.
6ª. A omissão de notificação para além de redundar no incumprimento da notificação do Parecer da AJP ao recorrente a todos os credores, incumpre paralelemente com o disposto no artigo 3º, n.º 3 do C.P.C., que pode influir (como influiu) na decisão proferida, pois contende com o exercício do direito ao contraditório, princípio básico que rege o nosso processo civil, do qual poderiam, em abstracto, vir a resultar argumentos não ponderados pelo tribunal ou pela AJP.
7ª. O Juiz a quo não podia tomar a decisão que tomou sem observar o princípio do contraditório, consagrado no nº3 do art. 3º. O que existiu foi a falta de respeito pela obrigação legal de notificação às partes, bem como o seu contraditório, tendo sido decidido encerrar o PER sem pronúncia sobre o despacho de desistência e sem notificação de peças do processo às partes, o que acarreta uma nulidade de processo, e não uma nulidade do próprio despacho.
8ª. O que é certo é que o Juiz a quo proferiu um despacho decidindo uma determinada questão sem previamente se pronunciar acerca do requerimento de desistência requerida pelo Recorrente e sem possibilitar/notificar às partes todos os atos (parecer da AJP de 17/10/2014, 28/10/2014 e 14/11/2014) de processo determinantes para se pronunciem sobre ela.
9ª. A decisão recorrida deve ser anulada, e com ela os termos subsequentes que dela dependam absolutamente.
II. Colhidos os vistos, cumpre decidir:
a) O tribunal omitiu pronúncia sobre o requerimento da apelante datado de 13.10.2014, onde declara desistir da instância nos termos dos artigos 17º-G, nº5, e 21º, do CIRE?
b) Em obediência ao princípio do contraditório ínsito no artigo 3º do C.P.C., deveria ter sido notificada a apelante dos aludidos pareceres da AJP de 07.10.2014, 27.10.2014 e de 03.12.2014?
c) A merecerem resposta afirmativa as anteriores questões, estão verificadas as nulidades processuais dos artigos 195º 2 200º, nº3, do Código de Processo Civil, devendo ser anulado todo o processado subsequente a tais actos?

Apreciando:


1.A lei nº.16/2012, de 20 de Abril, introduziu o processo especial denominado de revitalização, destinando-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente á sua revitalização (artigo 17º-A), e não para iludir ou retardar a declaração de insolvência.


O processo negocial, embora orientado pelos princípios aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº.43/2011, de 25 de Outubro (artigo 17º-D, nº10), tem um cariz eminentemente privado, sob fiscalização e mediação do administrador judicial provisório (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 161). Daí ser permitido ao devedor de a qualquer altura pôr termo às negociações enquanto não haja acordo, sem necessidade de alegar a causa ou a razão da desistência – cfr. nº5 do artigo 17º-G – outras situações ditam o encerramento do processo negocial: se o devedor ou no caso de a maioria dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar o acordo, ou se for ultrapassado o prazo previsto para as negociações, que é de 2 meses segundo o nº5 do artigo 17º-D, com a possibilidade de ser prorrogado por um mês (nºs 1 e 5, do artigo 17ºG). Dessa prerrogativa já não beneficia o devedor no processo de insolvência, que não pode desistir validamente da instância e/ou do pedido, como expressamente está estabelecido no artigo 21º, em vão evocado nas alegações e conclusões de recurso- segundo esse preceito, «salvo nos casos de apresentação à insolvência, o requerente da declaração de insolvência pode desistir do pedido ou da instância e do pedido até ser proferida sentença…»(sublinhado nosso).
Uma vez apresentada a desistência, o tribunal declara o termo do processo de revitalização nos termos do nº6 do artigo 17º-G (o normativo usa a expressão termo do processo, mas nada obsta à utilização doutra terminologia, v.g. extinção da instância do processo de revitalização) e ordena que o Administrador Judicial emita parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência, para os efeitos do nº4 do artigo 17º-G, normativo ditado em defesa dos interesses dos credores e de interesses públicos gerais.





Foi o que sucedeu nestes autos. Depois do devedor ter comunicado no aludido requerimento de 13 de Outubro/2014 (fls. 513) que pretendia a desistência do processo e invocando o nº5 do artigo 17º-G – que se refere à faculdade do devedor pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer cauda- bem andou o tribunal ao decretar o encerramento deste processo de revitalização no despacho exarado a fls. 566, e ao ordenar que o AJP elaborasse parecer sobre se o devedor se encontrava na situação de insolvência, e só com propósitos dilatórios se pode dizer que o tribunal omitiu pronúncia quanto a esse aspecto.




O recorrente não questiona sequer no recurso que a sua vontade fosse no sentido de pôr termo ao processo, e ademais a lei também não exige a observância de qualquer especial formalidade ou termos específicos para fazer a declaração da desistência (o importante é que transpareça da comunicação/requerimento a vontade do devedor em não continuar o processo negocial), parecendo pretender apenas contornar os efeitos jurídicos que o CIRE estabelece nos nºs 4 e 6 do artigo 17º-G para o caso de o processo ser encerrado antes de as negociações terminarem sem a aprovação do plano de recuperação, isto é, o impedimento de recorrer ao processo de revitalização nos 2 anos seguintes, e a declaração de insolvência que pode advir do parecer que nesse sentido seja elaborado e apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório.



Que assim parece ser, basta verificar que o devedor já deu entrada doutro PER sem respeitar o período de carência fixado no nº6 do artigo 17º-G, e depois da Administradora Judicial Provisória ter apresentado parecer no sentido da declaração da insolvência. Caso lhe fosse permitido instaurar sucessivos processos de revitalização sem ter que observar o referido período legal de carência, estaria encontrada a forma ideal do devedor fazer paralisar indefinidamente todas as acções judiciais para a cobrança de dívidas, pendentes ou a instaurar, assim como os processos de insolvência anteriormente instaurados – é que, segundo o nº1, do artigo 17º E, «A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade…» e nos termos do seu nº6 «Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a), do nº3, do artigo 17º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência…».

O recorrente refere a omissão de pronúncia sobre a questão da desistência do processo quando foi esse o fundamento que ditou o encerramento do mesmo, e surpreende a evocação do princípio do contraditório ínsito no normativo do nº3 do artigo 3º do CPC por essa decisão não ter sido precedida da sua audição sobre os pareceres do Administrador Judicial Provisório, sabendo que este não tinha suscitado qualquer questão de facto ou de direito sobre a requerida desistência, antes se limitou a secundar as posições do devedor.



A devedora é pelo menos ambígua e pouco transparente na explicitação da sua concreta pretensão, e só na aparência discorda do despacho recorrido. Se entende que a extinção da instância nos termos do artigo 277º, d), do CPC com fundamento na desistência da instância acarreta outros efeitos jurídicos que não os estabelecidos nos nºs 4 e 6 do artigo 17º-G, então está claramente a fazer uma interpretação errada do regime legal específico do processo de revitalização.



Aliás se entendia que alguma questão não fora apreciada no despacho que declarou o encerramento do processo de revitalização ou se esperava uma decisão de diferente conteúdo e extensão deveria tê-lo manifestado pela interposição do competente recurso.
Tendo esse despacho transitado em julgado, nada mais havia que decidir, como bem salientou a Sr.ª Juíza a quo nos posteriores despachos exarados, impondo-se consequentemente que a devedora acate e observe o legal período de carência de dois anos estabelecido no nº6 do artigo 17º-G e que a Administradora Judicial Provisória proceda conforme lhe foi determinado, requerendo no tribunal competente a declaração de insolvência do devedor, com oportuna apensação deste processo de revitalização.

III. Pelos fundamentos enunciados, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, e consequentemente mantêm o despacho recorrido.
Custas pela apelante.

TRG, 25.06.2015


(Heitor Gonçalves)


(José Raínho)



(Carvalho Guerra)