Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
Descritores: | DESPACHO DE PRONÚNCIA RECURSO ABERTURA DE INSTRUÇÃO ASSISTENTE MINISTÉRIO PÚBLICO ARQUIVAMENTO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/17/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO ATENDIDA | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
Sumário: | I – A decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução do assistente, tendo o MºPº arquivado o inquérito, é recorrível, nos termos do artº 399º, do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | Reclamante: V. F. (arguido); Recorrido: L. A. (assistente); ***** I - RelatórioV. F. veio reclamar do despacho da Srª. Juíza da Comarca de Braga – Juízo de Inst. Criminal de Braga - J1, datado de 27.06.2019, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, por inadmissibilidade, cujo teor é o seguinte: «Fls. 116: O arguido V. F., por via do requerimento em epígrafe, a interpor recurso da decisão instrutória proferida nos autos, a fls. 100 e ss. A questão posta, nesta sede e momento processual, consiste em saber se deve, ou não, admitir-se o recurso interposto. E a resposta é, adiantamo-lo já, negativa. Com efeito, e conforme decorre do que vai disposto na primeira parte do n° 1 do art° 310º do Cód. de Proc. Penal, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos da acusação é irrecorrível. Em face das razões expostas, e ao abrigo do que vai disposto nos art°s 310°, n° 1, 399°. parte final e 414°, n° 2, todos do Cód. de Proc. Penal, não se admite o recurso interposto pelo arguido, da decisão instrutória proferida a fis. 100 e ss. Notifique.». Na perspectiva do reclamante o recurso deveria ter sido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente, os seguintes fundamentos: 1. A decisão instrutória só é irrecorrível quando existe nos autos um despacho de acusação, proferido pelo Ministério Público e a decisão instrutória pronunciar pelos mesmos factos da acusação. 2. Compulsando os presentes autos é evidente que o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento e por isso ao arguido não foi imputado qualquer tipo de crime. 3. Ora, o assistente, não se conformando com o despacho proferido, requereu a abertura da fase facultativa de Instrução, e pugnou no seu Requerimento de Abertura de Instrução pela pronúncia do arguido e submissão a julgamento, por entender que existiam nos autos indícios suficientes da prática do crime por aquele. 4. Realizado o debate instrutório, foi proferido nos autos o despacho de pronúncia nos autos, e agora colocado em crise pelo aqui Reclamante. 5. Os argumentos supra aduzidos demonstram que o despacho de pronúncia não acusa pelos mesmos factos constantes do despacho proferido pelo Ministério Público. 6. E nem podia, face à posição diametralmente oposta entre o despacho proferido pelo MP e o despacho de pronúncia. 7. Por isso, os factos indiciados no despacho de pronúncia não são, não podem ser e nem poderão ser os factos constantes da acusação, porque esta não existe nos presentes autos. Pede que se seja dado provimento à presente Reclamação e, em consequência, se admita o recurso interposto. * II – Fundamentação:As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra, nomeadamente as mencionadas nos pontos 2, 3 e 4 supra. Apreciando: Atento o disposto no artº 405º do Código de Processo Penal (CPP), do despacho que não admitir ou retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, reclamação cujo exclusivo fim é o de impugnar as decisões que não admitem um recurso ou o retenham, estando arredado do respectivo âmbito a apreciação da bondade do despacho recorrido. Assim, o verdadeiro objecto da reclamação consubstancia-se em saber se se mostram preenchidos os requisitos processuais para que seja recorrível a decisão em crise. O recurso constitui um meio de impugnação de decisão judicial. Procura-se, através dele, eliminar os defeitos de que eventualmente aquela padeça, submetendo-a a nova apreciação por tribunal superior. No âmbito do processo penal está consagrado o princípio da recorribilidade (art.º 399º), mas tal não significa que todas as decisões são recorríveis, existindo limites. O legislador ordinário, ponderando os interesses em jogo e a necessária celeridade do processo, terá optado reflectidamente em limitar o recurso em relação a decisões proferidas em determinadas fases processuais. É precisamente o caso de a decisão instrutória pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, a qual tornou irrecorrível, conforme dispõe o art.º 310º, n.º 1 do CPC, determinando a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento. A ratio legis da irrecorribilidade da decisão instrutória configura-se assim com a dupla conformação dos factos vertidos na acusação pública e na pronúncia. No caso sub judice, foi este o argumento - o da decisão instrutória pronunciar o arguido pelos factos da acusação, nos termos do artº 310º, nº 1, do CPP – invocado no despacho reclamado para não admitir o recurso. Só que é manifesto que não ocorre o circunstancialismo previsto neste preceito. A decisão instrutória não pronunciou o arguido por factos da acusação pública, nem por factos da acusação particular, uma vez que o MºPº determinou o arquivamento dos autos, sendo a abertura da instrução requerida pelo assistente. Logo, inexiste fundamento para a irrecorribilidade da decisão de pronúncia do arguido com base no citado artº 310º, nº 1, do CPP, cuja instrução foi aberta a requerimento do assistente em face do despacho de arquivamento dos autos pelo MºPº. Ao invés, é recorrível a decisão de pronúncia do arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura do assistente, quando o MºPº ordenou o arquivamento do inquérito – artº 399º, do CPP. Este entendimento é, aliás, perfilhado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP à luz da CRP e da CEDH, 2ª ed., pág. 782, e a jurisprudência aí citada: Acórdão do TRL de 27.06.2001, in CJ, XXVI, 3, 158. Neste sentido, veja-se ainda o decidido na Reclamação Penal nº 70/2000 do TRC, de 05.06.2000, in dgsi.pt. Pelas razões acima aduzidas, atende-se a reclamação. Sumariando: I – A decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução do assistente, tendo o MºPº arquivado o inquérito, é recorrível, nos termos do artº 399º, do CPP. III. Decisão Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada pelo reclamante, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão de recurso, se não houver outros fundamentos que obstem a tal. Sem custas. Notifique. Guimarães, 17.07.2019 O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Júlio Costa Sobrinho |