Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
341/18.0T9EPS-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
RECURSO
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
MINISTÉRIO PÚBLICO
ARQUIVAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO ATENDIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução do assistente, tendo o MºPº arquivado o inquérito, é recorrível, nos termos do artº 399º, do CPP.
Decisão Texto Integral:
Reclamante: V. F. (arguido);
Recorrido: L. A. (assistente);
*****
I - Relatório

V. F. veio reclamar do despacho da Srª. Juíza da Comarca de Braga – Juízo de Inst. Criminal de Braga - J1, datado de 27.06.2019, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, por inadmissibilidade, cujo teor é o seguinte:

«Fls. 116: O arguido V. F., por via do requerimento em epígrafe, a interpor recurso da decisão instrutória proferida nos autos, a fls. 100 e ss.
A questão posta, nesta sede e momento processual, consiste em saber se deve, ou não, admitir-se o recurso interposto.
E a resposta é, adiantamo-lo já, negativa.
Com efeito, e conforme decorre do que vai disposto na primeira parte do n° 1 do art° 310º do Cód. de Proc. Penal, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos da acusação é irrecorrível.
Em face das razões expostas, e ao abrigo do que vai disposto nos art°s 310°, n° 1, 399°. parte final e 414°, n° 2, todos do Cód. de Proc. Penal, não se admite o recurso interposto pelo arguido, da decisão instrutória proferida a fis. 100 e ss.
Notifique.».

Na perspectiva do reclamante o recurso deveria ter sido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente, os seguintes fundamentos:

1. A decisão instrutória só é irrecorrível quando existe nos autos um despacho de acusação, proferido pelo Ministério Público e a decisão instrutória pronunciar pelos mesmos factos da acusação.
2. Compulsando os presentes autos é evidente que o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento e por isso ao arguido não foi imputado qualquer tipo de crime.
3. Ora, o assistente, não se conformando com o despacho proferido, requereu a abertura da fase facultativa de Instrução, e pugnou no seu Requerimento de Abertura de Instrução pela pronúncia do arguido e submissão a julgamento, por entender que existiam nos autos indícios suficientes da prática do crime por aquele.
4. Realizado o debate instrutório, foi proferido nos autos o despacho de pronúncia nos autos, e agora colocado em crise pelo aqui Reclamante.
5. Os argumentos supra aduzidos demonstram que o despacho de pronúncia não acusa pelos mesmos factos constantes do despacho proferido pelo Ministério Público.
6. E nem podia, face à posição diametralmente oposta entre o despacho proferido pelo MP e o despacho de pronúncia.
7. Por isso, os factos indiciados no despacho de pronúncia não são, não podem ser e nem poderão ser os factos constantes da acusação, porque esta não existe nos presentes autos.

Pede que se seja dado provimento à presente Reclamação e, em consequência, se admita o recurso interposto.
*
II – Fundamentação:

As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra, nomeadamente as mencionadas nos pontos 2, 3 e 4 supra.

Apreciando:

Atento o disposto no artº 405º do Código de Processo Penal (CPP), do despacho que não admitir ou retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, reclamação cujo exclusivo fim é o de impugnar as decisões que não admitem um recurso ou o retenham, estando arredado do respectivo âmbito a apreciação da bondade do despacho recorrido.

Assim, o verdadeiro objecto da reclamação consubstancia-se em saber se se mostram preenchidos os requisitos processuais para que seja recorrível a decisão em crise.

O recurso constitui um meio de impugnação de decisão judicial. Procura-se, através dele, eliminar os defeitos de que eventualmente aquela padeça, submetendo-a a nova apreciação por tribunal superior.

No âmbito do processo penal está consagrado o princípio da recorribilidade (art.º 399º), mas tal não significa que todas as decisões são recorríveis, existindo limites.

O legislador ordinário, ponderando os interesses em jogo e a necessária celeridade do processo, terá optado reflectidamente em limitar o recurso em relação a decisões proferidas em determinadas fases processuais.

É precisamente o caso de a decisão instrutória pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, a qual tornou irrecorrível, conforme dispõe o art.º 310º, n.º 1 do CPC, determinando a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.

A ratio legis da irrecorribilidade da decisão instrutória configura-se assim com a dupla conformação dos factos vertidos na acusação pública e na pronúncia.

No caso sub judice, foi este o argumento - o da decisão instrutória pronunciar o arguido pelos factos da acusação, nos termos do artº 310º, nº 1, do CPP – invocado no despacho reclamado para não admitir o recurso.

Só que é manifesto que não ocorre o circunstancialismo previsto neste preceito.

A decisão instrutória não pronunciou o arguido por factos da acusação pública, nem por factos da acusação particular, uma vez que o MºPº determinou o arquivamento dos autos, sendo a abertura da instrução requerida pelo assistente.

Logo, inexiste fundamento para a irrecorribilidade da decisão de pronúncia do arguido com base no citado artº 310º, nº 1, do CPP, cuja instrução foi aberta a requerimento do assistente em face do despacho de arquivamento dos autos pelo MºPº.

Ao invés, é recorrível a decisão de pronúncia do arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura do assistente, quando o MºPº ordenou o arquivamento do inquérito – artº 399º, do CPP.

Este entendimento é, aliás, perfilhado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP à luz da CRP e da CEDH, 2ª ed., pág. 782, e a jurisprudência aí citada: Acórdão do TRL de 27.06.2001, in CJ, XXVI, 3, 158.

Neste sentido, veja-se ainda o decidido na Reclamação Penal nº 70/2000 do TRC, de 05.06.2000, in dgsi.pt.

Pelas razões acima aduzidas, atende-se a reclamação.

Sumariando:

I – A decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução do assistente, tendo o MºPº arquivado o inquérito, é recorrível, nos termos do artº 399º, do CPP.

III. Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada pelo reclamante, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão de recurso, se não houver outros fundamentos que obstem a tal.

Sem custas.

Notifique.
Guimarães, 17.07.2019

O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,

António Júlio Costa Sobrinho