Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7180/08.5TBBRG.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: A. COSTA FERNANDES
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 18º, 1, DO DEC.-LEI Nº 211/2004, DE 20 DE AGOSTO.
Sumário:
1. No contrato de mediação imobiliária, o regime de exclusividade visa proteger o interesse da empresa mediadora em só ela diligenciar no sentido da realização do negócio intencionado, de modo a garantir a correspondente remuneração;
2. Essa exclusividade visa, antes de mais, afastar a intermediação de qualquer outra mediadora;
3. Sempre que essa exclusividade se reporte apenas ao direito de promover o negócio intencionado, a mesma tem de ser interpretada restritamente, no sentido de «mediação exclusiva» ou «intermediação exclusiva»;
4. Nesse caso, o comitente não pode diligenciar no sentido de angariar, por si, interessados no negócio, mas não fica inibido de aceitar qualquer proposta que lhe seja apresentada por algum que espontaneamente se lhe dirija;
5. Todavia, se durante a vigência do contrato de medição, em regime de exclu- sividade, a mediadora apresentar ao comitente um interessado no negócio, ele não poderá preteri-lo, sem ficar obrigado a pagar a remuneração acordada, mesmo em face de um outro que lhe ofereça melhores condições;
6. Um regime de exclusividade absoluta (impeditivo da aceitação de propostas não procuradas por parte do comitente) não decorre da letra do art. 18º, 2, a), do Dec.-Lei nº 211/2004, 20/VIII, tendo de ser expressamente convencionado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:
[A] - Mediação Imobiliária, Ldª, pessoa colectiva nº .........., com sede na Travessa .........., Braga, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, na forma sumária, contra:
[B], contribuinte fiscal nº ........., e mulher, [C], contribuinte fiscal nº ........, residentes no Lugar ........., freguesia de Chorense, Terras de Bouro,
Peticionando a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 5.000,00 €, correspondente à remuneração que entende ser-lhe devida, e 1.000,00 € a título de in- demnização por danos não patrimoniais, bem como juros de mora, vencidos e vincen- dos, à taxa legal, contados sobre os indicados montantes, a partir da data do incumpri- mento.
Fundamentou a sua pretensão num contrato de mediação imobiliária, em regi- me de exclusividade, que celebrou com os réus, acabando estes por venderem os imóveis, sem intervenção sua, não lhe tendo pagado a retribuição acordada.
Os réus contestaram, alegando que a autora não promoveu a venda dos imó- veis, nos termos contratados, e propugnando pela improcedência da acção.
Respondeu a autora, consignando que levou a cabo diligências tendentes a ven- der os imóveis, sendo surpreendida pela venda efectuada pelos réus.
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Por sentença de fls. 148 a 153, a acção foi julgada improcedente.
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A autora recorreu da sentença, pretendendo a sua revogação e que a acção seja julgada procedente, tendo e retirado as seguintes conclusões:
1ª A sentença recorrida não logrou alcançar aquele que era o verdadeiro sentido da acção intentada, ao ater-se, na fundamentação da decisão, ao teor do art. 18º, 1, do Dec.-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, que estipula que, no âmbito do contrato de mediação imobiliária, a remuneração só é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação;
2ª Com efeito, salvo melhor opinião, a característica mais relevante e que mais importa reter neste caso é o carácter de exclusividade que presidia ao contrato de mediação celebrado entre recorrente e recorridos;
3ª Conforme se encontra sobejamente demonstrado - designadamente pela leitura do próprio documento, junto com a p. i. -, a situação patente nos autos, nos termos da cláusula 4ª do contrato celebrado entre recorrente e recorridos, configura-se numa exclusividade clara e explícita: só a mediadora tinha o direito de promover o ne-gócio objecto do contrato, durante o período da sua vigência, excluindo-se, assim, não só outras mediadoras, mas também qualquer acção por parte dos próprios comitentes;
4ª De acordo com o artigo 18º, 2, a), do mencionado DL nº 211/2004, exceptu- am-se do disposto no nº 1 (a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação) "os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o pro-prietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração";
5ª Tem sido entendimento mais ou menos comum que esta norma [art. 18º, 2, a)] diz respeito às situações em que o negócio concreto (o contrato-promessa, a escri- tura pública de compra e venda) não se realiza por motivo imputável ao cliente da mediadora;
6ª Ainda assim, preconizamos o entendimento de que, se a mediação assenta num negócio pontual, mas tem um carácter eventualmente duradouro, porquanto o contrato é fixado por um período específico de tempo, durante o qual o mediador se compromete a atingir o objectivo visado; e se, na vigência desse período de tempo e sob o jugo da exclusividade conferida ao mediador, o cliente vende por sua conta o imóvel objecto do contrato, está a inviabilizar um negócio eventual, possível, potencial que, por sua vez, conferiria direitos remuneratórios ao mediador;
7ª Quebrando, assim, a legítima expectativa do mediador e violando o contrato com a mesma gravidade da situação prevista no mencionado artigo 18º, 2, a);
8ª Por outras palavras, analisando a letra e o espírito deste artigo 18º, 2, a), parece-nos evidente que, por maioria de razão, o mediador (neste caso, a recorrente) deveria encontrar-se protegido no montante da remuneração devida em condições normais de cumprimento contratual, sempre que a cláusula de exclusividade firmada seja quebrada e mesmo que ainda não exista um contrato-promessa;

9ª A cláusula de exclusividade é algo que se encontra na disponibilidade das partes e, portanto, se foi aposta no contrato, foi porque as partes assim o quiseram e a isso se decidiram vincular;
10ª No caso em concreto, os réus celebraram livremente um contrato em regime de exclusividade; porém, ao terem, mais tarde, uma oportunidade que (segundo eles) quiseram agarrar, por conta própria, optaram por violar descaradamente a cláusula de exclusividade pactuada, inviabilizando dessa forma o cumprimento do contrato de me-diação;
11ª Sucede que, como em qualquer relação contratual, em toda a mediação deve observar-se o princípio da boa fé, nos termos do artigo 762º, 2, do Código Civil, com todos os deveres principais e acessórios que daí advêm para ambas as partes;
12ª Assim, as partes devem manter-se leais, prevenindo condutas que possam inviabilizar o escopo do negócio; particularmente, não pode o comitente tornar impos- sível o negócio definitivo; isso equivaleria a não agir de boa fé na pendência de uma condição;
13ª Os recorridos não usaram da boa fé contratual quando decidiram agir em detrimento do contrato de mediação e da cláusula de exclusividade nele aposta, blo-queando definitivamente a possibilidade de a recorrente vir ainda a cumprir a sua pres-tação e criando uma situação de inadimplemento definitivo, cuja regulamentação se deve aplicar ao caso;
14ª Nos termos do artigo 801º, 1, do Código Civil, “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culpo- samente ao cumprimento da obrigação”;
15ª “o devedor falta, na verdade, culposamente ao cumprimento da obrigação, se a prestação se tornou impossível por culpa sua. ( ... ) a obrigação não se extingue, ficando o devedor responsável pelo prejuízo que causar ao credor. Considerando-se o devedor, neste caso, responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação, recai sobre ele, igualmente, o encargo da prova da ausência de culpa, que deve ser apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”;
16ª No caso em apreço, o cumprimento do contrato de mediação, por parte da autora, ficou, desde logo, definitivamente impossibilitado, por facto que apenas pode ser imputável aos réus - a venda do imóvel em violação da cláusula de exclusividade;
17ª Tendo-se o objecto do contrato tornado impossível por facto imputável aos recorridos, parece evidente que sobre os mesmos impende a obrigação de ressarcir a recorrente nos termos da responsabilidade civil - artigos 562º e seguintes do Código Civil;
18ª Assim, deverá ser revogada a decisão recorrida e, de acordo com o que foi alegado e peticionado na p.i., condenados os recorridos no pagamento das quantias de 5.000,00 €, valor correspondente ao que seria a remuneração devida pelo cumprimento integral do contrato de mediação imobiliária, e de 1.000,00 € a título de danos não pa-trimoniais, tudo de acordo com o artigo 562º do Código Civil.
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Os recorridos contra-alegaram, propugnando pela confirmação da sentença, tendo consignado, em resumo, que:
1. O regime de exclusividade previsto no contrato implica que só a mediadora tem o direito de promover o negócio do contrato de mediação, durante o respectivo período de vigência;
2. O negócio efectuado pelos réus com o terceiro não foi intermediado por outra mediadora;
3. A autora em nada contribuiu para a efectivação da venda dos imóveis;
4. Essa relação de causa e efeito é um facto integrado no processo constitutivo do direito do mediador à retribuição, pelo que lhe cabia o ónus da respectiva prova, atento o disposto no artigo 342º, 1, do Código Civil – cfr. o Ac. da Relação de Lisboa, de 17-11-2009, Proc. 393/05. 3TCFUN. L1-7;
5. A situação em apreço não configuraria a excepção prevista no artigo 18º, 2, a), do DL. 211/2004, a qual protege as situações em que, apesar da actividade da mediadora ter contribuído para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio, este não se concretiza por culpa do comitente;
6. A actividade da autora em nada contribuiu para a aproximação entre os réus e o terceiro que adquiriu os imóveis;
7. Haverá, deste modo, que concluir que, face à matéria de facto apurada, a autora não tem direito a receber dos réus a remuneração expressamente acordada no contrato que celebraram ou outra qualquer importância a título de indemnização por danos não patrimoniais.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
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Cumpre apreciar e decidir:
II. Questões a equacionar:
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que equacionar as seguintes:
- Se é devida remuneração à autora;
- Se é devida indemnização por danos não patrimoniais.
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III. Fundamentação:
1) Factos provados:
Estão assentes os seguintes factos:
A) A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a actividade de mediação imobiliária;
B) No exercício da sua actividade comercial, a autora foi contactada pelos, ora, réus, para que, em seu nome e no seu interesse, procedesse à angariação de interessados na compra do imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra "M", referente ao 3º andar direito, tipo T-3, sito na freguesia de S. Vicente, na cidade de Braga;
C) E ainda de um trinta avos indivisos da fracção autónoma designada pela letra "A”, correspondente à sub-cave e cave, ocupando a área correspondente aos lotes B e C, na sub-cave, e a área total da cave, destinada a trinta lugares de garagem, com entrada pelo nº..... da Rua ...;
D) Imóveis estes, nessa altura, da propriedade dos réus;
E) A autora e os réus celebraram, em 4 de Janeiro de 2008, contrato de media- ção imobiliária, nos termos do Dec.-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto;
F) Os réus obrigaram-se ao pagamento da remuneração estipulada, no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), pela prestação desse serviço;
G) Mais resulta do contrato que foi celebrado em regime de exclusividade, ou seja, implicando que só a mediadora, ora, autora, tinha o direito de promover o negócio objecto mediato do mesmo, durante o período da sua vigência;
H) O período de vigência contratado foi de seis meses, renovável automatica- mente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes, através de carta registada com AR ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo;
I) Em 27 de Maio de 2008, os réus procederam à venda dos imóveis a [D], sem qualquer intervenção da autora, por título de compra e venda celebrado na Segunda Conservatória do Registo Predial de Braga;
J) Os réus não entregaram à autora qualquer quantia a título de remuneração, na sequência da venda realizada, apesar das diversas insistências por parte da mes-ma, nesse sentido;
K) Nos termos da cláusula segunda, a mediadora, ora, autora, obrigava-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra dos imóveis referidos na cláusula primeira, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de infor- mações sobre os negócios;
L) No momento da assinatura do contrato, a autora comprometeu-se a afixar, ainda nesse mesmo dia, um cartaz de venda na fracção autónoma destinada a habitação.
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2) Enquadramento jurídico:
a) Se é devida remuneração à autora:
Na sentença recorrida, considerou-se que, sendo a mediação imobiliária um contrato de prestação de serviços (cfr. o art. 1154º do Código Civil), a obrigação da mediadora se consubstancia em proporcionar ao comitente um certo resultado da sua actividade, concretamente a realização de um negócio atinente a um determinado bem imóvel. E que só no momento da concretização desse negócio, com a entidade tercei- ra, por ela angariada, é que a mediadora cumpre o fim da mediação.
Por isso mesmo, em conformidade com o art. 18º, 1, do Dec.-Lei nº 211/2004, de 20/VIII (que estabelece o regime legal da mediação imobiliária), a remuneração só é devida à mediadora com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Assim, ainda que a mediadora haja desenvolvido diligências profícuas no senti do de angariar interessado no negócio, se este não se vier a concluir, não há lugar a remuneração. É que, como se refere no Ac do STJ, de 15-11-2007, Proc. 7B3569 (rel: João Bernardo), no contrato de mediação imobiliária, a remuneração só é devida se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato com ela visado. No mesmo sentido, pode ver-se Ac. STJ, de 28-04-2009, Proc. 29/09.3YFLSB (rel: Fonseca Ramos). E, a mesma linha de pensamento está sub- jacente ao Ac. do STJ, de 03-04-2008, Proc. 07B4498 (rel: Santos Bernardino), embora este se reporte a uma situação de nulidade do contrato.
Por sua vez, a autora/apelante sustenta que, tendo o contrato de mediação sido celebrado em regime de exclusividade, só ela tinha direito a promover o negócio objec- to mediato dele, com a exclusão de qualquer outro mediador e dos próprios comitentes (os réus). E que, em face do que estatui o mencionado art. 18º, 2, a), não se tendo chegado a celebrar o contrato intencionado com a mediação, pelo facto de os réus, durante a o prazo de vigência daquela, terem alienado os imóveis, sem a sua interme- diação, tem direito à remuneração ajustada.
De harmonia com o aludido art. 18º, 2, a), a remuneração é devida, quando o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclu- sividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora (comitente). Mas, obviamente, esta norma visa os casos em que a mediadora haja apresentado ao comitente um interessado no negócio, nas condições acordadas, não se concluindo este por acto do cliente daquela.
Todavia, a apelante entende que, sempre que, durante o período de vigência do contrato de mediação, em regime de exclusividade, o comitente frustre a concretização do resultado visado, ajustando directamente e à revelia da mediadora o negócio inten-cionado, a remuneração é devida, «ex vi» do mencionado art. 18º, 2, a), aplicado por maioria de razão.
A questão está, assim, em saber se, no regime de exclusividade, sendo o negó- cio feito entre o comitente e um terceiro, à margem da mediadora, esta tem direito a remuneração; ou seja, se tal regime implica que o próprio comitente não possa diligen- ciar por si no sentido da concretização do contrato almejado.
Não subsistem dúvidas de que o regime de exclusividade visa proteger o inte- resse da empresa mediadora em só ela diligenciar no sentido da realização do negócio intencionado, de modo a garantir a remuneração dos actos materiais que, para tanto, leve a cabo. Essa exclusividade visa, antes de mais, afastar a intermediação de qual- quer outra mediadora. Mas, impõe-se ponderar se a protecção do interesse da media- dora não implica também o afastamento do próprio comitente. Na verdade, este, po- dendo promover por si a realização do contrato intencionado, acabou por decidir recor- rer aos serviços da mediadora, implicando isso que esta haja de levar a cabo diligên- cias tendentes a alcançar essa finalidade, as quais têm custos. Ora, se durante a vi-gência do contrato de mediação, o comitente decidir negociar directamente a realiza- ção do contrato que por via dela visava concretizar e se logra esse objectivo, é eviden- te que frustra de todo o interesse da mediadora, sendo certo que, em termos práticos, e na perspectiva dela, essa situação não difere da que poderia ocorrer com a intermedi- ção de outra.
E pode-se sustentar que, no indicado regime de exclusividade, o contrato de mediação também é celebrado no interesse da mediadora, não devendo o comitente agir de modo a frustrá-lo.
Todavia, não é líquido que se possa dar, sem mais, ao regime de exclusividade uma tão ampla abrangência, quando não lhes sejam fixados contornos mais apertados do que aqueles que resultam da expressão legal.
Nesta conformidade, importa analisar o que foi convencionado quanta a essa exclusividade, interpretando as estipulações contratuais pertinentes, à luz da teoria da impressão do destinatário subjacente ao art. 236º do Cód. Civil, o qual estatui que:
1 - A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colo- cado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2 - Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acor- do com ela que vale a declaração emitida.
E, como se trata de um negócio formal, a interpretação e a integração da decla-ração negocial deverá ter um mínimo de correspondência no texto que a exterioriza -cfr. o art. 238º, 1, do Cód. Civil.
Ora, «in casu», a cláusula 4ª do contrato de mediação estipula:
1 - O Segundo Contratante contrata a mediadora em regime de Exclusividade;
2 - O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência.
Assim, face à letra do nº 2 dessa cláusula, um declaratário normal, colocado na posição dos, aqui, réus, concluiria que lhe estava vedado «promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária», ou seja, diligenciar ele próprio no sentido de angariar eventuais compradores; mas, muito provavelmente, já não se convencia de que lhe estivesse vedado a aceitar qualquer proposta de compra que, porventura, lhe fosse apresentada por alguém que, sem a intermediação da mediadora, se mostrasse interessado no negócio.
Nesta conformidade, entendemos que, em concreto, o termo «exclusividade» se deve interpretar restritivamente, no sentido de «mediação exclusiva», «intermediação exclusiva», implicando que os comitentes não podiam aceitar que qualquer mediadora ou fosse quem fosse diligenciasse com vista a angariar interessados no negócio. E a expressão «só a Mediadora … tem o direito de promover o negócio», que visa delimitar o conceito de «exclusividade», terá de ser interpretada também no sentido de que aos comitentes estava vedado aceitar a intermediação de quem quer que fosse e que nem eles podiam diligenciar no sentido de angariarem eventuais compradores. Mas, estan- do inibidos de tomarem uma posição activa concorrente da levada a cabo pela media- dora; já estamos em crer que não estavam impedidos de, numa situação puramente passiva, aceitarem qualquer proposta que lhes fosse directamente apresentada por algum interessado no negócio que espontaneamente se lhes dirigisse. Com efeito, a letra da cláusula só lhes nega a possibilidade de promoverem o negócio, o que é bem diferente de aceitarem uma proposta negocial que lhes seja espontaneamente apre-sentada.
A nosso ver, um regime de «exclusividade absoluta», representando uma forte restrição à liberdade negocial dos réus e indo para além da mediação, teria de ser expressamente convencionado. Na verdade, em nosso entender, a aceitação de pro- postas não procuradas por parte do comitente da mediação não colide, em princípio, com esta.
É claro que, se, durante a vigência do contrato, a autora/apelante tivesse apre- sentado aos réus um interessado no negócio, eles não poderiam preteri-lo, mesmo em face de um outro que lhes oferecesse melhores condições, sem ficarem obrigados a pagar a comissão estipulada. É que, nessa hipótese, a mediadora havia atingido o resultado visado pelo contrato de mediação, tendo direito à correspondente remunera- ção.
Na verdade, como entendeu no Ac. da RG, de 23-04-2009, Proc. 2207/07.0TBV CT.G1 (rel: Henrique Andrade), publicado «in» www.dgsi.pt, mesmo no regime de mediação livre (ou seja, sem exclusividade), caso o negócio se não conclua por facto imputável ao cliente da mediadora, esta poderá ter direito a ser indemnizada, segundo as regras da responsabilidade civil, pelos prejuízos que tal facto lhe cause. E, no regime de exclusividade, tem direito à remuneração acordada, «ex vi» do mencionado art. 18º, 2, a).
Ocorre que a autora não chegou a apresentar aos réus qualquer interessado na compra dos imóveis, apesar de já terem decorrido mais de quatro meses e meio do período fixado para a mediação, baseando apenas a sua pretensão no facto de, em seu entender, durante a vigência do contrato, os réus não poderem sequer aceitar qual- quer proposta que lhe fosse espontaneamente feita.
Como já ficou dito, não consideramos que o regime de exclusividade acordado tenha a abrangência que a autora lhe quer dar, pelo que, nesta parte, a apelação terá de improceder.
Poder-se-á dizer que, visto desta maneira, o regime de exclusividade não acau- tela suficientemente o interessa da mediadora, a qual poderá levar a cabo actos de pro-moção do negócio intencionado e ver frustrado o previsível resultado dessa sua activi- dade, se alguém se apresentar espontaneamente perante o comitente a negociar com ele. Dir-se-á que se trata da álea própria do contrato de mediação, o qual pressupõe sempre um resultado concreto e não uma mera actividade, que até poderá justificar as altíssimas comissões que são cobradas pelas mediadoras; e, ainda, que estas não estarão impedidas de propor um regime de exclusividade absoluta, o qual, diminuindo bastante essa álea, bem poderia justificar uma redução das comissões.
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b) Se é devida indemnização por danos não patrimoniais:
Não estando os réus inibidos, por força do contrato de mediação, de negociarem a venda dos imóveis com quem espontaneamente se lhes apresentasse mostrando interesse na sua aquisição, é evidente que, ao procederem à sua venda, nos termos referidos na alínea I) do elenco de factos provados, não incorreram em incumprimento contratual, nem praticaram qualquer facto ilícito, pelo que não ficaram adstritos à obri-gação de indemnizarem a autora de quaisquer danos não patrimoniais.
Aliás, importa vincar que, mesmo que os réus tivessem incorrido em responsa- bilidade civil, como a autora não alegou, em concreto, quaisquer danos não patrimo- niais, essa pretensão teria sempre de improceder.
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IV. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela autora.
Guimarães, 2010-04-20
/António da Costa Fernandes/
/Isabel Maria Brás Fonseca/
/Maria Luísa Duarte/