Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
994/15.1T8VNF-G.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
FARMÁCIA
DIRECTORA TÉCNICA
SÓCIA-GERENTE
CONTINUAÇÃO DE FUNÇÕES
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não pode ser (por legalmente incompatível com a gerência), não é de facto (nem de direito), nem se presume ser, um contrato de trabalho, a comunicação feita, pelo administrador, à Directora Técnica de uma farmácia pertença de sociedade unipessoal (de que esta era única sócia e gerente) declarada insolvente, de que, entretanto, devia continuar a exercer apenas aquelas funções mas proibindo-a de praticar quaisquer outros actos, se ela apenas se lá deslocava, sem horários certos, esporadicamente e lá permanecia por curtos períodos, alheando-se das ordens, instruções e de qualquer interacção com o administrador, ausentando-se de férias sem sequer lho comunicar, sendo outra farmacêutica quem, na prática, assegurava tais funções.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A autora MARIA, em 07-12-2015, instaurou, por apenso ao processo de insolvência de AC UNIPESSOAL Lda., pendente no Tribunal de VN de Famalicão, a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum, com benefício de apoio judiciário, contra os réus:

1ª - MASSA INSOLVENTE DE AC UNIPESSOAL Lda., representada pelo Administrador de Insolvência Dr. Rui,
2ª – Sociedade X, LDA;
3ºsCREDORES DA INSOLVENTE AC UNIPESSOAL Lda..

Formulou o pedido de que, julgando-se a acção provada e procedente:

“- se reconheça que existiu um contrato de trabalho entre a A. e a 1.ª R, tendo aquela exercido funções de Directora Técnica Farmacêutica;
- se reconheça que à presente relação laboral se aplica a Convenção Colectiva celebrada entre a ANF e o SNF publicada pelo Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23 de 22/06/2012;
- se reconheça que, segundo a CCT, à categoria da A. de Directora Técnica correspondia uma retribuição de 1.935,75 €uros.
- se julgue ilícito o despedimento da A., ilícito derivado de inexistência de processo disciplinar e inexistência de abandono de trabalho;
- se reconheça que a falta de pagamento dos créditos salariais da A e os créditos decorrentes da cessação ilícita do seu contrato de trabalho, resultam única e exclusivamente da actuação do Sr. Administrador de Insolvência no âmbito do processo de insolvência, enquadram a previsão do Art.° 51 do CIRE, são dívidas da massa insolvente e o pagamento deve ser precípuo do produto da liquidação dos bens da massa, prévio ao pagamento dos créditos reclamados;
- se reconheça que em face do trespasse efectuado pela 1.ª RR do estabelecimento Farmácia Y à empresa 2.ª RR, esta é solidariamente responsável pelo pagamento das dividas laborais da transmitente (1.ª R) à A.;

E por conseguinte, devem:

- Ser as 1.ª e 2.ª RR solidariamente condenadas no pagamento à A. das diferenças salariais de 3.008,20€ entre a retribuição devida, inerente à sua categoria profissional e a efectivamente paga;
- Ser as 1.ª e 2ª RR solidariamente condenadas no pagamento à A. do vencimento de Setembro e Outubro (16 dias entre 24.09 e 08.10) no montante de €1053,52, proporcionais de férias, subsídio de férias que se venceriam em 1.1.2015 que totalizam € 3.045,33 e proporcionais do subsídio de Natal no montante de € 1522,66
- Ser as 1.ª e 2.ª RR solidariamente condenadas no pagamento à A. das remunerações deixadas de auferir desde 30 dias antes da interposição da ação até trânsito em julgado da respectiva decisão;
- Ser as 1.ª e 2.ª RR solidariamente condenadas no pagamento à A de uma indemnização por danos patrimoniais [consequentes ao despedimento ilícito e conexionados com as retribuições que entretanto deixou de auferir] que até à data se computa em €5926,05 de acordo com o previsto nos n°s 1 e 3 do art° 391° do Código do Trabalho, sem prejuízo de a A. vir a optar pela reintegração na empresa aqui R., nos termos do n° 1 do art° 438° do CT;
- Ser as 1.ª e 2.ª RR solidariamente condenadas no pagamento à A (da indemnização por) danos não patrimoniais que esta sofreu e sofre, e que desde já se computam em 5.000,00 (cinco mil euros), tudo acrescido dos respectivos juros moratórios que se mostrarem devidos desde a data de vencimento até integral pagamento. “

Alegou, para tanto, resumindo, ter sido sócia única e gerente única da sociedade insolvente (proprietária da Farmácia Y) e titular da quota de 20.000,00 €uros representativa do seu capital;
Além de sócia e gerente única, era Directora Técnica da farmácia;
“Devido à crise”, em Julho de 2013, a Sociedade requereu e foi aprovado em Julho de 2014 processo de revitalização (PER), que não cumpriu, tendo sido declarada insolvente em 03-02-2015.
A partir daí, a gerência/administração da empresa ficou a cargo do administrador judicial nomeado, a autora passou a ser apenas Directora Técnica Técnica Farmacêutica, mediante um contrato de trabalho com a Massa Insolvente (aliás, presumido), dependente da 1.ª Ré, subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência.
A A. trabalhava em exclusividade nas instalações da farmácia, cumpria horário de trabalho, normalmente das 10 às 19 horas, mesmo depois de decretada a insolvência e deliberada a liquidação da empresa, como entende ver-se da comunicação do Ex.mo Administrador de 1-7-2015, que juntou. Trata-se de categoria profissional obrigatória e assim estava averbada no Infarmed.
A A. auferiu, desde a declaração de insolvência, até Setembro de 2015, a remuneração ilíquida de 1.600,00€uros/mês, enquanto directora técnica, embora nos recibos constasse a categoria de gerente que o Sr. Administrador de Insolvência “não mandou rectificar”.
Em 8-10-2015, a A. recebeu a carta cuja cópia consta a fls. 23 na qual o Administrador de Insolvência lhe negava a qualidade de trabalhadora por conta de outrem, por a A. ter sido gerente da insolvente e não poder cumular tal cargo com tal estatuto nessa sociedade e, à cautela, declarava a resolução de qualquer eventual relação laboral por a A. ter faltado, injustificadamente, desde 23 de Setembro de 2015 até 6 de Outubro de 2015.
Bem sabia o Sr. Administrador de Insolvência que a A. estava, nessa altura, de férias, como foi informado, ainda, de que a A. se apresentaria ao trabalho no final da baixa que terminava em 23 de Outubro.
Deste ilícito despedimento, sem justa causa nem processo disciplinar, resultam os pedidos indemnizatórios supra referidos, tendo em conta que, nos termos da CCT celebrada entre a Associação Nacional de Farmácias e o Sindicato dos Farmacêuticos, o vencimento correspondente à categoria profissional da A. é de 1.935,75 €uros.
Pelo pagamento são solidariamente responsáveis as 1.ª e 2.ª RR, aquela como transmitente e esta como transmissária da Farmácia Y.

Contestou a Massa Insolvente, invocando a inexistência de qualquer contrato de trabalho, antes ou depois de decretada a insolvência e acrescentando que:

- são incompatíveis as qualidades de sócio único/gerente único de sociedade unipessoal e a de trabalhador dessa mesma sociedade;
- declarada a insolvência, a ora A. manteve-se como directora técnica, como antes vinha fazendo enquanto gerente da sociedade proprietária da farmácia, agora em cumprimento do disposto nos art. 82.º, 1 e 83.º, 1, ambos do CIRE, sendo como tal remunerada.
O mail remetido pelo Administrador da Insolvência em 1.7.2015 – fls. 20 – destinou-se a notificar a A. de que se abstivesse de movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa, de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks, de dar ordens aos trabalhadores ou instruções relativas à gestão do estabelecimento. Representante do Administrador de Insolvência na farmácia era a Dr.ª M. O.. Limitou-se a informar que enquanto nada lhe fosse comunicado em contrário, deveria continuar a exercer as funções de Direcção Técnica.
Concluiu, assim, pela inexistência de qualquer contrato, ainda que tácito, e pela improcedência da acção.

A ré X, Lda, agora “FARMA., Lda.”, contestou também, por impugnação, afirmando a inexistência de qualquer vínculo laboral entre a A. e a Massa Insolvente da sociedade de que a autora foi sócia e gerente única, como resulta da comunicação referida.
A aquisição, por si, da Farmácia foi condicionada, por acordo entre a compradora e o administrador, à transmissão dos trabalhadores da farmácia, com expressa exclusão da autora.
Não aceita e é alheia aos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados e, por isso, é parte ilegítima.

Por sua vez, a credora W. também deduziu a sua oposição, aceitando alguns dos factos, impugnando outros, invocando a sua ilegitimidade passiva e alegando:

- inexistência de contrato de trabalho entre a autora e a Massa, até por incompatível com a qualidade de sócia única/gerente única que ela tinha e que, nos termos da lei, manteve depois de decretada a insolvência;
- se contrato de trabalho existisse entre, teria este cessado pela carta de fls. 23 ou teria caducado com a venda da Farmácia;
- se ilícito fosse o despedimento, a indemnização devida seria encontrada nos termos do art. 393.º do C.T.;
- o contrato de trabalho não se transmitiu para a FARMA. porque já não estava em vigor à data da transmissão do estabelecimento e ocorreu no contexto de um processo de insolvência;
- não é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação Nacional de Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos porque não existiu qualquer contrato de trabalho entre a A. e a Massa Insolvente, nem a sociedade AC UNIPESSOAL, L.da, era associada daquela Associação nem a A. era filiada no Sindicato Nacional dos Farmacêuticos; além de que jamais foi emitida portaria de extensão daquele CCT;
- não é devida indemnização pelos alegados danos morais porque nem as RR cometerem qualquer ilícito – art. 483.º CC – nem tais danos teriam a gravidade exigida pelo art. 496.º do CC.

Em audiência prévia (fls. 500), foi pela autora exercido o contraditório.

No saneador subsequente (fls. 524 e sgs) foi fixado em 14.555,00€ o valor da causa, julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva, afirmada tabelarmente a validade do processo e a verificação dos pressupostos processuais, fixou-se o objecto do litígio, elencaram-se os factos já assentes, enunciaram-se, por quesitos, os temas da prova, apreciaram-se os requerimentos probatórios e designou-se data para a audiência.

Realizou-se, em várias sessões, a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas (fls. 553 e sgs), tendo sido ouvido em depoimento de parte o administrador da insolvência, em declarações de parte a autora e inquiridas diversas testemunhas.

Por fim, sem data, foi proferida a sentença (fls.645 a 664) que culminou na seguinte decisão:

“Termos em que, vistos os factos assentes e as normas legais citadas, analisadas à luz da estudada jurisprudência, julgo a acção improcedente e absolvo as RR dos pedidos.
Custas pela A., por vencida (art. 527.º, 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Registe e notifique.”

A autora não se conformou e apelou a esta Relação, deste modo concluindo as suas alegações:

1. Nos termos do art.º 662 n.º 1 do C.P.C. o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugnou ao abrigo do disposto no art.º 640º do C.P.C. e os depoimentos estão gravados;
2. O Recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto provada em primeira instância, pretendendo vê-la reapreciada à luz dos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente os depoimentos testemunhais gravados. Assim, considera que na verdade, há matéria que foi dada como não provada e que deveria ser considerada provada, o que se pretende alterar com o presente recurso;
3. Concretamente, são os seguintes pontos da matéria de facto, tida por não provada, que a recorrente considera incorretamente julgados, devendo ser dados como provados: “2 - Subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência? 13 - Cumpria um horário de trabalho, normalmente das 10H às 19H? 17 - Tal facto foi comunicado telefonicamente no dia 23.10 à Dr.ª H. S., colaboradora do Sr. Administrador de Insolvência? 20 - O AI sabia perfeitamente que a A. pretendia retomar o trabalho? 21 - E que (a A.) estava de férias na data em que lhe foi enviada a comunicação de abandono do trabalho?”
4. No caso vertente, os elementos de prova a considerar são as gravações dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência. Mediante estes meios probatórios, conclui-se que a decisão proferida sobre o aludido pontos da matéria factual constantes da sentença pelo Mmo. Juiz “a quo” deveria ter sido diversa. Por isso se impugna com o presente recurso essa decisão, esclarecendo-se, nos termos do art.º 685º B n.º 2 do C.P.C., em quais depoimentos a Recorrente funda a sua discordância.
5. Assim, relativamente aos factos dados como não provados: Ponto 2 – “Subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência?
6. A testemunha J. F. prestou um depoimento de 00:21:10H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 26.07.2017 às 10:57 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido.
7. Nas passagens de 00:45 a 2:30 afirmou que a partir de Janeiro de 2015 a Recorrente passou a ser apenas Diretora Técnica na farmácia e que, quer esta, quer os restantes trabalhadores recebiam ordens do Administrador de Insolvência, prioritariamente por email. Reitera que a partir da Insolvência,a Recorrente passou a receber ordens do Administrador de Insolvência
8. A testemunha S. S. prestou um depoimento de 00:15:40H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 26.07.2017 às 11:19 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
9. Nas passagens de 03:09 a 6:34 afirmou que quem mandava na farmácia a partir da declaração de insolvência era o Administrador de Insolvência e que a Recorrente desempenhava as funções de Diretora Técnica mediante ordens daquele.
10. A testemunha M. O. prestou um depoimento de 00:27:00H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 27.06.2017 às 10:28 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
11. A referida testemunha, na segunda parte do seu depoimento, nas passagens de 01:03 a 03:50 referiu que a partir da insolvência, mas sobretudo a partir da deliberação da liquidação da empresa o Administrador de Insolvência informou os funcionários e a Recorrente que esta continuaria a trabalhar na farmácia, mas sem ser Responsável pela mesma, sendo que reportaria ao Administrador de Insolvência;
12. A testemunha H. S. prestou um depoimento de 00:26:27H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 07.11.2017 às 11:46 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
13. Nas passagens de 03:44 a 07:15 referiu que forma efetuadas várias comunicações à Recorrente no sentido de esta cumprir as determinações e ordens do Administrador de Insolvência, o que aliás nem sempre sucedia por parte daquela.
14. Por ultimo, do documento junto a fls 20 dos presentes autos e que consta da alínea O) dos factos assentes, resulta que o próprio AI referiu à recorrente que a partir daquele momento ficava subordinada às suas ordens;
15. Assim, é evidente que a Recorrente no exercício das suas funções estava “Subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência” e que atentos os fundamentos supra expostos, a resposta ao ponto 2 dos temas de prova deve ser provado.
16. Relativamente ao Ponto 13 “Cumpria um horário de trabalho, normalmente das 10H às 19H?”
17. A testemunha M. O. prestou um depoimento de 00:27:00H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 27.06.2017 às 10:28 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
18. Nas passagens de 06:27 a 08:13 referiu que a Recorrente, quando estava na farmácia nos períodos em que não estava de baixa cumpria habitualmente um horário das 10H às 19H;
19. Pelo que, atentos os fundamentos supra expostos, a resposta ao ponto 13 dos temas de prova deve ser provado.
20. Quanto ao Ponto 17 : Tal facto foi comunicado telefonicamente no dia 23.10 à Dr.ª H. S., colaboradora do Sr. Administrador de Insolvência?”;
21. A testemunha D. P. prestou um depoimento de 00:22:53H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 26.07.2017 às 11:56 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
22. Nas passagens de 10:02 a 12:09 a referida testemunha referiu que no mês de Setembro estava ficado no mapa da Loja o período de férias da Recorrente, que esta efetivamente gozou um período de férias por e4saa altura e que a colaboradora do Administrador de Insolvência Drª H. S. ligou para a farmácia para perguntar pela Recorrente tendo sido informada desse facto, ou seja que estava de férias;
23. Esta depoimento foi corroborado por M. O. que prestou um depoimento de 00:27:00H, constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 27.06.2017 às 10:28 H e fim no mesmo dia, e cujo teor se dá por reproduzido;
24. Nas passagens de 06:35 a 08:34 afirmou que a Recorrente a informou que iria de férias entre 23 de Setembro e 08 de Outubro e que a colaboradora do AI Drª H. S. ligou para a farmácia para perguntar pela Recorrente tendo sido informada desse facto pela referida testemuha, ou seja que a mesma estava de férias;
25. Pelo que, atentos os fundamentos supra expostos, a resposta ao ponto 17 dos temas de prova deve ser provado.
26. Quanto ao Ponto 20 e 21 “O AI sabia perfeitamente que a A. pretendia retomar o trabalho e que a A estava de férias na data em que lhe foi enviada a comunicação de abandono do trabalho?”
27. Com base nos mesmos depoimentos e passagens referidos no ponto 4.3 e ainda no teor da comunicação constante de fls 24 (missiva da Recorrente dirigida ao AI fica claro que esta sabia que a Recorrente estava de férias na data em que lhe foi enviada a comunicação de abandono do trabalho
28. Pelo que todos os Pontos 20 e 21 dos temas de prova devem ser dados como provados
29. A Mma juiz “a quo” improcedeu a ação judicial (para cujos fundamentos se remete na integra) considerando a impossibilidade da existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e a Insolvente, além de não se extrair do mail enviado pelo AI a vontade de qualquer contratação para a massa Insolvente, não conhecendo ademais dos restantes pedidos;
30. Não lhe assiste qualquer razão;
31. A Recorrente alega uma nulidade da sentença na medida em que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre uma questão que foi levantada pela Recorrente e que não foi impugnada pelas Recorridas.
32. A Recorrente alegou nos seus artigos 80º a 85º da sua PI, não lhe terem sido pagos os seus créditos vencidos decorrentes da cessação da sua relação laboral (ou outra), nomeadamente vencimento de Setembro e Outubro (16 dias -entre 24.09 e 08.10) proporcionais de férias, subsídio de férias que se venceriam em 01.01.2015 e proporcionais do Proporcionais do subsídio de Natal, peticionando o seu pagamento.
33. Tais créditos são devidos independentemente da natureza da relação existente entre a Recorrente e a massa insolvente que lhe pagava o salário, já que a Recorrente auferia um vencimento, subsídios e inclusivamente duodécimos como consta dos factos dados como provados.
34. Tal matéria, como supra referido, não foi impugnada por nenhuma das Recorridas e infere-se o não pagamento dos referidos créditos da matéria dada como provada em que constam as verbas recebidas
35. Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre uma questão que deveria de ter tomado conhecimento, incorrendo na nulidade prevista no Art.º 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C,
36. Tal terá como consequência a anulação da decisão nos termos em que o fez, e substitui-se por outra que considere serem devidos à Recorrente os referidos créditos, nomeadamente, vencimento de Setembro e Outubro (16 dias -entre 24.09 e 08.10) no montante de € 853,33, proporcionais de férias, subsídio de férias que se venceriam em 01.01.2016, que totalizam € 2666,66 e proporcionais do subsídio de Natal no montante de € 1333,33, tudo verbas que perfazem a quantia global de € 4853,32
37. Após a declaração de Insolvência a gerência/administração da empresa não ficou a cargo da Insolvente, ou seja, a partir de Janeiro a gestão/gerência/administração passou a estar a cargo do Administrador de Insolvência Dr. Rui.
38. Sucede que desde essa data a Recorrente passou a ser apenas Diretora Técnica Farmacêutica..
39. Nos termos do Art.º 11º do Código do Trabalho (CT) que estatui que “contrato de trabalho é aquele que uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob autoridade destas”;
40. Já de acordo com o disposto no art.º 12º do CT: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”;
41. De acordo com a matéria dada como provada, a Recorrente, depois da sinolvência, exerceu as funções de Diretora Técnica subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência, competindo-lhe, nomeadamente, assumir a responsabilidade pelos atos farmacêuticos praticados na farmácia, garantir a prestação de esclarecimentos aos utentes sobre o modo de utilização dos medicamentos e promover o uso racional do medicamento, garantir que os medicamentos e demais produtos são fornecidos em bom estado de conservação; Garantir que a farmácia se encontrava em condições de adequada higiene e segurança; Assegurar que a farmácia dispõe de um aprovisionamento suficiente de medicamentos, efetuando as encomendas e dando instruções nesse sentido; Verificar o cumprimento das regras deontológicas da atividade farmacêutica; Efetuar atendimento ao balcão quando necessário; Bem como receção e conferência de mercadorias.
42. Também resultou da matéria dada como provada que a Recorrente laborava em regime de exclusividade nas instalações da Farmácia Y, utilizando os meios de trabalho e equipamentos da farmácia, cumprindo um horário de trabalho, normalmente das 10H às 19H e permanecendo nas referidas funções na Farmácia mesmo depois declaração de insolvência e de decretada a liquidação da empresa em assembleia de credores, conforme comunicação do Administrador de Insolvência junta como doc. n.º 1. Com a PI.
43. Ora, a Recorrente era foi remunerada a declaração de Insolvência até Setembro de 2015, à razão de € 1.600 ilíquidos mensais
44. Refira-se que a a gerência/administração não estava a cargo da Recorrente e por conseguinte não era remunerada, mas do AI ;
45. Pelo que duvidas não restam que a Recorrente exerceu depois da declaração de insolvência exclusivamente funções de Diretora Técnica Categoria profissional, que, como supra referido, foi assumida pelo administrador de insolvência na sua comunicação junta aos autos;
46. Pelo que a situação é diversa da configurada pela Mma. Juiz “a quo” e nos mencionados acórdãos;
47. A Recorrente não pretende ver reconheido qualquer contrato de trabalho com a Insolvente, mas sim com a massa insolvente, nos termos do Art.º 11º do Código do Trabalho (CT), presumindo-se igualmente a existência do mesmo face ao estatuído no art.º 12º do CT ;
48. A Recorrente era trabalhadora dependente, transmutando-se num verdadeiro contrato de trabalho a relação existente entre si e a massa Insolvente na medida em que, não ficando a administração a cargo da devedora houve uma transferência dos poderes de administração, gestão e disposição para o administrador de insolvência e a Recorrente manteve-se ao serviço apenas enquanto Diretora Técnica, exercendo as referidas funções em permanência e exclusividade, sujeita às regras deontológicas próprias, sendo remunerada pelo seu trabalho e sob a subordinação jurídica e funcional do Sr. Administrador de Insolvência;
49. Pelo que deve ser reconhecida à A. o estatuto de trabalhadora dependente, neste caso da Recorrida massa Insolvente;
50. Consta igualmente da matéria provada que no dia 8 de Outubro de 2015 a Recorrente. recebeu do Sr. Administrador de Insolvência uma carta de abandono de trabalho;
51. Sucede que tal carta traduz na realidade uma cessação ilícita do seu contrato de trabalho, considera-se abandono de acordo com o Art.º 403 do código do trabalho: “1- … a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar; 2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”, ora, na realidade não existiu qualquer abandono da parte da A;
52. Uma vez que a Recorrente se encontrava de férias desde o dia 24.09 até dia 13.10.2015, tal facto foi comunicado telefonicamente no dia 23.10 à Dr.ª H. S., colaboradora do Sr. Administrador de Insolvência, assim como à Dr..ª M. O., Farmacêutica Adjunta a quem O AI havia nomeado sua interlocutora junto da equipa da farmácia. Além de que tal informação constava do mapa de férias afixado na farmácia;
53. Assim, não se verificam os pressupostos do abandono do trabalho, como a Recorrente aliás informou o AI por email.
54. O AI sabia perfeitamente que a Recorrente pretendia retomar o trabalho e que estava de férias na data em que lhe foi enviada a comunicação de abandono do trabalho, não podendo, pois, funcionar a presunção prevista no Art.º 403 do CT, de acordo com tudo quanto foi aqui exposto estamos, assim, perante um despedimento ilícito uma vea que não foi precedido de procedimento disciplinar;
55. Sucede que, a cessação do contrato da A. não foi precedida de qualquer processo disciplinar, o que implica a ilicitude do despedimento operado em relação à aqui A. nos termos do art.º 381.º, alin. c) do Código do Trabalho, com as devidas consequências legais, mormente pagamento de indeminização por antiguidade e vencimentos intercalares nos moldes peticionados na PI.
56. A douta sentença em crise violou, pois, por errada aplicação e interpretação, além do mais as normas constantes do Art.º 615º n.º 1 alinea a) do CPC, Art.ºs 11º, 12º, 403º e 381º alinea c) do Código do Trabalho.
57. Pelo que merece ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida massa Insolvente nos pedidos

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por uma outra que reconheça a nulidade invocada ou condene a Recorrente Massa Insolvente nos pedidos.
Assim se fará JUSTIÇA”.

A ré Farma. contrapôs-se-lhe, alegando e concluindo:

1.ª - Conforme foi julgado e bem, pela Mm.3 Juiz "a quo", é incompatível a cumulação, na mesma pessoa, das posições jurídicas emergentes de um contrato de trabalho e da qualidade de sócio e gerente único de uma sociedade unipessoal por quotas (caso da Autora/Recorrente) o que, de resto, se encontra apoiado na Doutrina e Jurisprudência citados na douta sentença recorrida.
2.ª - Assim, cabia à Autora o ónus da prova do alegado contrato de trabalho, em que alicerçou os pedidos formulados.
3.ª - Todavia, como bem concluiu a Mm." Juiz, a Autora não logrou provar qualquer factualidade de que permitisse concluir pela celebração de um contrato de trabalho entre a ora recorrente e o Sr. Administrador de Insolvência.
.ª - Pretende a recorrente a alteração da matéria de facto.
5.a - Todavia, o e-mail invocado pela recorrente respeitou apenas à gestão, particularmente dos dinheiros, da farmácia, nada permitindo concluir quanto à celebração de um contrato de trabalho.
6.a - Do mesmo modo, as cirúrgicas transcrições, retiradas do contexto global dos depoimentos testemunhais invocados, também não permitem concluir pela celebração de qualquer contrato de trabalho, como alega, e bem, aMassa Insolvente, nas suas doutas alegações de recurso. Para as quais, com a devida vénia, se remete, por razões de economia processual.
7. ª - Concretamente, nada foi nem pode ser dado como provado e nem os documentos e depoimentos invocados pela recorrente permitem concluir em que data e local foi celebrado o pretendido contrato, quais as suas cláusulas, V.g. local de trabalho, retribuição, direitos e regalias, etc. Aliás, a Autora nem sequer, na sua douta petição inicial, alegou quaisquer elementos essenciais e/ou circunstanciais inerentes ao invocado contrato de trabalho. E, se não alegou, também o não pode provar.
8. ª - Improcedendo também a invocada nulidade por omissão de pronúncia que, de resto, inexiste.
9.ª - Com efeito, a Mm. a Juiz pronunciou-se sobre todos os pedidos formulados ao julgar, como julgou, que não tendo sido provado o alegado contrato de arrendamento, o assim decidido dispensa a apreciação do mais pedido, nele assente.
10.ª - Subsidiariamente e apenas por mera cautela de patrocínio, alega-se que a recorrente aceitou toda a factualidade inerente à aqui alegante constante das Alíneas S - V - Advertências, ponto 3, T e U, ponto 1, onde ficou esclarecido e assente que o estabelecimento de farmácia foi transmitido à ora alegante sem a Autora, que não fazia parte do quadro de pessoal, o que, de resto, constituiu condição essencial do negócio
11.ª - Pelo que, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, fosse provada a existência do alegado contrato de trabalho, sempre o mesmo seria inoponível à recorrida Farma., Lda.
12.ª - No mais se concluindo como na douta sentença recorrida, criteriosa e fundadamente elaborada, para cujos fundamentos, de facto e de direito, com a devida vénia, se remete.
13.ª - Improcedendo, consequentemente, todas as conclusões da recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito, doutamente supríveis por V. Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo a necessária e habitual JUSTIÇA. ”.

A ré Massa Insolvente também respondeu, não apresentou conclusões, mas pugnou, em suma, pela improcedência do recurso e confirmação da sentença, em sua perspectiva válida.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, no respectivo despacho se tendo o tribunal a quo pronunciado sobre a alegada nulidade e entendendo não existir a mesma por o crédito referido pressupor a existência de um contrato de trabalho, condição que foi julgada improcedente.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, conquanto as 57 conclusões apresentadas praticamente se limitem a reproduzir o texto das alegações respectivas e, por isso, não cumpram, técnica e juridicamente, com rigor, o ónus de síntese imposto pelo nº 1, do artº 639º, delas se colhe, na medida em que, apesar disso, são claras e ordenadas e sem necessidade de se enveredar pelo convite ao aperfeiçoamento, que as questões suscitadas e que nos cabe apreciar e decidir, são as de saber:

a) Se a sentença é nula por omissão de pronúncia (artº 615º, nº 1, alínea d), CPC).
b) Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e dados como provados os pontos não provados 2, 13, 17, 20 e 21.
c) Se, entre a apelante e a massa insolvente apelada, foi celebrado, ou se presume existir, um contrato de trabalho;
d) Se a apelante foi ilicitamente despedida.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede decidiu:

“Da selecção oportunamente efectuada, (I) e dos depoimentos - de parte e testemunhais - prestados em audiência (II) resultaram provados os seguintes factos:

I

A - Pela Ap. 32/20110225 foi inscrita a constituição da sociedade AC UNIPESSOAL Lda, pessoa colectiva n° ..., com sede na Avenida … Vila Nova de Famalicão, com o capital social 20.000,00 €uros (vinte mil euros), representado por uma quota de igual valor de que era titular a ora A. MARIA, designada gerente por deliberação da mesma data, tendo como objecto o comércio a retalho de produtos farmacêuticos e o mais do género, constante da certidão a fs. 388/389.
B - A sociedade unipessoal assim constituída ficou senhora da totalidade do património afecto ao exercício da atividade da "Farmácia Y" incluindo o Alvará e a totalidade dos restantes bens, ativos e passivos.
C - A A. era Gerente única da sociedade, assim como proprietária e Directora Técnica da Farmácia Y - idem.
D - Pela Ap. 1/20130724 foi inscrita a nomeação de Administrador Judicial Provisório em Processo Especial de Revitalização de Empresa que correu termos no Tribunal de Comarca de Braga, V. N. Famalicão - Inst. Central – 2ª Sec. Comércio - J3, Processo: 2017/13.6TJVNF – fs. 389.
E - Pela Insc. 4 Ap. 6/20140620 foi inscrita a homologação do Plano de Recuperação em Processo de Revitalização – fs. 389.
F - Pela Insc. 5 Ap. 3/20150206 foi provisoriamente registada a sentença de declaração de insolvência da sociedade AC, Unipessoal, Lda, proferida em 4.2.2015, pelas 11h40 minutos, no processo 994/15.1TBVNF, deste Tribunal – fs. 389/390.
G - Esta inscrição foi convertida em definitiva pelo Av 1 Ap. 20150414 por a sentença ter transitado em julgado 25.2.2015 – fs. 389/390.
H - A nomeação do Ex.mo Administrador Judicial Dr. Rui foi inscrita pela Insc. 6 Ap. 4/20150206 – fs. 390.
I - A ora A. recebeu a quantia líquida de 1314,17 €uros, referente ao mês de Fevereiro de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao vencimento ilíquido de 1600,00 €uros, 97,28 de subsídio de alimentação e 133,33 de subsídio de férias, a taxa social única de 192,44 €, 300,00 de IRS e 24,00 € de sobretaxa de IRS – fs. 20 v.º. -G
J - A ora A. recebeu a quantia líquida de 1328,25 €uros, referente ao mês de Março de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao vencimento ilíquido de 1600,00 €uros, acrescido de 112,64 de subsídio de alimentação e 133,33 de subsídio de férias, a taxa social única de 192,72 €, 301,00 de IRS e 24,00 € de sobretaxa de IRS – fs. 21.
K - A ora A. recebeu a quantia líquida de 1328,25 €uros, referente ao mês de Abril de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao vencimento ilíquido de 1600,00 €uros, acrescido de 112,64 de subsídio de alimentação e 133,33 de subsídio de férias, a taxa social única de 192,72 €, 301,00 de IRS e 24,00 € de sobretaxa de IRS – fs. 21 v.º.
L - A ora A. recebeu a quantia líquida de 1321,19 €uros, referente ao mês de Maio de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao vencimento ilíquido de 1600,00 €uros, acrescido de 102,40 de subsídio de alimentação e 133,33 de subsídio de férias, a taxa social única de 192,54 €, 301,00 de IRS e 24,00 € de sobretaxa de IRS – fs. 22.
M - A ora A. recebeu a quantia líquida de 1326,22 €uros, referente ao mês de Junho de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao vencimento ilíquido de 1600,00 €uros, acrescido de 107,52 de subsídio de alimentação e 133,33 de subsídio de férias, a taxa social única de 192,63 €, 301,00 de IRS e 22,00 € de sobretaxa de IRS – fs. 22.
N - A ora A. recebeu a quantia líquida de 97,66 €uros, referente ao mês de Agosto de 2015 e à categoria de gerente, depois de descontados ao ilíquido de 133,33 €uros de subsídio de férias, a taxa social única de 14,67 €, 22,00 € de IRS e acrescentado 1 € de sobretaxa de IRS – fs. 22 v.º, constando de tal recibo que a ora A. esteve de baixa médica.
O - Com data de 1.7.2015, o Ex.mo Administrador da Insolvência remeteu à ora A. o mail – copiado a fs. 20 - do seguinte teor:
De: "Dr. Rui" <...@gmail.com>
Assunto: Instruções de funcionamento do estabelecimento de Farmácia denominado Farmácia Y
Data: 1 de Julho de 2015 às 18:08:20 WEST -G
Para: <...@sapo.pt>, <...@gmail.com>
Ref.ª:
Comarca de Braga
Vila Nova de Famalicão - Instância Central – 2ª Secção de Comércio - J1
Proc. N.° 994115.1T8VNF
Insolvência de "MARIA, Unipessoal, Lda."
Ex.ma Senhora Dra. Maria,

Na sequência da deliberação da assembleia de credores tomada hoje, dia 01-07-2015, nos autos em referência, foi determinado que os mesmos prosseguissem para liquidação do activo.
Como já ocorria desde a declaração de insolvência e como se confirma pela deliberação referida, o estabelecimento de farmácia denominado Farmácia Y passou a ser administrado pela massa insolvente através do administrador de insolvência.
Assim e para os devidos efeitos, notifico V. Ex.a para que expressamente se abstenha de movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa, de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks da farmácia, de emanar quaisquer ordens expressas aos trabalhadores do estabelecimento, de dar instruções ou ordens relativas à gestão do mesmo.
Enquanto não forem por mim determinadas alterações aos procedimentos e às expressas determinações constantes deste email, as decisões da gestão e o controlo diário do funcionamento do estabelecimento de farmácia será efectuado por mim, através da colaboradora da farmácia e farmacêutica substituta - Dra. M. O..
Mais informo que a abertura e encerramento do estabelecimento de farmácia passarão também a ser determinados por mim directamente ou através da Dra. M. O..
Informo ainda V. Ex.a que enquanto nada lhe for comunicado em contrário, V. Ex.ª deverá continuar a exercer as funções de Direcção Técnica, ficando também expressamente determinado que quaisquer ocorrências anómalas que venham a ser diagnosticadas no âmbito dessas mesmas funções deverão ser-me imediatamente comunicadas.
Apresento os meus cumprimentos,
Rui
Administrador de Insolvência
P - Com data de 7.10.2015, o Senhor Administrador da Insolvência remeteu à ora A. carta registada, copiada a fs. 23, do seguinte teor:
RUI ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Rua … Viseu - Tel. … Fax: …
Ex.ma Senhora
Dra. MARIA
Rua … Vila Nova de Famalicão
Viseu, 07 de Outubro de 2015.
Carta registada C/AR.
Assunto: Abandono de trabalho.
Ex.ma Senhora,
Pela presente, informo V. Ex.a de que não lhe é reconhecido estatuto de trabalhadora dependente da devedora MARIA, Unipessoal, Lda., da qual V. Ex.a é sócia única e gerente única, facto que se mantém em continuidade desde a constituição da referida sociedade. -G
Por outro lado e ainda que V. Ex.a tenha assumido simultaneamente as funções de directora técnica da Farmácia Y, com a alvará n° ...8 emitido pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I:P., tal facto não lhe confere a qualidade de trabalhadora por conta de outrem.
Com efeito, o estatuto de gerente da sociedade não lhe permitia acumular em simultâneo o estatuto de trabalhadora dependente dessa mesma sociedade.

Contudo e para salvaguarda de eventuais factos futuros que venham a resultar da invocação por V. Ex.a da qualidade de trabalhadora da sociedade insolvente e acima identificada, que aqui declaradamente não se reconhece, importa esclarecer que se verifica a sua ausência do estabelecimento, sem qualquer justificação, desde o dia 23 de Setembro de 2015 até ao dia 8 de Outubro de 2015, de forma ininterrupta. Como é do conhecimento de V. Exa., tal ausência configura uma ilegalidade do ponto de vista das obrigações de directora técnica, nomeadamente das previstas nos artigos 20°, n° 1 e 21° do Decreto-Lei n ° 307/2007, de 31 de Agosto, que aqui expressamente se declara e invoca.
Por outro lado, e por mera cautela, embora na hipótese que não se admite de lhe vir a ser reconhecida a qualidade de trabalhadora, a referida ausência é motivo de despedimento com justa causa por abandono do trabalho, como decorre do disposto no artigo 403°, n.° 2 do Código do Trabalho (considera-se abandono de trabalho a ausência do local de trabalho não justificada par período igual ou superior a 10 (dez) dias, venho pela presente comunicar a V. Ex.a a resolução de qualquer eventual relação laboral com a sociedade insolvente, nos termos do artigo 403°, n.° 3 do Código do Trabalho.
Mais informo V. Ex.ª de que após a recepção da presente será igualmente comunicada a cessação das funções de directora técnica da Farmácia Y ao Infarmed. I.P., nos termos do artigo 22° do Decreto-Lei n:° 307/2007, de 31 de Agosto, com as posteriores alterações, nomeadamente pelo Decreto-Lei n.° 171/2012, de 1 de agosto.
Com os melhores cumprimentos.
O administrador de insolvência,
Q - Por mail de 14.10.2015, copiado a fs. 24 v.º, a ora A. respondeu a esta carta pela forma seguinte:
Mensagem encaminhada de ...@sapo.pt
Data: Wed, 14 Oct 2015 23:13:07 +0100
De: ...@sapo.pt
Assunto: resposta a sua carta de 07.10.2015
Para: "..." ...@gmail.com
"Exmo sr. Administrador de insolvência Dr. Rui
Na sequência da sua missiva datada de 07.10.2015, não posso deixar de refutar o seu conteúdo na íntegra.
Em primeiro lugar, reitero a minha posição de me considerar trabalhadora dependente como Directora Técnica da Farmácia Y.
Segundo, afirmo de forma clara a inexistência de fundamento legal para a referida cessação do meu contrato, o que se traduz na ilicitude da mesma.
Com efeito, como é do seu perfeito conhecimento, não existiu qualquer abandono do trabalho da minha parte, na medida em que me encontrava de férias desde o dia 24.09 até dia 13.10, facto que foi comunicado no referido dia e que, aliás, consta do mapa de férias afixado na farmácia.
Assim, uma vez que me considero ilicitamente despedida desde 08.10.2015, não deixarei de impugnar judicialmente a cessação do meu contrato de trabalho, no sentido de obter a minha reintegração como Directora Técnica na Farmácia Y, ainda que ao serviço da empresa que vier a adquirir a mesma.
Por último, solicito com urgência o processamento da minha quitação final de contas, com o pagamento das minhas retribuições e proporcionais vencidos e o envio dos documentos devidos pela -G cessação, designadamente, certificado de trabalho e Modelo RP5044/2013-DGSS, para obtenção do subsídio de desemprego, isto no prazo de 5 dias (sob pena de ter que solicitar a intervenção da ACT)
Melhores cumprimentos
Maria"
R - Por mail de 2.10.2015, copiado a fs. 25, o Ex.mo Advogado da A. informou o Ex.mo Administrador de Insolvência do seguinte:
“Na sequência da adjudicação da Farmácia Y, a mesma (a aqui A.) apresentar-se-á ao serviço no final da presente baixa, para retomar as funções de Directora Técnica, uma vez que considera fazer parte do quadro da empresa e, como tal, o seu posto de trabalho é englobado na transmissão do estabelecimento.
Para evitarmos foco de litígio judicial, aguardo o seu contacto para falarmos sobre esta situação.”
S - Em 7 de Setembro de 2015 o Ex.mo Administrador fez publicar o seguinte
- ANÚNCIO VENDA -
Comarca de Braga
V.N. Famalicão - Instância Central - 2a Secção de Comércio - J1
Proc. n.° 994/15.1 T8VNF - Insolvência de Pessoa Colectiva
Insolvência de "AC Unipessoal, Lda."
FARMÁCIA Y
Pelo presente faz-se saber que nos autos acima identificados foi deliberada a venda na modalidade de venda por negociação particular, com recurso a propostas em carta fechada a remeter para o escritório do Administrador de Insolvência, sito na Rua … Viseu, ou a entregar no ato de abertura de propostas, e que foi designado o dia -G 01.10.2015, pelas 14h e 30 minutos (catorze horas e trinta minutos) para a abertura de propostas para aquisição do seguinte:

I - BEM:

Estabelecimento comercial de farmácia, denominado "FARMÁCIA Y", sito na Avenida …, na freguesia de União de Freguesias de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, incluído o respectivo Alvará n° ...8, emitido pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., e demais bens móveis integrantes no referido estabelecimento, bem como o direito ao trespasse e ao arrendamento das instalações (ver Ponto V deste anúncio).

II - VALOR DAS PROPOSTAS:

O valor mínimo para a venda do bem identificado é de € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros).

III - CONDUÇÕES DAS PROPOSTAS:

1. As propostas deverão ser recebidas no escritório do administrador de insolvência até 30.09.2015, podendo ainda ser aceites propostas entregues em mão na data e hora agendada para abertura de propostas.
2. As propostas serão abertas no estabelecimento de farmácia sito na Avenida …, na freguesia de União de Freguesias de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, na presença do Administrador de Insolvência, dos membros da Comissão de Credores que comparecerem e ainda dos proponentes que o pretendam.
3. Todas as propostas apresentadas serão consideradas e apreciadas pelo Administrador de Insolvência e membros da Comissão de Credores (remissão para o ponto IV n° 2 deste anúncio). -G
4. As propostas deverão ser acompanhadas de cheque visado, ou cheque bancário à ordem da "Massa Insolvente de AC Unipessoal, Lda, no valor de 5% do valor mínimo anunciado, ou de garantia bancária no mesmo valor (artigo 824°, n ° 1 do C.P.C.).
5. Os sobrescritos contendo as propostas deverão mencionar o nome, o endereço completo e o número de identificação fiscal do proponente, e a frase "Contém proposta para o Proc. n.° 994115.1 T8VNF - Comarca de Braga - Vila Nova de Famalicão - Instância Central – 2ª Secção de Comércio - J1 - Insolvência de AC Unipessoal, Lda."
6. O pagamento do preço da venda é efectuado de uma só vez na data de escritura pública de transmissão do estabelecimento.

IV - ADJUDICAÇÃO:

1. O critério da adjudicação é do valor das propostas, pelo que será, desde logo, aceite a que apresentar preço mais elevado e superior ao mínimo referido no ponto II deste anúncio.
2. A adjudicação será decidida pelo senhor administrador de insolvência, com o consentimento da comissão de credores (n°s 1 e 3, al. a), do art.° 161° do CIRE), no prazo máximo de 10 dias após a abertura de propostas.

V - ADVERTÊNCIAS:

1. O estabelecimento será transmitido no estado físico e jurídico em que se encontrar, livre de quaisquer ónus e encargos (sem dívidas).
2. O estabelecimento de farmácia encontra-se a funcionar em local arrendado, em concreto nas Frações "A" "B" "C" e "D" do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Av. Avenida … (fracções "A" e "C") e 87 (fracções "B" e "D"), respectivamente, inscrito na matriz predial respectiva no artigo … da União de Freguesias de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, não se incluindo na transmissão qualquer área que não corresponda a esse arrendamento.
Os termos do contrato de arrendamento serão explicitados aos eventuais interessados. -G
3. O estabelecimento será transmitido com os trabalhadores ao serviço.
4. Não serão consideradas propostas remetidas pelo correio que sejam recebidas depois do dia acima referido (30.09.2015), devendo as propostas, em caso de dúvida quanto à data de entrega efectiva da proposta no escritório do Administrador de Insolvência, ser entregues em mão no ato de abertura.
5. Na eventualidade de apresentação de propostas de igual valor e que sejam igualmente as de maior valor, será aberta licitação entre os proponentes no ato de abertura de propostas.
6. O negócio definitivo de transmissão do estabelecimento deverá ser realizado através de escritura pública a outorgar no prazo de 30 dias após a adjudicação, sob pena do Administrador de Insolvência optar pela venda ao proponente com a segunda melhor proposta, com perda da caução prestada a favor da massa insolvente por parte do proponente faltoso.

V - MOSTRA DO BEM:

O bem identificado no Ponto I encontra-se na posse do administrador da insolvência, Dr. RUI, com escritório na Rua …, em Viseu, e será mostrado mediante marcarão prévia de dia e hora, que deverá fazer-se para o seu escritório, pelos telefones … ou … ou pelo fax …
Viseu, 07 de Setembro de 2015
O Administrador de Insolvência
(RUI) – cópia a fs. 61/62
T - Com data de 1.10.2015, a sociedade X LDA, hoje FARMA., L.DA, apresentou a seguinte proposta de aquisição – fs. 62 v.º/63:
SR. DR. RUI -G
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNClA DE AC UNIPESSOAL LDA, PROC. N° 994/15.1 T8VNF - COMARCA DE BRAGA - VILA NOVA DE FAMALICÃO - INSTÂNCIA CENTRAL – 2ª SECCÃO DE COMÉRCIO - J1
01-OUTUBRO-2015
Assunto - Proposta de aquisição em carta fechada:
Exmo. Senhor Administrador da Insolvência,
X LDA, NIPC/matrícula n.° …, com sede na Rua … Vila Nova de Gaia, vem apresentar uma proposta de aquisição do estabelecimento comercial "FARMÁCIA Y", sito na Avenida …, na freguesia de União de Freguesias de Ant…, concelho de Vila Nova de Famalicão, Distrito de Braga, incluindo o seguinte:
- Alvará n° ...8, emitido pelo Infarmed
- Stock actual de medicamentos e diversos produtos de venda - Bens móveis integrantes no estabelecimento
- Direito ao trespasse e ao arrendamento das instalações
Esta proposta é feita com o conhecimento da transição exclusivamente dos seguintes trabalhadores actuais da farmácia:
- A. F.
- J. F.
- S. S.
- M. O.
- Sara
- D. P. -G
- Ricardo
Fica portanto, excluída, a actual Directora Técnica e simultaneamente proprietária, Dra MARIA, segundo esclarecimento dado por V. Exa no correio electrónico do dia 29/09/2015.
A operação será feita por trepasse livre de ónus ou encargos, tais como hipotecas, penhores, direitos resultantes de contratos de trabalho à excepção dos 7 trabalhadores identificados em cima, assim como outros direitos resultantes da exploração comercial do estabelecimento pela anterior gerência.
X LDA reserva-se o direito de transmitir o direito de aquisição a uma empresa a constituir, tal como foi admitido por V. Exa, em email do dia 29/09/2015.
Assim, para a aquisição do acima identificado, X LDA, oferece a quantia de 1.506.100 € (Um Milhão, Quinhentos e Seis Mil e Cem Euros).
Para tanto, junta, como caução, cheque bancário n° … emitido pelo Banco P, no valor de 75.305 € (Setenta e Cinco Mil, Trezentos e Cinco Euros) correspondentes a 5% do montante da referida proposta.
Com os melhores cumprimentos,
Por X LDA

U - Por carta registada de 30.10.2015, copiada a fs. 63 v.º/64, o Ex.mo Administrador respondeu a esta missiva pela forma seguinte:
Exmos. Senhores
X Lda. A/C Dr. Nuno
Rua do … Vila Nova de Gaia -G
Viseu, 30 de Outubro de 2015
Carta Registada
Ref : Comarca de Braga - Vila Nova de Famalicão -Instancia Central - 2a Secção de Comercio - J1 - Insolvência de AC Unipessoal, Lda.
Assunto: Carta de 26 de Outubro de 2015.
Exmos. Senhores,
Recebi o V. e-mail de 26 de Outubro de 2015, e o respectivo anexo redigido em espanhol e não assinado que, no entanto, mereceu toda a minha atenção.
Relativamente às questões ali colocadas e reforçando que a venda do estabelecimento de farmácia em causa segue os termos das condições anunciadas, sou a responder como segue:

1 - Quanto à continuidade em funções da Directora técnica, confirmo as informações prestadas no sentido de que a mesma não faz parte do quadro de trabalhadores da empresa.
2 - Relativamente aos contratos de trabalho vigentes, nada a acrescentar às informações oportunamente prestadas, porquanto e como certamente V.ª Ex.ªs saberão, os contratos não tem necessariamente forma escrita, e que a massa insolvente apenas pode continuar o que consta dos recibos de salários que emite e pelos pagamentos que faz.
3 - Por fim e no que concerne ao alvará foram V.ª Ex.ªs informadas de que o mesmo se encontra no INFARMED I.P. pendente de averbamentos, e que já temos em nosso poder a certidão necessária e suficiente à transmissão por trespasse do estabelecimento. Como compreenderão, tal documento apenas poderá ser entregue após a celebração do trespasse e do pagamento do preço.
Ao dispor de V.ª Ex.ª
Apresento os meus cumprimentos.
O Administrador Judicial,
V - Em 13 de Novembro de 2015 foi outorgada a seguinte escritura de trespasse – fs. 67 v.º/69:
TRESPASSE
---- No dia treze de Novembro de dois mil e quinze, no Cartório Notarial, na Rua …, perante mim, M. L., Notária, compareceram como outorgantes: ---

Primeiro
---- Dr. RUI, casado, natural de Angola, com domicílio profissional na Rua …, em Viseu, portador do Cartão de Cidadão número …, emitido pela República Portuguesa, válido até 14/05/2020, NIF …, que outorga na qualidade de administrador de Insolvência, qualidade e suficiência de poderes que foram verificados pela certidão judicial, que se arquiva;

Segundo
---- N. E., casado, natural da freguesia de …, concelho do Porto, residente na Rua …, Vila Nova de Gaia, portador do Cartão de Cidadão número …, emitido pela República Portuguesa e válido até 28/04/2016 e C. H., casada, natural de Espanha e de nacionalidade espanhola, residente em …, Madrid, Espanha, portadora do documento de identificação …, válido até 17/05/2020, emitido pelas Autoridades Espanholas, NIF …, que outorgam na qualidade de gerentes, em representação da sociedade comercial por quotas com a firma "X LDA.", e com sede na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com o capital social de duzentos e cinquenta euros, qualidade e suficiência de poderes que foram verificados pelas deliberações constantes da acta seis de Novembro de dois mil e quinze, e pela visualização da certidão permanente com o código de acesso …
Foi verificada a identidade dos outorgantes pela exibição dos mencionados documentos de identificação.

- Disse o primeiro outorgante: -
--- Que na qualidade de administrador de insolvência da sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma "AC UNIPESSOAL, LDA", com sede na Avenida …, União das freguesias de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com o capital social de vinte mil euros, que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão - Instância Central - Segunda Secção de Comércio - J um, sob número novecentos e noventa e quatro barra quinze Um T8VNF, e em função da proposta apresentada pela representada dos segundos outorgantes, e consequente adjudicação, procede à transmissão onerosa (por trespasse), livre de quaisquer dívidas, ónus ou encargos, pelo preço de um milhão quinhentos e seis mil e cem euros, que declara já ter recebido, à sociedade representada dos segundos outorgantes, do estabelecimento comercial de farmácia, destinado ao exercício da actividade de exploração de farmácia, propriedade da sociedade insolvente, denominado "FARMÁCIA Y", instalado nas fracções A, B, C e D, que fazem parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, extinta freguesia de …, actualmente inscrito na União das freguesias de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, sob o artigo 576, no qual se incluem os elementos constitutivos do mesmo, incluindo o alvará da farmácia, o direito ao arrendamento e ao trespasse, e os demais bens móveis, mercadorias e utensílios, bem como os trabalhadores identificados na proposta de aquisição apresentada pela representada dos segundos outorgantes.
---- Que autoriza o cancelamento de todos os ónus que incidem sobre o alvará número três mil cento e oitenta e oito, de nove de Abril de dois mil e doze, nomeadamente o penhor mercantil constituído a favor do W. Portugal, Produtos Farmacêuticos, SA, titular do NIPC ….
---- Declararam os segundos outorgantes:
---- Que, em nome da sociedade que representam aceitam este contrato nos termos exarados. -G
--- Que a sociedade que representam não é detentora nem exerce, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de mais de quatro farmácias.
Assim outorgaram.
--- Este acto está isento de pagamento de imposto de selo, nos termos do artigo 269° do CIRE (Decreto-Lei número 53/04, de 18 de Março).
Exibiram.
--- Certidão emitida em 2 de Outubro de 2015, pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. comprovativa de que a propriedade da Farmácia Y, com o alvará número ...8, de 9 de Abril de 2012, se encontra averbada a favor da sociedade insolvente.
---- Foi feita aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo.
A Notária,
Conta registada sob o n°. 2130
X - Por lhe ter sido pedida pela A., o médico psiquiatra Dr. João subscreveu a seguinte
Declaração Médica
João, médico psiquiatra, licenciado em Medicina pela Universidade do Porto, portador da Cédula Profissional n.º … da Ordem dos Médicos, atesta por sua Honra que a paciente MARIA, portadora do CC n° …, é acompanhada nesta consulta desde Agosto de 2015.
Padece de síndrome depressivo/ansioso reactivo à sua situação sociolaboral. Encontra-se medicada com escitalopram, propanolol e bzd. A sua melhoria clinica tem sido muito condicionada petos sucessivos acontecimentos, nomeadamente o seu recente despedimento, que tem vivido com grande sofrimento e sensação de injustiça.
Por ser verdade e me ter sido expressamente solicitado, passo este atestado que dato e assino -G
Porto, 10.12.2015 – fs. 26 v.º
Y - A sociedade X, LDA, alterou a sua denominação para FARMA., L.DA – certidão a fs. 58/60.
Z - De acordo com a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Associação Nacional de Farmácias e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego n.° 23, de 22/06/2012, o valor da retribuição base para a categoria de Director Técnico era de € 1975,35.

II

1 - A A. continuou a exercer as funções de Directora Técnica da Farmácia Y depois da declaração de insolvência da sociedade unipessoal de que a A. era sócia única, tal como vinha fazendo antes da declaração de insolvência.
3 – Enquanto Directora Técnica, competia à A., nomeadamente, assumir a responsabilidade pelos atos farmacêuticos praticados na farmácia,
4 - garantir a prestação de esclarecimentos aos utentes sobre o modo de utilização dos medicamentos e promover o uso racional do medicamento,
5 - garantir que os medicamentos e demais produtos são fornecidos em bom estado de conservação,
6 - garantir que a farmácia se encontrava em condições de adequada higiene e segurança,
7 - assegurar que a farmácia dispõe de um aprovisionamento suficiente de medicamentos, efectuando as encomendas e dando instruções nesse sentido,
8 - verificar o cumprimento das regras deontológicas da atividade farmacêutica,
9 - efectuar atendimento ao balcão quando necessário,
10 - bem como recepção e conferência de mercadorias. -G
11 - A A. laborava nas instalações da Farmácia Y explorada pela 1ª RR.,
12 - utilizando os meios de trabalho e equipamentos da farmácia.
14 – Depois da declaração de insolvência e de decretada a liquidação da empresa em assembleia de credores, a A. deslocava-se esporadicamente à Farmácia, permanecendo aí por curtos períodos, sendo a Dr.ª M. O. quem, na prática, dirigia a Farmácia e assegurava o aprovisionamento de medicamentos, a recepção e a conferência de mercadorias.
15 – O Senhor Administrador de Insolvência remeteu à ora A. o mail transcrito em O acima.
16 - A A encontrava-se de férias desde o dia 24.09 até dia 13.10.2015.
18 e 19 – Em data imprecisa mas anterior a 24 de Setembro de 2015, a A. comunicou à Dr.ª M. O., Farmacêutica Adjunta a quem o AI havia nomeado sua interlocutora junto da equipa da farmácia, que estava de férias entre 24.9 e 13.10.2015, datas que a Dr.ª M. O. manuscreveu no mapa copiado a fs. 24.
22 a 25 – A recepção da carta de 7.10.2015, dita em P, agravou o estado de depressão e nervosismo em que a A. se encontrava desde Agosto anterior, levando-a a efectuar várias consultas de psiquiatria.
26 - De 24/09/2015 a 13/10/2015 a Autora esteve em gozo de férias.
27 - A sociedade AC, Unipessoal, L.da, emprestou € 1.891.000,00 à Autora.
28 – O eventual pagamento desta quantia não se encontra reflectido na contabilidade da Insolvente, como se vê do campo A5118 dos IES apresentados pela AC, Unipessoal, L.da, nos anos de 2012, 2013 e 2014, copiados a fs. 310 e ss.
29 - Após a declaração de insolvência da AC, Unipessoal, Lda., a Autora continuou a exercer as funções de Directora Técnica da Farmácia Y, como fazia quando era gerente da sociedade unipessoal declarada insolvente. -G
30 – Os equipamentos da Farmácia Y utilizados pela Autora para o exercício das funções de Directora Técnica não foram especificamente atribuídos à mesma, antes estavam disponíveis nas instalações da Farmácia Y para quem, em cada momento, aí prestasse funções.
*
*
Não se provaram os factos levados aos seguintes temas de prova:

2 - Subordinada às ordens e instruções do Administrador de Insolvência?
13 - Cumpria um horário de trabalho, normalmente das 10H às 19H?
17 - Tal facto foi comunicado telefonicamente no dia 23.10 à Dr.ª H. S., colaboradora do Sr. Administrador de Insolvência?
20 - O AI sabia perfeitamente que a A. pretendia retomar o trabalho?
21 - E que (a A.) estava de férias na data em que lhe foi enviada a comunicação de abandono do trabalho?
31 - A AC, Unipessoal, Lda. não é, nem nunca foi, filiada na ANF - Associação Nacional das Farmácias?
32 - A Autora não estava filiada no SNF - Sindicato Nacional dos Farmacêuticos? ”.

IV. APRECIAÇÃO

1ª questão

Entende a apelante que a sentença é nula por omissão de pronúncia sobre créditos salariais pedidos e fundamentados nos itens 80 a 85 da petição, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC.

As apeladas defendem o contrário, salientando que o contrato de trabalho invocado como pressuposto deles não se provou.

Vejamos.

De acordo com a norma citada, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (1).

Com efeito, atenta a função e competência dos Tribunais e dos Juízes decorrentes da Constituição, das demais Leis, designadamente orgânicas, estatutárias e processuais, deve a sentença resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

A omissão de pronúncia, ensinava A. Varela (2), “consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do artº 660º, nº 2”, norma precedente do actual artº 608º, nº 2, ou seja, questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Tais questões são as que ressaltam do objecto do processo definido pela causa de pedir e pelo pedido.

Para tal efeito, as questões aludidas no artº 608º, nº 2, são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. (3)

Não se confundem, porém, “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”. (4)

Segundo M. Teixeira de Sousa, trata-se do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva …”, antes vertido nos artºs 264º e 664º, e agora condensado no artº 5º, do actual Código, o qual “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …”. (5)

E, explicando melhor, acrescenta que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...). … Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder …”. (6)

Também sobre o conceito se pronunciam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (7). Segundo eles, são “questões” “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, o que não implica “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido…(8).

Respiga-se, ainda, da jurisprudência do nosso STJ:

- “São coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. O que importa é que o tribunal decida da questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão, pois a expressão «questões» … não abrange argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”. (9)

- “Não há omissão de pronúncia, mesmo que se não tome conhecimento de todos os argumentos apresentados, ou que não se pronuncie expressamente quanto aos pedidos formulados, desde que se apreciem, como o fez o Tribunal “a quo”, os problemas fundamentais e necessários à justa decisão da lide e, em consequência, se confirme a improcedibilidade da acção.” (10)

- Mais recentemente: “A nulidade duma sentença ou dum acórdão por omissão de pronúncia só tem lugar quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de algum dos pedidos deduzidos, de alguma das causas de pedir, de alguma das excepções invocadas ou de alguma das excepções de que oficiosamente lhe cumpra conhecer.” (11).

Este último não deixou de lembrar que “a nulidade se verifica apenas nos casos em que há omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada” e que “A fundamentação deficiente pode dar azo a, entre outras, situações de insuficiência factual ou má construção de direito, mas não atinge a validade formal da peça processual.” (12)

Como também se sintetiza no Acórdão do STJ, de 20-11-2014 (13), “I - É jurisprudência consensual dos tribunais portugueses que importa não confundir questões (cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 615º do actual CPC) com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições. II - Esta é também a lição da generalidade da doutrina, como ensinou, além do eminente processualista que foi Alberto dos Reis, também Antunes Varela, de cuja lição permitimo-nos transcrever a seguinte passagem: «Não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do artº 668º do CPC, as questões que são colocadas que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos e pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (A. Varela, Rev. Leg. Jur., ano 122º, pg. 112). III - De igual sorte, esta também é a orientação consensual da nossa jurisprudência, como se pode ver, inter alia, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27- 03-2014 (Pº 555/2002.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt) assim sumariado na parte que ora interessa: «Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada». IV - Com efeito, as nulidades não são, em regra, vícios que inquinem a generalidade das decisões judiciais nem correspondem, em regra, ao que as partes, com muito maior frequência do que seria de desejar, consideram como tal, pois o legislador português foi deveras cauteloso em não fulminar com nulidade toda e qualquer omissão ou insuficiência da decisão que a parte entenda haver ou possa mesmo ter ocorrido, aliás em consonância com a orientação perfilhada por vários ordenamentos jurídicos tendo, como trave mestra, o vetusto princípio francês «pas de nulité sans texte». Elas estão devidamente fixadas em «numerus clausus» na lei, presentemente no artº 615º no NCPC/2013. V - Por outro lado, de há muito que a nossa jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal, tem densificado o conceito de todas as nulidades legalmente previstas, sendo incontestável que em matéria de sentenças/acórdãos a lei teve o cuidado de criar um regime tipológico ou taxativo (numerus clausus) que é o consagrado no actual 615º no NCPC/2013 (artº 668º do CPC revogado).

Ora, no caso aqui em apreço, ao concluir pela inexistência de qualquer contrato de trabalho, considerou dispensável pronunciar-se sobre as demais questões, assim julgando a acção improcedente e absolvendo os réus de todos os pedidos – sem efectivamente se debruçar sobre a matéria referida nos itens 80 a 85 da petição.

É certo que, aí, a autora, invocando o contexto da cessação de alegado contrato de trabalho, alegou não lhe terem sido pagos os seus “créditos salariais”, que, segundo ela, deveriam ser calculados “de acordo com o previsto na CCT”, designadamente parte do “vencimento” de Setembro e Outubro e “proporcionais de férias, subsídio de férias” e do “subsídio de natal”.

Concomitantemente peticionou os valores que, segundo tais pressupostos e remunerações que entende corresponderem ao contrato e categoria, calculou como devidos, de 3.045,33€ e de 1.522,66€.

Ora, não há dúvida que a relação jurídica pela autora invocada como fundamentadora do pretenso direito consubstancia, em abstracto, um típico contrato de trabalho.

Nessa relação laboral assenta a causa de pedir e com base nesta foi formulado o consequente pedido.

Tais elementos definem o objecto da causa que faz parte da estrutura da acção. Por ele se demarca a actividade cognitiva do tribunal.

Tendo-se julgado não demonstrado o invocado contrato de trabalho, afigura-se-nos evidente que prejudicado ficou o conhecimento da existência de quaisquer créditos dele ou da sua cessação, em função das suas cláusulas ou das aplicáveis da respectiva Convenção Colectiva de Trabalho, derivados.

Não foi alegada nem, face aos princípios dispositivo e do pedido, o tribunal deve, muito menos pode, investigar a existência de qualquer “outra” causa (alternativa, cumulativa ou subsidiária) em cujos eventuais termos ou nos da respectiva cessação possa encontrar fundamento para afirmar a titularidade do crédito pretendido.

Não se percebe, pois, face ao alegado, a que “outra” relação se tenha querido ou queira referir a apelante nem se vislumbra a razão por que hão-de tais créditos ser devidos “independentemente da natureza da relação existente”.

É que não foi no facto de, consensualmente, exercer funções de Directora Técnica da Farmácia nem de, por isso, receber uma remuneração, nem numa eventual, ainda que subsidiária, relação jurídica de qualquer daí resultante, ainda que de diversa natureza da laboral, que a autora fundamentou a sua pretensão ou em tais termos peticionou os referidos valores.

Ela baseou-se e continua a basear-se exclusivamente num contrato de trabalho e foi neste que fundamentou o pedido a tal propósito formulado.

Nem sequer é verdade que tal matéria não tenha sido impugnada e, portanto, a dívida esteja assente.
Não há qualquer reconhecimento desta.

A contestante Farma. refutou-a, expressa e justificadamente, no item 32 do seu articulado. A Massa Insolvente, no item 23. E a W., no item 4.

Todas elas, aliás, percutindo na inexistência, de facto e de direito, do contrato de trabalho e, por consequência, na não aplicação da CCT.

Julgado aquele, como foi, improcedente, é manifesto que prejudicada ficou a questão dos créditos alegadamente nele fundados, pelo que, em vista do disposto no nº 2, do artº 608º, não tinha o tribunal a quo que sobre isto se pronunciar.

Não se verifica, em suma, a arguida nulidade, nesta parte improcedendo o recurso.

2ª questão

Em sede de impugnação da matéria de facto, pretende a apelante que se se dêem como provados os pontos 2, 13, 17, 20 e 21, em 1ª instância julgados não provados.

Satisfez os requisitos formais exigidos no artº 640º, CPC, especificando os pontos de facto com que não concorda, os meios de prova (testemunhas e dois documentos) que, em sua perspectiva, sustentam a diversa decisão, qual a que deve ser, no seu entender proferida sobre aqueles e, bem assim, as passagens da gravação dos depoimentos em que se baseia.

Fazendo, relativamente ao tribunal a quo e aos pontos da decisão recorrida, uma diversa apreciação e retirando diferentes conclusões dos referidos extractos excisados dos vários depoimentos e descontextualizadas das demais provas e circunstâncias fácticas globalmente analisadas e apuradas, relativas à ligação da apelante com a Farmácia e com a Massa, não identifica nem releva a apelante, contudo, uma precisa e patente incorrecção ou erro de julgamento capazes de conferir mérito à impugnação, de abalar a convicção motivada do respectivo juiz e de justificar a alteração dos pontos indicados, no sentido pretendido.

Tal como não afronta a credibilidade que às testemunhas foi reconhecida, a razão de ciência que se considerou terem e ostentarem e ao teor dos depoimentos a partir do qual se chegou à decisão negativa.

Quanto a tais pontos, o tribunal recorrido motivou-a expressamente referindo que a prova produzida a seu respeito foi insuficiente para basear uma convicção positiva.

Tal motivação resulta ainda do que, quanto aos demais, foi julgado e da apreciação a tal propósito feita de toda a prova produzida, conforme a seguir transcrevemos, sublinhando os seus aspectos mais relevantes:

“O Tribunal fundou esta decisão na análise dos documentos juntos abaixo referidos, no depoimento de parte do Ex.mo Administrador de Insolvência e no depoimento das testemunhas ouvidas, nomeadamente das cinco testemunhas ouvidas, testemunhas comuns à A. Massa e W., todas trabalhadoras da farmácia e, de entre elas, a Dr.ª M. O. que era quem, na prática e dadas as frequentes ausências da A., dirigia a farmácia e representava o Sr. Administrador da Insolvência.
Todos estes depoimentos (M. O., J. F., S. S., Sara, D. P.) foram no mesmo sentido – a A., na altura da insolvência, aparecia poucas vezes na farmácia, não cumprindo um horário, não atendendo clientes, ou conferindo encomendas. As testemunhas mostraram-se isentas, e demonstraram ter conhecimento de causa, pois trabalhavam todos os dias na farmácia, desde altura anterior à insolvência.
O facto 1 resultou provado do depoimento de parte do Sr. Administrador de insolvência e das testemunhas ouvidas a fs. 578/579.
Os factos 3 a 12 correspondem ao conteúdo funcional do Director Técnico de qualquer farmácia que, como acima dito, era função esporadicamente desempenhada pela Dr.ª M. O..
O facto 14 resultou do depoimento das testemunhas que trabalhavam na farmácia, em especial da Dr. ª M. O. que, na realidade, geria a farmácia.
O facto 15 resulta do mail transcrito em O acima.
O facto 16, 18, 19 e 26 resultaram provados na medida em que a A. comunicou tal facto à Dr.ª M. O. que manuscreveu o nome da A. naquele período do mapa de férias.
Os factos 22 a 25 resultaram provados depois de conjugada a declaração médica de fs. 26 v.º que nos dá conta dá conta do acompanhamento psiquiátrico da A. desde Agosto de 2015 e do agravamento da situação clínica da A. depois da carta que ela entendeu como despedimento. As testemunhas trabalhadoras da farmácia deram conta desse agravamento da saúde da A.
Os factos 27 e 28 resultaram da análise dos Balanços de 2012 (fs. 312), 2013 (fs. 341) e 2014 (fs. 459), sendo certo que os documentos de Informação Empresarial Simplificada não reflectem a devolução à sociedade ora Insolvente dos €1.891.000,00.
Os factos 29 e 30 resultaram provados pelo depoimento das trabalhadoras da farmácia.”.

Tendo a apelante (14) sido a única sócia e única gerente da sociedade por ela em seu nome pessoal constituída – declarada, entretanto, insolvente por sentença de 04-02-2015 –, sociedade esta proprietária da “Farmácia Y”, e Directora Técnica desta, mas tendo passado o dito estabelecimento, naturalmente apreendido para a respectiva Massa, para a gestão do administrador judicial nomeado, é incontornável que nenhuma factualidade foi apurada, sequer alegada, e nenhum prova mostra que, em tais circunstâncias, entre o representante da Massa e ela, tivessem sido encetados quaisquer contactos e trocadas declarações convergentes num acabado, perfeito e expresso (verbalmente ou em documento) acordo laboral vinculante e consequente.

Nem a realidade prática tal mostra ou legalmente faz presumir. Pelo contrário.

Sabemos, isso sim, que a Farmácia apreendida continuou a laborar no âmbito e no contexto da insolvência sob a respectiva administração, nada mostrando que, não obstante o administrador, para a liquidar ou continuar a explorar a empresa, pudesse, nos termos do artº 55º, nº 4, contratar trabalhadores, tal tenha sucedido nem que nesta qualidade ou em tal função a apelante tenha desenvolvido qualquer actividade característica e que pelo representante da Massa tal situação tenha sido assumida.

Não se mostrando assim factos demonstrativos da celebração e vigência de um efectivo contrato de trabalho, também das demais circunstâncias fácticas não resulta que ele se possa presumir.

Com efeito, em razão da insolvência, declarada em 04-02-2015, e na sequência desta a apelante continuou a ser remunerada como gerente que fora, não como trabalhadora do estabelecimento e da Massa.

Na sequência da deliberação da assembleia de credores que determinou, em 01-07-2015, se procedesse à liquidação do activo, na carta que, com essa data, lhe foi remetida pelo administrador (fls. 20), lembrou-lhe este que a administração da sociedade passou para a Massa, através dele, e notificou-a de que lhe ficava vedado movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa (atente-se nas razões por ele explicitadas e que adiante se referem a propósito do seu depoimento!), de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks da Farmácia, de emanar quaisquer ordens aos trabalhadores desta, de dar instruções relativas à gestão.

Mais a notificou de que as decisões da gestão e o controlo diário do funcionamento da Farmácia, nomeadamente a abertura e encerramento, por enquanto e até determinações em contrário, seria efectuado por ele, através da colaboradora e farmacêutica substituta Drª M. O..

E, ainda, clara e expressamente, que, enquanto nada lhe fosse comunicado em contrário, deveria continuar – continuar tão só – a exercer – apenas – as funções de Directora Técnica, devendo ser ao administrador comunicadas imediatamente quaisquer ocorrências anómalas verificadas nesse âmbito.

A autora assim continuou, ou seja, apenas com as funções de Directora Técnica, que antes já tinha, todavia só formalmente como se verá. E despojada de quaisquer outras, nenhum meio relativo ao equipamento da Farmácia lhe tendo sido especificamente atribuído para tal exercício.

Como resulta dos factos provados – não impugnados – nessa sequência deslocava-se esporadicamente à Farmácia, permanecendo aí por curtos períodos, sendo, na prática, a Drª M. O. quem exercia tais funções, tudo em termos que as testemunhas relataram e de que adiante se dará nota.

A certa altura, a autora comunicou à Drª M. O. que estaria “de férias”, efectivamente se ausentando entre 24 de Setembro e 13 de Outubro de 2015, não resultando de qualquer prova que tal tenha sido acordado ou autorizado com o administrador da Massa mas apenas unilateralmente decidido por ela, tanto mais que aquele nem sabia disso e mandou a sua colaboradora perguntar por ela, o que sucedeu várias vezes.

Foi assim que, anunciada a venda, no âmbito da liquidação do activo, do estabelecimento e na sequência ainda do mail de 02-10-2015 (fls. 25), remetido pelo Sr. Advogado da apelante ao administrador, reivindicando a qualidade de trabalhadora depende da Farmácia englobada na transmissão desta, anunciando que retomaria funções no final “da presente baixa” (não já de férias…), aquele, em 07-10-2015, lhe remeteu carta (fls. 23 e verso), salientando não lhe reconhecer a qualidade de trabalhadora dependente da sociedade insolvente, com o argumento aí expresso de que a qualidade de sócia única e gerente única é incompatível com aquela e a função de Directora Técnica cometida não lha conferir, mas cautelarmente invocando que havia ausência, considerada abandono de trabalho, desde o precedente dia 23 de Setembro, configurando incumprimento das obrigações legais de Directora Técnica, e que, além disso, na hipótese de lhe vir a ser reconhecida a qualidade de trabalhadora, tal implicaria fundamento de resolução do hipotético contrato de trabalho pela autora invocado.

Nem de tais documentos nem do mail de 14-10-2015 (fls. 24-verso) com que a apelante respondeu ao administrador refutando o teor da comunicação deste resulta, pois, a existência de um contrato de trabalho.

Nem desses documentos ora invocados, nem de quaisquer outros juntos, nem dos extractos dos depoimentos testemunhais salientados, nem de qualquer outra prova gravada.

Com efeito, tudo cotejado, mesmo que, como se salienta nas alegações, a testemunha J. F. tenha relatado, na passagem indicada, que a autora, a partir da insolvência, recebia ordens do administrador, designadamente por mailmails, a dar-lhas de que não há rasto no processo!; que a testemunha S. S. referisse que quem mandava era aquele; que a testemunha M. O. reconhecesse – do que ninguém duvida – que a apelante continuou como Directora Técnica a trabalhar na Farmácia e a “reportar” ao administrador; e que a testemunha H. S. tivesse dito que foram feitas várias comunicações à apelante com ordens ou determinações do administrador (embora nem sempre ela as cumprisse) – o certo é que, além da típica função técnica e independente cometida legalmente (artº 20º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei 307/2007, de 31 de Agosto) ao Director de farmácia, função essa, aliás, também por lei inacumulável com quaisquer outras durante o respectivo horário de trabalho, e naturalmente pressupondo uma ligação com a pessoa jurídica (ou, no caso, com o património autónomo) que titule ou exerça o domínio do estabelecimento, como, aliás, o administrador lhe reconheceu e reconhece, nenhuma outra lhe foi atribuída nem qualquer outro vínculo diverso e característico de uma típica relação laboral se vislumbra que tenha sido estabelecido entre a autora e a Massa.

De resto, dizer – que, afinal de contas nem isso disse! – a testemunha M. O. que a apelante cumpria um horário de trabalho das 10 às 19 “normalmente” ou “quando não estava de baixa” nada significa, como pretende aquela inferir e que o tribunal infira, quanto ao real estabelecimento vinculante de tal acordo e existência do mesmo, tanto mais que, como resulta do ponto provado 14 e não impugnado, ela, afinal, só esporadicamente se deslocava à Farmácia e só por curtos períodos aí permanecia.

A circunstância de as testemunhas D. P. e M. O. dizerem que constava no mapa respectivo afixado no estabelecimento que a autora estava de férias e que ela disso as informara e que a colaboradora do administrador Drª H. S. ligou para a Farmácia a perguntar por ela, tendo-lhe sido respondido que estava de férias, não demonstra que tal tenha sido por ela comunicado ao administrador nem com ele acordado. Revela, pelo contrário, que ela se ausentou, mais longamente do que até aí fazia, por decisão unilateral não oportunamente sequer comunicada e que aquele apenas de tal teve conhecimento mediante o telefonema da iniciativa da sua colaboradora, nada sabendo até então, ficando a pairar a dúvida sobre se de “férias”, realmente ou de simples pretexto, se tratava, ou de “baixa”, como refere o já acima citado mail de 02-10-2015.

Sabendo embora da tese da autora e das suas pretensões mas sendo contrário àquela e a estas o entendimento do administrador, não pode concluir-se que a comunicação de abandono feita por este se apartasse da realidade e que esta fosse a defendida por aquela nem, portanto, inferir-se qualquer consciência dele sobre a existência de um vínculo de natureza e efeitos laborais de que quisesse eximir a Massa.

Tanto bastaria para à impugnação se não reconhecer qualquer mérito e se julgar a mesma improcedente.

Ainda assim, analisámos os demais documentos (designadamente o anúncio da venda e as comunicações entre a interessada e depois adquirente da Farmácia, maxime ao que nela se refere quanto ao entendimento do administrador de que com a autora não havia contrato de trabalho, bem assim a escritura de cujo rol de trabalhadores a transferir esta não consta) e ouvimos toda a prova gravada, não nos convencendo que, tal como o tribunal recorrido entendeu, de facto tivesse sido estabelecida qualquer relação laboral nem de circunstâncias fácticas que a façam presumir.

Percebe-se a ansiedade, quiçá o desespero, que motiva a pretensão da apelante, ela própria insolvente (cfr. nota 14, supra), face ao desfecho da sociedade falida e destino da Farmácia de que era praticamente dona, bem como as vicissitudes consequentes relativas ao desempenho da sua actividade de farmacêutica com as respectivas consequências de natureza pessoal, familiar e laboral e daí a instabilidade que o atestado refere emitido por médico psiquiatra relativo ao seu estado de saúde.

Tal, porém, não pode perturbar a descoberta da verdade, nem ofuscá-la. Nem servir, como é evidente, de critério para, sem mais prova, certa e seguramente, se concluir que, uma relação laboral com vínculo de subordinação, um contrato de trabalho característico, realmente existia, tanto mais que, como o tribunal a quo, não deixou de salientar, aqueles problemas remontam a tempos e causas mais amplos e profundos em que avulta o anterior “empréstimo” por ela contraído junto da sociedade insolvente no valor de 1.891.000,00€, de cujo pagamento (e razão) não foi encontrado reflexo na respectiva contabilidade ou qualquer outra prova (negócio cujo teor o administrador referiu desconhecer e cuja falta de pagamento à Massa asseverou).

No seu depoimento de parte, o administrador Rui, confirmando assentiu em que a autora continuasse, depois da insolvência, na totalidade das funções e poderes de gerência na medida em que compatíveis com as prórpias da administração da Massa e com os interesses desta, e a figurar como Directora Técnica, com a inerente autonomia técnica legal, embora de facto as não exercesse, esclareceu que, entre Fevereiro e Junho, ela só ia à Farmácia “pontualmente apenas para retirar dinheiro do caixa” e foi por isso e porque, a certa altura, ela resolveu fazer uma reunião com os trabalhadores e quis dar ordens que lhe remeteu a comunicação de 01-07-2015 (fls. 20). Negou que tivesse, ele ou a sua colaboradora, recebido qualquer comunicação telefónica da autora a informar que ia de férias.

A testemunha M. O., farmacêutica, no seu depoimento, mormente nas passagens indicadas (1,03 a 3,50, 6,27 a 8,13 e 6,35 a 8,34), nada disse quanto à celebração ou ao menos à existência de um vínculo laboral nem a narração nas alegações da apelante feita de tais passagens, de si inócua como se salientou, todavia corresponde fielmente ao que disse mas apenas a uma “leitura e interpretação”, tão interessada quanto infundada, das suas afirmações. Reconhecendo que a autora continuou a figurar como Directora Técnica, relatou que em Fevereiro, após a declaração de insolvência, ela disse que se ia afastar da Farmácia por tempo indeterminado. Só lá ia às vezes, não estava lá sempre, ignorando a testemunha por que motivo, tendo-se apresentado para trabalhar em Junho. Na realidade, acabava, assim, por não exercer as funções de Directora Técnica. Relativamente ao horário de trabalho, notando-se – repete-se – que a testemunha não disse o que das alegações consta ter dito – salientou, clara e assertivamente, que “não tinha horário certo”, “ia de manhã, ia à tarde...”, “não estava estabelecido. Sendo certo que a autora disse à testemunha que ia de férias em Setembro, não foi esta quem tal comunicou à administração. Não se lembra bem, se, depois, de Julho, quando se apresentou ela esteve de baixa ou de férias.

A testemunha J. F. apenas confirmou que quem era antes e continuou a ser, depois da insolvência, Directora Técnica, era a autora. Sobre quem mandava, respondeu que “nem sabíamos muito bem”, o administrador “ia dando ordens”, designadamente por mail, nada mais acrescentando de relevante, designadamente na passagem do seu depoimento indicada, a não ser que a autora “não tinha um horário fixo” e “deixou de aparecer tantas vezes na Farmácia”, não conseguindo indicar horas certas de entrada e de saída da mesma, acontecendo que “houve dias que entrou e saiu”, o que podia ter sido até nos “períodos de baixa”. Referiu que “eles ligaram a perguntar se a Drª Ana estava a trabalhar”, tendo respondido que não, que no mapa estava anotado à mão que naqueles dias ia de férias. Contra-instada, esclareceu que, depois da insolvência, a “Drª Ana deixou de aparecer como aparecia antes”, ninguém lhe controlava qualquer horário, nem estava mencionada nos “horários de trabalho” e, perguntada sobre se, quando ia de férias, comunicava a alguém, respondeu que não, ela apenas “dizia”.

A testemunha S. S., semelhantemente, nada referiu que mostrasse sequer sugerisse o alegado contrato de trabalho, mormente na passagem da gravação do seu depoimento indicada pela apelante, a não ser que a autora continuou como Directora Técnica, embora não estivesse constantemente na Farmácia, “ia lá”, e acontecesse, por vezes, ter estado ausente, sem saber concretizar as exactas razões, que as ordens lhes eram dadas pelo administrador através da testemunha M. O., que não sabe de horários dela, pensando que não tinha nenhum, “não faço ideia a que horas entrava de manhã, nem tomava nota a que horas saía”.

A testemunha Sara referiu que, depois da insolvência, a autora apenas ia algumas vezes à Farmácia, calculando “uma ou duas vezes” e “duas ou três vezes”, sendo certo que ela “não tinha horário certo”. Recorda-se de uma que coincidiu com a primeira vez que o administrador se foi apresentar e em que ela apareceu lá tardiamente em relação ao horário combinado, porque “ela não o queria receber” (chegando a manifestar que queria que fosse outro funcionário, Dr. Ricardo, a fazê-lo), tendo, quando aquele chegou acabado por lá se encontrar com ela (não estando o dito Dr. Ricardo) e ido conversar para o gabinete dela, não sabendo do que trataram. Acrescentou que “houve vezes que foi lá buscar dinheiro que não apareceu na conta dos fornecedores”, embora tal fosse necessário para estes abastecerem a farmácia, não sabendo que destino lhe foi dado pela autora.

A testemunha D. P. confirmou que a autora era e continuou a figurar como Directora Técnica, mas era a Drª M. O. quem recebia as ordens do administrador e com ele interagia. Quando a insolvência foi declarada, a autora mandou um mail a dizer que se ia ausentar, não sabendo a testemunha se estaria de baixa. A Farmácia, de Fevereiro a Junho, na ausência da autora, funcionou “muito bem” com a Drª M. O. e com o administrador. Ela “não tinha horário fixo”, entrava e saía “às horas que queria”. Recorda apenas que ela esteve de férias, não sabe quando, porque havia um calendário onde tal era anotado (cfr. fls. 24), que servia de mapa, e “ela afixou” nele as suas. Numa das diversas vezes em que a testemunha Drª H. S. telefonou a perguntar pela autora, a testemunha M. O. respondeu-lhe que estava de férias.

Sendo certo, para finalizar, que nada consideramos haver de decisivo, por óbvias razões ligadas ao respectivo interesse e parcialidade, nas declarações de parte da autora Drª MARIA, ouvimos, por fim, o depoimento da testemunha Drª H. S., colaboradora do administrador judicial.

Confirmando que a autora continuou após a declaração de insolvência e mesmo depois da assembleia de credores realizada em 01-07-2015 a figurar como Directora Técnica, concordou que assim fazia parte da “estrutura organizativa” (na expressão do Sr. Advogado que a instava) mas acrescentou que “ela pouco estava na Farmácia”, pois “pouco se deslocava lá”, do que tinham “reporte quase diário”, e não contavam com a colaboração dela, mas sim com a da Drª M. O., tanto mais que, a certa altura, ela deixou completamente de aparecer na Farmácia. Embora, em sua opinião, ela devesse seguir as instruções do administrador, o certo é que não as cumpria.

Enfim, não emerge de tal prova nem nela sequer se perscruta razão alguma capaz de por em causa o julgamento feito e de fundamentar a modificação decisão proferida quanto aos pontos de facto questionados no sentido pretendido.

Motivo por que deve improceder, também nesta parte, o recurso e manter-se a factualidade apurada.

3ª questão

Já no âmbito da matéria de direito, defende a apelante que, nos termos dos artºs 11º e 12º, do Código de Trabalho, se presume existir entre a apelante a apelada Massa Insolvente um contrato de trabalho, nos termos explanados nas conclusões 41ª a 49ª (reprodutoras do texto respectivo da alegações).

Sobre isso, considerou e entendeu o tribunal a quo na sentença:

“Em sucinta apreciação da factualidade vista, temos que em 25.2.2011 foi registada a constituição da sociedade AC Unipessoal, L.da, com o capital de 20.000,00 €uros, representado por uma única quota pertencente à aqui A. que em 11.2.2011 deliberou nomear-se gerente – fs. 389.
Em 24.7.2013 é registada a nomeação de administrador provisório em processo de revitalização da sociedade e em 20.6.2014 é registada homologação do plano de recuperação em processo de revitalização – fs. 389.
Em 4.2.2015 é proferida sentença que decreta a insolvência da sociedade AC Unipessoal, L.da.
Ou seja, em menos de quatro anos a aqui A. constituiu a sociedade unipessoal de que sempre foi sócia e gerente única, transferiu para a sociedade a propriedade da Farmácia Y, submeteu a sua sociedade a um plano de revitalização que não cumpriu e oito meses depois da homologação do plano é decretada a insolvência daquela sociedade unipessoal. Não sem antes ter metido a mão à caixa e daí ter retirado 1.891.000,00 €uros.
A A. era sócia e gerente única da sociedade e Directora Técnica da farmácia propriedade daquela sociedade.
Decretada a insolvência da sociedade, continuou a A. a desempenhar as funções de directora técnica da farmácia, como vinha fazendo antes da declaração de insolvência.
A actividade da A. à frente da farmácia não tinha em conta a nova situação de insolvência da sociedade que, nos termos do n.º 1 art. 81.º do CIRE priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
Por isso, em 1.7.2015, o Ex.mo Administrador de Insolvência remeteu à ora A. o mail copiado a fs. 20 e levado à alínea O acima, de que se destaca:

Assim e para os devidos efeitos, notifico V. Ex.a para que expressamente se abstenha de movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa, de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks da farmácia, de emanar quaisquer ordens expressas aos trabalhadores do estabelecimento, de dar instruções ou ordens relativas à gestão do mesmo.
Enquanto não forem por mim determinadas alterações aos procedimentos e às expressas determinações constantes deste email, as decisões da gestão e o controlo diário do funcionamento do estabelecimento de farmácia será efectuado por mim, através da colaboradora da farmácia e farmacêutica substituta - Dra. M. O..
Mais informo que a abertura e encerramento do estabelecimento de farmácia passarão também a ser determinados por mim directamente ou através da Dra. M. O..

Informo ainda V. Ex.a que enquanto nada lhe for comunicado em contrário, V. Ex.ª deverá continuar a exercer as funções de Direcção Técnica, ficando também expressamente determinado que quaisquer ocorrências anómalas que venham a ser diagnosticadas no âmbito dessas mesmas funções deverão ser-me imediatamente comunicadas.
Em 7.10.2015 o mesmo Ex.mo Administrador – al. P e fs. 23 – informa a A. de que não lhe é reconhecido estatuto de trabalhadora dependente da devedora MARIA, Unipessoal, Lda., da qual V. Ex.a é sócia única e gerente única, facto que se mantém em continuidade desde a constituição da referida sociedade.
Por outro lado e ainda que V. Ex.a tenha assumido simultaneamente as funções de directora técnica da Farmácia Y, com a alvará n° ...8 emitido pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I:P., tal facto não lhe confere a qualidade de trabalhadora por conta de outrem.
Com efeito, o estatuto de gerente da sociedade não lhe permitia acumular em simultâneo o estatuto de trabalhadora dependente dessa mesma sociedade.
À cautela e para salvaguarda de eventuais factos futuros que venham a resultar da invocação por V. Ex.a da qualidade de trabalhadora da sociedade insolvente e acima identificada, que aqui declaradamente não se reconhece, importa esclarecer que se verifica a sua ausência do estabelecimento, sem qualquer justificação, desde o dia 23 de Setembro de 2015 até ao dia 8 de Outubro de 2015, de forma ininterrupta. Como é do conhecimento de V. Exa., tal ausência configura uma ilegalidade do ponto de vista das obrigações de directora técnica, nomeadamente das previstas nos artigos 20°, n° 1 e 21° do Decreto-Lei n ° 307/2007, de 31 de Agosto, que aqui expressamente se declara e invoca.

Por outro lado, e por mera cautela, embora na hipótese que não se admite de lhe vir a ser reconhecida a qualidade de trabalhadora, a referida ausência é motivo de despedimento com justa causa por abandono do trabalho, como decorre do disposto no artigo 403°, n.° 2 do Código do Trabalho (considera-se abandono de trabalho a ausência do local de trabalho não justificada par período igual ou superior a 10 (dez) dias, venho pela presente comunicar a V. Ex.ª a resolução de qualquer eventual relação laboral com a sociedade insolvente, nos termos do artigo 403°, n.° 3 do Código do Trabalho.
Com esta comunicação estalou o litígio: a A. a afirmar o seu estatuto de trabalhadora dependente, até por via da parte final daquele mail de 1.7.2015 que a reconhece e confirma nas funções de Directora Técnica; a Massa Insolvente a reiterar que o estatuto de gerente da sociedade não lhe permitia acumular em simultâneo o estatuto de trabalhadora dependente dessa mesma sociedade.
Esta é a questão primeira: a de decidir se, como pede a A. em primeiro lugar, se reconheça que existiu um contrato de trabalho entre a A. e a 1.ª RR, tendo aquela exercido funções de Directora Técnica Farmacêutica. É que se não existir contrato de trabalho, todos os pedidos nele baseados caem por falta de sustentação.
Conforme a A. desenha a acção, esse contrato de trabalho teria nascido com o desempenho, pela A., das funções de Directora Técnica Farmacêutica, antes e depois da insolvência da sociedade cuja era sócia única e gerente única, como confirmado pelo mail de 1.7.2015.
Para tal decidir impõe-se analisar os regimes legais do contrato de trabalho e das sociedades unipessoais por quotas, regulado este, pela primeira vez, nos art. 270.º-A a 270.º-G do Código das Sociedades Comerciais, integrantes do capítulo X, aditado ao título III do Código das Sociedades Comerciais pelo artigo 2.º do Dec-lei n.º 257/96, de 31 de Dezembro, na sequência da Directiva n.º 89/667/CE DO CONSELHO DE 21 DEZ 1989.
*
O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas – art. 11.º do Código do Trabalho.
«Mas o elemento verdadeiramente diferenciador é, sem dúvida, o da subordinação jurídica - “sob a autoridade e direcção” do recebedor da prestação.
“O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora. Em caso afirmativo, promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe”.
“A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem”.

Nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho “a subordinação pode ser meramente potencial, no sentido de que para a sua verificação não é necessária uma actuação efectiva e constante dos poderes laborais, [bastando] a possibilidade de exercício destes poderes. […C]omporta graus […,] é jurídica e não técnica […nem] económica […e] tem uma limitação funcional, […devendo] os poderes do empregador […] conter[-se] dentro dos limites do próprio contrato”.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.3.2017, no Processo: 254/14.5T8MTS.P1.S1
*
A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social – n.º 1 do art. 270.º-A do CSC.
A firma destas sociedades deve ser formada pela expressão 'sociedade unipessoal' ou pela palavra 'unipessoal' antes da palavra 'Limitada' ou da abreviatura 'Lda.' – art. 270.º-B do CSC.
Nas sociedades unipessoais por quotas o sócio único exerce as competências das assembleias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes. – n.º 1 do art. 270.º-E do CSC.

Nos termos do Artigo 270.º-F

Contrato do sócio com a sociedade unipessoal
1 - Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do objecto da sociedade.
2 - Os negócios jurídicos entre o sócio único e a sociedade obedecem à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, devem observar a forma escrita.
3 - Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas; qualquer interessado pode, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade.
4 - A violação do disposto nos números anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio.
*
Tem sido discutida, mormente na doutrina, a questão de saber se um sócio-gerente de uma sociedade por quotas – para as sociedades anónimas há norma expressa de proibição, o art. 398.º do CSC – pode, em simultâneo com o desempenho daquela função de gerência que é, a um tempo, de administração e de representação (art. 252.º, 1, do CSC), desempenhar funções de trabalhador dependente da sociedade cujo é gerente.
A questão foi debatida e decidida pelo STJ em seu Acórdão de 29.9.1999 e nos dois acórdãos citados pela Ré OPC, o da Relação de Coimbra, de 20.10.2005 e da Relação do Porto, de 24.1.2005.
Mais recentemente, a Relação de Évora voltou ao assunto, em seu Acórdão de 6.4.2017, relatado pelo Ex.mo Desembargador Mário Coelho, no processo 127/15.4T8STR-B.E1.

Ensinou assim:

«No caso das sociedades anónimas, o art. 398.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSComerciais) determina que, quando for designado administrador pessoa que seja trabalhador da sociedade, “os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais de um ano”.

Pelos mesmos motivos que ditaram tal regra nas sociedades anónimas, não se poderá deixar de ponderar igualmente a incompatibilidade entre a existência de contrato de trabalho e o exercício de funções de gerência numa sociedade por quotas. Na verdade, competindo ao conselho de administração de uma sociedade anónima, nos termos do art. 405.º do indicado Código, gerir as respectivas actividades, é patente a repercussão que aquela gestão tem no universo dos seus trabalhadores, com a consequente possibilidade de surgimento de conflitos de interesses entre estes e aquela[3].

Quanto às sociedades por quotas, é ao gerente que compete o poder de administração e representação das mesmas – art. 252.º, n.º 1, do C. S. Comerciais – detendo assim os poderes de autoridade, de direcção, de fiscalização e de disciplina sobre os respectivos trabalhadores. Logo, em princípio ocorre uma situação de incompatibilidade entre o exercício dos poderes de gerente e as funções de trabalhador, facto que, à semelhança dos administradores das sociedades anónimas, justifica a suspensão do contrato de trabalho enquanto perdurar o exercício daqueles poderes, ou a extinção do contrato de trabalho, caso o mesmo tenha durado menos de um ano.

A propósito da compatibilidade das funções de gerente de sociedade por quotas com a subordinação jurídica característica da relação laboral, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., págs. 171 e 171, afirma o seguinte:

«Constitui orientação pacífica a de que os administradores das sociedades anónimas e os gerentes das sociedades por quotas, enquanto tais, preenchem as características do mandato e não as do contrato de trabalho. Entende-se, no entanto, também que a titularidade da gerência comercial pode cumular-se na mesma pessoa com a posição de trabalhador subordinado, maxime quando nela não concorra a qualidade de sócio. (…) A convergência das duas qualidades (“gerente social” e “gerente do estabelecimento”) pode, ela sim, suscitar dúvidas. Mas, a nosso ver, o estatuto de mandatário da sociedade deve prevalecer, pelo menos quando se trate de sócio dela.»

No entanto, existe doutrina que se pronuncia pela possibilidade de coexistência do contrato de trabalho com o exercício das funções de gerente da sociedade por quotas. Neste sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., pág. 320 – «os gerentes societários podem cumular as funções para que foram designados com as de trabalhador subordinado» – e Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, vol. III, Coimbra, 1991, págs. 33 a 38, relevando os casos das «pequenas sociedades por quotas em que o sócio-gerente exerce funções que não competem aos gerentes», admitindo a possibilidade de «cumulação das duas espécies de funções», e que «na falta de expressas declarações negociais, nomeadamente provadas por escrito, haverá que recorrer a todas as circunstâncias do caso. Assim, pode ser decisivo que o contrato de trabalho seja anterior à designação como gerente, pois não é de presumir que o trabalhador – que continua a prestar o mesmo trabalho – queira, por causa daquela designação, precedida normalmente da aquisição de uma quota na sociedade, perder a sua antiga qualidade.»

O Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 29.9.1999) identificou os seguintes requisitos para caracterização de uma cumulação das funções de trabalhador e de sócio-gerente de sociedade por quotas:

«1.º - anterioridade, ou não do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio gerente;
2.º - retribuição auferida, procurando surpreender alterações significativas ou dualidade de retribuições;
3.º - natureza das funções concretamente exercidas, antes e depois da ascensão à gerência, designadamente em vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há nítida separação de actividades;
4.º - composição da gerência, designadamente ao número de sócios gerentes e às respectivas quotas;
5.º - existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes;
6.º - dependência, hierárquica e funcional, dos sócios gerentes que desempenham tarefas não tipicamente de gerência, relativamente a estas actividades.»

Expostas as diversas posições sobre a questão, dos autos não resultam factos demonstrativos do estabelecimento de uma relação de trabalho subordinado entre a insolvente e o seu sócio e gerente (…).
Não só foi um dos fundadores da sociedade, como exerceu as funções de gerente desde a sua constituição e até ao decretamento da insolvência, sendo, aliás, o único gerente desde 13.06.2013. Não estava, pois, sujeito às ordens, direcção, fiscalização e disciplina da insolvente, facto que afasta a qualificação da relação existente como revestindo natureza laboral. Bem pelo contrário, o exercício das funções de gerente desde a constituição da sociedade, sendo o único gerente nos últimos anos, e a circunstância de ser detentor de metade do capital social, aponta decisivamente no sentido da relação não deter natureza laboral.
Esta conclusão, obtida a partir dos elementos constantes dos autos, permite afirmar a ocorrência de erro manifesto no reconhecimento dos créditos reclamados por aquele gerente, por não poder valer-se dos direitos e garantias reconhecidos aos trabalhadores da sociedade[5].»
E concluiu: Nas sociedades por quotas, detendo o gerente poderes de autoridade, direcção, fiscalização e disciplina dos respectivos trabalhadores, ocorre, em princípio, uma situação de incompatibilidade entre o exercício simultâneo dessas funções de gerente e as de trabalhador.

No mesmo sentido decidiu a Relação de Guimarães, em seu Acórdão de 13.2.2014, no Processo 2690/12.2TBGMR-B.G1 [15], com o seguinte

«Sumário:

I – São elementos do contrato de trabalho a subordinação económica, que se concretiza pelo pagamento do trabalho, e a subordinação jurídica, que se manifesta pelo poder que a entidade empregadora tem de dar ordens e instruções para a execução do trabalho, as quais são vinculativas para o trabalhador, subordinação esta que distingue o contrato de trabalho dos contratos afins, designadamente o de prestação de serviços e o de mandato.
II – Em princípio, é incompatível a cumulação na mesma pessoa das posições jurídicas emergentes do contrato de trabalho e da qualidade de sócio-gerente de uma sociedade por quotas. Só assim não será se se provar existir uma relação de subordinação entre o sócio-gerente e a sociedade comercial.
III – Não estando provada nos autos a relação de subordinação, atendendo ao carácter de efectividade das funções de gerência, tem-se por cessada a relação laboral no momento de aquisição das quotas, em que o agora sócio, ex-trabalhador, passou a ter as funções de gerente, visto ter terminado aí a subordinação jurídica dele à sociedade comercial.
IV - Não subsistindo a relação laboral à data da declaração de insolvência forçoso é concluir não ter o sócio-gerente direito à indemnização, “pela cessação do contrato de trabalho” decorrentemente da declaração de insolvência e do encerramento definitivo do estabelecimento comercial, assim como dos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal.
V – Improcede, por isso, a reclamação daqueles “créditos” apresentada pelo sócio-gerente da Insolvente no processo para declaração de insolvência desta.»

Se pode haver dúvidas quanto ao sócio-gerente de sociedade pluripessoal por quotas, mormente quando se trata de sócio minoritário e trabalhador da sociedade antes de adquirir a qualidade de sócio-gerente, nenhuma dúvida pode haver quando se trata de sócio único e gerente único de sociedade unipessoal por quotas.
Isto mesmo decidiu a Relação do Porto, em seu Acórdão de 10.1.2011, no Processo n.º 514/08.4TTLMG.P1 [16], tratando da cessação de um contrato de trabalho por conta de outrem quando a trabalhadora virou patroa, se o estabelecimento, sem qualquer quebra de continuidade, é transmitido para sociedade unipessoal de que a então trabalhadora é a única sócia gerente.

Aí se ensinou:

«A transmissão do estabelecimento, em circunstâncias ditas “normais”, determinaria a transmissão do contrato de trabalho de modo a que o adquirente passaria a empregador do trabalhador. Acontece que, no caso, o estabelecimento foi, na verdade e efectivamente, transmitido. Porém quem o adquiriu foi a própria A. ou, melhor dizendo, uma sociedade unipessoal de que a própria A. era a única sócia-gerente. Quer isto dizer que, com essa transmissão, o contrato de trabalho não se transmitiu, pois que, com a transmissão, a A. adquiriu a posição, não de trabalhador, mas de empregador, sendo certo que a simultaneidade, na mesma pessoa singular, das posições jurídico-laborais de trabalhador por conta de sociedade unipessoal e de único sócio-gerente dessa mesma sociedade são incompatíveis. Isto é, a A. não é, nem pode ser, simultaneamente, trabalhadora (subordinada) da sociedade H………. e única sócia-gerente dessa mesma sociedade

Em suma: A A., enquanto Directora Técnica da farmácia propriedade da sociedade AC UNIPESSOAL, L.da, não era trabalhadora dependente desta sociedade de que era única sócia e gerente. -G
*
Com a declaração de insolvência também não adquiriu a A. tal qualidade, pois nem o Administrador da Insolvência a contratou nem houve alteração da qualidade, remuneração e funções de gerente e directora técnica que vinha desempenhando e manteve. Como permite, de resto, o n.º 1 do art. 82.º e impõe a al. c) do n.º 1 do art. 83.º: O devedor insolvente fica obrigado a:

c) – Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções.
*
Mas será que não pode considerar-se o mail de 1.7.2015 prova do contratação da A. como directora técnica da farmácia que pertenceu à sociedade e agora é património da Massa?
O mail é do seguinte teor (al. O acima):
Na sequência da deliberação da assembleia de credores tomada hoje, dia 01-07-2015, nos autos em referência, foi determinado que os mesmos prosseguissem para liquidação do activo.
Como já ocorria desde a declaração de insolvência e como se confirma pela deliberação referida, o estabelecimento de farmácia denominado Farmácia Y passou a ser administrado pela massa insolvente através do administrador de insolvência.

Assim e para os devidos efeitos, notifico V. Ex.a para que expressamente se abstenha de movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa, de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks da farmácia, de emanar quaisquer ordens expressas aos trabalhadores do estabelecimento, de dar instruções ou ordens relativas à gestão do mesmo.
Enquanto não forem por mim determinadas alterações aos procedimentos e às expressas determinações constantes deste email, as decisões da gestão e o controlo diário do funcionamento do estabelecimento de farmácia será efectuado por mim, através da colaboradora da farmácia e farmacêutica substituta - Dra. M. O.. -G

Mais informo que a abertura e encerramento do estabelecimento de farmácia passarão também a ser determinados por mim directamente ou através da Dra. M. O..

Informo ainda V. Ex.a que enquanto nada lhe for comunicado em contrário, V. Ex.ª deverá continuar a exercer as funções de Direcção Técnica, ficando também expressamente determinado que quaisquer ocorrências anómalas que venham a ser diagnosticadas no âmbito dessas mesmas funções deverão ser-me imediatamente comunicadas.
Apresento os meus cumprimentos,
Rui
Administrador de Insolvência
À luz dos comandos ínsitos nos art. 236.º, 1 e 238.º, 1, ambos do CC, ninguém verá neste mail qualquer vestígio, ainda que ténue, de contratação de alguém ou de manutenção de contrato anterior quando se notifica expressamente o destinatário para se abster de movimentar quaisquer valores ou retirar dinheiro do caixa, de formalizar ou gerir as encomendas e os stocks da farmácia, de emanar quaisquer ordens expressas aos trabalhadores do estabelecimento, de dar instruções ou ordens relativas à gestão do mesmo.

Apesar de também aí se informar a ora A. de que enquanto nada lhe for comunicado em contrário, V. Ex.ª deverá continuar a exercer as funções de Direcção Técnica, como vinha fazendo desde o tempo em que era sócia e gerente única da sociedade unipessoal proprietária da farmácia que, em menos de quatro anos, levou à falência, depois de, sem escrito conhecido (art. 270.º-F, n.º 2), tomar de empréstimo à sua sociedade a quantia não despicienda de 1.891.000,00 €uros.
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Em resumo: não existiu qualquer contrato de trabalho entre a A. e a 1.ª Ré, subjacente ao exercício, pela A., de funções de Directora Técnica Farmacêutica da Farmácia Y que pertenceu à sociedade insolvente de que a A. foi, sempre, sócia única e gerente única.
O assim decidido dispensa-nos de entrar na análise do mais pedido – art. 608.º, n.º 2, do CPC.”

Alega agora a apelante que “de acordo com a matéria dada como provada” – supomos que se refere à que, no seu entendimento, assim deveria ter sido mas na realidade não foi – exerceu as funções de Directora Técnica “subordinada às ordens e instruções “ do administrador, “laborava em regime de exclusividade nas instalações da Farmácia Y, utilizando os meios de trabalho e equipamentos da farmácia, cumprindo um horário de trabalho, normalmente das 10 às 19 h e permanecendo nas referidas funções mesmo depois da declaração de insolvência e de decretada a liquidação da empresa em assembleia.”.

Acrescentou que era remunerada, deixou de ser gerente, pelo que, como Directora Técnica, passou a “trabalhadora dependente” transmutando-se as suas funções restantes num contrato de trabalho.

Não cremos que seja assim. A realidade não o mostra. As circunstâncias específicas em que o caso se desenrola, decorrentes da declaração de insolvência, da entrada em funções do administrador, da liquidação do património e a venda da farmácia, revelam um quadro peculiar normal de tudo isso decorrente, em que nenhuma plausibilidade tem tal contrato mas que torna explicável e até compreensível a pretensão da apelante.

Conta esta, para defender a existência e vigência do contrato, com factos não provados ou que pretendia ver assim julgados, mas que o não foram.

Os apurados, como justa e proficientemente se discorreu na sentença, não mostram a existência antes nem a celebração com a Massa depois, de um contrato com as características laborais enfatizadas.

Nem eles integram qualquer das presunções legais previstas – que a apelante, aliás, não discrimina.

Mesmo que para alguma delas apontassem, a realidade é que o simples facto de figurar como Directora Técnica e de tal lhe ter sido reconhecido, dada a independência técnica e deontológica que tal exercício implicava (embora, na prática, cometido à Drª M. O.), ausência de quaisquer elementos característicos da relação laboral e mesmo a revelia à orientação do administrador quanto ao funcionamento e destino da Farmácia e até à presença nesta, onde, depois da insolvência, apenas se deslocava “esporadicamente” (ponto 14 dos factos) e permanecia por “curtos períodos”, bastam, não fosse tudo quanto mais resultou da prova, para afastar qualquer presunção e se concluir que jamais de natureza laboral pode ser ou considerar-se a relação de facto assumida pela Massa, através da comunicação de 01-07-2015, no contexto apurado e ainda que a pretexto da aceitação de que a mesma continuasse a figurar como Directora Técnica e que diversas daquelas devem ser as regras reguladoras de tal situação e consequentes efeitos.

A comunicação, pelo contrário, mostra a intenção de confinar a eventual acção da autora às funções de natureza estritamente técnica e de a barrar a quaisquer outras que, no desenvolvimento da actividade de comércio farmacêutico, a relação laboral pressuporia e implicaria, afinal entregues à Drª M. O., com a qual o administrador operou em matéria que a apelante pretendia dizer-lhe respeito por consubstanciadora, a seu ver, do contrato de trabalho..

Devendo também, nesta parte, confirmar-se a sentença e improceder o recurso, prejudicada fica a quarta e última questão respeitante ao brandido “despedimento ilícito” por alegadamente não precedido de processo disciplinar necessário nem demonstrado o “abandono de trabalho” denunciado, e pretensas consequências inerentes.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
Guimarães, 30 de Maio de 2018

José Fernando Cardoso Amaral
H. S. Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha



1. Definido o conceito de questão à luz do artº 608º, nº 2, CPC.
2. Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, página 690.
3. A Varela, na RLJ, Ano 122.º, pág. 112.
4. J. Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 143.
5. Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 220 e 221.
6. Autor e obra citados, páginas 220 a 223.
7. Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704 .
8. Idem, página 680.
9. Acórdão de 21-06-2011, supra referido.
10. Acórdão de 15-11-2012, relatado pelo Consº Orlando Afonso.
11. Acórdão, de 28-02-2013, relatado pelo Consº João Bernardo (sumário).
12. Idem, no texto.
13. Proferido no processo nº 810/04.0TBTVD.L1.S1, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues.
14. Ela própria pessoa singularmente declarada em situação de insolvência por sentença de 03-09-2015, como oficiosamente sabemos por via da apelação nº 6908/15.1T8VNF-E.G1, cujo acórdão deste Tribunal data de 05-01-2017.
15. Relatado pelo Exmº Desembargador Fernando Fernandes Freitas.
16. Relatado pela Exmª Desembargadora Paula Leal de Carvalho.