Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
663/09.1JAPRT.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
AUDIÇÃO PRESENCIAL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1- Para revogar a suspensão da execução de pena de prisão é obrigatória a audição do arguido.

2 - Em caso de impossibilidade de audição presencial, por motivos exclusivamente imputáveis ao arguido, a condição fica preenchida com a notificação do defensor para se pronunciar sobre a promoção do MP no sentido da revogação, já que este "exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reserva pessoalmente" - art. 63º/1/CPP.

3 - A contagem do prazo de prescrição do crédito por custas/multas só se inicia com o termo do prazo para pagamento voluntário e não a partir do trânsito em julgado da decisão que as aplicou.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1 - No processo comum com o nº 663/09.1JAPRT, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 3, foi proferido despacho, datado de 10/10/2018, do seguinte teor (transcrição):

“ Fls. 785
O arguido M. D. foi condenado pela prática, em autoria material, em concurso real, por um crime de roubo e um crime de sequestro, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, pena essa que foi suspensa na sua execução, na condição de pagar determinadas importâncias aos ofendidos.

Por decisão de 04/10/2011, que consta dos autos a fls. 349 e 250, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão, atendendo a que o mesmo não fez prova de que cumpriu com a obrigação de pagar a indemnização ao ofendido Sérgio, além de que, tendo-se ausentado para parte incerta, nunca colaborou com a DGRS, com vista à elaboração de um plano de reinserção social, tendo-se inclusive recusado a informar aquela entidade sobre o país onde se encontra emigrado e o tipo de trabalho ou vida que leva a cabo.

Esta decisão foi notificada ao arguido a fls. 368, de acordo com o acórdão de fixação de jurisprudência nº 6/2010, pelo que transitou em julgado.

Vem agora o arguido suscitar a nulidade daquela decisão que revogou a suspensão a execução da pena de prisão, pretextando que não foi ouvido, antes de ser proferida a decisão, pretendo agora ainda discutir a bondade da decisão, sustentando que nãos e verificam os fundamentos para a revogação, solicitando que lhe seja concedido prazo para proceder ao pagamento de todas as quantias em que foi condenado.

Sucede que, conforme ficou a constar da decisão que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena, “ (…) O Digno Magistrado do M.P. promoveu que se revogasse a suspensão da execução da pena de prisão. O arguido encontra-se em paradeiro incerto e recusa-se a dar informação sobre o local onde se encontra, o que inviabilizou a sua audição.

Assim, foi cumprido o contraditório quanto a esta promoção, na pessoa da sua ilustre defensora oficiosa e nada foi dito. Foi ainda determinada a audição presencial do arguido, não se tendo logrado qualquer êxito dado que o arguido está em paradeiro incerto (…)”.

Isto para significar que, ao contrário do que sustenta, inexiste qualquer nulidade da decisão que revogou a suspensão a execução da pena, porquanto antes de decidir, o Tribunal cumpriu o contraditório, notificando o teor da promoção à ilustre defensora do arguido, que nada disse, determinou a audição presencial do arguido, que só não se concretizou porque este não cumpriu com as obrigações que lhe foram impostas, violando culposamente os seus deveres, ausentando-se e negando-se a prestar informações sobre o seu paradeiro, assim inviabilizando a elaboração de um plano de reinserção social.
Por outro lado, a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão, como bem nota a digna Magistrada do M.P., foi regularmente notificada ao condenado, já transitou em julgado, não podendo nesta oportunidade ser reapreciados os fundamentos que determinaram o sentido daquela decisão.
Pelo exposto, indefiro o requerido e determino o cumprimento do decidido.
Notifique.”
*
2 - No mesmo processo comum foi proferido despacho, datado de 08/11/2018, do seguinte teor (transcrição):

“Fls.886 e verso:
Compulsados os autos constata-se que a multa processual – artº116º, nº2 do CPP – foi aplicada à assistente M. S. por decisão proferida a 21.04.2010, cfr. ata de audiência de julgamento a fls.202 e seguintes, notificada na mesma data, na pessoa do seu mandatário presente nessa diligência, pelo que, tal decisão transitou em julgado.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se que não ocorreu qualquer prescrição do crédito pela multa processual aplicada.

A este propósito invoca-se a anotação ao artº37º do Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado por Salvador da Costa, 2009, Almedina Coimbra,pág.397 e 398 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 24.06.2010 e de 26.02.2013 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.06.2017, todos disponíveis in www.dgsi.pt- ; uma vez que o Regulamento das Custas Processuais é aplicável às multas processuais, conforme o disposto no artº3º, nº2 : “As multas e outras penalidades são sempre fixadas de forma autónoma e seguem o regime do presente Regulamento”; dispondo os artigos 27º e 28º quanto às disposições gerais e ao seu pagamento.

Como expressamente resulta do Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 24.06.2010 supra citado “o facto de o legislador não ter referido o prazo a partir do qual se conta a prescrição do crédito de custas significa que segue a regra geral, ou seja, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito de crédito puder ser exercido, em conformidade com o disposto no artº306º, nº1 do Código Civil.

Assim, o início do prazo de prescrição de 5 anos, aplicável à multa processual como supra referido nos termos do artº3º, nº2 do Regulamento das Custas Processuais, é contado a partir da data do termo do pagamento voluntário para pagamento da multa processual e não a partir do trânsito em julgado da decisão de condenação em multa processual, no caso dos autos, nos termos do artº116º, nº2 do CPP; uma vez que não tendo decorrido o prazo legalmente previsto para cumprir, a obrigação é ainda inexigível pelo credor; o crédito de multa processual só pode ser executado a partir do momento em que for enviada guia para pagamento e não seja paga voluntariamente no prazo ali fixado.
Pelo que o prazo de 5 anos de prescrição do crédito pela multa processual em apreço apenas ocorrerá a 25.10.2013, cfr. guia junta a fls.817.
Em face do exposto, declaro improcedente a invocada prescrição do crédito pela multa processual.
Notifique.”
*
3 – Não se conformando com a decisão, o arguido M. D. interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

1. Vem o presente Recurso interposto do douto despacho datado de 10/10/2018, que determinou o cumprimento, pelo Recorrente, na pena de prisão em que foi condenado por considerar ter sido revogada a pena de suspensão.
2. O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, em concurso real, por um crime de roubo e por um crime de sequestro, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, condicionada ao pagamento da quantia de €1.000,00 ao Ofendido Sérgio e da quantia de €1.250,00 à Ofendida M. S..
3. Teve o Recorrente conhecimento de que foi revogada a suspensão da execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão, que havia sido aplicada ao ora Recorrente, por sentença datada de 2/07/2010.
4. Aquela revogação é nula, na medida em que nunca poderia ter ocorrido sem que se tivesse procedido à sua audição – cfr. artigo 495.º, n.º 2, do CPP
5. Não tendo sido cumprido aquele procedimento obrigatório, estamos perante uma nulidade, designadamente a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP, que se requer seja decretada.
6. A decisão do tribunal a quo fundamentou-se na alínea a), do n.º 1, do artigo 56.º, do CP, para determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
7. Entende o Recorrente condenado que não se encontram reunidas as condições que permitiriam ao tribunal a quo revogar a decisão de suspensão da execução da pena de prisão uma vez que, durante o período da suspensão, não foi cometido pelo Recorrente condenado nenhum facto punível, o que constitui uma circunstância que deve pesar no momento de se decidir pela suspensão ou não da decisão de pena de prisão.
8. Por outro lado, não pode ser ignorado que foi por motivos alheios ao Recorrente que as quantias em dívida não foram pagas.
9. Numa primeira fase, ao Recorrente não foi possível proceder ao pagamento por desconhecer o paradeiro dos Ofendidos, como decorre de requerimento apresentado pela sua então Defensora.
10. Numa segunda fase, o Recorrente ficou profundamente convencido que o valor tinha sido depositado no processo,
11. Como decorre do requerimento apresentado pela mãe do Recorrente em 11/08/2014, o Recorrente providenciou pelo pagamento das quantias de que estava dependente a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada,
12. O que, sabe agora, não ocorreu por motivos que decorrem clarividentes daquele requerimento.
13. A decisão de suspensão da execução da pena de prisão «com efeito, deve constituir factor de ponderação o cometimento de um facto punível durante o período da suspensão, uma vez que a prognose se refere a que o condenado não cometerá crimes no futuro».
14. O exercício aqui levado a cabo – de aferir o cumprimento individual de cada uma das sanções aplicadas por parte do Recorrente Condenado – não foi efetuado pelo tribunal a quo, que concentrou a sua fundamentação apenas no não cumprimento do dever de pagamento da indemnização.
15. Conforme tem vindo a entender unanimemente a doutrina e a jurisprudência, não é qualquer incumprimento de um dever ou conduta imposta que constituirá motivo legal de revogação da suspensão da execução da pena, devendo essa apreciação ser cuidada e criteriosa, de modo a que apenas uma falta grosseira determine a revogação.
16. Seguindo os ensinamentos da autorizada doutrina de SIMAS SANTOS e LEALHENRIQUES, «o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contém». «…o tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão. É que, em lugar de revogar a suspensão, o tribunal pode impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção. Pode, por exemplo, fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento dos deveres que condicionam a suspensão, impor outras obrigações ou regras de comportamento, ou agravar as exigências no plano de reinserção; ou prorrogar o período de suspensão; … Nem toda a violação dos deveres impostos deve conduzir à revogação da suspensão, já que isso seria frustrar a intenção do legislador na sua cruzada contra a pena de prisão. Daí que a revogação da suspensão tenha que ser vista como um recurso in extremis e sempre condicionada pelas apertadas limitações contidas no art. 56.º do Código».
17. A revogação da suspensão está, pois, pensada para «situações-limite», nas quais o condenado teve uma atuação «significativamente culposa, que põe por terra a esperança que se depositou na sua recuperação» .
18. Ademais, não obstante se considerar que a suspensão constitui uma verdadeira pena e como tal deve ser percecionada pelo condenado, ora Recorrente, o certo é que a sua aplicação justifica-se sobretudo atendendo às necessidades de prevenção especial, onde impera a ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência, atendendo à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior ou posterior ao facto punível e às circunstâncias deste.
19. Neste sentido se pronuncia PINTO DE ALBUQUERQUE: «o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al.ª b) do n.º 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas» .
20. Também a jurisprudência tem entendido uniformemente que a constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas terá de ressaltar de uma situação concreta de fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro afastado da criminalidade - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-07-2003, processo 5347/2003-9 (disponível em www.dgsi.pt).
21. Entende-se que «a escolha da mais severa sanção para a revogação da suspensão só deverá adoptar-se, sobretudo se se trata de pena de prisão, como ultima ratio, quando se mostrem ineficazes ou esgotadas as restantes medidas e o comportamento do arguido se revele doloso ou gravemente culposo» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2006, processo 147/2006-5 (disponível em www.dgsi.pt).
22. Considerando que o Recorrente se encontra socialmente bem integrado, tendo constituído uma nova família com a atual companheira, que não praticou quaisquer factos ilícitos no período de suspensão, encontram-se satisfeitas as exigências de prevenção que ao caso se impunham.
23. Desde o dia 2/05/2013 que o Recorrente tem emprego estável em França, designadamente na empresa R. TP, com sede em …, França, sendo um trabalhador empenhado, respeitador e respeitado, como decorre do documento nº 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
24. Constituindo a suspensão da execução da pena de prisão uma oportunidade dada ao arguido para mudar de vida, o não pagamento da indemnização devida não deverá ser considerado razão suficiente para que possa concluir que a vida daquele não mudou.
25. Tanto mudou, que tudo fez para mudar a sua vida de rumo, emigrando para procurar obter meios para cumprir com as suas obrigações.
26. Por tudo o quanto se tem vindo expor, considera-se que não é possível afirmar que o Recorrente tenha violado de forma grosseira o dever de pagamento da indeminização,
27. A situação em análise poderá, eventualmente, configurar alguma culpa no incumprimento, mas não constitui um incumprimento grosseiro (ou «culpa grosseira», segundo a designação legislativa) da condição imposta pela suspensão, tal como o legislador exige.
28. Nestes termos, atendendo ao caráter altamente subsidiário da revogação da suspensão, e tendo ainda em conta que se verificou, no presente caso concreto, a decisão de revogar a suspensão da execução da pena de prisão se mostra desproporcionada, em violação do disposto no artigo 18.º, da CRP, e injustificada,
29. Encontrando-se por preencher os respetivos pressupostos legais, vertidos no artigo 56.º, do CP.
30. Em face de todo o exposto, deve ser revogado o douto despacho recorrido.
31. O douto despacho recorrido viola, não interpreta corretamente e, consequentemente, não faz a devida subsunção ao caso sub Júdice do disposto nos artigos 56.º do Código Penal e artigos 28.º e 32.º da CRP.

Nestes termos e nos melhores de direito, julgando-se o presente recurso de apelação totalmente procedente, revogando-se o douto despacho proferido pela 1º instância, tudo com as inerentes consequências legais, se fará sã, inteira, serena e objetiva
JUSTIÇA”

4 – Também não se conformando com o despacho supra transcrito, a assistente, M. S., interpôs recurso do mesmo, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

1. A questão que se coloca é se é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos, referido nos termos do artigo 37º, do Regulamento das Custas Processuais.
2. O crédito por custas ou multas prescreve decorrido que seja o prazo de 5 anos a partir do trânsito da decisão.
3. Devendo ser notificada nos 10 dias seguintes apos o transito para proceder ao seu pagamento conforme dispõe o artigo 28º do RCP.
4. Nos termos do artigo 37º do RCP, temos fixada que a prescrição ocorre no prazo de 5 anos.
5. Mais no douto despacho ora recorrido, é invocado um acórdão do Tribunal da Relação de Évora, onde refere que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito de crédito poder ser exercido.
6. Ora a elaboração da guia de multa podia ser sido exercida logo nos 10 dias seguintes após o trânsito em julgado, não fazendo o Tribunal qualquer prova do impedimento a que esteve sujeito durante mais de 8 anos seguidos, que justifique que a contagem do prazo de prescrição só se tem iniciado a 25/10/2018, conforme resulta do douto despacho recorrido.
7. Este entendimento por parte do Tribunal em defesa do Estado, não respeita os princípios mais básicos de um Estado de Direito.
8. Demonstra m total desrespeito por parte do Tribunal em relação ao princípio da legalidade, ao principio da proporcionalidade, ao principio da segurança jurídica e ao principio da proteção da confiança dos cidadãos.
9. O douto despacho recorrido viola os artigos 2º, 13º e 266º, n.º 2, todos da CRP, quando entende que o prazo prescricional só se conta a partir da notificação da conta e do envio da guia, sendo claramente inconstitucional violando a Lei fundamental e a certeza jurídica.
10. Esta inconstitucionalidade que se expressa para todos os devidos e efeitos legais, é de conhecimento oficioso.
11. A Titulo de exemplo, invoca-se que para além dos Tribunais Civis e Penais, temos que ainda muito recentemente o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 06/06/2018, em que foi Relator Pedro Delgado e Adjuntas Ascensão Lopes e Isabel da Silva, veio confirmar que a prescrição é de 5 anos, isto ocorreu no processo n.º 01614/15.
12. O que equivale a dizer que a Lei é geral e abstrata devendo ser aplicável aos cidadãos e ao Estado do mesmo modo, e não conforme se retira do douto despacho que existe uma interpretação de Lei para os cidadãos e uma interpretação diametralmente oposta quando a parte é o Estado.
13. O douto despacho viola assim o disposto nos artigos, 3º, 28º e 37º do RCP, e os artigos 2º, 13º e 266º da CRP, bem como o artigo 6º n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 306º do C.C.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V.s Ex.ªs suprirão, a Recorrente requer, que seja alterado o douto despacho de indeferimento, devendo ser ordenado a sua substituição por um que reconheça a exceção da prescrição, com todas as consequências legais.”

5 – A Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância respondeu aos recursos interpostos, pugnando pela improcedência dos mesmos.
6 – Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto subscreveu a posição defendida na primeira instância, defendendo a improcedência de ambos os recursos e a manutenção dos despachos proferidos.
7 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.
8 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos aí deverem ser julgados de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
* * *
II – Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraíram da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).

2 – Recurso do arguido

As questões invocadas pelo recorrente são, em síntese, as seguintes:

- A decisão que revogou a suspensão da execução da pena padece de nulidade insanável (artº 119º, al. c), do CPP), por falta de audição do arguido, como imposto pelo artº 495º, nº 2, do CPP;
- Não se mostravam verificados os pressupostos para a revogação (artº 56º, nº 1, al. a), do CP).

Cumpre apreciar.

O arguido veio recorrer do despacho de 10/10/2018, que indeferiu a arguição - por requerimento apresentado em 03/09/2018 (fls. 785 e segs.) - de nulidade da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que lhe havia sido aplicada por acórdão datado de 02/07/2010, a cuja leitura o arguido assistiu (fls. 272 e segs).

A revogação da suspensão da execução da pena de prisão foi determinada a 04/10/2011 (fls. 348 e sgs.), com fundamento na ausência em parte incerta do arguido, na falta de colaboração com a DGRS para a elaboração do plano de reinserção social e na falta de prova do cumprimento das obrigações impostas para a suspensão.

Nesse despacho refere-se expressamente que foi determinada a audição presencial do arguido, a qual foi inviabilizada por ele se encontrar em parte incerta e se recusar a informar o local onde se encontra, bem como ter sido notificada ao defensor a promoção do Ministério Público que pugna pela revogação da suspensão da execução da pena.

A decisão de revogação foi notificada ao arguido/recorrente por meio de carta simples, com prova de depósito, em conformidade com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010 do STJ, bem como ao defensor.

É indubitável que, em conformidade com o disposto no artigo 61º, nº 1, al. b), do CPP, o arguido tem o direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete – conforme também o preceituado no artº 495º, nº 2, do CPP, quanto à matéria em apreço.

Contudo, tal direito de audição e de se pronunciar sobre a pretensão não pode equivaler à “paralisia” do sistema de justiça, essencialmente quando a sua concretização só não se atinge por razões imputáveis ao próprio arguido.

Não pode ser olvidado que foi o arguido que se ausentou para parte incerta, assim impedindo a elaboração do plano de reinserção social, não cumpriu as condições impostas para a suspensão -–delas tendo conhecimento por ter assistido à leitura do acórdão.

Em suma, o tribunal envidou todos os esforços para o ouvir e, perante a constatação da impossibilidade de o fazer, notificou o arguido e o respectivo defensor de todos os despachos proferidos.

Como se salienta no Acórdão deste Tribunal da Relação de 06/03/2017 (proferido no processo nº 182/11.6GAFAF.G1, relatado pelo Desembargador Jorge Bispo, disponível em www.dgsi.pt ) : “… não tendo sido possível a audição pessoal do condenado, por motivos imputáveis ao próprio, não se pode dizer que o tribunal a quo, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, cometeu a nulidade prevista no art. 119º, al. c), por falta do cumprimento do disposto no artigo 495º, n.º 2.

Não tendo sido possível, por circunstâncias apenas imputáveis ao próprio condenado, assegurar o contraditório máximo (consistente na audição presencial), não vislumbramos que tenha sido cometida aquela nulidade. A entender-se o contrário, estar-se ia a premiar um condenado que se mantém incontactável, assim entorpecendo e retardando intoleravelmente a ação da justiça. (…)

Ainda assim, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima, ou seja, a audição através de defensor, o qual, nos termos do art. 63º, n.º 1, " … exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente".

Ora, no caso concreto, perante a impossibilidade de ouvir presencialmente o condenado, o tribunal a quo, previamente à prolação da decisão recorrida, notificou a sua Exma. defensora para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da pena promovida pelo Ministério Público, o que a mesma fez.

Por conseguinte, mostra-se efetivamente assegurado o direito ao contraditório e audição do condenado previsto no art. 495º, n.º 2, pelo que não se verifica a nulidade estabelecida no art. 119º, al. c), invocada pelo recorrente.””.

Bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao declarar não se ter verificado a invocada nulidade.

E é somente sobre este despacho que o recurso pode incidir.

De facto, o segmento recursório relativo à verificação dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena, há muito que se mostra transitado em julgado, não podendo agora ser posto em causa. O mesmo é, aliás, afirmado pelo STJ na providência de “habeas corpus” oportunamente interposta pelo recorrente e apensa aos presentes autos.

Assim, o recurso interposto pelo arguido, improcede na totalidade.
*
3 – Recurso da assistente

A única questão suscitada pela assistente é a de o prazo de prescrição do crédito por custas ou multas se contar a partir do trânsito em julgado da decisão que as aplicou.

A recorrente impugna o despacho proferido nos autos a fls. 908/9, o qual declarou improcedente a prescrição invocada - terem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão que a aplicou (esta em 21/04/2010) – considerando que o respectivo prazo só corre a partir da data do termo do pagamento voluntário.

No caso em apreço, está em causa uma multa processual aplicada no âmbito do disposto no artigo 116º, nº 2, do CPP, cuja liquidação e notificação à devedora para pagamento só ocorreu em 12/10/2018 (cfr. fls. 817/8).

Assim sendo, constata-se um enorme desfasamento entre a data da decisão e do trânsito em julgado da mesma e a data da elaboração da conta de custas/multa, mas isso não legitima a invocação da violação dos aludidos preceitos da Constituição da República Portuguesa e dos referidos princípios de direito.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/07/2017 (proc, 1825/03.0PBLRA.C1, relator Luís Teixeira, disponível em www,dgsi.pt) :

““A questão a apreciar passa necessariamente pela forma de contagem do prazo de prescrição invocado pela recorrente ou seja:

- Inicia-se logo a partir da data do trânsito em julgado da decisão que condenou no pagamento das custas, como invoca a recorrente
Ou
- Inicia-se a partir da data do termo do pagamento voluntário, respetivo, na sequência da liquidação das custas e da sua notificação ao devedor como se decidiu no despacho recorrido?

Nos termos do artigo 306º, nº 1, do Código Civil,

“o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.

O que significa que as custas devidas pela arguida, só o passaram a ser (devidas), a partir da sua liquidação, com a elaboração da respetiva conta e notificação dessa “liquidação” à recorrente.

Acontece que, conforme decidido, “só depois de esgotado este prazo pode o Estado credor, através do Ministério Público, diligenciar pelo respectivo pagamento coercivo”.

Sobre a questão escreve Salvador da Costa (in “Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 1997”, Ed. Almedina Coimbra, pág. 382), no comentário ao referido artigo 123º., do Código das Custas Judiciais, dizendo:

“1. O estatuído neste artigo, que versa sobre a prescrição do crédito de custas, corresponde, com alteração de forma e de substância, ao disposto no artigo 164º, do Código anterior.
2. No nº 1 estabelece-se - independentemente de o devedor haver ou não litigado com o benefício do apoio judiciário - que o crédito de custas prescreve no prazo de cinco anos.

O prazo prescricional conta-se, não tendo sido instaurada a acção executiva por dívida de custas, do termo do prazo do seu pagamento voluntário a que se reportam os artigos 64º e 98º, nº. 2, deste Código.

Interposto recurso da decisão proferida sobre a questão duvidosa posta pelo contador ou da que decidiu a reclamação, conta-se o prazo prescricional desde o termo do prazo de pagamento voluntário das custas, na sequencia da notificação para o pagamento subsequente à baixa do processo à primeira instância ou aos tribunais das Relações, conforme o caso – artigo 64º., nº. 3, e 99º., nº. 2, deste Código.”

Posição que aponta claramente no sentido de que o prazo de prescrição se inicia após o termo do pagamento voluntário das custas que na sequência da liquidação, tenham sido notificadas ao devedor.””

Idêntica posição foi adotada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-02-2013, Proc. 2288/04.9TBFAR-A.E1, in www.dgsi.pt:

“…o início da prescrição só pode contar-se após a liquidação das custas em causa, a notificação dessa “liquidação” ao arguido, e o decurso do prazo para pagamento voluntário (é que, só depois de esgotado este prazo pode o Estado credor, através do Ministério Público, diligenciar pelo respectivo pagamento coercivo).

Não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr.

Em bom rigor, a obrigação nem sequer está vencida (diz-se vencimento o momento em que a obrigação deve ser cumprida), devido à falta de liquidação e da respectiva notificação.

E, necessariamente, não tendo decorrido o prazo legalmente previsto para cumprir, a obrigação é ainda inexigível pelo credor.

Este regime explica-se, desde logo, pela natureza do instituto jurídico em questão: a prescrição extintiva surge em benefício do devedor, mas tem como justificação a inércia do credor, a qual só existe, obviamente, a partir do momento em que pode exigir (pelos meios coactivos legalmente previstos) o cumprimento”.

Nestes termos e aderindo integralmente aos fundamentos expostos nos citados acórdãos, conclui-se pela improcedência do recurso interposto pela assistente.
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III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido M. D.;
- julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela assistente M. S.;
- e, em consequência, manter integralmente os despachos recorridos.
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Custas pelos recorrentes, fixando em 3 (três) UCs, a taxa de justiça devida por cada um deles – artigos 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b), ambos do CPP, 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa a este diploma.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 11 de Fevereiro de 2019

(Mário Silva)
(Maria Teresa Coimbra)