Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
96/17.6T8PRG.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

I. - Na acção de preferência, intentada nos termos do art. 1380º CC, cabe ao Autor apenas alegar e provar os factos de que resulta a sua situação de preferente, ou seja: a) que foi efectuada venda ou dação em cumprimento de prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; e d) que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.

II. – Já é sobre o Réu que recai o ónus da prova dos factos relativos à comunicação e ao exercício extemporâneo do direito de preferência, nomeadamente que a acção foi intentada mais de seis meses após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

III- Mesmo que o Autor (na acção de preferência) tenha alegado, na petição inicial, o conhecimento daqueles elementos essenciais, em certa data, e não o tenha logrado provar, esse facto não poderá ter influência na decisão, uma vez que o ónus da prova da caducidade da acção recai sobre o Réu.

IV- Nos termos do art. 1410º do CC, o facto que determina a caducidade da acção de preferência não é o mero conhecimento de que a Ré seria a (nova) proprietária, mas sim, como o legislador impõe, a data em que o Autor “teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação”;

V- Não tendo a Ré demonstrado, conforme era seu ónus de prova, que o pagamento das despesas (notariais, fiscais e registrais) se tenha projectado no património do Autor, tem que se considerar que não se mostram provados quaisquer factos demonstrativos do enriquecimento do Autor, pelo que, sendo este um dos requisitos de afirmação do enriquecimento sem causa (art. 473º do CC), a pretensão da adquirente em ser restituída dessas despesas não pode ser reconhecida.

VI- Na verdade, o Autor, enquanto preferente, só teria que restituir, na acção de preferência, as despesas feitas pelo adquirente, “mas apenas quando e na medida em que delas beneficie”, incumbindo à Ré (adquirente) o ónus da alegação e de prova da existência desse benefício”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
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O Autor L. P. intentou a presente acção de processo comum contra Maria, J. T. e X, UNIPESSOAL, LDA., peticionando:

A) Se declare que o Autor é proprietário do prédio rústico, sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 1625 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 462, secção D, descrito a Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...), e do prédio rústico, sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 7187 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (...), secção D, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...);
B) Se condenem os Réus a reconhecer o direito de preferência do Autor, mediante o depósito do preço, em relação à compra do prédio rústico, sito no lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), e do prédio rústico, sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), que foram objecto do documento particular intitulado “Contrato de compra e venda”, elaborado no dia 14 de Janeiro de 2016 e autenticado na mesma data no escritório da Solicitadora R. P., sito na Rua (...), em Vila Real;
C) Se determine a substituição da 2.ª Ré pelo Autor na posição que aquela ocupava no contrato de compra e venda titulado pelo referido documento particular autenticado, por força do seu direito de preferência, ficando os prédios a pertencer-lhe;
D) Se ordene o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da 2.ª Ré feitas nas fichas dos referidos prédios, na Conservatória do Registo Predial, com fundamento no dito documento particular autenticado, através da AP. 1973 de 2016/01/14;
E) Se condenem os Réus no pagamento das custas processuais.

Alega, sinteticamente, que:

(i) O Autor é dono e legítimo possuidor dos prédios rústicos, sitos no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, inscritos na respectiva matriz sob os artigos 462 e (...), descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números (...) e (...);
(ii) O prédio descrito na alínea a) do artigo 1.º confina a sul com o prédio rústico composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D;
(iii) O prédio descrito na alínea b) do artigo 1.º confina a norte com o prédio rústico descrito no artigo anterior e a sul com o prédio rústico com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D;
(iv) À data em que o Autor comprou os imóveis indicados no artigo 1.º desta petição, os prédios referidos nos artigos 13.º e 14.º, e que confinam com os adquiridos pelo Autor nos termos mencionados, pertenciam à herança aberta por óbito de A. T., que deixou a suceder-lhe como únicos herdeiros Maria e J. T.;
(v) No dia 07 de Março de 2017, o Autor dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial e ali obteve uma cópia do documento através do qual os referidos prédios foram transmitidos à segunda Ré;
(vi) Até àquele dia, o Autor estava convicto de que os prédios mencionados nos artigos 13.º e 14.º se encontravam arrendados ao gerente da 2.ª Ré António.
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A Ré X, UNIPESSOAL, LDA deduziu contestação com reconvenção, invocando, sumariamente, que:

(a) No ano de 2010, A. T., antecessor dos 1ºs Réus, à data donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos inscritos sob os artigos matriciais (...)º e 484º, decidiu vendê-los; comunicou a todos os confinantes, mas ninguém quis comprá-los;
(b) À data em que compra os prédios rústicos 462º e (...)º, o Autor bem sabia ter o anterior proprietário renunciado ao direito de preferência dos rústicos (...)º e 484º;
(c) Logo que publicitada a venda dos rústicos (...)º e 484º pelo então A. T., de imediato António, sócio da 2ª Ré manifestou interesse na sua aquisição e foi desde logo autorizado a tomar posse dos mesmos;
(d) Optaram os intervenientes pela realização de um contrato de arrendamento rural em nome do referido António;
(e) Em 27 de Novembro de 2014, António, cedeu a sua posição contratual à Sociedade X;
(f) Já antes da aquisição dos rústicos 462º e (...)º era o Autor sabedor de que a 2ª Ré era proprietária dos Rústicos (...)º e 484º;
(g) Os prédios rústicos com os artigos matriciais (...)º e 484º vendidos pelos 1ºs Réus á 2ª Ré constituem uma exploração agrícola.

Concluiu, propugnando a improcedência da acção, requerendo a condenação do Autor como litigante de má-fé e impetrando:

1) Declarar-se que a 2ª Ré é dona e legítima possuidora dos prédios rústicos melhor identificados no artigo 85º da Reconvenção (C1);
2) Ser o Autor condenado a reconhecer o pedido formulado em 1) e a abster-se de por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir ou impossibilitar o uso, gozo e fruição por banda da 2ª Ré dos prédios rústicos identificados nos autos (C2);
3) Subsidiariamente, para o caso das excepções não serem julgadas procedentes e da acção ser julgada procedente e dos pedidos formulados em 1 e 2 não forem julgados procedentes:

a) Deve o Autor ser condenado a liquidar à 2ª Ré a quantia de € 97.984,70 (noventa e sete mil novecentos e oitenta e quatro euros e setenta cêntimos)., acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral e efectivo pagamento;
b) Declarar-se o direito de retenção a favor da 2ª Ré sobre os prédios rústicos melhor identificados no artigo 80º da reconvenção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 754º e 759º do C. Civil;
c) Ser o Autor condenado a reconhecer o direito de retenção da 2ª Ré até efectivo e integral pagamento da indemnização peticionada por esta em a).
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Os Réus Maria e J. T. aduziram outrossim contestação, advogando a improcedência da acção.
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O Autor consignou réplica, pugnando a improcedência das excepções e da reconvenção.
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Proferiu-se despacho saneador, o qual:

A) Julgou a excepção dilatória de inadmissibilidade da reconvenção principal consignada nas als. C1 e C2 totalmente procedente;
B) Admitiu liminarmente a reconvenção subsidiária aduzida pela Ré X, UNIPESSOAL, LDA;
C) Julgou improcedente a excepção de caducidade atinente à falta de depósito do preço.
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Exarou-se o despacho que enunciou o objecto do litígio e dos temas da prova.
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Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“V.
DISPOSITIVO

Pelo supra exposto:

1) Julga-se a acção totalmente procedente e, consequentemente, decide-se:

A) Declarar que o Autor L. P. titula o direito de propriedade com referência ao prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 1625 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 462, secção D, descrito a Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...), e ao prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 7187 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (...), secção D, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...);
B) Condenar os Réus MARIA, J. T. e X, UNIPESSOAL, LDA a reconhecerem o direito de preferência do Autor L. P. relativamente à compra do prédio rústico sito no lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), e do prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), que foram objecto do documento particular intitulado “Contrato de compra e venda”, elaborado no dia 14 de Janeiro de 2016 e autenticado na mesma data no escritório da Solicitadora R. P., sito na Rua (...), em Vila Real;
C) Determinar a substituição da Ré X, UNIPESSOAL, LDA pelo Autor L. P. no contrato de compra e venda referenciado em B);
D) Ordenar o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da Ré X, UNIPESSOAL, LDA efectivadas nas fichas dos referidos prédios, na Conservatória do Registo Predial, através da ap. 1973 de 2016/01/14;
E) Absolver o Autor L. P. do pedido de condenação como litigante de má-fé;
F) Condenar os Réus MARIA, J. T. e X, UNIPESSOAL, LDA no pagamento das custas processuais.
2) Julga-se a reconvenção totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se:
A) Absolver o Autor/Reconvindo L. P. do peticionado;
B) Condenar a Ré/Reconvinte X, UNIPESSOAL, LDA no pagamento das custas processuais.
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Registe e notifique.”
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É justamente desta decisão que a Recorrente/Ré (Autora, na acção reconvencional) veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

1. No que à presente instância recursória importa, considerou o Tribunal a quo não provado que:

18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do referenciado em 8)” e que “20. A Ré X despendeu a quantia de € 10.516,97 (dez mil quinhentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos) com a limpeza dos terrenos, a destruição dos resíduos provenientes dessa limpeza, a execução de movimentação de terras para abertura de caminhos e acesso aos rústicos, a abertura de patamares nas parcelas não suportadas por socalcos e a preparação do terreno para a instalação do olival.”
2. Mais omitiu o Tribunal a quo qualquer referência à factualidade invocada pelo autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial, factualidade que ficou absolutamente desprezada em sede decisória, seja na factualidade considerada provada, seja na factualidade julgada não provada.
3. No que respeita ao ponto de facto julgado não provado sob o ponto 18), foi a seguinte a fundamentação da convicção do julgador:

“No que se atem aos factos 14) a 19), ante a manifesta claudicância e decaimento das testemunhas dos Réus com referência ao arrendamento dos prédios alardeadamente pretérito a 2014 nos termos sobreditos, inexistindo quaisquer provas documentais conexas e sucumbindo a demonstração da existência de uma exploração agrícola (elidida pela composição dos terrenos, v.g., pinheiros e mato), postulou-se o naufrágio da factualidade vertida em 14) 19)”.
4. Pela fundamentação aduzida, percebemos que soçobrou a prova da segunda ré relativamente à existência de um arrendamento anterior ao ano de 2014, bem como a demonstração da existência de uma exploração agrícola. Nada se diz, porém, concretamente, que possa justificar e/ou fundamentar o julgamento de facto do ponto 18) e que se atém à data em que o autor teve conhecimento do negócio de venda em que pretende preferir.
Ora,
5. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento resulta clara - a nosso ver – a errada valoração que o Julgador fez da prova produzida quanto ao facto que ora nos ocupa, não se logrando entender qual o verdadeiro motivo que levou o Tribunal a quo a considerar como não provado que no dia 14 de Janeiro de 2016 o autor tinha conhecimento da venda ocorrida e que teve por objecto os prédios rústicos (alegadamente) preteridos.
6. Todas as testemunhas sustentam a tese vertida nos autos pela segunda ré no sentido de o autor tinha conhecimento da venda dos prédios rústicos preferidos muito antes de 14 de Janeiro de 2016.
7. É certo que nem todas as testemunhas são unânimes quanto à data em que esse conhecimento ocorreu. Todavia, tais divergências denotam bem a naturalidade e genuinidade com que as testemunhas depuseram, mostrando não existir entre elas qualquer predeterminação quanto ao teor dos seus depoimentos. Por outro lado, a divergência entre as datas a que se reporta o conhecimento do autor está também relacionada com o maior ou menor conhecimento que cada uma das testemunhas demonstrou ter da cadeia histórico-detentiva dos prédios, mormente quanto à existência de um arrendamento, seguido de aquisição, que teve por objecto esses prédios rústicos. Na verdade, algumas testemunhas referem a ocorrência da venda em data anterior à do contrato de venda, o que se explica pelo desconhecimento do arrendamento que lhe precedeu. Todavia, claro também ficou que o autor teve conhecimento da venda e da formalização do contrato de compra e venda (veja-se, a título de exemplo a reunião a que alude a testemunha F. C., bem como o testemunho de Pedro).
8. Ora, à segunda ré cumpre, apenas, provar a factualidade respeitante ao conhecimento do autor relativamente à venda realizada, mormente que esse conhecimento ocorreu há mais de 6 (seis) meses relativamente à data da propositura da acção.
9. E, quanto a essa factualidade, diga-se em abono da verdade, não temos dúvidas que resulta de forma unânime do depoimento das testemunhas supra mencionadas que o Autor tinha conhecimento da venda ocorrida (e que nestes autos pretende impugnar) desde pelo menos Junho de 2016.
10. Acresce ainda dizer que, se por um lado o Tribunal a quo rejeita os depoimentos que atestam o conhecimento do autor desde, pelo menos, Junho de 2016; por outro, o MM. Juiz da causa também não aceita nem valora a tese do autor, que alegou só ter tido conhecimento da venda em 07 de Março de 2017, por forma a, assim, justificar a data em que propôs a acção, podendo ler-se na sentença recorrida que a tese apresentada pelo autor consubstancia uma “tese lassa e desprovida do exigível substracto fáctico”.
11. Apraz ainda dizer que também o acervo documental que compõe os presentes autos demonstra, quando conjugado com a demais prova testemunhal, o conhecimento do autor relativamente à venda dos prédios rústicos há mais de 6 (seis) meses a contar da data da propositura da acção.
12. E assim, bem atenta a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e o demais acervo documental junto aos autos, deve, a par da demais factualidade considerada assente, julgar-se provada a factualidade alegada pela segunda ré na sua contestação no que respeita à data do conhecimento pelo Autor da venda operada, dando a essa factualidade uma resposta restritiva no sentido de considerar provado apenas que:
“O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.”
13. No que concerne ao facto julgado não provado sob o ponto 20, o Tribunal olvidou que tal questão foi abordada por uma das testemunhas que atestou que foram efectuados nos prédios rústicos objecto dos autos, pelo menos, os trabalhos de movimentação de terras, baseados em cerca de seis mil euros o hectare.
14. E assim sendo, como de facto foi, deveria o Tribunal a quo julgar provada a realização desses trabalhos de movimentação de terras alegados e provados nos autos, concedendo a tal factualidade uma resposta restritiva e considerando, a final, provado que:
“A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare.”
15. Ainda com relevância para o conhecimento do(s) pedido(s) decidendo(s) devia, ainda, o Tribunal a quo ter tomado posição quanto ao julgamento da factualidade alegada pelo autor respeitante ao conhecimento da venda realizada em 14 de Janeiro de 2016 e que teve por objecto os prédios rústicos objecto da preferência peticionada nestes autos, julgando não provado que:
“No dia 07 de Março de 2017, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8)”
16. A procedência do presente recurso no que respeita às respostas dadas à matéria de facto, mormente no que respeita aos factos a que se alude nos pontos A.1) e A.3), determinará que o presente recurso proceda, igualmente, quanto à apreciação do mérito da decisão, implicando necessariamente a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela segunda ré, por se encontrarem decorridos mais de 6 (seis) meses desde a data em que o autor teve conhecimento da venda (pelo menos em Junho de 2016) e a data da propositura da acção (em 28 de Março de 2017) – v.g. artigo 1410º, n.º 1, do C. Civil, aplicável ao caso dos autos ex vi artigo 1380º, n.º 4, do mesmo diploma legal.
17. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela segunda ré, improcedendo no mais os pedidos deduzidos pelo autor.
18. Mas, mesmo que assim não se entenda, e que este Tribunal ad quem faça improceder o presente recurso no que respeita à decisão de facto, o que por mera hipótese académica se concebe, a verdade é que sempre o pedido de reconhecimento do direito de preferência do autor sobre os prédios sub judice terá necessariamente de improceder, por falta de prova que o autor apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais da venda em 07 de Março de 2017, tal como alegou.
19. E isto porque cumpria ao autor alegar e provar que tomou conhecimento desses elementos essenciais há menos de 6 (seis) meses antes da data da propositura da acção.
20. Em consequência, deverá, ainda, improceder o pedido de cancelamento do registo de aquisição dos prédios a favor da ré X, Unipessoal, Lda.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, sempre cumprirá dizer o seguinte quanto à matéria peticionada em sede de reconvenção.
21. Entende a recorrente resultarem dos autos indícios suficientes que permitem concluir pela prova do seguinte facto alegado pela segunda ré em sede de reconvenção: “A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare”.
22. Caso tal pretensão venha a proceder, decidindo este Tribunal ad quem pela alteração da matéria de facto nos termos pretendidos, impõe-se, igualmente, a revogação da decisão de mérito que respeita ao direito de crédito da segunda ré e, bem assim, à garantia do mesmo por direito de retenção sobre os prédios preferidos – v.g. artigos 216º, n.º 1, 1273º, n.º 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do C. Civil.
23. Ainda sem prescindir, e ainda que aquela alteração à matéria de facto não venha a ocorrer, deve o autor ser condenado a restituir à segunda ré os valores a que aludem os pontos 11), 12) e 13) da matéria de facto julgada provada, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do C. Civil.
24. Impõe-se, igualmente, nesse caso, reconhecer à reconvinte o direito de retenção sobre os prédios rústicos preferidos até ao efectivo e integral pagamento do crédito que venha a ser reconhecido à segunda ré/reconvinte – v.g. artigo 754º do C. Civil.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso proceder, com as legais consequências…
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Foram apresentadas contra-alegações pelos AA., onde os mesmos pugnam pela improcedência do Recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a(s) Recorrente(s) coloca(m) as seguintes questões que importa apreciar:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:

- o ponto 18 da matéria de facto considerada não provada deve ser alterado, no sentido de se considerar antes provado que:

A1) “O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.”;
- o ponto 20 da matéria de facto considerada não provada deve ser alterado, no sentido de se considerar antes provado que:
A2) “A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare.”
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2. O Tribunal Recorrido omitiu qualquer referência à factualidade invocada pelo Autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial, factualidade que ficou absolutamente desprezada em sede decisória, seja na factualidade considerada provada, seja na factualidade julgada não provada.
Nessa sequência, devia o Tribunal Recorrido ter julgado como não provado os seguintes factos:
“No dia 07 de Março de 2017, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8)” (Não provado).
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2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela(s) Recorrente(s), deve a excepção de caducidade invocada pela segunda Ré ser julgada procedente, por se encontrarem decorridos mais de 6 (seis) meses desde a data em que o Autor teve conhecimento da venda (pelo menos em Junho de 2016) e a data da propositura da acção (em 28 de Março de 2017) – v.g. artigo 1410º, n.º 1, do C. Civil, aplicável ao caso dos autos ex vi artigo 1380º, n.º 4, do mesmo diploma legal.
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3. Saber se, mesmo que não seja modificada a decisão de facto, sempre o pedido de reconhecimento do direito de preferência do Autor sobre os prédios sub judice terá necessariamente de improceder, por falta de prova que o autor apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais da venda em 07 de Março de 2017, tal como alegou.
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Quanto à matéria peticionada em sede de reconvenção:

4. Saber se alterada a decisão de facto (quanto ao ponto 20 considerado não provado) se impõe a revogação da decisão de mérito que respeita ao direito de crédito da segunda Ré e, bem assim, à garantia do mesmo por direito de retenção sobre os prédios preferidos – v.g. artigos 216º, n.º 1, 1273º, n.º 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do C. Civil.
5. Saber se, mesmo que não seja modificada a decisão de facto quanto ao referido ponto, deve o Autor ser condenado a restituir à segunda Ré os valores a que aludem os pontos 11), 12) e 13) da matéria de facto julgada provada, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do C. Civil. Saber se, nesse caso, se impõe reconhecer à reconvinte o direito de retenção sobre os prédios rústicos preferidos até ao efectivo e integral pagamento do crédito que lhe venha a ser reconhecido– v.g. artigo 754º do C. Civil.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A) Factos provados

Positivada a audiência final, atestam-se como demonstrados os seguintes factos pertinentes para a boa decisão da causa:

1. Pela ap. 1264 de 2014/12/01, afigura-se registada a aquisição a favor L. P. do prédio rústico sito em (...), freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)/(...) e inscrito na matriz sob o artigo 462, secção D.
2. Pela ap. 1274 de 2014/12/01, afigura-se registada a aquisição a favor L. P. do prédio rústico sito em (...), freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)/(...) e inscrito na matriz sob o artigo (...), secção D.
3. Nos prédios descritos em 1) e 2), o Autor manteve o cultivo de pinheiros e sobreiros pré-existentes e instalou algumas colmeias no prédio referenciado em 2).
4. Até à presente data, o Autor, desde Novembro de 2014, e, antes dele, os antepossuidores dos prédios atrás descritos, têm mantido a limpeza e utilização dos mesmos à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, com a convicção de exercer um direito próprio e na convicção de não estarem a lesar interesses ou direitos alheios.
5. O prédio mencionado em 1) confina a sul com o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...).
6. O prédio indicado em 2) confina a norte com o prédio rústico enunciado em 5) e a sul com o prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)
7. No dia 1 de Dezembro de 2014, por escrito com a epígrafe” Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico” subscrito por Maria na qualidade de cabeça de casal e representante da herança de A. T., como primeira outorgante, e X – Unipessoal, Lda., representada pelo gerente António, como segundo outorgante, consignou-se, designadamente, que:

“Cláusula primeira
O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor dos prédios rústicos sito no lugar de “(...)” designado pela matriz 484.º e com o número de matriz (...).º designado por “(...)”, do Serviço de Finanças.

Cláusula segunda
Pelo presente contrato, o primeiro outorgante arrenda e o segundo outorgante toma de arrendamento os locados melhores identificados na cláusula primeira, que se destinam ao uso pelo segundo outorgante.

Cláusula terceira
Este arrendamento é feito pelo prazo de 25 anos, com início em 1 de Dezembro de 2014 (…).”
8. No dia 14 de Janeiro de 2016, por escrito com a epígrafe “Contrato de compra e venda”, subscrito por Maria e J. T., como primeiros contraentes, e António, na qualidade de sócio único, gerente e em representação da sociedade X, Unipessoal, Lda., como segundo contraente, consignou-se, designadamente, que:

“São os primeiros contraentes referidos nas alíneas a) e b) os únicos interessados na herança aberta por óbito de A. T. (…)
Da herança indivisa fazem parte os seguintes imóveis situados na freguesia da (...) do concelho de Santa Marta de Penaguião:
Um: prédio rústico composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, sito no lugar de (...), inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...);
Dois: prédio rústico composto de mato e pinhal, sito no lugar de (...), inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...).

Pelo presente contrato os primeiros contraentes a) e b) vendem à representada do segundo contraente pelo valor global de dois mil e quinhentos euros, já recebido, do qual dão quitação, os identificados rústicos, livres de quaisquer ónus e encargos (…)
O segundo contraente declara que aceita para a sua representada este contrato nos termos exarados.”
9. Pela ap. 1973 de 2016/01/14, afigura-se registada a aquisição a favor da X, Unipessoal, Lda. dos prédios enunciados em 8).
10. Os antecessores da Ré X, Unipessoal, Lda., há mais de 20 e 30 anos que têm procedido à limpeza dos prédios indicados em 8), á vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que os ditos prédios rústicos lhe pertenciam.
11. A Ré X despendeu a quantia de 248,40€ (duzentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) aquando da subscrição do escrito referido em 8).
12. A Ré X pagou a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) de imposto municipal de transmissões e 20,00€ (vinte euros) de imposto de selo com referência ao descrito em 8).
13. A Ré X despendeu a quantia de 137,50€ (cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) com o registo mencionado em 9).
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B) Factos não provados

14. Em 2010, A. T., declarou a José e esposa M. M. a intenção de vender prédios mencionados em 8).
15. No circunstancialismo indicado em 14), José e esposa M. M. declararam não ter qualquer interesse em comprar os sobreditos prédios.
16. Em Março de 2010, A. T. declarou arrendar os prédios citados em 8) a António, o qual declarou tomar de arrendamento os mesmos.
17. Em 27 de Novembro de 2014, António declarou ceder a sua posição contratual à sociedade X – Unipessoal, Lda.
18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8).
19. Há mais de 20 e 30 anos que a Ré X e os seus antecessores cultivam os prédios descritos em 8) no âmbito de uma actividade de exploração agrícola dos mesmos.
20. A Ré X despendeu a quantia de € 10.516,97 (dez mil quinhentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos) com a limpeza dos terrenos, a destruição dos resíduos provenientes dessa limpeza, a execução de movimentação de terras para abertura de caminhos e acessos aos rústicos, a abertura de patamares nas parcelas não suportadas por socalcos e a preparação do terreno para a instalação de olival.
21. A Ré X tem já “adjudicados” os seguintes trabalhos a realizar nos prédios rústicos:

A) Plantação no remanescente do terreno de nogueiras e quivis, no qual vai despender a quanta de €1.137,00;
B) Instalação de bombagem e sistema de rega no valor de €53.753,00;
C) Serviço de máquinas para abertura de valas e fornecimento e colocação de manilhas abertas e fechadas nos acessos á exploração no valor de €3.050,93;
D) Construção de um reservatório de água, no qual vai despender da quantia de €3.127,90;
E) Construção da casa das máquinas, a qual se mostra orçada em € 5.868,00.
22. A Ré despendeu o valor total de € 97.453,80 (noventa e sete mil quatrocentos e cinquenta e três euros e oitenta cêntimos) com “despesas de conservação” dos prédios indicados em 8).
23. Após o citado em 8), a Ré X destruiu um muro em xisto que delimitava o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 484.º a Oeste com o caminho público pedonal, numa extensão de cerca de 40m de comprimento, com uma altura média de 1m e a largura de 0,50m, no valor de 4.000,00€.
24. Com a intervenção que fez nos prédios enunciados em 8), a Ré X abateu pinheiros, urzes, medronheiros, azinheiras e dezenas de sobreiros.
25. Na sequência do referenciado em 20), terão de ser realizadas obras de drenagem para encaminhamento de águas no valor total de € 2.350,00.
26. Em consequência do mencionado em 24), será ainda necessário proceder à plantação de árvores e arbustos, preferencialmente espécies autóctones, como é o caso dos sobreiros e dos medronheiros, com o custo global de € 1.920,00.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
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Por uma questão de ordem lógica de conhecimento, justifica-se que se inicie a apreciação das questões atrás enunciadas, por aquela que contende com a alegada omissão de julgamento da factualidade que se mostrava alegada nos itens 16 a 19 da petição inicial.

Constata-se efectivamente que o Tribunal Recorrido, ao proferir a decisão sobre a matéria de facto, não se pronunciou sobre esta factualidade, não tendo apresentado, aparentemente, qualquer fundamento para o não ter efectuado.

Mas, antes de entrar directamente nesta questão processual, importa, de uma forma geral, caracterizar de que modo se torna operativo o direito de preferência, caracterização essa que permitirá extrair importantes consequências para a resolução do presente Recurso, tendo em conta a posição dos diversos Intervenientes no exercício do direito de preferência.

Como é sabido, o direito legal de preferência - como aquele que o A. invoca, no caso concreto - é “…um direito real sobre um imóvel, em virtude do qual a pessoa em benefício de quem se dá, tem a faculdade, em face do proprietário, de compra preferente, quer dizer, que, no caso de venda de imóvel a um terceiro, o titular pode fazer com que, mediante uma declaração dirigida ao proprietário, este seja obrigado a transmitir-lhe o imóvel, ficando obrigado, por seu lado, o titular ao pagamento do preço convencionado com o terceiro… “ (1).

Assim, o preferente, como resulta do artigo 1410º do CC, a quem não se dê conhecimento da venda, tem direito de haver para si a coisa alienada, contanto que o requeira no prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (2) e deposite o preço devido, no prazo legal.

Destas considerações resulta que o direito de preferência deve ser qualificado como um direito real de aquisição (3), um poder que se manifesta na faculdade de adquirir a coisa alienada, tanto por tanto (4), em caso de alienação a terceiro e de a exigir a quem quer que a tenha adquirido (sequela).
Ora, por assim ser é que o exercício do direito de preferência conduz à substituição ex tunc do adquirente pelo preferente (5).

No entanto, como referem A. Varela/P. Lima (6), “… a ideia de que, através do exercício da prelação, o preferente substitui ao adquirente, com eficácia ex tunc, não deve, porém, ser levada às suas últimas consequências lógicas… o contrato celebrado entre o alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, mas em virtude da existência de um direito de opção a posição jurídica do adquirente fica sujeita por força da lei, a uma condição (conditio júris) resolutiva… ele perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfantemente exercida… “.

Sucede que este direito real de aquisição, que opera a aludida substituição, com eficácia ex tunc do adquirente pelo preferente, só se torna possível em consequência da violação pelo obrigado à preferência do vínculo obrigacional de oferecer a coisa ao beneficiário do direito preferente, dever de comunicação comum a todos os direitos legais de preferência – artigos 416º, nº 1, 1117º, nº 2, 1380º, nº 4, 1409º, nº 2, 1507º, nº 1, 1535º, nº 2 e 2130º todos do CC.

Assim, da natureza híbrida (obrigacional e real) da relação legal de preferência resulta que o exercício desse direito por via de acção assenta num facto ilícito do obrigado à preferência (os aqui Réus) – violação do dever de comunicação ao preferente.

Por isso, não só o preferente se pode substituir, como se referiu, ao adquirente na titularidade da coisa, como o alienante violador do dever legal de informação pode ser compelido a indemnizar pelos prejuízos causados, quer o preferente, quer o adquirente (7), como decorre da aplicação do princípio da boa fé – artigos 227º e 762º do CC (8).

“Com efeito, se o alienante tiver informado falsamente o adquirente de que notificara o preferente e este renunciara a exercer o seu direito, ou se tiver ocultado dolosamente (art. 253º) a existência do direito de preferência (legal ou convencional: cfr. a propósito o disposto no art. 421º), ele terá violado o dever de boa-fé com que a lei o manda agir (arts. 227º e 762º, nº 2), constituindo-se na obrigação de indemnizar o adquirente pelos danos que este sofra com a perda da sua aquisição… “ (9).

Destas considerações, decorre assim que a obrigação de indemnização que poderia ser pretendida pela Ré/Recorrente contra o Réu alienante só pode surgir se aquela lograsse provar a existência de violação do dever de informação, no âmbito do contrato de compra e venda celebrado, quanto à indicação de que o preferente não havia exercido o direito de preferência, uma vez que, não se verificando a ocorrência deste facto ilícito, não se provando aquela violação, a compra e venda era efectuada sob condição resolutiva do não exercício do direito de preferência pelo preferente - situação em que a Ré já não teria direito a ser indemnizada pelos alienantes (RR.), porque só tinham uma expectativa na manutenção da aquisição enquanto o preferente pudesse exercer a sua opção (10).

Estas considerações, que aqui se explanam em termos genéricos, terão a sua relevância na ponderação que, mais à frente, se irá efectuar quanto à questão da possibilidade de o aqui Autor poder ser responsabilizado pelas despesas aqui alegadas pela Ré, a título de enriquecimento sem causa – nomeadamente, tendo em conta a natureza subsidiária deste instituto jurídico.
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Aqui chegados, importa entrar na primeira questão já atrás enunciada.

Contende ela, como se referiu, com a alegada omissão de julgamento perpetrada pelo Tribunal Recorrido quanto à factualidade que se mostrava alegada pelo Autor nos itens 16 a 19 da petição inicial.

A matéria de facto que havia aí sido alegada dizia respeito à data em que, na versão do Autor, este tinha tido conhecimento dos elementos essenciais da venda.

Como é sabido, verificados os respectivos pressupostos de afirmação (do direito de preferência), a acção de preferência tem que ser intentada no prazo de seis meses a contar data daquele conhecimento (art. 1410º do CC).

No caso concreto, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, em primeira instância, aqueles pressupostos estavam preenchidos, pois como se refere na sentença recorrida:

“In casu, certifica-se que: (i) O prédio mencionado em 1) confina a sul com o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...); (ii) O prédio indicado em 2) confina a norte com o prédio rústico enunciado em 5) e a sul com o prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...).
Ademais, constata-se que a Ré X adquiriu os anteditos prédios nos termos indicados em 8), sendo que não os Réus/alienantes Maria e J. T. não comunicaram a venda ao Autor, postergando o prescrito no art.º 416.º/1, do Código Civil

Concomitantemente, certifica-se que os citados prédios são rústicos e confinantes e titulam uma área inferior à unidade de cultura consignada na Portaria 219/2016, de 9 de Agosto (2,5 hectares para terrenos de regadio e 4 hectares para terrenos de sequeiro, sendo que faleceu a comprovação de factos passíveis de sustentar que a alienação conglobava um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.
Acresce que sucumbiu a demonstração de que o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (o preço e a identificação do comprador) na data indicada em 8), naufragando, assim, a excepção de caducidade invocada pelos Réus.
Em decorrência, afiguram-se perfectibilizados os pressupostos do direito de preferência vertido no art.º 1380º/1, do Código Civil”.
*
No entanto, estas conclusões não foram acolhidas pela Recorrente, nomeadamente, porque continua a, nesta sede, pretender discutir, em termos factuais, a verificação da invocada excepção de caducidade.

Assim, além de impugnar o ponto 18 da matéria de facto não provada, a questão que os Recorrentes colocam é a de saber se, ainda neste âmbito da verificação dos pressupostos de exercício do direito de preferência, não seria relevante a pronúncia do Tribunal, em sede de decisão sobre a matéria de facto, sobre a factualidade que o próprio Autor havia alegado na petição inicial (arts. 16 a 22), quanto ao momento em que teve conhecimento de que a venda dos prédios já tinha sido efectuada, sem que lhe tivessem sido comunicados os elementos essenciais dessa alienação.

A questão resolve-se por apelo às regras do ónus da prova – e terá sido esse o fundamento que o Tribunal Recorrido terá usado para não se pronunciar sobre a aludida factualidade.

Na verdade, de acordo com aludidas regras do ónus da prova, não incumbia ao Autor alegar e provar a data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da venda efectivada – pelo que essa factualidade, na versão apresentada pelo Autor, não poderia constituir tema de prova do Julgamento fáctico.

É certo que o artigo 1380º, nº 4 do CC prescreve que “É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações” e que, de acordo com a conjugação deste preceito com os mencionados artigos 416º e 1410º, querendo vender a coisa objecto da preferência, deve o vendedor comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato e, recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade; por outro lado, e como já se referiu, o direito de preferência, atribuído àquele a quem se não dê conhecimento da venda do prédio alienado, pode ser exercido, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Ora, compulsada a fundamentação de facto da decisão recorrida constata-se que, no caso concreto, não está provado que os RR. tenham dado conhecimento ao Autor do projecto de venda, nem que o Autor tenha tomado conhecimento dos elementos essenciais da alienação mais de seis meses antes da propositura da acção, nem que o Autor só tenha tido conhecimento desses factos em Março de 2017 (conforme a sua já referida alegação constante da petição inicial).

No entanto, como decorre do nº 1 do artigo 342º do CC, ao Autor incumbia apenas a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que alega; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor compete àquele contra quem o direito é exercido – n.º 2 daquele artigo.
Ora, a caducidade de um direito constitui precisamente uma causa de extinção do mesmo, pelo que a respectiva prova compete àquele contra quem o direito é exercido.
No caso de o direito exercido ser o direito de preferência atribuído pelo citado artigo 1410º do CC, ao Autor incumbe a prova dos respectivos factos constitutivos que acima se mostram descritos.
Já a prova de qualquer facto extintivo do direito invocado pelo Autor, como seja a caducidade do direito, quer porque lhe foi comunicado o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato e o não exerceu dentro do prazo, quer porque o fez decorridos mais de seis meses depois de ter tomado conhecimento dos elementos essenciais da alienação, compete ao Réu (11).
Assim, podemos concluir que é este – e apenas este – que tem o ónus de alegar e provar que o Autor/Preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da venda há mais de seis meses, tendo por referência a data da propositura da acção (art. 1410º, nº 1 do CC).

Na verdade, nestas situações “o legislador terá entendido que seria mais fácil ao Réu provar a data em que o Autor teve conhecimento de determinado facto do que ao Autor demonstrar que não teve conhecimento da ocorrência do mesmo até certo dia (isto, mais um vez, dentro da lógica da dificuldade da prova dos factos negativos) ” (12).

Nestes casos, pois, o art. 343º, nº 2 do CC opta pela primeira opção.

Na presente acção de preferência será, assim, aos RR. que caberá o ónus de alegação e prova da caducidade da acção.

Ora, a relevância destas regras do ónus da prova, que aqui sumariamente enunciamos, para a questão que se coloca nos presentes autos, contende com o facto de, nestas situações em que as duas partes alegam a factualidade (positiva e negativa) correspondente ao (não) preenchimento da caducidade da acção, o Juiz ao seleccionar e proferir a decisão sobre a matéria de facto tem que ter em atenção qual das versões fácticas deve integrar o elenco dos factos que constituirão a fundamentação da sentença, tendo em conta as referidas regras do ónus da prova (não devendo pronunciar-se sobre as duas versões fácticas carreadas por cada uma das partes (13)).

Assim, quando as versões de ambas as partes incidam sobre a mesma factualidade (no caso, a caducidade da acção), o Tribunal só deve pronunciar-se sobre uma das versões alegadas pelas partes, devendo, para o efeito, “lançar mão das regras do ónus de alegação e prova, ou seja, nas palavras de Remédio Marques, o Juiz deverá privilegiar a versão do enunciado linguístico susceptível de respeitar a repartição do ónus da prova do facto em questão” (14).

Terá sido este o entendimento do Tribunal Recorrido quando, de uma forma intencional, “desprezou absolutamente a factualidade que havia sido alegada pelo autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial” (para usar as palavras da Recorrente)

Na verdade, conforme resulta do exposto, o ónus da prova dos factos correspondentes à invocação da caducidade da acção de preferência recaía sobre a Ré.

Nesse sentido, a alegação que o Autor produziu na petição inicial nunca poderia ser relevante, no âmbito da decisão sobre a matéria de facto que incumbia ao Tribunal Recorrido efectivar, por não constituir a versão fáctica alegada por quem tinha o respectivo ónus da prova.

Assim, nestas situações, apesar da alegação do Autor, o Tribunal quando efectua o julgamento da matéria de facto deve seleccionar apenas a matéria de facto que corresponda à aplicação das aludidas regras do ónus da prova.

Nesta conformidade, como já se afirmava no Ac. da RP de 19.03.1971 in BMJ 205, 258 (citado pelo ac. da RL 21.10.2010 (relator: Manuel Gonçalves), in dgsi.pt “embora o autor tenha alegado, aliás sem necessidade, o seu conhecimento somente em (…) da venda efectuada (…) mesmo que desse facto não faça prova, isso não influirá na decisão, por a prova da extemporaneidade da acção incumbir ao réu, como se declara expressamente no art. 343º, nº 2 CC”.

De todas estas considerações, pode-se concluir, então, que:

- Na acção de preferência, intentada nos termos do art. 1380º CC, ao Autor cabe apenas alegar e provar os factos de que resulta a sua situação de preferentes, ou seja: a) que foi efectuada venda ou dação em cumprimento de prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.
- É sobre o Réu, que recai o ónus da prova dos factos relativos à comunicação e ao exercício extemporâneo do direito de preferência, nomeadamente que a acção foi intentada mais de seis meses após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação.
- Mesmo que o Autor (na acção de preferência) tenha alegado o conhecimento daqueles elementos essenciais, em certa data, e não o tenha logrado provar, esse facto não poderá ter influência na decisão, uma vez que o ónus da prova da caducidade da acção recai sobre o Réu.

Aqui chegados, e revertendo ao caso concreto, temos que o A. alegou os factos de que dependia a sua qualidade de preferente. Além disso, alegou factualidade correspondente à negação da caducidade da acção.

No entanto, conforme se julga ter demonstrado, não lhe incumbindo o ónus da prova deste últimos factos, tal matéria de facto foi bem “desprezada” pelo Tribunal Recorrido, já que, aplicando as referidas regras do ónus da prova, apenas atendeu à versão fáctica que havia sido alegada pela Ré, tendo em conta que era a esta que incumbia o ónus de prova dos factos de onde pudesse resultar a caducidade da acção.

De resto, como refere a Jurisprudência citada, mesmo que o Autor não tivesse feito prova daqueles factos (dos arts. 16º e ss. da petição inicial), isso não influiria na decisão, por a prova da extemporaneidade da acção incumbir ao Réu, como se declara expressamente no art. 343º, nº 2 do CC.

Nesta conformidade, e por todo o exposto, resta, pois, concluir pela improcedência desta argumentação que havia sido apresentada pelo Recorrente.
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Entremos, agora, na questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Compulsado o Recurso apresentado, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Ré/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).

Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Ré/ apelante não concorda, pois, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Quid iuris?

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pela Recorrente, esclarecer o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Como é sabido, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (15).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (16).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (17).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (18), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (19).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (20).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (21).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (22).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (23), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.

Comecemos então por apreciar a argumentação da Recorrente quanto à sua pretensão de alterar a decisão da matéria de facto no que concerne ao ponto 18 da matéria de facto não provada.

Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:

“18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8).”.
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A Recorrente não concorda com este ponto da matéria de facto, alegando (com pertinência para a impugnação da matéria de facto) o seguinte:

“…4. Pela fundamentação aduzida, percebemos que soçobrou a prova da segunda ré relativamente à existência de um arrendamento anterior ao ano de 2014, bem como a demonstração da existência de uma exploração agrícola. Nada se diz, porém, concretamente, que possa justificar e/ou fundamentar o julgamento de facto do ponto 18) e que se atém à data em que o autor teve conhecimento do negócio de venda em que pretende preferir.

Ora,
5. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento resulta clara - a nosso ver – a errada valoração que o Julgador fez da prova produzida quanto ao facto que ora nos ocupa, não se logrando entender qual o verdadeiro motivo que levou o Tribunal a quo a considerar como não provado que no dia 14 de Janeiro de 2016 o autor tinha conhecimento da venda ocorrida e que teve por objecto os prédios rústicos (alegadamente) preteridos.
6. Todas as testemunhas sustentam a tese vertida nos autos pela segunda ré no sentido de o autor tinha conhecimento da venda dos prédios rústicos preferidos muito antes de 14 de Janeiro de 2016.
7. É certo que nem todas as testemunhas são unânimes quanto à data em que esse conhecimento ocorreu. Todavia, tais divergências denotam bem a naturalidade e genuinidade com que as testemunhas depuseram, mostrando não existir entre elas qualquer predeterminação quanto ao teor dos seus depoimentos. Por outro lado, a divergência entre as datas a que se reporta o conhecimento do autor está também relacionada com o maior ou menor conhecimento que cada uma das testemunhas demonstrou ter da cadeia histórico-detentiva dos prédios, mormente quanto à existência de um arrendamento, seguido de aquisição, que teve por objecto esses prédios rústicos. Na verdade, algumas testemunhas referem a ocorrência da venda em data anterior à do contrato de venda, o que se explica pelo desconhecimento do arrendamento que lhe precedeu. Todavia, claro também ficou que o autor teve conhecimento da venda e da formalização do contrato de compra e venda (veja-se, a título de exemplo a reunião a que alude a testemunha F. C., bem como o testemunho de Pedro).
8. Ora, à segunda ré cumpre, apenas, provar a factualidade respeitante ao conhecimento do autor relativamente à venda realizada, mormente que esse conhecimento ocorreu há mais de 6 (seis) meses relativamente à data da propositura da acção.
9. E, quanto a essa factualidade, diga-se em abono da verdade, não temos dúvidas que resulta de forma unânime do depoimento das testemunhas supra mencionadas que o Autor tinha conhecimento da venda ocorrida (e que nestes autos pretende impugnar) desde pelo menos Junho de 2016.
10. Acresce ainda dizer que, se por um lado o Tribunal a quo rejeita os depoimentos que atestam o conhecimento do autor desde, pelo menos, Junho de 2016; por outro, o MM. Juiz da causa também não aceita nem valora a tese do autor, que alegou só ter tido conhecimento da venda em 07 de Março de 2017, por forma a, assim, justificar a data em que propôs a acção, podendo ler-se na sentença recorrida que a tese apresentada pelo autor consubstancia uma “tese lassa e desprovida do exigível substrato fáctico”.
11. Apraz ainda dizer que também o acervo documental que compõe os presentes autos demonstra, quando conjugado com a demais prova testemunhal, o conhecimento do autor relativamente à venda dos prédios rústicos há mais de 6 (seis) meses a contar da data da propositura da acção.
12. E assim, bem atenta a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e o demais acervo documental junto aos autos, deve, a par da demais factualidade considerada assente, julgar-se provada a factualidade alegada pela segunda ré na sua contestação no que respeita à data do conhecimento pelo Autor da venda operada, dando a essa factualidade uma resposta restritiva no sentido de considerar provado apenas que:
“O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“…C) Motivação

A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada do depoimento do Autor L. P. e das declarações das testemunhas José, Luís, Alfredo, M. C., Rui, F. G., Paulo, M. E., S. P., Pedro, M. J., Sérgio, F. C. e A. M., em concatenação com a valoração das certidões registais de fls. 7-verso a 10 e 11-verso a 12, das certidões matriciais de fls. 10-verso e 12-verso, do extracto de fls. 11, do escrito de fls. 13-16, da factura de fls. 37, da nota de débito de fls. 37-verso, das liquidações de fls. 38-39, das peças de fls. 40-43 e 133-134, dos documentos cartográficos/topográficos de fls. 62, da escritura pública de fls. 98-99, da factura de fls. 100, dos escritos de fls. 102-103 e 109-111, dos ofícios de fls. 123 e 149-151, dos ortofotomapas de fls. 125-126 e das comunicações de fls. 153-168, sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.
(…)
(de seguida, na sua linguagem descritiva própria, já conhecida em juízo, o Tribunal Recorrido sintetizou o que o Autor declarou e o que cada uma das testemunhas esclareceu quanto à matéria de facto em debate; dada a sua extensão, respiga-se aqui a parte dessa fundamentação que contende com a matéria de facto que aqui se pretende discutir)
(…)
- quanto ao depoimento de parte do Autor:
“… emanou a tese claudicante e desprovida do lastro fáctico explicitante de que apenas teve conhecimento da venda dos terrenos à Ré X em 4.3.2017, perpetrando um relato robótico e artificial de uma alegada conversa com o Réu Fernando, em que o mesmo teria comunicado o negócio e incitando inauditamente o Autor a exercer a preferência, o que se configurou inverosímil sob o crivo do princípio da normalidade”;

- quanto à testemunha José:
“…indicou que, nos últimos anos, já “constava” na freguesia que os imóveis tinham sido arrendados ou vendidos, sendo que não titulava cognição dos alardeados negócios, enfatizando que não lhe foi comunicado qualquer projecto de venda, no âmbito de um relato provido de fiabilidade contextual.

Concomitantemente, o depoente não assistiu a qualquer conversa entre o Autor e o gerente da Ré X, António, com referência à compra dos prédios, limitando-se a abordar uma ocorrência conexa como conflito perpetrado entre os mesmos relativamente a um caminho de acesso aos imóveis”;

- quanto à testemunha Luís, pai do Autor:
“…a testemunha emanou a tese lassa e desprovida do exigível substrato fáctico explicitante de que o Autor apenas teve conhecimento da venda dos terrenos à Ré X em 4.3.2017, aduzindo uma narrativa claudicante e pejada de hiatos com referência a uma alegada conversa entabulada com o Réu Fernando, em que o mesmo teria comunicado o negócio e dito inusitadamente que o Autor “ainda poderia optar” pela compra dos prédios, o que se prefigurou implausível.
Enfatize-se que o depoente referenciou que o Réu Joaquim, em Novembro de 2014, lhe transmitiu que os terrenos objecto do litígio tinham sido arrendados naquela data e que tal arrendamento foi aflorado num jantar ocorrido em Dezembro do sobredito ano, o que se compagina substantivamente com o escrito de fls. 109-111.
Assinale-se, outrossim, que a testemunha relatou ocorrências conexas com o litígio implementado entre o Autor e o gerente da Ré X, António, na sequência de acções efectivadas no caminho de acesso aos terrenos, lastro fáctico umbilicalmente imbricado com a dissensão subjacente”.

- quanto à testemunha Alfredo:
“ não dimanou “… quaisquer conhecimentos da matéria fáctica aos negócios aquisitivos dos prédios descritos nos autos”.

- quanto à testemunha M. C.:
“… a testemunha sublinhou que, em 2015, sabia que o Sr. António era “dono” dos terrenos objecto do litígio, afirmação que se coaduna com o facto do mesmo ser gerente da Ré X e com a circunstância do arrendamento vertido a fls. 109-111 enquadrar a actuação “possessória” do sobredito com referência aos imóveis”.

- quanto à testemunha Rui:
“… explicitou com plausibilidade objectiva um corte de pinheiros que efectivou em Abril/Maio de 2017 em decorrência de um negócio acordado com o Sr. António, sendo que não titulava cognição da factualidade nuclearmente controvertida”.
(…)
“No que se atem à testemunha Pedro, aduziu uma narrativa eminentemente predeterminada e vaporosa, assente em enunciados genéricos e conclusivos, intentando enxertar a tese de que o Sr. António cuidava dos terrenos adquiridos pela Ré X desde o ano de 2010, no âmbito de um alegado acordo de compra dos mesmos postecipado, sendo que não explicitou quaisquer circunstâncias concretas do mesmo e tampouco revelou o respectivo lastro justificante, enredando-se, assim, num depoimento assaz claudicante.
*
No que concerne às testemunhas M. J. e Sérgio, respectivamente, pai e irmão de António (gerente e sócio da Ré X), dimanaram declarações erráticas, intrinsecamente basculantes e objectivamente inconsistentes, afigurando-se incapazes de concretizar o contexto subjacente ao arrendamento e subsequente compra dos prédios pela Ré X e imputando ao antedito António um domínio dos prédios desprovido de lastro histórico fundamentante.
Acresce que o depoente Manuel Joaquim emanou a asserção de que o Autor sabe desde 2014 que os prédios objecto do litígio são do predito António sem o mínimo de concretização circunstancial, sendo que tal afirmação inculca a inferência de que o apossamento dos terrenos apenas ocorreu em 2014, o que se compagina com a data do escrito de fls. 109-111, elidindo, assim, a versão propugnada nas contestações da existência de um arrendamento pretérito.

Sublinhe-se, igualmente, que as testemunhas admitiram que os terrenos adquiridos pela Ré X eram compostos de mato e pinheiros, o que contradita ostensivamente a tese da exploração agrícola vertida nas contestações, sendo que não especificaram minimamente os custos e despesas invocadas pela mesma, atascando-se em enunciados genéricos.
*
A testemunha F. C. aflorou de forma genérica a ocorrência de duas reuniões entre o Autor e António conexas com o litígio subjacente, indicando que o Autor, em Junho de 2016 (por altura do Santo António) já sabia da venda dos terrenos, porém, não deduziu circunstâncias indiciadoras de que o mesmo tinha conhecimento da celebração do negócio com a Ré X, o que se coaduna com o facto da mesma ter surgido deus ex machina para a subscrição nominal do arrendamento e da compra e venda, na veste de “sociedade unipessoal” de António, expediente comummente utilizado na esfera pública com desideratos intangíveis.
Ademais a testemunha não logrou especificar a alegada cadeia histórica de domínio dos prédios que integram o objecto do litígio pelo antedito António, limitando-se a abordar perfunctoriamente uma alardeada vontade do Sr. Adolfo de os vender ao mesmo”.
*
- Quanto à testemunha A. M.:
“… limitou-se a relatar a efectivação de um negócio de olival com o referido António ocorrido em 2013/2014, acrescentando frouxamente que o mesmo já “andava nos terrenos”, asserção manifestamente desguarnecida de lastro fáctico-justificante”.
*
(na sequência, fundamentou, mais em concreto, da seguinte forma a “resposta” dada à matéria de facto aqui impugnada)

“No que se atem aos factos 14) a 19), ante a manifesta claudicância e decaimento das testemunhas dos Réus com referência ao arrendamento dos prédios alardeadamente pretérito a 2014 nos termos sobreditos, inexistindo quaisquer provas documentais conexas e sucumbindo a demonstração da existência de uma exploração agrícola (elidida pela composição dos terrenos, v.g., pinheiros e mato), postulou-se o naufrágio da factualidade vertida em 14) 19)”.
*
Conforme decorre do exposto, a factualidade aqui questionada contende com o preenchimento da invocada excepção de caducidade da presente acção de preferência - daí o interesse da discussão desta matéria de facto.

A Recorrente fundamenta a sua posição no depoimento da generalidade das testemunhas (destacando os depoimentos das testemunhas F. C. e Pedro), depoimentos que ponderados, de uma forma conjugada, com todo o “acervo documental que compõe os presentes autos” demonstraria o conhecimento que o Autor teria da venda em que pretendia preferir na data mencionada no ponto aqui em discussão.

Cumpre decidir.

Compulsada a prova produzida (e invocada) pela Recorrente e a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido e, principalmente, a matéria de facto aqui em discussão, importa dizer, de uma forma liminar, que se julga que a Recorrente não tem qualquer razão na crítica que faz ao julgamento de facto realizado, já que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, aquela não parece ter entendido o esforço probatório que sobre ela recaía, nem mesmo qual era a factualidade que tinha que alegar e provar para poder esgrimir a caducidade da acção de preferência.

Com efeito, o facto aqui em discussão, respeitante ao alegado “conhecimento do Autor do contrato referenciado em 8)”, tem subjacente a si, a alegação dos requisitos necessários a permitir a procedência da invocada excepção de caducidade da acção de preferência.

Assim, quando aí se “pergunta” se o Autor tinha conhecimento do contrato de compra e venda celebrado com a Ré, a factualidade que se pretende discutir coincide com a verificação dos aludidos requisitos.

Ora, estes, como de seguida esclareceremos, não coincidem com a mera alegação e prova de que o Autor conheceria a alteração da titularidade da propriedade dos prédios (a partir da data referida).

O que está aqui em causa, como decorre, aliás, da factualidade em discussão, é antes saber (alegar e provar) que o Autor tinha conhecimento do contrato celebrado, no sentido de que conhecia os seus elementos essenciais (e a partir de que data isso sucedeu).

Na verdade, nos termos do art. 1410º do CC, o facto que determina a caducidade da acção de preferência não é o mero conhecimento de que a Ré seria a (nova) proprietária, mas sim, como o legislador impõe, a data em que o Autor “teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação” (“teve conhecimento do contrato”).
Ora, todo o esforço probatório realizado pela Ré dirigiu-se apenas àquela primeira realidade, ou seja, provar que o Autor tinha conhecimento de que a Ré era a (nova) proprietária.
Sucede que o aludido prazo não se conta a partir desse mero conhecimento da mudança da titularidade do(s) prédio(s) em discussão, mas sim da data em que alegadamente o Autor teria tido conhecimento de todos aqueles “elementos essenciais da alienação”.

Vejamos, então, em que é que se traduz esta diferença.

Uma coisa é o mero conhecimento, da parte do Autor, de que a titularidade da propriedade sofreu alterações.

Outra coisa bem mais exigente - e plenamente justificada em face do direito de preferência de que o Autor beneficiava - é a alegação e prova da data em que aquele teve conhecimento dos aludidos elementos essenciais da alienação – pois que só nesse momento é que o Autor/Preferente poderia ponderar se lhe interessava o exercício do direito de que era detentor.

Na verdade, neste âmbito, se bem que se entenda que não é necessário que o preferente conheça em todos os pormenores as cláusulas da venda para começar a correr contra ele o prazo de caducidade fixado na lei, é pacífico o entendimento de que não é suficiente, para o efeito, a mera notícia de que o proprietário vendeu a coisa ou o conhecimento genérico que este a vendeu.

Com efeito, entende-se que, para este efeito, é indispensável que o preferente tenha conhecimento efectivo de todos os elementos essenciais da alienação (24).

Como referem os Autores citados em nota (25), pág. 372, enquanto o Código Civil anterior “mandava contar esse prazo a partir da data em que o preferente teve conhecimento da venda, o novo Código manda contá-lo a partir do conhecimento dos elementos essenciais da alienação. Não basta, portanto, que o preferente saiba que a alienação se realizou; é preciso que conheça os elementos essenciais da alienação…”.

Assim, “proposta acção de preferência, aos RR., também, cabe o ónus de provar que aos AA. fora dado, há mais de seis meses, conhecimento dos elementos essenciais do negócio realizado (ac. da RC de 5.6.1984, BMJ nº 338, pág. 474)” (25).
Vejamos em que é que consistem estes elementos essenciais do negócio jurídico efectivado.
Como é sabido, para que o preferente possa exercer o seu direito de opção (quando lhe seja comunicada a venda projectada) é imprescindível que esteja na posse de todos os elementos concretos com base nos quais o alienante se propõe negociar com terceiro.
Só conhecendo todos os dados que envolvem o negócio jurídico é que o preferente poderá formar a vontade de exercer, ou não, o direito que lhe assiste.
Essenciais à formação dessa vontade serão todos os elementos decisivos para o titular se poder decidir pelo exercício do direito, configurando-se como tal, desde logo e inquestionavelmente, o preço, condições do seu pagamento e a pessoa do interessado comprador.
O que se apresenta como essencial a comunicar ao beneficiário da preferência são os concretos termos em que as partes se propõe celebrar o projectado negócio, aqueles elementos que o envolvem e os termos em que irão ser satisfeitos, e que traduzem a contrapartida a suportar pelo eventual adquirente, para além da revelação da identidade deste (26).
Estes, sim, configuram-se como elementos essenciais do projectado contrato, imprescindíveis para que o beneficiário do direito possa conscientemente decidir do exercício do direito.
Ora, no caso concreto, competia exactamente à Ré alegar e provar que o A., há mais de 6 meses à data da propositura da acção, tinha conhecimento destes elementos essenciais da alienação (cujo conhecimento era aqui também exigível demonstrar).

Com efeito, e conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência, por decorrer da letra da lei, o prazo conta-se a partir da data em que o preferente teve conhecimento não da venda, mas dos referidos elementos essenciais da mesma.
É que a expressão do nº 1 do artº 1410º do Código Civil «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», de que se faz depender o início do prazo para o exercício do direito de preferência, deve ser entendida no sentido de que são essenciais, todos aqueles factores capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não, todos os elementos reais do contrato que possam ter importância na tomada de uma decisão num sentido ou noutro.
Daí que, para correr tal prazo, mostra-se necessário apurar que o preferente sabia, no mínimo, do preço, forma e prazo de pagamento e identidade de comprador, pois que todos esses elementos são determinantes para formar a sua vontade de exercer o direito, ou não.
Sucede que é patente que a Recorrente não cumpriu este esforço de alegação e de prova que se lhe impunha no âmbito da invocada excepção de caducidade da acção de preferência.
Julga-se, aliás, que a Ré não chega a alegar esta factualidade na contestação (v. os itens 24 a 33 da contestação “Já antes da aquisição… era o Autor sabedor de que a 2ª Ré era proprietária…” (item 24) ”.
Mas, além disso, e conforme se pode retirar da prova produzida, também é evidente que a Recorrente não logrou provar aquela factualidade.

Na verdade, e conforme já se referiu, a Ré dirigiu todo o seu esforço probatório no sentido de procurar demonstrar que o Autor tinha conhecimento da alteração da titularidade da propriedade com anterioridade ao prazo legal de seis meses – não o tendo, aliás, logrado, com a prova que produziu.

Mas a verdade é que não era essa a factualidade que tinha que alegar e provar (nem era essa a factualidade que se encontra subjacente ao ponto 18 da matéria de facto não provada).

Com efeito, o que a Recorrente tinha que demonstrar, em termos factuais, era antes que o Autor tinha com anterioridade à data da instauração da acção, conhecimento efectivo dos sobreditos elementos essenciais da venda (há mais de seis meses).

Sucede que, colocando o enfoque naquela primeira realidade fáctica, a Recorrente não só soçobrou na prova da mesma, como, além do mais, não chegou a produzir qualquer prova sobre esta última realidade fáctica.

Assim, tendo-se procedido à audição da prova pertinente produzida, e ponderando, de uma forma conjugada e corroborada estes meios de prova, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, no que concerne a esta matéria de facto que se mostrava em discussão no ponto 18 da matéria de facto não provada, mostra-se totalmente conforme com a prova (não) produzida.

Improcede, pois, esta parte do Recurso.
*
A Ré veio ainda impugnar a factualidade que no ponto 20 da decisão de facto consta como matéria de facto provada.
Neste âmbito, a questão já não contende com a acção de preferência, mas sim com o pedido reconvencional deduzido, a título subsidiário, pela Ré.
Na verdade, a Ré, para o caso de a acção de preferência vir a ser julgada procedente, veio peticionar as despesas que teve enquanto adquirente (e proprietário temporário) respeitantes ao negócio jurídico celebrado (despesas notariais, registrais e fiscais) e às obras que realizou no prédio aqui em discussão.

Ora, tal pretensão foi negada pelo Tribunal Recorrido:

- Porque no julgamento que efectuou, considerou, por um lado, que a Ré não logrou provar que: “20. despendeu a quantia de € 10.516,97 (dez mil quinhentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos) com a limpeza dos terrenos, a destruição dos resíduos provenientes dessa limpeza, a execução de movimentação de terras para abertura de caminhos e acessos aos rústicos, a abertura de patamares nas parcelas não suportadas por socalcos e a preparação do terreno para a instalação de olival”;
- E, por outro lado, porque, quanto às despesas notariais, registrais e fiscais efectivamente consideradas provadas (pontos 11 a 13 da matéria de facto provada), concluiu que o Autor não era responsável por elas, mesmo que a título de enriquecimento sem causa.
A questão que nesta sede se coloca é apenas a de saber se o julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido quanto àquela primeira factualidade se deve manter, ou se antes se pode entender que a Ré logrou provar as referidas despesas com a movimentação das terras.

Entende a Recorrente que sim, apresentando a seguinte argumentação:

13. No que concerne ao facto julgado não provado sob o ponto 20, o Tribunal olvidou que tal questão foi abordada por uma das testemunhas que atestou que foram efectuados nos prédios rústicos objecto dos autos, pelo menos, os trabalhos de movimentação de terras, baseados em cerca de seis mil euros o hectare.
14. E assim sendo, como de facto foi, deveria o Tribunal a quo julgar provada a realização desses trabalhos de movimentação de terras alegados e provados nos autos, concedendo a tal factualidade uma resposta restritiva e considerando, a final, provado que:

“A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare.”
*
O Tribunal Recorrido, por seu lado, entendeu que a resposta negativa se justificava atendendo à seguinte fundamentação:

“…Relativamente aos factos 20) a 26), faleceu a comprovação testemunhal, documental ou pericial dos mesmos”.
*
Aqui chegados, cumpre apreciar a Impugnação da matéria de facto, tendo em conta o que em cima já se referiu, quanto à tarefa que é imposta ao Julgador neste âmbito.
Na verdade, importa ter em atenção que a alteração da matéria de facto pretendida pela Recorrente só deverá ser efectuada quando este Tribunal, depois de proceder à (re)avaliação da prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que aquela aponta em direcção diversa daquela que vingou na primeira Instância.

Ora, importa dizer que é patente - tendo em conta, também, a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido - que a Recorrente não tem razão quando pede a alteração da matéria de facto constante do ponto 20 dos factos não provados, pois que o elemento probatório invocado é manifestamente insuficiente para comprovar a factualidade que aqui se discute.

Exigia-se que esse singelo, vago e genérico depoimento da testemunha Alfredo se mostrasse corroborado por outros meios de prova, nomeadamente, os, desde logo, indicados pelo Tribunal Recorrido (prova documental e/ou prova pericial).

Assim, compulsado o referido depoimento pode-se concluir que o julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido, quanto a esta factualidade, mostra-se conforme com a prova produzida.

Deste modo, bem andou o Tribunal Recorrido em considerar que a prova produzida não permitia dar como provada a factualidade constante do ponto 20 da matéria de facto considerada como não provada.

Improcede, também, esta parte da Impugnação da matéria de facto.
*
Aqui chegados, e tendo-se efectuado a exigida análise crítica da prova produzida, e tendo-se ponderado, nomeadamente, os (mesmos) elementos probatórios que fundamentam o Recurso interposto pela Recorrente, ponderados os seus argumentos, julga-se que a decisão de Primeira Instância deve ser, pois, integralmente mantida.

Na verdade, efectuando, também, como nos era imposto, a referida análise crítica dos meios de prova produzidos, não há dúvidas que o Julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido se deve manter.

Com efeito, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pela ora Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.

Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.

Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, não podem restar dúvidas que os aludidos factos constantes da matéria de facto não provada devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
*
Sendo este o sentido da Impugnação da matéria de facto, ficam obviamente prejudicadas as questões enunciadas nos pontos 2, 3 e 4 do relatório do presente Acórdão.

Na verdade, tratava-se de questões que tinham subjacente a si a pretendida alteração da matéria de facto, pretensão essa que, conforme decorre do exposto, não foi aqui acolhida.

Nesse sentido, mantendo-se inalterada a matéria de facto, não se pode deixar de confirmar a decisão do Tribunal Recorrido no que concerne à improcedência da excepção de caducidade que havia sido invocada pela 2ª Ré, já que não ficou provado que o Autor tivesse conhecimento dos elementos essenciais do negócio jurídico realizado há mais de 6 (seis) meses – cfr. art. 1410º, n.º 1, do CC, aplicável ao caso dos autos ex vi artigo 1380º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

Da mesma forma, não se tendo incluído na matéria de facto a alegação do Autor, produzida na petição inicial, quanto a essa mesma data do conhecimento dos elementos essenciais da venda, também, por força das regras do ónus da prova atrás explanadas, não pode a pretensão da Recorrente ser aqui reconhecida.

Finalmente, não tendo sido acolhida a impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 20 dos factos provados, não pode o direito de crédito peticionado na acção reconvencional (e o direito de retenção) ser reconhecido por ausência de prova da factualidade subjacente a esse pedido.

Improcede, pois, esta parte do Recurso com estes fundamentos.

Nesta sequência, a decisão recorrida merece, quanto a estes pontos, integral confirmação, subscrevendo-se, aqui, a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal Recorrido, no que concerne à improcedência da invocada caducidade e quanto ao reconhecimento do direito de preferência e os efeitos que tal reconhecimento operou na posição substantiva das partes contraentes.
*
Subsiste, no entanto, a questão colocada no ponto 5 do relatório da presente decisão.

Como aí se referiu, levanta ainda a Recorrente a questão de saber se deve o Autor ser condenado a restituir à 2ª Ré os valores a que aludem os pontos 11), 12) e 13) da matéria de facto julgada provada, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do CC.

Além disso, importa ponderar se, nesse caso, se impõe reconhecer à reconvinte o direito de retenção sobre os prédios rústicos preferidos até ao efectivo e integral pagamento do crédito que venha a ser reconhecido à 2ª ré/reconvinte – v.g. artigo 754º do CC.

O Tribunal Recorrido respondeu a ambas as questões de uma forma negativa.

Na verdade, fazendo apelo à jurisprudência expendida no ac. da RC de 14.1.2014 (proc. n.º 6628/10.3TBLRA.C1, in www.dgsi.pt) conclui que “é do sujeito à obrigação de preferência que o adquirente deverá reclamar as despesas efectuadas por causa da aquisição, desde que para isso disponha do necessário fundamento.” (e, na sequência, concluiu não existir direito de retenção).

Entende o Recorrente que assim não será, insistindo que, sob pena de enriquecimento sem causa (art. 473º e ss. do CC), o preferente deve restituir-lhe essas despesas.
Cumpre decidir.

Está provado, efectivamente, que:

11. A Ré X despendeu a quantia de 248,40€ (duzentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) aquando da subscrição do escrito referido em 8).
12. A Ré X pagou a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) de imposto municipal de transmissões e 20,00€ (vinte euros) de imposto de selo com referência ao descrito em 8).
13. A Ré X despendeu a quantia de 137,50€ (cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) com o registo mencionado em 9).
*
Não há dúvidas, assim, que a Recorrente teve estas despesas notariais, fiscais e registrais.
A questão que se coloca é a de saber se o Autor pode ser responsabilizado pela sua restituição, invocando a Recorrente o instituto jurídico do enriquecimento sem causa.

No acórdão citado na decisão recorrida, a propósito do conteúdo da obrigação de depósito do preço que vincula o preferente, entendeu-se que:

“A acção de preferência funda-se no incumprimento, num acto ilícito do sujeito passivo – o obrigado a ela – e visa proteger os interesses do preferente, assegurando-lhe o exercício do seu direito, desde logo em face do sujeito passivo. Nesta acção, o preferente exerce o direito de haver a coisa alienada, um direito a comprar o bem sujeito à preferência, correspondente ao dever de alienar esse mesmo bem, imposto ao sujeito passivo, pelas regras da preferência (artº 1410 nº 1 do Código Civil). Na acção de preferência, o preferente continua a exercer o direito a adquirir o bem sujeito a ela, o mesmo direito que se constituiu em relação ao sujeito passivo e, que, dada a sua eficácia, prevalece sobre eventuais direitos adquiridos por terceiros, constituídos sobre esse mesmo bem. Neste contexto, o depósito do preço continua a servir para assegurar que o sujeito passivo receberá o preço recebido, dado que este sujeito deveria reembolsar o adquirente do preço recebido e indemnizá-los das despesas realizadas não recuperáveis, desde que verificados os pressupostos da respectiva responsabilidade – que pode ser uma responsabilidade pré-contratual ficando, depois, a cargo do mesmo adquirente a anulação, nos termos gerais, da liquidação do IMT (artº 24 do CIMT) (27).

Entre o preferente e o terceiro não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de responsabilidade e não há qualquer enriquecimento sem causa do titular do direito à custa do adquirente: o preferente limita-se a exercer o direito de adquirir certo bem, com prioridade sobre terceiros, pagando o preço livremente aceite pelo sujeito passivo.

A relação jurídica de onde poderão emergir pretensões relativas a reembolso de despesas ou ressarcimento de prejuízos é a estabelecida entre o obrigado à preferência e o adquirente, resultante do contrato de alienação, contrato do qual, por ser ineficaz em relação ao preferente, não poderão resultar deveres para este: é, portanto, do sujeito à obrigação de preferência que o adquirente deverá reclamar as despesas efectuadas por causa da aquisição, desde que para isso disponha do necessário fundamento.

Aceitar que o adquirente tenha de satisfazer, além do preço, as despesas efectuadas pelo adquirente com a aquisição, criaria uma situação de grave incerteza quanto ao valor do depósito a realizar pelo preferente, dado que compromete a definição clara do ónus que este deve observar para não perder irremediavelmente o seu direito.

Realmente, aceitar que o preferente tem de reembolsar o adquirente das despesas efectuadas com a aquisição, suscita a dúvida séria sobre as despesas efectivamente reembolsáveis. Porquê restringir esse reembolso às despesas de IMT e de escritura e não as alargar ao imposto de selo, às despesas de registo da aquisição, ao IMT que entretanto o adquirente tenha pago, à comissão paga por este ao mediador imobiliário, aos honorários de advogado ou de solicitador, etc.?

Portanto, o termo preço, usado na lei, designa, neste contexto, o valor em dinheiro a pagar pelo preferente como contrapartida da aquisição do bem sujeito a preferência, valor que corresponde ao sacrifício económico ajustado entre o sujeito passivo e adquirente, como contrapartida da alienação do bem, não abrangendo, por isso, as despesas realizadas pelo adquirente em vista dessa alienação nem os impostos pagos por força dela (28)”.

No mesmo sentido se pronunciou o ac. da RP de 11.10.2016 (29) que concluiu que:

I - A substituição “ex tunc” decorrente da procedência da acção de preferência, respeita tão só à titularidade do direito, fundada na lei, e não constitui o substituto (preferente) em qualquer obrigação perante o substituído, mormente a de repor o “status quo ante” que ele tinha se não tivesse celebrado o negócio que veio a ser objecto da acção de preferência triunfante.
II – Entre o preferente e o terceiro/adquirente não existe qualquer relação jurídica concreta que vincule o primeiro a algum tipo de prestação a favor do segundo e, para além de não existir qualquer contrato entre o preferente e o adquirente, o exercício da preferência não representa um facto gerador de qualquer responsabilidade do primeiro relativamente ao segundo.
III- É sobre a vendedora que recai a obrigação de reembolsar a adquirente, desde que verificados os demais pressupostos da respectiva responsabilidade, que julgamos ser uma responsabilidade pré-contratual, cfr. art.º 227.º do C.Civil, por violação do princípio da boa-fé negocial, pelas despesas realizadas e não recuperáveis – como sejam as despesas com a realização da escritura e respectivo registo da aquisição, etc.
IV - A eficácia retroactiva da preferência não torna inexistente, não neutraliza ou apaga a posse efectiva do adquirente do bem durante o tempo em que o negócio esteve pendente da condição resolutiva, pelo que sendo durante esse período a adquirente a legítima possuidora do imóvel, em termos de sua proprietária, exercendo os poderes inerentes ao seu direito de propriedade sobre o prédio, tendo assim isso o uso e fruição do mesmo, logo, por força do disposto no art.º 8.º do CIMI, ela é a legitima sujeita passiva do pagamento do respectivo IMI”.

Já quanto à possibilidade da pretensão do Autor ser acolhida em sede enriquecimento sem causa, defendeu o seguinte:

“… a apelante não alegou, nem provou que os réus/apelados tenham tido um enriquecimento e que esse enriquecimento tenha sido obtido à sua custa (à custa da apelante), à excepção do que fez quanto ao seu alegado empobrecimento – despesas realizadas. O enriquecimento, como é sabido, supõe que o beneficio se projectou no património do enriquecido, influiu no seu conteúdo, tornou-o mais valioso ou impediu que o mesmo se desvalorizasse. Pois que a vantagem em que o enriquecimento consiste pode ser encarada sob dois prismas, susceptíveis de produzir efeitos diferentes: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida (projecção concreta do acto na situação patrimonial do beneficiário); e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que é determinada pela comparação entre a sua situação efectiva que apresenta e, aquela em que se encontraria se a deslocação não tivesse ocorrido. Consequentemente, o valor de restituição de “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”, cfr. art.º 479.º n.º1 do C. Civil, pode ser alcançado com referência ao valor objectivo da aquisição, ou com referência ao aumento patrimonial por ela causado. Assim, o objecto da obrigação de restituição encontra-se balizado pelo enriquecimento e pelo empobrecimento, já que a obrigação de restituição não pode exceder a medida do locupletamento nem a do empobrecimento, cfr. art.º 479.º n.º 2 do C. Civil.

Depois destas linhas gerais, atento tudo o que acima ficou consignado e a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, é manifesto que a apelante tem ou tinha ao seu dispor outros mecanismos legais para ser reembolsada das despesas efectuadas, querendo, v.g. agindo junto da vendedora - Sociedade Agrícola E…, SA e da Autoridade Tributária.
Pelo que sem necessidade de outros considerandos, nada devem os apelados à apelante a título de enriquecimento sem causa”.
Esta posição não é, no entanto, pacífica mesmo em termos Jurisprudenciais.

Por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça já proferiu decisões no sentido de aceitar que estas despesas devem ser reembolsadas pelo Preferente (30).

Já se fez alusão em nota (nota 4) à doutrina que se pronunciou sobre esta questão.

Segundo os Profs. A. Varela/P. Lima (31), o preferente, na acção de preferência, deve depositar, além do preço da alienação, as demais despesas feitas pelo adquirente, mas apenas quando e na medida em que delas beneficie”.
Carvalho Martins (32), por sua vez, defende que “…o preferente deve delas (despesas: sisa e custo da escritura) indemnizar o adquirente, através do mecanismo do enriquecimento sem causa… “.

Já Menezes Leitão (33), refere que “a solução correcta deve ser a de que apenas é exigido o depósito do preço devido, ainda que o preferente deva, no caso de ficar também sujeito às mesmas despesas com a sisa e a escritura e na medida em que o ficar, reembolsar ao terceiro as despesas por ele suportadas, sem o que haveria enriquecimento sem causa”, acrescentando em nota (892) que “daí que se admita que o terceiro possa solicitar esse reembolso na acção de preferência em reconvenção ou posteriormente” (citando, em conformidade, jurisprudência).

Aqui chegados, importa tomar posição sobre a questão enunciada.

Em primeiro lugar, importa dizer que o Tribunal Recorrido já tomou posição sobre a questão o conteúdo do depósito do preço, tendo, em sede de saneamento do processo, decidido que “o sobredito dever de depósito se atem, exclusivamente, à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não conglobando quaisquer outras despesas deste ou do adquirente, designadamente o IMT e os custos do registo e da escritura pública (vd. Acs. de 10.1.2008, proc. Nº 07B3588 e de 11.1.2011, proc. Nº 1204/07.0TVPRT.P1.S1, in www.Dgsi.pt) …”.

Na sequência, julgou improcedente a excepção de caducidade invocada com este fundamento.

Nesta conformidade, sem prejuízo dos elementos interpretativos que se possam retirar daquela exigência legal, resta-nos, neste âmbito, pronunciar-nos sobre a possibilidade do pedido de restituição das referidas despesas poder ser acolhido em sede de pedido reconvencional.
A nosso ver, a questão terá que ser resolvida pela verificação do preenchimento dos requisitos do enriquecimento sem causa, pois que é esse o fundamento jurídico da pretensão deduzida pela Ré.

Nesta medida, as considerações relativas ao enquadramento jurídico das relações estabelecidas entre o alienante, o adquirente e o preferente acabam por ficar em segundo plano, pois que não é com base nelas que a Recorrente fundamenta a sua pretensão.

Já ficou referido que entre o adquirente (a aqui Ré) e o preferente (o Autor) não se constituiu qualquer relação jurídica, de onde resulte o assumir de qualquer obrigação perante o outro.

Como já se disse, o exercício do direito de preferência por via de acção assenta num facto ilícito do obrigado à preferência (os aqui Réus) – violação do dever de comunicação ao preferente.

Por isso, não só o preferente se pode substituir ao adquirente na titularidade da coisa, como o alienante violador do dever legal de informação pode ser compelido a indemnizar pelos prejuízos causados, quer o preferente, quer o adquirente como decorre da aplicação do princípio da boa fé – artigos 227º e 762º do CC.

Eventualmente, o próprio adquirente poderá responder perante o preferente no caso de ter cooperado na violação daquele dever de comunicação- o que não se provou no caso concreto.

Finalmente, o alienante só responderá pelos danos que o adquirente venha a sofrer pelo facto da preferência ter sido exercida de uma forma vencedora apenas nos casos em que “o alienante tiver informado falsamente o adquirente de que notificara o preferente e este renunciara a exercer o seu direito, ou se tiver ocultado dolosamente (art. 253º) a existência do direito de preferência (legal ou convencional: cfr. a propósito o disposto no art. 421º) ”, caso em que “ele terá violado o dever de boa-fé com que a lei o manda agir (arts. 227º e 762º, nº 2), constituindo-se na obrigação de indemnizar o adquirente pelos danos que este sofra com a perda da sua aquisição…“ (34).

Destas considerações, decorre, assim, que a eventual obrigação de indemnização que poderia ser pretendida pela Ré/Recorrente contra os Réus alienantes só poderia surgir se aquela lograsse provar uma daquelas situações (o que não sucede no caso concreto).

Nessa medida, não se verificando a ocorrência daquela modalidade específica de facto ilícito, a Ré/Recorrente não teria direito a ser indemnizada pelas despesas que veio a ter (nomeadamente, as aqui dadas como provadas), porque, como decorre do exposto, só tinha uma expectativa na manutenção da aquisição enquanto o preferente pudesse exercer a sua opção.

Tudo aquilo que aqui afirmamos tem a sua importância para esclarecer que não é líquido que a Recorrente possa vir a obter o ressarcimento dos seus danos junto dos alienantes (os aqui RR.), já que a compra e venda foi efectuada sob condição resolutiva do não exercício do direito de preferência pelo preferente e, nessa medida, aquela só tinha, como se disse, uma expectativa em adquirir os prédios.

Destas considerações pode-se, por outro lado, retirar a ideia de que, por esta via argumentativa, não se pode afastar, in limine, a invocação do instituto do enriquecimento sem causa em consideração à exigência legal de que esta só pode ter campo de aplicação quando não haja outra causa justificativa da pretensão deduzida – natureza subsidiária do enriquecimento sem causa (art. 474º do CC).

Aqui chegados, importa, pois, verificar se, em face da matéria de facto provada, estão preenchidos os requisitos legais do enriquecimento sem causa (arts. 473º e ss. do CC).

Dispõe o art. 473º do CC que "... aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou... " (nº 1), acrescentando o nº 2 que "... a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido... ".

Como é sabido, o enriquecimento aqui previsto pode assumir várias formas, podendo significar desde um aumento de um activo patrimonial até à intromissão em bens alheios ou bens jurídicos alheios (35).

Resulta do dispositivo legal citado, de uma forma clara, que os requisitos do enriquecimento sem causa são quatro:

1º o enriquecimento de alguém;
2º o consequente empobrecimento de outrem;
3º o nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo;
4º a falta de causa justificativa do enriquecimento (36).

Em termos genéricos, "...reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito o não aprova ou consente, porque não (há) existe uma relação ou um facto que de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial..." (37), isto é, de uma forma mais singela, " o enriquecimento é destituído de causa, quando segundo a ordenação jurídica dos bens, ele cabe a outrem".
É pacífico, em termos doutrinais e jurisprudenciais, que incumbe a quem deduz o pedido, o ónus da prova destes requisitos (art. 342º, nº1 do CC) (38).
Ora, entende-se que, no caso concreto, não se pode afirmar a verificação destes pressupostos do enriquecimento sem causa, uma vez que a Ré/Recorrente não logrou provar, conforme era seu ónus, o requisito da existência de enriquecimento do Autor.

Senão vejamos.

O enriquecimento referido no art. 473º do CC deve ser entendido no sentido de vantagem de carácter patrimonial obtida à custa de outrem que seja susceptível de avaliação pecuniária.
O enriquecimento tem sido na nossa doutrina quase sempre concebido de acordo com a concepção patrimonial, sendo definido como a valorização ou não desvalorização que o património apresenta e o que apresentaria se não tivesse ocorrido determinado facto.

Sucede que o art. 473º do CC refere expressamente que quem enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir “aquilo com que injustamente se locupletou” identificando o enriquecimento com uma concreta aquisição injusta, apelando-se a uma ideia de vantagem patrimonial concreta.

Definido dessa forma o enriquecimento, há que determinar casuisticamente quais as aquisições em que este pode consistir.

Ora, no caso concreto, de acordo com a matéria de facto provada, não se consegue “descobrir” qual tenha sido a vantagem patrimonial concreta, de que o Autor possa ter beneficiado, pelo facto de a Ré/Recorrente ter efectuado as despesas que aqui pretende ver-se restituída.

Com efeito, não se vislumbra, nem a Ré o demonstrou, conforme era seu ónus, que o pagamento daquelas despesas (notariais, fiscais e registrais) se tenha projectado no património do Autor, tornando-o mais valioso, seja pelo seu incremento, seja pela diminuição do passivo (não realização de despesas).

Nesta conformidade, se é certo que a Ré/Recorrente ficou empobrecida na sequência do pagamento das despesas que efectuou, a verdade é que tal empobrecimento não encontra igual correspondência no património do Autor, já que não se mostra provado que este, por força daquele pagamento, tenha deixado de ter de proceder às mesmas despesas na sequência do exercício vencedor do direito de preferência (39).

Julga-se, pois, que não foram alegados, nem provados quaisquer factos demonstrativos do enriquecimento do Autor, que, como decorre do exposto, é um dos requisitos que teria que ser preenchido para que a pretensão reconvencional da Ré pudesse ser acolhida.

No fundo, e voltando ao que os Profs. A. Varela/P. Lima referem, a verdade é que o Autor, enquanto preferente, só teria que restituir, na acção de preferência, as despesas feitas pelo adquirente, “mas apenas quando e na medida em que delas beneficie”.

Ora, foi justamente esta última factualidade que a Ré não logrou demonstrar, ou seja, se (e em que medida é que) os pagamentos efectuados beneficiaram o Autor.

Na verdade, como bem intuiu a decisão recorrida: “Na situação sub judice, no que tange às despesas conexas com a aquisição do prédio descritas em 11) a 13), afere-se linearmente que o Réu/Reconvinte não alegou qualquer acto de deslocação patrimonial em benefício do Autor no âmbito das mesmas”.

Nesta conformidade, por não estarem verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, resta-nos, pois, concluir que a sentença recorrida se deve manter sem alterações quanto a este pedido.

Nesta sequência, não se reconhecendo a existência de qualquer direito de crédito, fica igualmente prejudicada a possibilidade de reconhecer a constituição de um direito de retenção sobre os imóveis em discussão nos autos nos termos do art. 754º do CC.

Como se sabe, o direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexão entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela, cfr. arts. 754.º e 755º do CC.

É um direito real de garantia, não sujeito a registo, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, com o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão apontada pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, e representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei. Pelo que se o credor tiver um crédito relacionado, nos termos previstos na lei, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito real de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores.

No caso concreto, no entanto, não existe a possibilidade de reconhecer este direito à Ré, por não estarem verificados os respectivos requisitos, uma vez que se não reconhece à Recorrente qualquer direito de crédito sobre o Autor, mormente pelas despesas invocadas, pelo que nenhum direito de retenção para garantia de pagamento lhe assiste sobre os imóveis em causa.

Improcede, pois, em absoluto, esta última argumentação da Recorrente.
*
Nesta conformidade, por todo o exposto, e porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter integralmente a sentença proferida.

Improcede totalmente o Recurso interposto.
*

III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pela Ré/Recorrente totalmente improcedente;
*
Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC);
*
Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias

1. Vaz Serra, in BMJ 76, pág. 245
2. V. sobre esta questão do conhecimento dos elementos essenciais da alienação por todos, A. Varela/P. Lima, in “CCivil anotado”, Vol. III, págs. 372 e ss.; A. Varela, in RLJ, Ano 100, pág. 225.
3. V. sobre os direitos reais de aquisição, neste âmbito, Menezes Leitão, in “ Direitos Reais”, pág. 522 e ss.;
4. V. sobre esta questão do depósito do preço por ex. A. Varela/P. Lima, in “CC anotado”, Vol. III, págs. 374 e 375; Carvalho Martins, in “ Preferência “, pág. 74/5, e Menezes Leitão, in “ Direitos Reais”, pág. 524- mais à frente regressaremos a esta questão;
5. Como refere Pinto Loureiro, in “Manual dos Direitos de Preferência”, Volume 2, pág. 309, por virtude do exercício do direito de preferência o nome do preferente substitui-se com todos os direitos referentes ao momento da transmissão, tudo se passando juridicamente como se por um erro de escrita o nome do adquirente tivesse de ser rectificado judicialmente. A alienação não é nula e, antes, produz todos os seus efeitos, operando-se apenas a substituição por outro de um dos sujeitos do contrato.
6. In “CC anotado”, Vol. III, págs. 380 e 381.
7. Pode, no entanto, este (o adquirente), por sua vez, ser, também, responsabilizado se tiver cooperado com o devedor na violação de um pacto de preferência- chamando a atenção para este facto, v., Carlos Lacerda Barata, in “ Da obrigação de preferência”, pág.155;
8. E é este um dos argumentos que o Prof. Antunes Varela utiliza para defender a necessidade de, na acção de preferência estarem como Réus, quer o adquirente, quer o alienante, defendendo a existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo “… (se não intervieram os dois) a orientação dos tribunais deixa ainda a porta aberta à prolação de decisões contraditórias, podendo acontecer, por exemplo, que seja julgada procedente uma acção de preferência com base na violação de algum dos deveres… e logo a seguir em acção que o preferente (ou o adquirente…) venha a intentar contra o alienante para ser indemnizado dos prejuízos que sofreu, o demandado faça prova de que cumpriu integralmente os deveres a que estava vinculado … e que a acção de preferência, já julgada favoravelmente, e não tinha fundamento… “ (CC anotado, Vol. III, págs. 379 e 380); no mesmo sentido, Menezes Leitão, in “Dir. das obrigações”, vol. I, pág. 259/260;
9. Antunes Varela, in RLJ, ano 101, pág. 383/4;
10. Como diz Ana Afonso, in “Comentário ao CCivil - Parte Geral”, UCP, pág. 667 no que concerne à situação de pendência de uma condição resolutiva, “… a fase da pendência da condição corresponde, pois, a uma situação provisória ou interina, um estado de espera… “, onde se gera “… todavia um estado de incerteza ou de indefinição, posto que não se sabe se o negócio produzirá (ou produzirá definitivamente) todos os seus efeitos… “;
11. V. por ex. os acs. do STJ de 06.05.2010 (relator: Oliveira Vasconcelos), da RL de 21.10.2010 (relator: Manuel Gonçalves) e da RG de 9.1.2014 (relator: Carvalho Guerra), em dgsi.pt. Na doutrina, v. Carlos Lacerda Barata in “Da Obrigação de Preferência”, pag.157/160, que refere o seguinte: «é ao réu na acção de preferência que caberá provar o decurso daquele prazo, isto é, demonstrar que há mais de seis meses o titular do direito de preferência teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação. A solução consta, de modo inequívoco, do art. 343º, nº 2, cuja doutrina encontra justificação, ainda, da dificuldade de provar factos negativos, aliás de acordo com o citado nº 2 do art. 342, pois o decurso do prazo de caducidade, a que alude o art. 1410º, nº 1, constitui facto extintivo do direito de acção”. No mesmo sentido, António Carvalho Martins, in “Preferência”, pág. 41 e Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, pág. 127.
12. Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, pág. 134.
13. A não ser que, por exemplo, tal possa ter relevância para efeitos de apuramento da existência de uma situação de litigância de má-fé.
14. Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, pág. 160.
15. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
16. v. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
17. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
18. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
19. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
20. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
21. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
22. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
23. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “.
24. V., por todos, quanto a esta questão, A. Varela/P. Lima, in “CC anotado”, Vol. III, págs. 372 e ss. e A. Varela, in RLJ, Ano 100, pág. 225.
25. Carvalho Martins, in “Preferência”, pág. 42.
26. V. por ex. o ac. do STJ de 19 de Março 2009 (relator: Alberto Sobrinho), in dgsi.pt.
27. O Art. 24º do CIMT tem a seguinte redacção: “1 - Se, por exercício judicial de direito de preferência, houver substituição de adquirentes, só se liquidará imposto ao preferente se o que lhe competir for diverso do liquidado ao preferido, arrecadando-se ou anulando-se a diferença. 2 - Se o preferente beneficiar de isenção, procede-se à anulação do imposto liquidado ao preferido, e aos correspondentes averbamentos”.
28. (citação do próprio Acórdão) Neste sentido, por todos, Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, cit., págs. 652 a 659, Oliveira Ascensão, O Depósito do Preço Na acção de Preferência, RT, ano 93, pág. 148, António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, cit. pág. 779, e quanto à jurisprudência, por último, o Ac. do STJ de 19.02.03, www.dgsi.pt., que nos informa que se trata de jurisprudência quase unânime ou no mínimo predominante do Supremo.
29. In dgsi.pt (relator: Anabela Dias da Silva).
30. V. por ex. os acs. do STJ de 7.3.1995 (relator: Cura Mariano) (sumário) e de 17.11.2015 (relator: José Rainho), in dgsi.pt
31. In “CC anotado”, Vol. III, págs. 374 e 375
32. In “Preferência”, pág. 74/75.
33. In “ Direitos Reais”, pág. 524.
34. Antunes Varela, in RLJ, ano 101, pág. 383/4;
35. V. Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, Vol. I, págs. 432 e ss
36. V. “CC Anotado”, Vol. I, págs. 454 e ss. de A. Varela e P. Lima; “Das Obrigações em geral “, daquele mesmo Autor.
37. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 327.
38. V. Antunes Varela, in “Das obrigações em geral“, Vol. I, pág. 482, nota 1; V., os acs. do STJ 25.11.2008, 16.09.2008 e 29.05.2007 , in Dgsi.pt.
39. Por exemplo, no âmbito fiscal, teria a Ré que ter demonstrado que, por força do art. 24º CIMT, o Autor não iria liquidar qualquer imposto na sequência do exercício da preferência, porque o que lhe competiria era igual ao que já tinha sido pago pela Recorrente, beneficiando, pois, desse facto- o que constituiria um enriquecimento susceptível de fundamentar a pretensão da Ré. Já se o Autor estivesse isento do pagamento do imposto, a pretensão da Ré deveria ser efectivada directamente junto das entidades fiscais, pois que para esse caso está expressamente prevista a anulação do imposto liquidado ao preferido” (nº 2 do citado dispositivo legal) - não existindo, neste caso, qualquer enriquecimento do Autor, pelo não se podia acolher a pretensão da Recorrente.