Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
522/14.6TTGMR-A.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACTIVIDADE BANCÁRIA
VIDEOVIGILÂNCIA
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: A regra geral prevista no art.º 20.º n.º 1 do CT concede a exceção prevista no n.º 2 do mesmo artigo, quando a utilização dos meios de vigilância à distância, de acordo com as circunstâncias de cada caso, tem por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens, a qual no caso tem uma especial acuidade, face à natureza da atividade exercida (bancária), onde são movimentados valores muito elevados e está em causa o património e a segurança dos clientes, trabalhadores e do banco.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: L… (autor).
Apelada: Banco…, SA (ré).
Tribunal Judicial da comarca de Braga, Guimarães, 3.ª Secção Trabalho, J3.
1. Em 27.02.2015, foi proferido o seguinte despacho judicial: alega o trabalhador/autor que o procedimento disciplinar fundou-se em imagens de videovigilância ao seu posto de trabalho as quais não foram por si consentidas e nem sequer lhe foram comunicadas. Mais refere que a empregadora não invoca nem possui a necessária autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para a recolha de imagens. Por outro lado, ainda que tivesse essa autorização a mesma seria restrita à colheita de imagens em ordem à prevenção e prova de ilícitos criminais praticados por terceiros em relação ao Banco, e nunca como forma de controlo sobre o exercício de funções laborais.
O Banco empregador/réu veio responder dizendo, em síntese, que o Banco… é titular da Autorização nº 9182/2011 emitida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados que foi concedida, com a finalidade de “proteção de pessoas e bens” e estão afixados, nesse mesmo Balcão, os “Avisos” de que naquele local se procede à gravação de imagens nos termos da lei.
Juntou documento de autorização o qual consta de fls.239 e segs. dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
Cumpra apreciar:
O artigo 21.º n.º 1 do Código do Trabalho sujeita à autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados a utilização pelo empregador de meios de vigilância à distância no local de trabalho.
No caso, verifica-se que o réu/empregador foi autorizado pela referida CNPD, pela autorização n.º 9182/2011 (v. fls. 239 e segs.), na recolha de dados por videovigilância, para proteção de pessoas e bens.
Assim, tendo em conta a norma transcrita e a autorização concedida, conclui-se que o réu/empregador podia utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, tendo por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens.
Nenhuma dúvida se pode suscitar aqui, que não tivesse sido dada informação do autor/trabalhador nos termos estabelecidos no n.º 3 do art.º 20.º do Código do Trabalho.
Note-se que é alegado pelo réu/empregador a existência de “Avisos” relativos a captação de imagens. Aliás, sempre se dirá que, sendo o réu uma instituição bancária, é da experiência comum que tal assim seja, não colhendo assim a alegação de que tal comportamento não se mostra consentido e /ou comunicado.
A questão está apenas em saber se a utilização das imagens obtidas por esse equipamento pode ser feita como meio de prova no processo sancionatório que conduz à aplicação de medida disciplinar laboral, nomeadamente a do despedimento.
O disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho destina-se a proteger direitos de personalidade do trabalhador (está inclusivamente inserido numa subsecção do Código que tem como título o de “Direitos de personalidade”), em que se inclui o seu direito à reserva da vida privada.
Na verdade, o trabalhador sujeito a permanente vigilância no seu desempenho por meios de controlo à distância, estaria sujeito a uma permanente intrusão na sua liberdade de comportamento pessoal, prática tanto mais invasiva e condicionadora quanto nunca ele saberia exatamente quem o estava ou estará a observar.
O art.º 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, assegura a todos o direito fundamental “à reserva da intimidade da vida privada e familiar” e igual proteção é garantida pelo artigo 80.º do Código Civil.
Existe, todavia, conforme vem sendo entendimento dominante na nossa jurisprudência, um ponto de equilíbrio ou de concordância prática de direitos que, na afirmação, garantia ou defesa dos direitos fundamentais, tem de ser sempre encontrada.
Na verdade, se em causa estão direitos fundamentais de trabalhador, não menos certo é que o empregador tem direitos de natureza fundamental, também com expressão constitucional, como o direito à propriedade e à constituição de empresa (arte.ºs .61.º e 62.º da CRP) que podem colidir com aqueles, no campo da sua afirmação com a necessária consistência efectiva.
Impõe-se assim questionar, como conciliar um direito à reserva ou não ingerência na esfera privada por meios de vigilância à distância com o direito de perseguição a quem viola ilicitamente o direito de propriedade (com conduta criminalmente punível), mediante a utilização como meio de prova das imagens obtidas fortuitamente por aqueles meios de vigilância?
A ponderação da espessura dos direitos e dos interesses na sua efetivação prática deve ser a medida da restrição de cada um ou da sua concordância, idéia que é juridicamente sustentada desde logo pelo art. 335.º do Código Civil (“Colisão de direitos”).
Se bem analisamos e entendemos, o artigo 20.º n.º 1 do Código do Trabalho apenas proíbe o controlo dedicado e permanente das ações do trabalhador, mediante os meios de vigilância à distância. Mas o seu n.º 2 já permite (“é lícita”) a utilização desse equipamento quando o tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens.
Ou seja, a nosso ver, é a própria norma que sugere a concordância prática e proporcionada dos direitos em questão.
Quando esteja em causa a proteção e segurança de pessoas e bens, já é possível, ainda que de forma fortuita ou incidental, verificar uma conduta lesiva e ilícita dos próprios trabalhadores. E verificada esta, não parece que se possa sustentadamente defender que as imagens ou os dados obtidos não podem servir como meio de prova num despedimento ou sancionamento disciplinar. Na verdade, se assim sucedesse estaria a maior parte das vezes enfraquecida ou anulada a finalidade da vigilância lícita e que é a de garantir a proteção e segurança de pessoas e bens – numa via a proteção e segurança seriam aparentemente concedidas, noutra via seriam real e contraditoriamente retiradas.
Citando David de Oliveira Festas, in “O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho”, nota 121, ROA, Ano 64 - Vol. I / II - Nov. 2004, consultável em www.oa.pt), a “utilização da videovigilância como meio de prova é admissível nestes casos, antes de mais, porque encontrando-se preenchidos os pressupostos legais de utilização da videovigilância, esta configura um comportamento lícito, ainda que compressor do direito à reserva da intimidade da vida privada de quem seja objeto da vigilância”. E, “admitida a videovigilância no local de trabalho para a prossecução de finalidades legalmente previstas, tal utilização dispensa o consentimento dos trabalhadores desde que feita para a prossecução das finalidades legalmente previstas. Depois, estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada, por exemplo, para a proteção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma atuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender. Assim, cumpre proteger pessoas e bens não apenas contra actos ilícitos de terceiros mas também de trabalhadores”.
Com interesse para a questão suscitada veja-se ainda Paula Quintas, in Manual de Direito da Segurança e Saúde no Trabalho, 2014, 3ª ed. Almedina, pág. 116 a 120.
A jurisprudência mais recente, consistente e dominante vai-se desenvolvendo em torno da argumentação que vimos a sustentar. Veja-se com interesse o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.02.2015, proferido no âmbito do proc. nº359/13.0TTFIG-A.C1., Acórdãos da Relação de Évora de 09/11/2010, proc. n.º 292/09.0TTSTB.E1, Acórdãos da Relação de Lisboa de 16/11/2011, proc. n.º 17/10.7TTBRR.L1-4, de 06/06/2012, proc. n.º 18/09.8TTALM.L1-4, de 8/10/2014, proc. n.º 149/14.2TTCSC.L1-4, e da Relação do Porto de 04-02-2013, proc. n.º 229/11.6TTLMG.P1 (todos in www.dgsi.pt), e acórdão da Relação de Lisboa de 10.10.2013, CJ nº 249, Ano XXXVIII, tomo IV/2013, pág. 159..
Assim, e por se entender estarem verificados os requisitos de licitude da utilização de meios de vigilância à distância, no quadro identificado pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 20.º e n.º 1 do art.º 21.º do Código do Trabalho, decide-se que os dados obtidos por esses meios podem servir como meio de prova a considerar, oportunamente, pelo Tribunal, pelo que se admite a sua junção aos autos.

2. Inconformado, o trabalhador/autor veio interpor recurso de apelação e concluiu da seguinte forma:
1ª – O despacho recorrido admitiu a junção aos autos das imagens do sistema de videovigilância, enquanto meio de prova a considerar.
2ª – O Tribunal a quo entendeu “(…) estarem verificados os requisitos de licitude da utilização de meios de vigilância à distância, no quadro identificado pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 20.º e n.º 1 do art. 21.º do Código do Trabalho (…)”
3ª – Aos autos foi junta a autorização que consta de fls 239 e ss, cujo teor se deu por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
4ª – Resulta do teor da autorização de fls 239 e ss (autorização n.º 9182/2011), que constituem “(…) limites ao tratamento:
(…)
• Não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a atividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo de atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar (cf. artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho);
• Apenas a recolha de imagens nos locais declarados está abrangida pela presente autorização, não podendo, em circunstância alguma, serem recolhidas imagens de acesso ou interior de instalações sanitárias, salas de reunião, interior de escritórios e costas do posto de trabalho ‘caixas’.”
5ª – Analisadas as imagens controvertidas, contidas no CD junto aos autos e cuja admissão se questiona, verifica-se que as mesmas foram recolhidas sem qualquer autorização que as permitisse, nas costas do posto de trabalho do recorrente, que exercia as funções de tesoureiro/caixa – cf. al. b) da matéria assente.
6ª - Não se encontram ou encontravam à data da alegada infração disciplinar, reunidos os pressupostos legais de utilização de vídeo vigilância pelo réu.
7ª – Os dados recolhidos consubstanciam uma injustificada violação da reserva da vida privada do recorrente, porquanto foram recolhidas de forma ilícita, com a finalidade de controlar o seu desempenho profissional e sem o seu conhecimento e muito menos o seu consentimento.
8ª – Os dados obtidos pelos meios de vigilância à distância ora em crise não podem servir como meio de prova a considerar e consequentemente deve a sua junção aos autos ser rejeitada.
9º - O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho e 26.º n.º 1 a 3 da Constituição da República Portuguesa.
Requer-se, respeitosamente, a V. Exa. que este recurso seja instruído com certidão do despacho recorrido, documento número um junto com a resposta à contestação/reconvenção, de fls 239 e ss (autorização n.º 9182/2011) e CD junto aos autos, com os dados (imagens) controvertidos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, na parte respetiva.

3. A R. respondeu da forma seguinte:
1- Nos termos do disposto no arte.º 4.º do Dec-Lei n.º 35/2004 de 21.02 e do arte.º 8.º da Lei nº 34/2013 de 21 de fevereiro, o Banco …, S.A: instalou no seu Balcão 0444, que possui em Felgueiras, um sistema de videovigilância.
2- Para o efeito requereu e obteve da Comissão Nacional de Proteção de Dados – CNPD – a necessária autorização: é a autorização nº 9182/2011, cuja fotocópia consta dos autos a fls. 239.
3- A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se o Tribunal pode utilizar, para efeitos de prova, as imagens obtidas pelo sistema de videovigilância legalmente instalado na dita agência ou não, no caso sub-judice.
4.1- É óbvio que o Autor tem direito à reserva da vida privada.
4.2- O problema que se coloca é o de saber se o Banco réu, que, por imperativo legal, tem instalado naquele seu Balcão um sistema de videovigilância e para a utilização do qual está devidamente autorizado por quem de direito, pode ou não servir-se das imagens gravadas por esse sistema para descobrir o modo como foi emitido e assinado e saiu para fora das instalações – pelo menos, em fotocópia – um cheque de dez milhões de euros, que, “prima facie”, foi por si emitido.
Trata-se de um cheque bancário de € 10.000.000,00!...
5- É óbvio que o sistema de videovigilância não foi instalado no Banco para controlar o desempenho profissional, nem do autor, nem de nenhum dos trabalhadores que nesse Balcão trabalham.
6- A questão que se coloca é a de saber se, tendo o sistema de videovigilância sido instalado naquela Agência bancária com a finalidade de proteção de pessoas e bens, podem ser visualizadas imagens que, recolhidas por aquele sistema, podem ser úteis para a deteção do modo como foi emitido, em nome e pelo Banco…, um cheque de 10.000.000,00 (dez milhões) de euros.
7- No entender da Mª Juiz da 1.ª Instância, essas imagens podem servir de meio de prova.
E dúvidas não podem existir de que a decisão está correta e é legal.
Com efeito
8- Ao contrário do que alega o recorrente:
Tais imagens não foram obtidas de forma ilícita, pelo contrário foram obtidas de forma absolutamente lícita;
Não foram obtidas com a finalidade de controlar o desempenho profissional do autor, mas sim por imperativo legal; e para proteção de pessoas e bens;
Foram obtidas com o seu conhecimento: o sistema instalado na Agência bancária em causa é composto por 4 câmaras, toda a gente no Balcão sabe o local em que as mesmas estão colocadas e respetivo raio de ação, estando tal sistema devidamente sinalizado nos termos da lei. Aliás, é público e notório que, nas Agência bancárias, se procede à recolha de imagens, tal como consta dos avisos existentes nas instalações.
9- Como bem refere a Mª Juiz “a quo” do que se trata é de encontrar um ponto de equilíbrio na harmonização entre o direito fundamental que o trabalhador tem à reserva da sua vida privada e o direito de propriedade do Banco, o direito à constituição e à liberdade de empresa.
10- Como se entendeu no douto despacho recorrido, é o próprio arte.º 20.º do CT que fornece elementos que permitem a harmonização dos dois direitos.
11.1- O que está em causa é a proteção e segurança de pessoas e bens. E, neste caso é possível, ainda que de forma fortuita ou incidental, verificar uma conduta lesiva e ilícita dos próprios trabalhadores.
11.2- E, verificada esta, é óbvio que as imagens ou dados obtidos podem servir como meio de prova num processo de sancionamento disciplinar.
De outro modo, a vigilância seria lícita mas não serviria para nada.
12- A ré sabe, tal como diz Teresa Alexandre Coelho Moreira (in "A privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação" - Almedina, Col. Teses, 2010, pág. 262) - que cita Guilherme Dray – que a proteção da privacidade e da dignidade da pessoa humana tem como pressuposto essencial a idéia de pessoa como “fim do Direito, como fundamento da personalidade jurídica e como sujeito da situação jurídica da personalidade”. E que o direito à privacidade assenta na ideia da dignidade da pessoa humana, já que esta implica que a cada pessoa sejam atribuídos direitos que representam um mínimo, criando uma esfera onde cada um possa ter espaço para desenvolver a sua personalidade”.
Mas também sabe que tal direito, como, aliás, todos os direitos – não é absoluto. Ele tem que se coadunar com outros direitos que eventualmente com ele colidam e que também mereçam a proteção da ordem jurídica.
13- Assim, as garantias de proteção da reserva da vida privada podem ser objeto de limitações várias na medida em que haja direitos de exercício conflitualmente.
Note-se que o autor não está a ser filmado na sua casa. Nem num sítio reservado do estabelecimento onde presta serviço. Mas sim, num espaço existente no seu local de trabalho – que é um balcão de um banco, aberto ao público e ainda que não de acesso direito ao público, perfeitamente alcançável pela vista, por qualquer pessoa que entre no Balcão. É aí, que ele é filmado. Não está em causa a vida privada do autor, mas sim a sua vida pública, na vertente do exercício da sua profissão, no seu aspeto mais banal, comezinho e normal.
14- O douto despacho recorrido cita vários acórdãos e várias posições doutrinais, entre as quais, Paula Quintas, no seu “Manual de Direito da Segurança e Saúde no Trabalho”.
Essa mesma autora, em obra recente (in "Os direitos de Personalidade consagrados no Código do Trabalho, na perspetiva exclusiva do trabalhador subordinado", Almedina, Col. Teses, 2013, pág. 345), depois de dizer que a videovigilância tem como premissa a defesa da empresa de terceiros e não a defesa da empresa dos trabalhadores, cita a posição expressa por José João Abrantes, na sua obra: “Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais”, que considera lícita a instalação de câmaras de vídeo em…. dependências bancárias em que, por razões de eficácia de sistema de segurança, se recorre a estes meios para vigiar determinadas instalações para a proteção, quer contra a intrusão de terceiros, quer dos próprios trabalhadores.
15- Sobre toda esta matéria é elucidativa a posição da Dra. Teresa Alexandre Coelho Moreira, que, como é sabido, tem dedicado a estas questões muito do seu labor e atenção, nomeadamente dedicando-lhe a sua tese de doutoramento (cfr. "A privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador", Almedina, Col. Teses, 2010, pág. 506).
Diz esta autora, no Capítulo sobre o Controlo através de Meios Audiovisuais, e, mais concretamente no ponto 3.2.3, sob a epígrafe “os possíveis tem legítimos de vídeo e de áudio vigilância:
“O empregador não pode submeter o trabalhador a um controlo permanente ou mesmo pontual, pelo que só circunstâncias excecionais o poderão justificar. O problema surge quando a adoção deste tipo de sistema audiovisuais se opõe ao interesse dos trabalhadores em não serem controlados”, surgindo, assim, um conflito de interesses.
E, dois parágrafos mais abaixo:
“A utilização destes sistemas de controlo (os da videovigilância) pode ser objetivamente indispensável por motivos de segurança de pessoas e bens ou por razões de organização da produção, relacionados com natureza da atividade em causa, tanto mais que da sua não implantação poderiam derivar mais perigos e graves transtornos para a empresa e, mesmo, para os trabalhadores. Assim, o facto de comportar, por vezes, um determinado controlo dos trabalhadores que prestam serviço nessas empresas é um dado impossível de eliminar e que deve ser tolerado na medida em que na análise dos diferentes direitos em causa, os interesses do empregador e, por vezes, dos próprios trabalhadores sobrelevem. É o denominado, pela doutrina e jurisprudência italianas … de controlo preterintencional, não sendo considerado ofensivo da dignidade do trabalhador e não lesando a sua liberdade, porque não opera na sua esfera qualquer limitação física ou psíquica”.
16- No caso, basta atentar na posição dos restantes trabalhadores do Balcão que ficariam todos eles, sob suspeita de terem sido eles e cada um, o autor dos factos em causa, ou, pelo menos, de parte desses mesmos factos. O que de modo algum correspondia à verdade.
17- Como diz a autora que vínhamos citando:
Trata-se de um controle não intencional, meramente acidental, que, embora não desejado, é possível quando o controlo através destes meios audiovisuais é considerado lícito” (ibidem, pág. 507 ).
E, em nota de rodapé – nota 1848, a pág. 507 – esta docente cita vários outros autores que, fazendo a distinção entre o controlo intencional e preterintencional, defendem a licitude deste.
18- “O que o legislador pretendeu evitar”, conclui esta autora (com a norma do arte.º 20.º nº 2 do CT) ... foi a possível utilização destes sistemas de videovigilância para uma finalidade diversa da “proteção de pessoas e bens”, isto é, para controlar o desempenho dos trabalhadores (ibidem, pág. 508).
Como se estatui naquela norma, “a utilização de equipamentos (de videovigilância) é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.
E, de seguida, esta autora, referindo-se ao “controlo defensivo” defende que “se a pretensão se destinar a aferir quem cometeu o ilícito … excluindo a violação do n.º 1, aplica-se o n.º 2 (do art.º 20.º do CT), tendo que se inserir a finalidade pretendida numa das exceções previstas e seguir todo o procedimento dos artºs. 20º, nº 3 e 21º do CT (ibidem, pág. 512).
19- Sobre um caso muito semelhante a este se debruçou a sentença proferida pelo STJ de Madrid (esta sentença vem citada na obra "Control Informático, Videovigilância Y Proteccion de Datos en el Trabajo" Aurelio Desdentado/Bonete e Ana Belén Munoz Ruiz, Lex Nova, Valladolid, 2012, pág. 25) de 28.06.2005 que se pronunciou sobre a filmagem de determinadas atuações captadas pela câmara instalada num estabelecimento bancário, por razões de segurança. Nessa sentença entendeu-se que a filmagem era um meio idóneo, porque se limita a “filmar” o que … acontece na caixa onde o trabalhador presta serviço, não poder vulnerar a intimidade deste, dado que se limita a recolher imagens do seu posto de trabalho, que não constitui qualquer espaço de privacidade, mas apenas do desempenho das suas funções, frente ao público.
Assim,
20- Bem andou a Mª Juiz a quo ao admitir a visualização do CD em causa.
Pelo que deve ser mantido o despacho recorrido.

4. O Ministério Público junto desta relação emitiu parecer no sentido do recurso no sentido da apelação merecer provimento, com suporte em abundante jurisprudência que cita. Funda o seu parecer, essencialmente, na autorização concedida pelo CNPD, onde consta que as imagens recolhidas pelas câmaras de vigilância, n ambiente de trabalho, não podem ser utilizadas para efeito de responsabilidade disciplinar.

5. A apelada respondeu ao parecer e manteve o já alegado.
6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
7. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir neste recurso consiste em apurar se: as imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, no caso concreto, podem ser utilizadas como meio de prova pela empregadora, na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, para provar factos que fundamentem o despedimento do trabalhador.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a ter em conta são os que constam do despacho recorrido, das alegações da partes e do parecer emitido pelo Ministério Público.
Resulta ainda dos autos que foi instaurado ao autor um procedimento disciplinar, que culminou com a decisão de o despedir com fundamento em justa causa e onde foram utilizadas pela empregadora as imagens captadas por câmaras de videovigilância.
Consta nos autos, a fls. 206 deste apenso, cópia da autorização n.º 9182/2011, emitida pela CNPD em que autoriza o banco apelado a realizar nas suas instalações de Felgueiras, videovigilância, descrevendo o n.º de câmaras (4) e as condições em que a mesma se pode efetuar. Um dos limites impostos reza assim: “não podem as câmaras incidir regularmente sobre trabalhadores durante a atividadade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir da atividade, seja para efeitos de responsabilização disciplinar (cfr. artigos 20.º e 21.º do CT)”.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir é aquela que já referimos: apurar se as imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, no caso concreto, podem ser utilizadas como meio de prova pela empregadora na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, para provar factos que fundamentam o despedimento do trabalhador.

Em termos doutrinais e jurisprudenciais, a questão está muito bem tratada pelas partes e no parecer emitido pelo Ministério Público, pelo que não vemos razão para repetir a doutrina e a jurisprudência sobre a matéria, uma vez que as próprias partes a expõem em termos claros.
Vamos debruçar-nos, tendo como adquiridas as posições doutrinais e jurisprudenciais, sobre as normas jurídicas pertinentes para a solução do caso concreto, com ligação casuística aos factos que resultam dos autos e que já deixamos expressos.
Prescreve o artigo 20.º do CT que o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante a utilização de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (n.º 1). Esta norma jurídica contém um princípio geral, segundo o qual a videovigilância não pode ser utilizada pelo empregador de forma metódica e permanente com a finalidade de escrutinar o desempenho do trabalhador na prestação da atividade a que está adstrito.
Este princípio geral sofre a constrição do n.º 2 do mesmo artigo, o qual prevê que a utilização do equipamento referido no número 1 é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.
Da conjugação destas duas normas jurídicas resulta claro que só uma avaliação casuística, caso a caso, de acordo com as circunstâncias concretas, permite avaliar se a utilização dos meios tecnológicos de vigilância à distância é lícita e pode ser utilizada como meio de prova de determinados factos.
O n.º 3 deste artigo e o artigo 21.º do CT contêm normas procedimentais a observar pelo empregador para que possa utilizar os meios em causa.
No que respeita aos requisitos substanciais, devemos ter em consideração que a atividade bancária, pela sua natureza, ao envolver o manuseamento de grandes quantidades de dinheiro e outros valores, carece de proteção adequada e proporcional com vista a garantir a segurança dos valores dos clientes, do banco e a segurança do banco, dos trabalhadores e dos clientes.
A utilização da vigilância eletrónica à distância, constitui uma ferramenta indispensável, quer para cobrir as necessidades e valores que referimos no parágrafo anterior, quer para prosseguir a concretização de funções de prevenção geral e especial, quanto a todos aqueles que se dirigem à instituição bancária ou nela trabalham.
Prevenção geral, na medida em que a simples menção de que o local está a ser filmado ajuda a dissuadir as pessoas que aí se desloquem ou trabalhem de praticarem factos ilícitos. Prevenção especial, na medida em que, perante a informação de que os seus atos estão a ser filmados, as pessoas interiorizam e ficam mais propensas a aderir às normas de conduta pressupostas pela comunidade e pela ordem jurídica, quanto aos bens jurídicos patrimoniais e pessoais que se visa preservar.
Neste contexto, entendemos que a atividade bancária, pela sua natureza, exige a proteção de bens e pessoas, podendo o empregador recorrer a meios de controlo à distância, como seja a videovigilância.
Quanto aos requisitos formais, parece-nos que eles se verificam no caso concreto. Na agência bancária da R. estavam afixados os “Avisos” de que naquele local se procedia à gravação de imagens nos termos da lei.
O trabalhador não podia ignorar que poderia estar a ser filmado a qualquer momento. O conhecimento que o empregador deve dar ao trabalhador mostra-se concretizado.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados autorizou a utilização dos meios de vigilância pelo empregador e limitou a sua finalidade nos termos dos artigos 20.º e 21.º do CT, para onde remete, como decorre da parte final do limite de autorização. Ou seja, a CNPD autorizou o banco a recolher imagens, desde que observados os requisitos e limites impostos pelos artigos 20.º e 21.º do CT.
No caso dos autos, está em causa o montante de € 10 000 000, valor muito elevado para um cliente comum do banco e elevado para a própria instituição bancária.
Ponderando os factos e circunstâncias concretas que já referimos, verificam-se os requisitos substanciais e formais para a recolha de imagens à distância no local de trabalho da agência bancária onde trabalhava o A., pelo que entendemos que não se mostram violados quaisquer preceitos constitucionais, nem os artigos 20.º e 21.º do CT (ou outros).
Nestes temos, decidimos julgar improcedente a apelação e confirmar o douto despacho recorrido.
Sumário: a regra geral prevista no art.º 20.º n.º 1 do CT concede a exceção prevista no n.º 2 do mesmo artigo, quando a utilização dos meios de vigilância à distância, de acordo com as circunstâncias de cada caso, tem por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens, a qual no caso tem uma especial acuidade, face à natureza da atividade exercida (bancária), onde são movimentados valores muito elevados e está em causa o património e a segurança dos clientes, trabalhadores e do banco.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 25 de junho de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho