Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2633/12.3TBBRG.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
AUTO-ESTRADA
CONCESSIONÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - O artigo 12º da Lei nº 24/07, ao definir os direitos dos utentes de autoestradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objetos arremessados, a objetos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.
II - Não é suficiente para afastar tal presunção o facto das vedações cumprirem as normas estabelecidas para a concessão e que a concessionária realiza uma inspeção com o máximo de três horas de intervalo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 2633/12.3TBBRG.G1

I – F…, casado, operário fabril, contribuinte fiscal número 233 954 341, residente na Rua Abílio José Silva, nº 283, 2º esquerdo, Guardizela, Guimarães, veio interpor acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a Ascendi Norte - Auto- Estradas do Norte, SA, com sede na Rua Antero de Quental, 381, 3º, Perafita, Matosinhos, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 8.243,45 (oito mil duzentos e quarenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos), pelos alegados danos sofridos no âmbito de um acidente de viação ocorrido na A11, acrescida dos juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento.
Fundamentou o seu pedido, em síntese, no facto de a Ré não ter cumprido os deveres de vigilância, prevenção e manutenção decorrentes do contrato de concessão, permitindo, deste modo, que um animal surgisse na A11, originando o acidente de viação descrito na petição inicial.

A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção e, consequente, absolvição do pedido.
Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros…, SA, a qual apresentou contestação.

Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:
Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada nessa parte, e, em consequência:
A) Condena-se a Ré Companhia de Seguros…, SA a pagar ao A. F… a quantia de € 2.984,17 (dois mil novecentos e oitenta e quatro euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento;
3 Cfr. art. 805º, nº 2, al. b) do Código Civil.
B) Condena-se a Ré Ascendi Norte, Auto-Estradas do Norte, SA a pagar ao A. F… a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até integral pagamento.
C) No mais, absolvem-se as RR. do pedido.

Inconformada a ré Ascendi interpôs recurso cujas alegações terminam com conclusões onde são colocadas as seguintes questões:
Impugna a matéria de facto que consta do ponto 10 da sentença.
O tribunal recorrido também não se pronunciou sobre os artigos 5º, 6º e 19º da contestação.
A matéria dos artigos 3º e 4º da contestação deveria ter merecido a resposta de provado.
Conclui também que à data dos factos estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, Lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em auto-estrada (AE) devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho (e não, como erradamente consta da douta sentença).
Efectivamente, e quanto às ditas presunções de incumprimento e/ou culpa, nem tal decorre da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (vide, a este propósito, o ac. da Relação de Guimarães de 23-9-2010, citado no corpo destas alegações), nem tal resulta do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 Julho, concluindo-se tão-só que com o advento da Lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de AE (e nada A formulação do artigo 12º nº 1 da citada Lei faz apenas recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu até hoje, mas que serão necessariamente
Assim, no entendimento da apelante, a sentença violou, salvo o devido respeito, o nº 1, alínea b) do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.

A ré Companhia de Seguros…, SA, também recorreu, tendo aderido integralmente às alegações e conclusões da recorrente Ascendi – fls. 230.

O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º e 685-A Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 15 de Outubro de 2011, pelas 21h00, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca “BMW”, modelo “320 D Touring”, com a matrícula 35-CT-34, propriedade do A., conduzido por este, transportando a sua mulher, circulava na auto-estrada A11, no sentido Guimarães/Braga,…
2. Pela via da direita da faixa da direita, atento o sentido Guimarães/Braga,…
3. A uma velocidade não superior a 100 km/h.
4. Ao km 34,725, ao terminar de descrever uma curva para a direita, surgiu à sua frente, uma raposa a correr, provinda do separador central e dirigindo-se para a berma – da esquerda para a direita, atento o sentido seguido pelo CT.
5. O A. tentou travar e desviar-se.
6. O veículo CT colidiu com a parte frontal na raposa.
7. No local do embate existia iluminação pública…
8. Não chovia….
9. E o piso em alcatrão anti-derrapante estava seco.
10. A rede da vedação da A11, no local do embate, encontrava-se com a malha danificada, e com buracos escavados por baixo da mesma.
11. O troço da A11 por onde o veículo CT circulava é composto por duas vias, no sentido Guimarães-Braga.
12. O A. contactou, através do seu telemóvel, o serviço da assistência da Ré Ascendi.
13. Os funcionários da Ré Ascendi chegaram ao local do embate às 21h30…
14. E contactaram a Brigada de Trânsito da GNR.
15. A BT chegou ao local do embate por volta das 22h45.
16. Os agentes da BT e os funcionários da Ré Ascendi verificaram a existência da raposa morta.
17. Após o embate, o veículo CT deixou de funcionar…
18. E o A. contactou o serviço de assistência dos “Seguros Império Bonança”,
19. Os quais enviaram um veículo para efectuar o reboque do CT e um táxi para transportar o A. e a sua mulher.
20. Na sequência do embate, o veículo CT sofreu estragos na parte frontal e nas peças descritas no relatório de fls. 54/58….
21. Cuja reparação foi orçamentada em € 5.769,17.
22. O veículo CT era utilizado pelo A. e sua mulher, diariamente, para se deslocarem para os respectivos locais de trabalho, realizarem outros afazeres pessoais, e nas deslocações efectuadas ao fim de semana.
23. À data do embate, o A. e a sua mulher não eram proprietários de qualquer outro veículo automóvel.
24. O veículo CT foi colocado da oficina A…, Ldª para ser reparado, no dia 17 de Outubro de 2011.
25. No dia 07 de Novembro de 2011, o veículo CT foi entregue pela oficina A…, Ldª ao A. reparado…
26. E o A. entregou à oficina a quantia de € 5.769,17 para pagamento da reparação.
27. No período compreendido entre o dia 17 de Outubro e 07 de Novembro de 2011, o A. utilizou um veículo Nissan Navarra, a diesel, emprestado por um familiar….
28. Com um gasto de combustível de cerca de 14 litros por 100 quilómetros.
29. A Ré Ascendi é a concessionária da Auto-Estrada A11, no troço correspondente ao Km 34,725, sentido Guimarães/Braga.
30. A Ré Ascendi dispõe de veículos automóveis que circulam 24 horas pela A11 a fim de fiscalizar, verificar e solucionar os eventuais problemas que surjam e prestar assistência aos utentes dessa via.
31. No dia 15 de Outubro de 2011, os patrulhamentos efectuados pela Ré Ascendi tinham passaram no local do embate, por volta das 18h50-55 e não detectaram aí a existência de qualquer animal.
32. Nem lhe foi comunicada a presença de qualquer animal pelos patrulhamentos da GNR-BT.
33. Por contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros…, SA, titulado pela apólice nº 0002581811, a Ré Ascendi transferiu para esta a sua responsabilidade civil até o montante de € 30.000.000,00, pelas indemnizações decorrentes de danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A11…
34. Tendo sido estipulada uma franquia correspondente a 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 3.000,00 e um máximo de 25.000,00, por sinistro em danos materiais.

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Impugnação da matéria de facto.
(…)
Assim, analisados os depoimentos, concluímos que não foi feita prova de que a vedação estava sem falhas e sem rupturas, mantendo-se a matéria de facto tal como consta da sentença recorrida.
Alegam ainda as recorrentes que a sentença violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 24/07 de 18 de Julho.
Antes da publicação da referida lei e, como é referido na sentença recorrida, a jurisprudência, em relação a esta matéria, estava dividida.
A referida Lei veio definir os direitos dos utentes de auto-estradas concessionadas, itinerários principais ou itinerários complementares.
O artigo 12º, nº 1, dispõe que:
“Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosa para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Conforme tem vindo a ser decidido na jurisprudência competia à recorrente Ascendi afastar a presunção contida na referida alínea, o que não fez.
O artigo 12º da Lei nº 24/07 de 18/07, ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.
Deste modo, estando provado que o autor circulava a uma velocidade de cerca de 100km/hora, e que o animal surgiu de repente a atravessar a estrada, e que apesar de tentar (desviando-se), o condutor não conseguiu evitar o embate com o mesmo, a concessionária da auto-estrada é responsável pelos danos decorrentes desse embate.
Não basta, como pretende a recorrente dizer que as vedações cumprem as normas estabelecidas para a concessão, e que realiza uma inspecção com o máximo de três horas de intervalo para afastar a presunção referida no citado artigo 12º.
Como se refere no Ac. do STJ de 14/3/13 (disponível em www.dgsi.pt), e passamos a citar “Por isso, apenas poderia considerar-se elidida a presunção de incumprimento em face de um conjunto de factos que revelassem uma acrescida preocupação pela vigilância daquele troço da auto-estrada.
Também e como se refere no citado acórdão “são os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devidos a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes ou a terceiros.
Como gestora dos meios humano e materiais necessários ao desempenho das múltiplas tarefas decorrentes do contrato de concessão, pertencia à CC o controlo ou domínio da situação, designadamente no que respeita à verificação da frequência e identificação ou localização dos perigos para a circulação segura de veículos por parte dos respectivos utentes”.
Ora, os factos que se consideraram provados não são de molde a afastar a presunção.
E tal como também foi decidido no Ac. desta Relação de 19/12/11 (disponível em www.dgsi.pt) “a concessionária responde pelo dano ocorrido em decorrência de acidente rodoviário se, a despeito de se provar que cumpriu genericamente as suas obrigações de vigilância e de conservação das redes laterais da via, o acidente se ficou a dever à introdução de um animal”
Improcede, deste modo, o recurso.

Em síntese: o artigo 12º da Lei nº 24/07 de 18/07, ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.
Guimarães, 20 de Março de 2014.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Luísa Duarte