Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1933/16.8T8VNF.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PER
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DAS REGRAS PROCEDIMENTAIS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – A violação não negligenciável de regras procedimentais que obsta à homologação de um plano de revitalização deve entender-se como violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, nelas se incluindo a violação do princípio da igualdade entre credores
2 - Constituiu violação do princípio da igualdade dos credores salvaguardado no artigo 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições bancárias recebam integralmente o seu crédito, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores), ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros e com levantamento de penhoras e extinção de execuções.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.RELATÓRIO
I apresentou-se a Processo Especial de Revitalização.
Foi nomeada administradora judicial provisória.
A AJP juntou lista provisória de credores, que sofreu duas impugnações, julgadas procedentes, com recurso interposto, mas já julgado improcedente por decisão deste Tribunal da Relação.
Foi deferido o pedido de prorrogação de prazo para as negociações.
Foi apresentado, pela AJP, o Plano de revitalização, que foi sujeito a várias correcções na contagem de votos, em face de reclamações apresentadas por credores.
Foi requerida a sua não homologação por três credores, tendo sido alegado que não houve lugar a qualquer negociação, que o plano viola o princípio da igualdade entre credores, designadamente, entre credores comuns e que não contém os requisitos legais que devem constar obrigatoriamente de um plano.
Também a Autoridade Tributária e Aduaneira, pela voz do MP, solicitou a não homologação do plano por prever um regime de pagamento prestacional ilegal dos créditos tributários.

Foi proferida decisão de recusa de homologação do plano.

Desta sentença interpôs recurso a requerente/devedora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1. A aqui recorrente é uma sociedade comercial anónima que apresentou, nos termosdos artigos 17.º A e seguintes do CIRE, Plano Especial de Revitalização que corre osseus termos no Tribunal a quo.
2. Com devido respeito e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a decisão proferidaatravés da douta Sentença do Tribunal a quo merecerá reparo por parte da aquiRecorrente, pelas razões que ao deante se enunciarão.
3. No que diz respeito à alegada violação do princípio de igualdade, tal alegação nãopoderá proceder.
4. De facto, existe um tratamento diferenciado no que diz respeito ao pagamento dosvalores em dívida às instituições bancárias e aos fornecedores. Porém, e conformeresulta do próprio plano, todas as instituições bancárias têm os seus créditosassegurados por garantias, nomeadamente avais.
5. Da leitura do plano apresentado, resulta que não existe entre os credores comuns,designados de fornecedores, tratamento diferenciado.
6. De facto, as instituições bancárias têm à partida uma posição privilegiada, criada pelaobrigação assumida por terceiros, o que, à partida, permite serem pagas de qualqueruma das formas.
7. Tal situação jurídico-processual permite-lhes uma “vantagem” criada mesmo antesdas negociações.
8. Desta forma, o alegado tratamento de privilégio presente no plano de recuperaçãonão foi criado pela recorrente, com ou sem intenção de privilegiar uns em detrimentode outros, mas tão só porque tal situação é pré existente ao próprio PER.
9. Assim, crê a aqui recorrente que as diferenciações inseridas no plano de revitalização,não são consideradas pela aqui Recorrente violação do princípio da igualdade, seconsideram justificadas à luz do disposto no artigo 194.º do CIRE.
10. A acrescer a tais factos, e da leitura da Douta Sentença ora recorrida não se encontrafundamentação para eventuais prejuízos causados pela homologação do planoapresentado.
11. Refere o Acórdão da do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22/10/2015 “Deveser recusada a homologação de plano de revitalização aprovado em PER queconsubstancie desrespeito injustificado do princípio da igualdade entre credores ecause grave prejuízo a credores face à situação em que se encontrariam se nãohouvesse plano de revitalização”.
12. Parece que o que se quer aqui dizer é que a não homologação do plano deverá operarquando existe violação injustificada do princípio de igualdade e, cumulativamente, se fundamente grave prejuízo para os credores.
13. Ora, acredita a aqui recorrente que só com a homologação do plano apresentadopoderão os credores ver satisfeitos os seus créditos, não decorrendo qualquerprejuízo para os mesmos.
14. Ao invés, com a não homologação do plano e a declaração da insolvência dasociedade aqui recorrente, os credores poderão a vir sofrer graves prejuízos.
15. Senão vejamos:
16. Com a homologação do plano, os credores, fornecedores, iriam receber, conforme ostermos do plano, pelo menos 50% do capital em dívida.
17. Vendo assim parte do seu crédito satisfeito.
18. Pelo contrário, com a não homologação, e consequente declaração de insolvência,estes mesmos credores, ficariam sim numa “situação absolutamente fragilizada”, pois,não teriam certeza de, alguma vez, vir a receber qualquer valor relativamente aosseus créditos.
19. A aqui recorrente tem encetado negociações com investidores. Tais negociaçõesestão no bom caminho, estando agendadas várias reuniões.
20. Tem stock para poder prosseguir com a sua atividade, a recorrente tem conseguidomanter alguns clientes e angariado novos clientes, dispondo de “caixa” para fazer faceàs suas despesas.
21. De salientar que não existem dívidas à Segurança Social e as que existem com aFazenda Pública serão pagas de acordo com o plano aprovado.
22. Desta forma, ao decretar a não homologação do plano de recuperação violou oTribunal a quo a norma contida no art. 196.º do CIRE.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve opresente recurso ser julgado procedente com as devidas consequências legais,fazendo-se assimJUSTIÇA

O MP contra alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se deveria ter sido homologado o plano de revitalização apresentado.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram tidos em conta os seguintes factos:
1 - Participaram na votação 82,61% dos credores, tendo o plano recolhido o voto favorável de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito devoto, sendo que mais de metade destes correspondem a créditos não subordinados, pelo que o plano foi aprovado
2 – O plano prevê o pagamento às instituições bancárias da totalidade do capital em 8 anos, em 96 prestações mensais,com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória. O pagamento de juros remuneratórios vincendosnos moldes indicados no Ponto 2.1.
3 - Já quanto aos demais credores comuns, prevê ali o perdão da totalidade dos juros e o perdão de 50% do capital.Mais se prevê o pagamento dos restantes 50% em 96 prestações, mensais, com início um ano após o trânsito em julgadoda sentença homologatória.Mais se prevê o levantamento de qualquer penhora e a extinção de acções em curso.

A decisão de não homologação do plano de revitalização teve por base a violação não negligenciável de norma procedimental, face ao tratamento desigual dado aos credores comuns.
Sustenta a recorrente que a posição mais favorável das instituições bancárias já existia à partida, face às obrigações assumidas por terceiros, o que lhes permitia serem pagas de qualquer uma das formas e que, para além da violação do princípio da igualdade, a não homologação do plano tem, também, que se fundamentar em grave prejuízo para os credores, que não se provou.
Vejamos.

Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, determinando o artigo 215.º do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais.
Ao abrigo do art.º 194.º, do CIRE, o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
Face ao que dispõe este artigo 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: (i) só são admissíveis diferenciações justificadas entre credores por razões objectivas, designadamente quando a diferença de tratamento assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que é assumida no artigo 47º daquele Código; (ii) o princípio da igualdade não pode ser visto em termos absolutos, não impondo sempre uma identidade de tratamento entre créditos com idêntica classificação (podendo existir diferenciações em função de concretas circunstâncias), nem implicando toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de natureza diversa; e (iii) está correlacionado com critérios de proporcionalidade.
Note-se que o princípio da igualdade dos credores é uma trave basilar e estruturante do plano de recuperação e, por conseguinte, a sua afectação, nos moldes descritos, traduz-se numa violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código do Insolvência e do Recuperação de Empresas Anotado, 2° Edição, Quid Juris, pág. 754).
Como bem se refere na sentença recorrida e transcrevendo os autores e obra citada, pág. 194: “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos constantes do art.º 47.º, do Código; (…) para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos; (…) mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito; (…) o que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias iguais – Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pg. 194.
No caso em apreço, o plano prevê o pagamento às instituições bancárias da totalidade do capital em 96 prestações mensais, com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória, bem como o pagamento de juros remuneratórios vincendos correspondentes à Euribor a 12 meses, acrescida de um Spread de 3,5%, enquanto que, para os demais credores comuns, prevê o perdão da totalidade dos juros e o perdão de 50% do capital, sendo os restantes 50% pagos em 96 prestações mensais, com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória e com o levantamento de qualquer penhora, bem como extinção de execuções em curso.
Ou seja, o plano apresentado trata de forma perfeitamente desigual credores do mesmo tipo (comuns), havendo uma ostensiva discriminação positiva a favor das instituições bancárias e em detrimento dos fornecedores.

Ora, a relevância de um credor para a aprovação do plano não pode, por si só, servir de fundamento para um tratamento mais favorável, tendo em conta aquele princípio estruturante de qualquer plano de recuperação.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 19/06/2014 (processo n.º 404/13.9TBBCL.G2): “A diferença de valores e consequentemente o maior peso da C… na percentagem necessária para a aprovação do plano, não pode justificar a diferença de tratamento entre credores. Como se entendeu no Ac. do TRP de 14.05.2013“as diferenciações não podem ser fundamentadas na própria necessidade de aprovação do plano, um requisito meramente formal ou procedimental; é o próprio plano que, na sua substância, tanto quanto possível, se tem que adaptar à igualdade entre credores.”.O valor do crédito não pode justificar a diferença para que ao credor garantido C… tudo seja concedido, pagamento de juros vencidos e vincendos, despesas efectuadas e o e os trabalhadores, titulares de créditos privilegiado, tenham que prescindir dos juros vencidos e o credor pignoratício do capital e juros. O legislador consagrou o princípio de igualdade dos credores tendo por fim evitar o “atropelamento dos credores com créditos mais baixos” pelos maiores credores. E foi norteado por este princípio de igualdade, que também não conferiu direito de voto ao credor que não vê o seu crédito modificado com a aprovação do plano de insolvência, pois atribuir-lhe esse direito seria colocar numa especial posição aqueles que menos tutela justificavam”.

Quanto ao facto de os créditos das instituições bancárias já se encontrarem protegidos por garantias pessoais (avais), não vemos como tal lhes poderá conferir uma posição privilegiada em sede de plano de revitalização, no confronto com os demais credores da mesma espécie, pois a natureza e o montante de tais garantias pessoais não é afetada por este PER, sendo o mesmo alheio aos interesses desses terceiros, que estão protegidos nos termos do artigo 217.º, n.º 4 do CIRE.

Finalmente, improcede, também, o argumento relativo ao grave prejuízo para os credores dever verificar-se cumulativamente com a violação injustificada do princípio da igualdade, pois nada na lei sustenta tal entendimento – a violação injustificada do princípio da igualdade deriva da violação não negligenciável de regras procedimentais, averiguada oficiosamente pelo juiz (artigo 215.º) e a situação de prejuízo para os credores só pode ser analisada a requerimento dos mesmos, ao abrigo do artigo 216.º, por a sua situação ao abrigo do plano ser menos favorável do que o que sucederia na ausência do plano. O acórdão citado pela apelante – Relação de Lisboa de 22/10/2015 –apesar de juntar no sumário as duas situações, não pode ser utilizado em abono da sua tese, uma vez que da leitura do mesmo resulta que as situações em apreço foram analisadas separadamente e correspondem até a recursos de diferentes credores, aí apenas se concluindo que deve ser recusada a homologação de um plano de revitalização, quer numa circunstância, quer na outra.

Uma última palavra para dizer que os fins subjacentes ao processo de revitalização, de manutenção de empresas e postos de trabalho (no caso a apelante só tem um trabalhador) não se pode sobrepor ao princípio da igualdade dos credores, entendido nos termos já supra expostos.

Conclui-se assim, com fundamento no disposto no artigo 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pela existência de violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, mais concretamente do disposto no artigo 194º do mesmo código, que impõe a não homologação do plano de recuperação apresentado, pelo que deve ser confirmada a sentença recorrida, improcedendo, em consequência, a apelação.


Sumário:
1 – A violação não negligenciável de regras procedimentais que obsta à homologação de um plano de revitalização deve entender-se como violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, nelas se incluindo a violação do princípio da igualdade entre credores
2 - Constituiu violação do princípio da igualdade dos credores salvaguardado no artigo 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições bancárias recebam integralmente o seu crédito, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores),ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros e com levantamento de penhoras e extinção de execuções.


III – DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 27 de abril de 2017


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Ana Cristina Duarte


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João Diogo Rodrigues


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Anabela Tenreiro