Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
689/13.0TBAMR-A.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: PER
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
DIREITO DE VOTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Não há razão para que não se aplique ao processo especial de revitalização a alínea a) do nº 2 do art. 212º do CIRE, e daqui que o credor cujo crédito não é modificado pela parte dispositiva do plano de recuperação não goza do direito de voto.
II. Pese embora certo credor não ter aderido às negociações no âmbito do processo especial de revitalização, mas constando o seu crédito da lista de créditos, tem o mesmo o direito de votar o plano de recuperação.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

AA… e mulher BB… (Devedores) deram início oportunamente, perante o Tribunal da Comarca de Amares, a processo especial de revitalização (PER).
O procedimento seguiu seus devidos termos.
Aderiram às negociações três credores, com créditos no valor total de €237.405,02, representativos de 80,96% dos créditos totais reconhecidos, a saber: Armando …, com crédito reconhecido no valor de €63.889,31; Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., com crédito reconhecido no valor de €169.561,47; BNP Crédito-Instituição Financeira de Crédito, S.A., com crédito reconhecido no valor de €3.954,24.
Foi apresentado plano de recuperação.
Este propunha, relativamente ao credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., “a manutenção dos contratos em vigor nos mesmos e exatos termos”.
Durante o período das votações foram recebidos os votos de quatro credores, sendo estes, conforme decorre da ata de contagem das votações do plano elaborada pelo Administrador Judicial Provisório: Armando …, com crédito reconhecido no valor de €63.889,31, que votou contra o plano; Banco BIC Português, S.A., com crédito reconhecido no valor de €41.786,32, que votou favoravelmente o plano de recuperação; Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., com crédito reconhecido no valor de €169.561,47, que votou favoravelmente o plano; BNP Crédito-Instituição financeira de Crédito, S.A., com crédito reconhecido no valor de €3.954,24, que votou contra o plano. O Banco BIC Português, S.A. não havia, contudo, aderido às negociações.
Em 10 de julho de 2014, sob a referência 1130429, foi exarada nos autos a seguinte decisão:
“Demonstrado nos autos a impossibilidade de obtenção de acordo com vista à aprovação de um plano de recuperação, tem-se por encerrado o processo negocial, devendo o Sr. Administrador diligenciar nos termos previstos pelo artº 17º-G, nº 1 do CIRE, ademais emitindo parecer esclarecendo – cfr. n.ºs 2 a 4.”

Inconformados com esta decisão, apresentaram os Devedores o presente recurso.

Da respetiva alegação extraem as seguintes conclusões:

A)- Vem o presente recurso interposto do despacho que recusou a homologação do plano de recuperação, atento o resultado da votação apresentado pelo Senhor Administrador Judicial Provisório que não conferiu direito de voto ao credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA), por aplicação do artº 212º, al. a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e não conferiu direito de voto ao credor Banco BIC Português, S.A.;
B)- salvo o devido respeito por melhor opinião, entendem os recorrentes que não foi feita correcta interpretação e aplicação dos ditames legais atinentes;
C)- por facilidade de exposição, reproduz-se o requerimento do Senhor Administrador Judicial Provisório com o resultado da votação: “Todavia, a respeito dos votos recebidos, importa salientar que:
1.- Nos termos do disposto na al. a) do nº 2 artº 212º, não são atribuídos direitos de voto aos credores cujos créditos não sejam modificados pela parte dispositiva do plano. Assim, tendo em conta que relativamente ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A. foi proposto o plano de recuperação a “manutenção dos contratos em vigor nos mesmo e exactos termos” não dispõe este credor de qualquer direito de voto sobre o plano de recuperação elaborado e submetido ao escrutínio dos credores.
2.- O Banco BIC não aderiu às negociações, não lhe sendo portanto atribuídos quaisquer direitos de voto (…).”
D)- nos termos do artº 17º-F, nº 3 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o plano de recuperação considera-se aprovado segundo as regras previstas no nº 1 do artº 212º do citado diploma legal;
F)- neste sentido, vide “Processo Especial de Revitalização – Notas práticas e Jurisprudência recente”, da Mmª Juiz Fátima Reis Silva, Porto Editora, páginas 60 e seguintes, em anotação ao artº 17º-F do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas:
A primeira nota é a de que a remissão é apenas para o nº 1 do artº 212º e não para o nº 2. Várias razões se somam ao argumento formal – de que a remissão expressamente feita é para o nº 1 – como sendo a impossibilidade prática de aplicar ao Processo Especial de Revitalização o critério previsto na al. b) in fine, já que por definição, vai haver continuidade de exploração (…). Um outro argumento a favor desta conclusão pode ser retirado da igual remissão para o nº 1 do artº 212º pelo artº 17º-I, nº 1, do CIRE, isto partindo do princípio que em igual instituto o legislador fez a remissão com o mesmo sentido”.
G)- nesta conformidade, assistia – como assiste – ao credor BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria) direito de voto;
H)- o que releva para efeitos de votação do credor são as circunstâncias do seu crédito estar relacionado na lista provisória ou definitiva de créditos a que alude o artº 17º-D, nºs 3 e 4 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e, tratando-se de créditos condicionais, o Juiz faculte o exercício de voto face à probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos;
I)- e não a comunicação do credor de que pretende participar nas negociações;
J)- pelo que assistia – como assiste – direito de voto do Banco BIC Português, S.A.;
L)- o resultado da votação, de acordo com o acima exposto, deveria ser, de acordo com o artº 212º, nº 1 do Código da Insolvência, com o Quórum Presencial de 100%, com os votos contra dos credores Armando … e BNP Crédito, SA, no total de 24,65% e com os votos a favor dos credores Banco Bilbao Vizcaya Argentaria e Banco BIC Português, S.A., no total de 75,35%.
M)- nesta conformidade, deveria o Tribunal a quo proferir despacho de homologação; e
N)- o despacho recorrido violou os artºs 17º-D, 17ºF e 212º, nº 1, todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
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Não se mostra oferecida qualquer contra alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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São questões a conhecer:
- As isoladas nos itens que se seguem.

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Plano Factual:

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima narradas.


Plano Jurídico-conclusivo:


Quanto à votação do credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A.:

Sustentam os Apelantes que havia de ter sido levado em linha de conta em sede de votação do plano de recuperação o voto favorável do credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A. Isto porque, contra o implicitamente suposto no despacho recorrido, não se aplicaria ao caso a alínea a) do nº 2 do art. 212º do CIRE.
Discordamos.
Sem dúvida que o PER funciona como um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental - o de “consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis” (v. Catarina Serra, Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, p. 716).
Sem dúvida também que o PER reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, imperando nele o primado da vontade dos credores, restando para o tribunal um papel residual. Mas a este sempre cabe sindicar a observância, como pressuposto do seu juízo sobre a homologação, das regras procedimentais e da legalidade do conteúdo do plano.
Ora, o nº 5 do art. 17-F do CIRE estabelece que em sede de homologação do plano de recuperação se aplicam ao PER, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE, em especial o disposto nos art.s 215º e 216º. Deste modo, não tem por que não ser aplicável ao PER a regra da alínea a) do nº 2 do art. 212º. Não há a mínima razão para que assim não seja, pois que o fim precípuo subjacente à norma (evitar que seja desvirtuado o plano, isto é, que possam ficar prejudicados os credores ou o devedor por ação de quem em nada é afetado pelo mesmo plano; a atribuição do direito de voto a um credor cujo crédito não é modificado pelo plano redundaria na atribuição de um privilégio especial a quem justamente menos carece da tutela que o direito de voto confere, permitindo-lhe obstar à recuperação do devedor mesmo quando o seu crédito em nada é afetado.) tanto se encontra no caso do plano de insolvência como no caso do plano de recuperação. Aliás, também em sede de plano de insolvência se pode obter a recuperação do devedor (v. nº 3 do art. 192º do CIRE), o que tem evidente similitude com o plano de recuperação. Porquê então distinguir entre as duas situações?
É certo que o nº 3 do aludido art. 17º-F se reporta apenas ao nº 1 do art. 212º. Mas isto nada tem de relevante para a discussão em causa. Pois que uma coisa são as exigências legais em termos de quórum constitutivo e deliberativo (rectius, exercício do direito de voto), e é somente disto que tratam as ditas normas, outra coisa é saber-se quem tem e não tem direito de voto (o que funciona como uma questão prévia). O próprio nº 1 do art. 212º faz alusão ao pressuposto “com direito de voto”, e este direito ou a falta dele (como é o caso) terão que ser encontrados em outras normas. Como dizem Carvalho Fernandes e João Labareda (ob. cit., anotação ao art. 212º), “ (…) uma vez definido o leque de créditos atendíveis, (…) haverá que verificar se, em concreto, e levando em linha de conta as normas especiais do nº 2 do art. 212º, eles conferem, realmente, direito de voto na deliberação sobre a proposta de plano, pois só na afirmativa os titulares serão admitidos a intervir na deliberação”.
No sentido do que defendemos, ou seja que a alínea a) do nº 2 do art. 212º do CIRE se aplica ao PER, citem-se os acórdãos da RC de 1 de abril de 2014 e da RL de 23 de janeiro de 2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, pp. 62 e 63.
Sucede que relativamente ao credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A., propunha o plano “a manutenção dos contratos em vigor nos mesmos e exatos termos”. E assim sendo, por aplicação precisamente da alínea a) do nº 2 do art. 212º do CIRE, não gozava este credor de direito de voto, de sorte que a sua votação favorável ao plano é ineficaz.
Improcede pois a conclusão G).


Quanto à votação do credor Banco BIC Português, S.A.:

Mais sustentam os Apelantes que nada impedia que o credor Banco BIC Português, S.A. tivesse votado, pese embora não ter aderido às negociações.
Aqui afigura-se-nos que têm razão.
Pois que como se retira do nº 3 do já mencionado art. 17º-F, a circunstância do crédito ter sido relacionado e constar da lista de créditos a que aludem os nºs 3 e 4 do art. 17º-D permite a votação do plano por parte do respetivo credor (v. neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, Manuel de Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 286).
Ora, era o caso do Banco BIC Português, S.A., na medida em que se sabe que o seu crédito foi reconhecido.
Procedem pois as conclusões H), I) e J).
Isto posto:
Face ao que vem de ser dito, temos que os créditos providos de direito de voto eram os dos credores:
- Armando …, no montante de €63.889,31; este credor votou contra o plano de recuperação;
- Banco BIC Português, S.A., no montante de €41.786,32); este credor votou favoravelmente o plano de recuperação;
- BNP Crédito-Instituição financeira de Crédito, S.A., no montante de €3.954,24; este credor votou contra o plano de recuperação.
Tais créditos totalizam €109.611,87, valor representativo pois de 100% da votação.
Os credores que votaram contra o plano representam o crédito de €67.843,55 (€63.889,32 + €3.954,24).
Donde, a votação no sentido da rejeição do plano atingiu 61,89% [100% x €67.843,33) : €109.611,87].
O que significa que não tendo sido validamente aprovado qualquer plano de recuperação, nenhuma homologação podia ser decretada pelo tribunal. A recusa de homologação estava sustentada precisamente no facto de ter havido uma violação não negligenciável da norma que proibia a votação do credor Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal, S.A. (v. art. 215º do CIRE).
O que significa também que a decisão recorrida não merece censura, não tendo violado as normas legais que os Apelantes citam.
Improcede pois a apelação.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Regime de custas:

Os Apelantes são condenados nas custas da apelação.

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Sumário (art. 663º nº 7 do CPC):
I. Não há razão para que não se aplique ao processo especial de revitalização a alínea a) do nº 2 do art. 212º do CIRE, e daqui que o credor cujo crédito não é modificado pela parte dispositiva do plano de recuperação não goza do direito de voto.
II. Pese embora certo credor não ter aderido às negociações no âmbito do processo especial de revitalização, mas constando o seu crédito da lista de créditos, tem o mesmo o direito de votar o plano de recuperação.

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Guimarães, 12 de fevereiro de 2015
José Rainho
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça