Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
863/06.6PBGMR-A .G1
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: PAGAMENTO DA MULTA EM PRESTAÇÕES
PRAZO LEGAL
REQUERIMENTO EXTEMPORÂNEO
INDEFERIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O pagamento da multa em prestações deve ser peticionado dentro do prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código Processo Penal, sob pena de não ser admissível findo esse prazo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, dos quais foi extraída a certidão que constitui este processo, o arguido Alexandre G. foi condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1, 146.º, n.º 1 e 2, 132.º, n.º2 alínea g), do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 3,00€ (três euros).
Entretanto, após ter-lhe sido indeferida a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, o arguido requereu o pagamento em 10 prestações, o que foi indeferido por despacho de 02-06-2015.

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Inconformado com o último despacho referido, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação, que remata com as seguintes
CONCLUSÕES:
1.ª Por erro de interpretação e de não aplicação da disposição legal, o Ex.mo Sr. Juiz a quo, deveria ter deferido o requerimento de pagamento em prestações, até porque nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 49.º do C. Penal, sob a epígrafe “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”.
Estabelece tal dispositivo legal:
“O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.”, encetando mais uma oportunidade para evitar a detenção do condenando, permitido o pagamento em prestações, não tendo sido considerado pelo Ex.mo Sr. Juíz “a quo”

3.ª Deveria ser do entendimento do Ex.mo Sr. Juíz “a quo” que, pese embora o disposto no artigo 489.º, do Código de Processo Penal, o prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações ali mencionado não é peremptório e, consequentemente, não extingue o direito a fazê-lo posteriormente e admitir tal oportunidade.

2.ª Por último tudo ponderado, deveria o Douto Despacho recorrido conceder a respectiva autorização para o pagamento da pena de multa, em prestações mensais e sucessivas garantindo o necessário equilíbrio entre a exequibilidade do pagamento e a censura do facto, não se subvertendo as finalidades da condenação (nos termos do artigo 40.º do Código Penal).

Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por decisão de deferimento de pagamento da multa em prestações, farão v. Ex.as a acostumada
JUSTIÇA.
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O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu pugnando pela rejeição do recurso e subsidiariamente pelo não provimento do recurso.
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer sufragando o teor da resposta e pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
A. Despacho recorrido:
«Fls. (…) 1660 e ss. E 1666:
O requerido pelo condenado Alexandre G. mostra-se extemporâneo, atento o disposto no art. 489º, nº1, do CPP.
Razão porque se indefere o requerido.
Notifique.
Após decurso do prazo de interposição do recurso do presente despacho, concluam-se os autos para apreciação do promovido a fls. 1654

B. Elementos relevantes para a apreciação do recurso:
a) O acórdão condenatório transitou em julgado em 11-09-2013 Cf. Certidão de fls. 2 dos autos..
b) A guia para liquidação da multa imposta ao arguido foi remetida ao arguido e à respetiva defensora, por via postal Via postal registada à defensora e via postal simples ao arguido. expedida no dia 27-12-2013 Cf. Certidão de fls. 2 dos autos., nela constando a data limite de pagamento no dia 20-01-2014.
c) Em 22-05-2014 o arguido apresentou requerimento Vd. Fls. 91 dos autos. no qual solicitava a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
d) Por despacho de 15-10-2014 Vd. Fls. 93 dos autos. foi indeferido o aludido requerimento, com fundamento em extemporaneidade.
e) Tal despacho foi notificado ao arguido e à respetiva defensora, por via postal expedida no dia 16-10-2014 Vd. Fls. 95 e 96 dos autos..
f) Por despacho de 26-05-2015 Vd. Fls. 98 dos autos. foi determinada a notificação do arguido do teor da promoção do Ministério Público no sentido da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
g) Em 26-05-2015 Vd. Fls. 99 dos autos. o arguido apresentou requerimento no qual solicitava o pagamento da multa em 10 prestações e mais referia ter já efetuado tal pedido em data anterior, requerendo prazo para junção do comprovativo de envio por fax.
h) Na mesma data (26-05-2015) apresentou novo requerimento Vd. Fls. 100 dos autos. a solicitar a junção do requerimento e comprovativo de envio no dia 18 de novembro de 2014 do pedido de pagamento da multa em prestações. Anexou o doc. 1 Vd. Fls. 101 dos autos., correspondente a requerimento a solicitar o pagamento da multa em prestações mensais de 50€, cada uma.
i) Na promoção Vd. Fls. 102 dos autos. o Ministério Público invoca que não consta dos autos o original da cópia que foi anexada pelo arguido ao seu requerimento, mas sustenta que, em todo o caso, sempre o pedido teria sido efetuado para além do prazo de pagamento da multa. Mais promoveu o indeferimento do requerido e reiterou a promoção anterior (conversão da multa em prisão subsidiária).
j) O despacho recorrido Vd. Fls. 103 dos autos. incidiu sobre o requerimento de 26-05-2015 e a promoção do Ministério Público.
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C. Apreciação do recurso:
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No presente recurso a única questão suscitada consiste em saber se é tempestiva a pretensão formulada pelo arguido de pagamento da multa em prestações após o decurso do prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código Processo Penal.
Decorre das normas dos artigos 47.º, n.º 3, do Código Penal e 489.º, n.ºs 2 e 3, do Código Processo Penal, que o pagamento da multa em prestações deve ser requerido no prazo previsto para o pagamento voluntário da multa.
A norma adjetiva em causa regula o prazo de pagamento da pena de multa, estabelecendo o prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito, que terá lugar após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Ora, dúvidas não se suscitam quanto à consideração do pagamento em prestações como uma modalidade de cumprimento voluntário da pena de multa, donde resulta ser aplicável ao requerimento para pagamento da multa em prestações o prazo previsto no aludido preceito.
Todavia, quanto às consequências de formulação do pedido após o decurso desse prazo existem divergências de entendimento, que radicam na diversa classificação do prazo em causa, como perentório ou meramente dilatório, por referência ao disposto no artigo 139.º, n.º 1, 2 e 3 do Código Processo Civil.
Ora, na ponderação comparativa dos argumentos aduzidos pelas duas teses jurisprudenciais Veja-se entre outros Acórdão da Relação de Guimarães de 19-05-2014, proc. 1385/09.9PBGMR.G2; Acórdão Relação de Coimbra, de 18-09-2013, proc. 368/11.3GBLSA-A.C1 (no sentido de ser prazo perentório); acórdão da Relação de Guimarães de 06-06-2011, proc. 328/10.1GTBRG-A.G; Acórdão Relação do Porto de 27-12-2013, proc. 534/09.1TDLSB-A.P1 (em sentido oposto), todos disponíveis em www.dgsi.pt. sobre a questão, temos por mais consentânea com a letra da lei e sem atingir o espírito do legislador, por isso a perfilhamos, aquela que defende tratar-se de prazo perentório o previsto citado artigo 489.º, n.º2, do Código Processo Penal.
Na verdade, o prazo de pagamento voluntário da multa constitui um prazo processual estabelecido na lei, dentro do qual o condenado pode exercer o direito que lhe assiste de formular o pedido de pagamento da multa em prestações, caso o não exerça nesse período temporal então fica precludida a possibilidade de cumprimento da multa nessa modalidade, sem prejuízo de alegar e demonstrar situação de justo impedimento, nos termos do disposto no artigo 107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Neste sentido aponta, segundo a nossa interpretação, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 12/2013 Publicado no DR, 1.ª série, de 16-10-2013., reiterado no Acórdão Fixação de Jurisprudência n.º 7/2016 Publicado no DR., 1.ª série, de 21-03-2016., no segmento: «Condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do artigo 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (artigo 490.º, do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do artigo 491.º n.º 1, do CPP, à execução patrimonial.» (sublinhado nosso). Assinale-se ainda que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 7/2016, após concluir pela admissibilidade do cumprimento da multa de substituição mediante a prestação de trabalho, afirmou expressamente «Admitindo, pois, o pagamento da multa de substituição em dias de trabalho, esta modalidade de pagamento apenas pode ocorrer quando haja requerimento do condenado (cf. artigo 48.º, do CP). Deve, então, o condenado requerer, no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento, aquela específica modalidade de execução antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.ºs 2, do CPP 48; caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora).» (sublinhado nosso)
Por conseguinte, o pagamento da multa em prestações terá sempre de ser peticionado dentro do prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código Processo Penal, sob pena de não ser admissível findo esse prazo.
No presente caso, o arguido formulou a pretensão de pagamento da multa em prestações já depois de lhe ter sido indeferido, também por extemporâneo, o pedido de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, tendo decorrido longo período de tempo desde o termo do prazo. Neste contexto nenhum relevo assume a consideração da data em que foi indeferida a primeira pretensão formulada, posto que também esta se revelou extemporânea, como foi decidido sem impugnação do arguido, assim como não interessa apurar a exata data da apresentação do requerimento, ou seja, se foi rececionado ou não o primeiro requerimento a que faz referência o arguido, posto que, em qualquer um dos casos, sempre se encontrava excedido o prazo de 15 dias para pagamento da multa Veja-se que o acórdão transitou em julgado em 11-09-2013, a guia da multa foi remetida pela secretaria em 27-12-2013 para notificação quer ao arguido quer à sua defensora, com a indicação do termo do prazo de pagamento para o dia 20-01-2014, tendo o requerimento para pagamento da multa em prestações dado entrada nos autos em 26-05-2015.
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Assim, não merece reparo o despacho recorrido.
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III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.
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Guimarães, 26 de setembro de 2016