Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
182/15.7GAMLG-D.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
CONTROLO À DISTÂNCIA
FISCALIZAÇÃO ELECTRÓNICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1- Transitada em julgado a sentença que aplicou pena acessória de afastamento e de proibição de contacto com a vítima com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não pode ser invocada a falta de obtenção de consentimento ou a falta de formulação do juízo de imprescindibilidade do meio.

2 - Tal modo de fiscalização só pode vir a ser alterado se ocorrerem circunstâncias supervenientes ao trânsito em julgado, que imponham a modificação nos termos previstos nos artigos 55º a 57º do Código Penal, para que remete o artigo 35º da Lei nº 112/2009..
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum singular com o nº 182/15.7GAMLG, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo – Juízo de Competência Genérica de Melgaço, foi proferido o seguinte despacho, datado de 25/12/2018 (transcrição integral):

“O arguido veio requerer a revogação da medida de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória, a que foi condenado. Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que:
- fora dos casos em que o consentimento é prestado, a fiscalização da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância só pode ser aplicada quando tal se mostre imprescindível para protecção da vítima, o que não resulta fundamentado na sentença;
- é irrelevante o facto de a sentença ter transitado em julgado pois como resulta dos artigo 35.º, n.º 5 da Lei 112/2009 e 212.º do Código de Processo Penal a medida pode ser extinta e revogada a qualquer altura, sendo que na data presente não se verificam os pressupostos da sua aplicação.

Notificada para se pronunciar, a assistente (vítima) opõe-se ao requerido, alegando que a sentença se encontra suficientemente fundamentada e ainda que a pretensão do arguido apenas poderia ser atendida em sede de recurso, sendo certo que a decisão em causa já transitou em julgado.

O MP promoveu o indeferimento da pretensão do arguido porquanto a proibição de contacto do arguido com a vítima com cumprimento fiscalizado por meios de controlo à distância configura a pena acessória que lhe foi aplicada nos presentes autos, nos termos do art. 152.º, n.º 4, e n.º 5, do Cód. Penal, por douta sentença transitada em julgado, e não uma medida de coacção cujo regime penal é processualmente diverso.
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Cumpre apreciar e decidir:
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Por sentença proferida em 21-03-2018, transitada em julgado, foi o arguido E. F. condenado:

- na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, na condição de o arguido pagar à assistente a indemnização fixada nesta sentença, sendo a suspensão acompanhada por regime de prova, mediante a elaboração de plano de reinserção social, o qual deve passar por uma acção sensibilização específica para a problemática da violência doméstica;
- nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e proibição de uso e porte de armas durante o período da suspensão, sendo que a pena acessória de proibição de contacto com a assistente incluiu o afastamento da residência ou do local de trabalho da mesma e o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância nos termos do art.º 152.º, n.ºs 4 e 5 do CP;
- a pagar à assistente a importância de € 15.000 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros, à taxa legal e anual, que actualmente é de 4%, a contar da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
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A pretensão do arguido, como bem refere o MP, reconduz-se à revogação da pena acessória que lhe foi aplicada nos autos, de proibição de contacto com a vítima, a qual não deixa de ser uma verdadeira pena.

Daí que, tal pretensão apenas poderia ser atendida em sede de recurso o que, tendo a sentença condenatória transitado em julgado, deixou de ser possível.

Na verdade, sendo a sentença recorrível, a mesma transitou em julgado decorrido o prazo de recurso (art. 399.º e 411.º do CPP).
Por outro lado, parece que o arguido confunde os conceitos de “pena” e “medida de coacção” (previstas nos artigos 196.º e ss do CPP), sendo que apenas a estas últimas se aplica o invocado art. 212.º do Código de Processo Penal.

Ou seja, não é verdade que esta norma se aplique igualmente às penas condenatórias, sendo que a remissão prevista no art. 35.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (que prevê o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas) apenas se refere, reitera-se, à revogação, alteração e extinção das medidas de coacção – a própria norma refere expressamente “medidas”.

Pelo exposto, improcede o requerido.

Custas do incidente a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2UC.
Notifique.“

2 – Não se conformando com a decisão, o arguido interpôs recurso oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido indeferiu o pedido de revogação da medida de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória, em que o arguido foi condenado.
2. Contrariamente ao decidido no despacho recorrido, nos casos de violência doméstica, o facto de a sentença condenatória ter transitado em julgado não significa que, posteriormente, não possa ser revogada, a medida de fiscalização da pena acessória de proibição de contacto com a vítima por meios técnicos de controlo à distância — cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 22-01-2018, proferido no processo 140/16.4GAVVD-A.G1.
3. Fora dos casos em que o consentimento é prestado, a medida de fiscalização da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância só pode ser aplicada quando tal se mostre imprescindível para protecção da vítima, de acordo com os artigos 35.°, n.° 1 e 36.°, n.° 7 da Lei 112/2009.
4. Por força do disposto no artigo 212.°, n.° 1, al. a) do Código de Processo Penal em conjugação com o disposto no artigo 35.°, n.° 5 da Lei 112/2009, a medida fiscalização por meios técnicos de controlo à distância terá que ser revogada sempre que tenha sido aplicada fora das hipóteses e condições previstas na lei.
5. Foi o que sucedeu no caso concreto: a medida foi aplicada fora das condições previstas na lei, pois, não tendo havido consentimento do arguido, teria Meritíssima Juiz que ter fundamentado a imprescindibilidade da aplicação da medida de fiscalização por meios técnicos de controlo á distância, para protecção da vítima, o que não fez.
6. A Meritíssima Juiz nem uma palavra escreveu para fundamentar o juízo de imprescindibilidade previsto no artigo 35.°, n.° 1 da Lei 112/2009, não menciona sequer um único facto que sustente essa imprescindibilidade, nem há sequer um único facto provado que possa fundamentar essa imprescindibilidade.
7. Ora, a indicação de factos concretos que sustentem essa imprescindibilidade da aplicação dos meios técnicos de fiscalização tem que constar obrigatoriamente da sentença, não sendo suficiente uma formulação vaga e genérica tal como “atenta e natureza dos factos provados” — cf., entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães supra referido e datado de 06-02-2017, proferido no processo 201/16.O6GBBCL.G1.
8. Assim, o despacho recorrido violou os artigos 212.°, n.° 1, ai. a) do Código de Processo Penal e artigo 35.°, n.°s 1 e 5 e 36.°, n.° 7 da Lei 112/ 2009

Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência deve ser revogada a a medida de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória, em que o arguido foi condenado, nos termos supra alegados.”

3 – O recurso não foi inicialmente admitido, vindo a sê-lo na sequência de reclamação apresentada para este Tribunal da Relação, que a atendeu.
4 – A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, argumentando, em síntese, que:

- o recorrente apenas põe em causa a sentença proferida, que deixou transitar em julgado;
- o tribunal recorrido justificou suficientemente a imprescindibilidade do meio de controlo fixado;
- a alteração do modo de fiscalização da pena acessória só pode ocorrer se sobrevier alguma circunstância superveniente que imponha a modificação;

Pugnando, a final, pela improcedência do recurso e pela manutenção integral da decisão.
5 - Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que - não tendo sido obtido o consentimento do arguido e não tendo a sentença justificado devidamente a imprescindibilidade do uso desse meio de controlo, podendo ocorrer a alteração da medida se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação – o requerimento deveria ter sido apreciado e “decidido fundamentadamente se era ou não imprescindível para protecção e defesa da vítima a manutenção da fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância …”, pelo que o recurso deve ser julgado procedente.
6 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta.
7 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
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II - Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).
2 - A única questão colocada pelo recorrente é o meio de controlo (mais concretamente, a fiscalização electrónica) da pena acessória aplicada na sentença.

Para o efeito, alega, em síntese, que:

- o trânsito em julgado da sentença – ao contrário do referido no despacho ora impugnado – não impede a posterior revogação do modo de controlo;
- fora dos casos de prestação de consentimento, tal medida de controlo só pode ser aplicada quando seja imprescindível para a protecção da vítima, conclusão que tem de resultar de factos concretos constantes da sentença;
- a sentença em causa não contém um único facto que fundamente tal imprescindibilidade, que não se satisfaz com formulações vagas e genéricas;
- tal medida de fiscalização tem que ser revogada, sempre que tenha sido aplicada fora das condições legais, como ocorreu no caso presente.

Fundamenta a sua pretensão nos artigos 35º, nºs 1 e 5 e 36º, nº 7, ambos da Lei nº 112/2009 e 212º, nº 1. Al. a), este do CPP.
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III - Apreciação do recurso

Para uma melhor apreensão da questão submetida a este Tribunal, importa proceder a um, ainda que sucinto, ponto da situação:

- a sentença condenatória foi proferida em 21/03/2018 e transitou em julgado em 23/04/2018;
- em 01/10/2018, o arguido juntou aos autos um requerimento, pedindo a revogação da “medida de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, para fiscalização do cumprimento da pena acessória, em que o arguido foi condenado”;
- foi sobre tal requerimento que incidiu o despacho recorrido.

O recorrente estriba a pretendida alteração no preceituado na Lei nº 112/2009, de 16/09 – a qual, no seu art. 1º estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas.

Vejamos o que tal regime jurídico estatui – com relevo para o caso – transcrevendo as normas pertinentes:

- art. 3º (finalidades): “A presente lei estabelece um conjunto de medidas que têm por fim:
c) Criar medidas de protecção com a finalidade de prevenir, evitar e punir a violência doméstica;
i) Assegurar a aplicação de medidas de coacção e reacções penais adequadas aos autores do crime de violência doméstica, promovendo a aplicação de medidas complementares de prevenção e tratamento;”
- art. 31º (medidas de coacção urgentes): “Após a constituição de arguido pela prática do crime de violência doméstica, o tribunal pondera, no prazo máximo de 48 horas, a aplicação, com respeito pelos pressupostos gerais e específicos de aplicação das medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal, de medida ou medidas de entre as seguintes:
d) Não contactar com a vítima, com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares ou certos meios.”
- art. 34º-B (suspensão da execução da pena de prisão): “1 – A suspensão da execução da pena de prisão (…) é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vitima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
- art. 35º (meios técnicos de controlo à distância ): “1 – O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.° do Código Penal e no artigo 31.° da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. (…) 5 – À revogação, alteração e extinção das medidas de afastamento fiscalizadas por meios técnicos de controlo à distância aplicam-se as regras previstas nos artigos 55.° a 57.° do Código Penal e nos artigos 212.° e 282.° do Código de Processo Penal.”
- art. 36º (consentimento): “1 – A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente (…). 2 – A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. (…) 6 – Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo. 7 – Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a protecção dos direitos da vítima.”
Apreciando a questão colocada, em recurso, a este Tribunal da Relação, duas notas convém deixar desde já:

- a sentença prolatada tornou-se definitiva com o respectivo trânsito em julgado - cfr. arts. 399º do CPP e 619º, 621º e 628º, estes do CPCivil;
- o recurso interposto visa o despacho proferido em 25/12/2018, que indeferiu o pedido de revogação do controlo electrónico da pena acessória aplicada.

Recorde-se que o recorrente não interpôs recurso da sentença (ou fê-lo de modo extemporâneo, o que tem o mesmo efeito), o que a torna, agora, insindicável por este Tribunal.

Assim tendo sucedido, não pode agora recorrer-se ao teor da sentença para questionar se o “juízo de imprescindibilidade” foi correctamente efectuado ou se foi prestado o consentimento por parte do arguido para que a fiscalização do cumprimento da medida fosse realizada por meios electrónicos – art. 36º, nºs 6 e 7 da Lei nº 12/2009.

A sentença transitou em julgado e, não sendo já passível de recurso ordinário, tornou-se definitiva.

Mas, reitere-se, não é a sentença que o recorrente questiona, nem sequer as penas acessórias fixadas (proibição de contactos e imposição de afastamento), mas sim o modo de assegurar o cumprimento destas.

Acrescente-se, porém, que o recorrente não põe em causa a sentença proferida, mas recorre ao seu teor, nomeadamente à falta de consentimento do arguido e do “juízo de imprescindibilidade”, para defender a revogação posterior de algumas das condenações constantes da sua parte decisória.

Para o efeito, invoca alguns acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação, a saber:

- datado de 06/02/2017, no processo 201/16.06GBBCL.G1 (trata-se de um recurso interposto da sentença proferida);
- datado de 22/01/2018, no processo 140/16.4GAVVD-A.G1 (recurso de um despacho, proferido posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, em que o Juiz a quo formula o “juízo de imprescindibilidade”, face à recusa de consentimento do arguido);
- ainda – este por nós encontrado na pesquisa realizada – o de 21/09/2015, no processo 572/14.2GBCL.G1 (caso idêntico ao anteriormente referido).

Da breve resenha feita, conclui-se que as decisões invocadas não têm qualquer semelhança com o caso em apreço. A primeira porque é um recurso interposto da própria sentença e que se pronunciou sobre o conteúdo desta. As demais, porque incidiram sobre despachos judiciais, proferidos posteriormente ao trânsito em julgado das sentenças, que vieram suprir “omissões” da decisão inicial, alterando-a ou completando-a.

Nada disso, ocorreu no caso do presente recurso. O único despacho de que se recorre é o que indeferiu uma pretensão do arguido de alteração do decidido na sentença. Assim sendo e independentemente da bondade e justeza das decisões invocadas, a verdade é que as situações (invocadas e presente) não têm qualquer paralelismo.
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Concluído este ponto, o que se impõe averiguar é se o modo de controlo fixado na sentença pode, nesta fase (após trânsito) e por recurso ao decidido na mesma (falta de consentimento do arguido e de factos justificativos do “juízo de imprescindibilidade”), ser alterado.

Para este efeito, importa enunciar as normas legais pertinentes, incluindo as invocadas pelo recorrente para fundamentar a sua pretensão.

Dispõe o art.212º, nº 1, al. a), do CPP, inserido no Capítulo III (Da revogação, alteração e extinção das medidas) do Título II (Das medidas de coacção), sob a epígrafe “Revogação e substituição das medidas”, que:

1 – As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar: a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei;”.

Tanto basta, para se concluir que tal disposição não é de aplicação ao caso em apreço, em que ocorreu uma condenação transitada em julgado – o que até constitui fundamento para a extinção imediata da medida de coacção - cfr. art. 214º, nº 1, al. e), do CPP.

E a mesma conclusão – a não aplicação ao caso em análise - se pode extrair do preceituado no art. 35º da Lei nº 12/2009.

Este artigo, no seu número 1, já supra transcrito, reporta-se à “aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52º e 152º do Código Penal e no artigo 31º da presente lei (…)”, sempre que seja imprescindível a aplicação dos meios electrónicos. E prevê, quer as situações de condenação (arts. 52º e 152º do Cód. Penal), quer as de medida de coacção (art. 31º da mesma Lei).

Já no seu nº 5, o mesmo artigo prevê que “à revogação, alteração e extinção das medidas (...) aplicam-se as regras previstas nos artigos 55º a 57º do Código Penal e nos artigos 212º e 282º do Código de Processo Penal”.

Concatenando as duas normas e presumindo que o legislador consagrou a solução mais acertada, não vemos outra forma de interpretar a norma que não seja:

- às medidas penais aplicadas – as previstas nos arts. 52º e 152º do CP, referidas no número 1 – são aplicáveis as regras estabelecidas nos arts. 55º a 57 do CP para a sua alteração, revogação ou extinção [todas estas normas se inserem no Capítulo II (Penas) do Título III (Das consequências jurídicas do facto), do Cód. Penal];
- às medidas de coacção – a que se reporta o art. 31º da Lei 12/2009 – são aplicáveis as regras estabelecidas no art. 212º do CPP (quanto à revogação e substituição destas medidas);
- ao caso especial da “suspensão provisória do processo”, sempre acompanhada de “imposições e regras de conduta”, aplicar-se-á o regime previsto no art. 282º do CPP.

Em suma e como decorre da interpretação supra realizada dos citados dispositivos legais, cumpre concluir que as medidas penais aplicadas na sentença condenatória – transitada em julgado e insusceptível de recurso ordinário – só podem ser alteradas, revogadas ou extintas quando ocorram as situações previstas nos arts. 55º a 57º do Cód. Penal, consoante o caso.

Em jeito de conclusão, tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória - o que impede a reapreciação ou modificação da mesma – e não havendo qualquer outro facto (decisão) superveniente susceptível de permitir a reavaliação das medidas aplicadas, impõe-se confirmar o despacho recorrido, negando provimento ao recurso interposto.
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IV – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido/recorrente E. F., confirmando integralmente o despacho recorrido.
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Custas a cargo do arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 UC (três unidades de conta) – artigo 513º, nº 1, do CPP, artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela anexa a este diploma legal.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 10 de Julho de 2019

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)