Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4595/07.0TBGMR-B.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: VENDA EXECUTIVA
HIPOTECA
ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O indeferimento liminar encontra a sua justificação no princípio da economia processual, pelo que nada justifica o dispêndio de actividade judicial nas acções que desde logo evidenciem questões de forma ou fundo inevitavelmente conducentes ao insucesso da pretensão formulada.

II - O arrendamento está incluído nos direitos reais que produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, e tudo isto para além de se curar da natureza (real ou obrigacional) do contrato de arrendamento.

III - Sendo a hipoteca uma espécie de penhora antecipada, o imóvel objecto de venda executiva é, oportunamente, retirado da disponibilidade dos seus proprietários, ficando, como tal, os executados privados do direito de nele praticar actos susceptíveis de colidir com a situação jurídica criada pela hipoteca, a partir do momento da sua constituição e registo.

IV - Assim, forçoso se torna concluir que qualquer situação locatícia – registada ou não – constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na estrita medida em que após a sua concretização caduca automaticamente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Pedro, solteiro, maior, residente na … Guimarães, veio deduzir embargos de terceiros, nos termos dos arts. 342.º, e sgs. e 350.º, do C. P. Civil, invocando, para o efeito, que teve conhecimento no dia 30 de Novembro de 2017, de que no âmbito do processo de execução de que este é apenso, iriam ser vendidos, mediante abertura de propostas em carta fechada, no Tribunal de Guimarães – Juízos de Execução – no dia 11 de Dezembro de 2017, pelas 11 horas o Prédio Misto composto por casa de rés do chão e 1º andar, situado no …, Concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz sob o art.º 52 urbano e 17 rústico, no âmbito do processo de execução em que são exequentes – António e Maria, sua esposa, contra o executado – José.

Refere que, o dito José é dono dos prédios penhorados e que o mesmo deu de arrendamento ao ora oponente Pedro, em 01 de Julho de 2012 e mediante contrato escrito, os prédios penhorados supra referenciados, e que, a partir dessa data, habita a parte urbana deste prédio, aí tendo o seu lar; onde diariamente dorme, toma as refeições, recebe amigos e faz toda a sua vida diária.

Aduz, ainda, que, na qualidade de arrendatário, através de contrato escrito que intitulou “Contrato de arrendamento Rural”, datado de 09 de Abril de 2014, e com autorização do dono dos prédios identificados, arrendou a M. S., a parte rústica daquelas propriedades, designadamente o inscrito na matriz sob o art.º 17, com a área aproximada de 3,32h, após o que foi o mesmo entregue e manifestado, para cumprimento das formalidades legais e fiscais, pela “arrendatária”, nos Serviços de Finanças de Guimarães, em 10 de Abril de 2014.

Menciona que, igualmente, por contrato escrito datado de 28 de Janeiro de 2016, o embargante cedeu uma parcela de terreno do logradouro do art.º urbano 52, a Raul, com uma área aproximada de 500 m2, para este aí instalar um estaleiro de madeiras, e derivados, que aí instalou esse estaleiro, o qual veio a ser embargado pela Câmara Municipal X, vindo a ser, nessa sequência, submetido à autoridade administrativa um projecto para licenciamento desse estaleiro, o qual está a ser estudado e para despacho na autarquia.

Refere que, desde que arrendou os imóveis, cultivou da forma que melhor pode a parte agrícola, aí cultivando e colhendo curiosidades agrícolas – batata – feijão – vinho e frutas –, sempre à vista de toda a gente, e no exercício dos poderes que lhe conferiam o contrato de arrendamento, sabendo que exercia um direito próprio.

A partir do ano de 2013/2014, deu à exploração e arrendou a parte agrícola do prédio – art.º 17 e parte do 54 da matriz – para que aí os arrendatários procedessem ao cultivo de silagens, pastos, actividades arvenses e estaleiro de madeiras e afins, recebendo as rendas respectivas, por virtude desses arrendamentos e cedência de utilização.

Conclui, assim, dizendo que é por virtude do contrato de arrendamento, o único e legitimo possuidor dos prédios, rústico e urbano, acima identificados, cuja posse sobre os identificados imóveis, lhe foi transmitida pelo dono dos prédios, por virtude do contrato de arrendamento outorgado e que, ao ser anunciada a venda do imóvel, através do processo judicial da execução, se criou a obrigação da entrega da coisa, tal como o prevê a al. b) do art.º 879.º, do C. Civil., mas que a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa – nº1 do art.º 824.º do C. P. C., sendo o arrendamento dos imóveis, que remonta ao ano de 2012, um ónus válido que, apesar do direito da propriedade pertencer a José, transfere a posse e o direito de uso e disposição dos imóveis para o ora embargante.
Diz também que a venda, se se efectuar, constitui de forma clara e iniludível um acto judicial que ofende a sua posse sobre os prédios em questão e o direito que este tem de os usufruir e deles dispor, na qualidade de arrendatário.
Por último, refere que não é parte na causa.
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Conclusos os autos, foi designado dia para a inquirição das testemunhas, vindo, previamente esse acto, a ser proferida decisão que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro, dando sem efeito a diligência já agendada, por manifesta inutilidade da mesma, face ao decidido.
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II-Objecto do recurso

Inconformado com essa decisão, o embargante veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

A-O embargante deu cumprimento efectivo à tramitação processual destes embargos de terceiro com função preventiva, conforme o estatuído pelos 342.º e sgs. do C. P. C.

Enuncia o acto judicial que ofenderia a sua posse de arrendatário sobre os imóveis;

Alegou não ser titular ou parte na causa inicial;

Pugnou pela manutenção da sua posse legítima.

Apresentou meios de prova - art.º 342.º do C. P. C.

B-Apresentada a petição ao Exm Sr. Juiz este emitiu despacho a ordenar a produção dos meios de prova - art.º 345.º do C. P.C.

C-Em decisão surpresa, no dia aprazado para a produção de prova, notifica uma hora antes o mandatário do embargante de que não se realizaria a referida inquirição de testemunhas. Mais anunciou que ia ser prolatada sentença.
Foi, efectivamente, proferida sentença nesse mesmo dia. Nessa sentença o Sr. Juiz indeferiu liminarmente os embargos.

O-Decidiu o Exm Sr. Juiz a quo, trazer ao processo matéria que constituiria uma excepção ­a existência duma hipoteca provisória sobre os imóveis - e com fundamento na mesma indeferiu liminarmente os embargos.

E-É nosso entender que o instrumento do "indeferimento liminar" é usado quando seja apresentada o despacho liminar, uma petição de embargos, em que os pedidos sejam manifestamente improcedentes, tal como o define o n 1 do art.º 590.º, do C. P.C.
Não foi o caso.
Os embargos foram apresentados ao Sr. Juiz, que não proferiu despacho liminar de indeferimento, antes proferiu despacho de produção de prova, conforme estatui o art. 345 n1, do C. P. C.
O despacho liminar consubstanciado na sentença em recurso é pois ilegal e extemporâneo.

F-Ao trazer ao processo matéria de excepção que extravasa o âmbito do processo de embargos deduzidos pelo ora requerente/recorrente, e com base nessa matéria, desconhecida deste, decidir liminarmente os embargos, o Exm Sr. Juiz retirou ao embargante a possibilidade de utilizar o contraditório, instrumento basilar do nosso sistema jurídico, e de apresentar defesa e argumentos em defesa dos seus direitos.

O art.º 3.º n.º 3 do C. P. C. enuncia: "O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciarem" sic.
Teve conhecimento o embargante, de que a hipoteca provisória fundamento da decisão, é nula, ou poderá ser nula, por ilegal, sendo essa nulidade invocada em processo judicial que ainda não transitou em julgado.
Esta decisão supra do Sr. Juiz, não permitiu ao embargante, nos autos de embargo e com os meios de prova ao seu alcance, alegar e aduzir factos e fundamentos conducentes à verificação dessa nulidade da hipoteca provisória.
Foi retirado ao recorrente o inalienável direito do contraditório e defesa e tutela eficaz dos seus direitos; conforme está estatuído no art.º 3.º n3 do C. P. C.

G-O contrato de arrendamento de que é titular o embargante é datado de 01 de Julho de 2012 - Facto 5 provado indiciariamente na sentença;
A hipoteca judicial definitiva é datada de 01 de Junho de 2013.
Quando é registada esta hipoteca - 01.07.2013 - o contrato de arrendamento já vigorava há mais de um ano.

H-A hipoteca provisória, datada de 11.02.2011, foi efectuada sobre bens que não pertenciam ao executado - José - tendo como co - titular uma empresa que não era credora - M. Sociedade de Investimentos Ldª -
Face a todos estes erros, ilegalidades e incongruências, temos como certo que esta hipoteca provisória é nula, por absolutamente ilegal.

l-A presente sentença claramente viola os arts. 3.º n3, 342.º, 344.º, 345.º, 590.º n.ºs 1 e 2 do C. P. C. e o art.º 710.º do C. Civil.

Termos em que, com o douto suprimento de V.ª Exª, deve a sentença em recurso ser revogada e substituída por despacho do Sr. Juiz, a que se referem os arts. 345.º e sgs. do C. P. c., seguindo os autos a sua normal tramitação, tudo com as legais consequências.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.

Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apurar se o despacho de indeferimento liminar é ilegal e extemporâneo, tendo, para além do mais, sido violado o princípio do contraditório, e, por fim, atentar nos efeitos do registo da hipoteca em relação ao contrato de arrendamento de que o embargante se arroga titular, face aos argumentos por si aduzidos.
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II. Fundamentação de facto

Factos indiciariamente dados como provados

1.- No dia 11-02-2011 foi registada a favor do credor reclamante D. M., a título provisório, uma hipoteca sobre o prédio misto composto por casa de rés-do-chão e 1º andar, situado no …, Concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz sob o art.º 52 urbano e 17 rústico, propriedade do executado José.
2.- A conversão dessa hipoteca em definitivo ocorre no dia 01-07-2013.
3.- No âmbito do processo de execução de que estes embargos de terceiros estão apensos, realizou-se a abertura de propostas em carta fechada, no Tribunal de Guimarães – Juízos de Execução – no dia 11 de Dezembro de 2017, pelas 11 horas, com vista à venda judicial do prédio Misto composto por casa de rés do chão e 1º andar, situado no …, Concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz sob o art.º 52 urbano e 17 rústico, penhorados nos autos principais no dia 06-11-2012.
4.- Esta venda é feita no âmbito do processo de execução em que são exequentes – António e Maria, sua esposa, contra o executado – José.
5.- Acontece que o José deu de arrendamento ao ora oponente, seu filho, Pedro, em 01 de Julho de 2012 e mediante contrato escrito que se junta, o prédio identificado em 1.
6.- E a partir dessa data, o ora requerente Pedro, habita a parte urbana deste prédio, aí tendo o seu lar; onde diariamente dorme, toma as refeições, recebe amigos e faz toda a sua vida diária.
7.- O Pedro, na qualidade de arrendatário, através de contrato escrito que intitulou “Contrato de arrendamento Rural”, datado de 09 de Abril de 2014, e com autorização do dono dos prédios atrás identificados, arrendou a M. S., a parte rústica daquelas propriedades, designadamente o inscrito na matriz sob o art.º 17, com a área aproximada de 3,32h.
8.- Este contrato foi entregue e manifestado, para cumprimento das formalidades legais e fiscais, pela “arrendatária”, nos Serviços de Finanças, em 10 de Abril de 2014, conforme dele consta.
9.- O embargante apenas teve conhecimento da diligência de venda no início do mês de Dezembro.
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- Apreciando e decidindo

Dispõe o art.º 345.º do Cód. Proc. Civil, que “s[S]endo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.”

Anteriormente tratados como uma acção (possessória) e, após a revisão do código, como um incidente (de intervenção de terceiros) da instância executiva, os embargos de terceiro constituem uma tramitação declarativa dependente do processo executivo, com a particularidade de se desdobrar em duas fases:

- uma fase introdutória e outra contraditória, tendo a primeira por finalidade a emissão, pelo tribunal, dum juízo de admissibilidade; o embargante deve, na petição inicial, oferecer prova sumária dos factos em que funda a sua pretensão, bem como da data em que teve conhecimento da penhora, se sobre ela já tiverem decorrido 30 dias.

Num primeiro patamar, que se fica pela análise tão só da petição inicial e prova junta pelo embargante, o tribunal faz um juízo formal, verificando se existe algum “vício” que implique o indeferimento imediato dos embargos ou o convite ao seu aperfeiçoamento e posterior recebimento ou não.

Acresce que, só têm valor de caso julgado os despachos que recaiam sobre o mérito da causa, nos precisos limites e termos em que se julga - arts 619.º a 621.º, do Cód. Proc. Civil, pelo que, se se decide liminarmente, a decisão só vale para permitir o seu prosseguimento até posterior decisão definitiva.

Daqui decorre que, a ser possível proferir decisão liminar, por se dispor de todos os elementos necessários, deve esta ser imediatamente proferida, por a lei proibir a prática de actos inúteis – art. 130.º, do Cód. Proc. Civil.

Como explica Alberto dos Reis – Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, pg. 373 – o indeferimento liminar encontra a sua justificação no princípio da economia processual, já que não haveria razão para o dispêndio de actividade judicial nas acções que desde logo evidenciassem questões de forma ou fundo inevitavelmente conducentes ao insucesso da pretensão formulada.

Na verdade, a este respeito, refere-se no art. 590.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que ‘nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente(…)’.

Como tal, a manifesta improcedência deve aferir-se «somente em função da petição de embargos de terceiro e sem recurso à análise de elementos exteriores, os quais só em momento posterior, de recebimento ou rejeição dos embargos, conjuntamente com o resultado das diligências probatórias realizadas, podem ser utilizados para se concluir se há ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante» (Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Coimbra Editora, 2010, pág. 341).

Ora, pese embora tenha sido proferido despacho a designar data para produção da prova indicada pelo embargante, o facto é que o acto foi dado sem efeito, por o tribunal a quo ter considerado, afinal, existirem razões para o imediato indeferimento da petição de embargos.

Como tal, tem de se entender que foi na fase liminar que o indeferimento foi proferido, de forma legal e tempestiva.

Condenável seria, tão só, se se procedesse à prática de actos inúteis, com a produção de diligências de prova, para, posteriormente, se vir a rejeitar os embargos.

Por outro lado, há que ter em conta que, excluídos da força de caso julgado formal, se encontram os despachos de mero expediente – cfr. arts.620.º, n.º 2 e 630.º. n.º 1, do Cód. Proc. Civil – pelo que, o despacho a designar dia para produção de prova não vinculava a título definitivo o tribunal a quo, nem esgotado ficou o seu poder jurisdicional, por nada, então, se ter decidido.

Já quanto à alegada violação do princípio do contraditório, há que ter em conta que com a sua consagração o que se pretende é que as partes sejam ouvidas antes da tomada de qualquer decisão, que lhes seja conferida a possibilidade de explicitarem as suas razões, os argumentos de facto e de direito em defesa da tese que sustentam no processo ou que possam influenciar a tomada de qualquer decisão, ainda que intercalar, tal como se mostra plasmado no art. 3.º, n.º 3, do actual CPC, ao consagrar que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Ora, in casu foi o embargante quem veio requerer ao tribunal que se pronunciasse sobre o pedido que formulou, com base na causa de pedir por si invocada, sabendo que, subsequentemente, o tribunal podia, ao abrigo do plasmado no art. 345.º, do Cód. Proc. Civil, de imediato, indeferir a petição de embargos, sem que, para tal, estivesse impedido de atentar na situação dos bens objecto de execução, em causa nos embargos, e respectivos actos ali praticados, por forma a aplicar o direito.
Aliás é com base nos actos praticados e decorrentes da execução que os embargos são deduzidos, daí que tenham, e devam, ser atendidos, sem necessidade de prévia comunicação ao embargante, por deles se supor ter conhecimento, para além de se tratar de factos que o tribunal está obrigado a atender.

Assim, não se pode considerar violado tal princípio, por o mesmo não ter sequer aplicação no caso concreto.
Já quanto ao cerne da questão, dispõe-se no art. 819.º, do Cód. Civil, que “sem prejuízo das regras de registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados”.

Por sua vez, conforme se dispõe no artigo 687.º do C. Civil, para produzir efeitos, a hipoteca deve ser registada, preceituando-se no artigo 824.º do mesmo diploma, com a epígrafe “Venda em execução”, no seu nº 1, que “a[A] venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.” Acrescenta-se, contudo, no n.º 2, deste último preceito que “o[O]s bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.

Assim, e pese embora no citado art. 819.º, não se mencione expressamente o direito do arrendatário, o facto é que o mesmo, como se tem entendido (cfr. Ac. STJ/08B3994, de 5.2.09, publicado no site da dgsi), implica materialmente um gravame sobre a coisa muito semelhante, se não até maior, àquele que é posto pelos direitos reais, pelo que deve, independentemente de se tratar de um arrendamento registado ou não, incluir-se, por analogia na expressão “direitos reais”, constante do art. 824.º, n.º 2, do C.Civil (também neste sentido assim o entendeu o aresto do STJ, de 14.1.2003).

Neste sentido, segundo a lição que se colhe de Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 390, “se a locação dever ser registada (…), extingue-se aquela que tenha registo posterior ao do aresto, penhora ou garantia; - se a locação não dever ser registada, releva a data da sua constituição e extingue-se a que for constituída após o arresto, penhora ou garantia e que, por isso, é inoponível à execução”.
Esta é também a posição de Henrique Mesquita, in Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 140, para quem o art. 1057.º é também inaplicável à venda da coisa locada em processo executivo, ao referir que “esta hipótese deve considerar-se incluída na regra do n.° 2 do art. 824º”, sendo, portanto, “inoponíveis ao comprador as relações locativas constituídas posteriormente ao arresto, penhora ou garantia”.

Na mesma linha, Oliveira Ascensão, in ROA, Ano 45, Setembro, pág. 365 e 366, defende, por um lado, que entre os direitos inerentes a que se alude no n.º 2 do art. 824.° do CC, conta-se o arrendamento e, por outro, que este está incluído nos direitos reais que produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, e tudo isto para além de se curar da natureza (real ou obrigacional) do contrato de arrendamento.

Assim, do exposto resulta que o arrendamento se afigura como um verdadeiro ónus e como tal deve ser considerado no âmbito do n.° 2 do art. 824.° do CC, de acordo com o sentido que o legislador acabou por consagrar, ao dar nova redacção ao art. 819° do C. Civil, através do DL. nº 38/2003, de 8 de Março.

Acresce que, sendo a hipoteca uma espécie de penhora antecipada, o imóvel objecto de venda executiva é, oportunamente, retirado da disponibilidade dos seus proprietários, os executados, que ficam privados do direito de nele praticar actos susceptíveis de colidir com a situação jurídica criada pela hipoteca, a partir do momento da sua constituição e registo – Vide Acórdão do STJ de 21-10-2008, Proc. 699/06.4TBAND-A.C1.

Assim, forçoso se torna concluir que qualquer situação locatícia – registada ou não – constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na estrita medida em que após a sua concretização caduca automaticamente.

Por outro lado, também de acordo com o que decorre do disposto no artigo 6º, n.º 3, do C.R.P., o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.

Ora, in casu, o contrato de arrendamento em causa, celebrado entre o embargante e o executado, ocorreu em data posterior ao do registo da hipoteca sobre o mesmo prédio, tal como decorre dos factos dados como provados, pelo que não pode produzir qualquer efeito em relação a terceiros, concretamente em relação ao comprador, dado que o embargante/recorrente, após a concretização da venda judicial, deixa de ter título justificativo para a ocupação do prédio reivindicado.

Já quanto às enunciadas questões quanto a erros, ilegalidades e incongruências alegadamente susceptíveis de tornar a hipoteca nula, por absolutamente ilegal, refere o embargante, em sede de recurso, que tal nulidade foi invocada em processo que ainda não transitou em julgado, pelo que é aí que deve ser apreciada, tanto mais que não se dispõe de elementos que permitam dela conhecer ainda que para efeitos restritos da apreciação do objecto deste recurso.

Por outro lado, essa questão não foi sequer alegada perante o tribunal da 1.ª Instância, pelo que excluída está, portanto, a possibilidade deste tribunal se pronunciar sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

Nestes termos, face ao exposto, perante a factualidade a ter em conta nos termos que constam dos factos dados como provados, deve, consequentemente, ser a decisão proferida mantida e julgado, assim, improcedente o recurso interposto.
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V.Dispositivo

Pelo exposto, os Juízes da 2ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
Notifique.
TRG, 24.05.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida