Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
685/17.9TVRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHADOR OCASIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Não sendo possível apurar o valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho, do trabalhador eventual/ocasional, atento o prescrito no n.º 5 do art. 71.º da NLAT, incumbe ao juiz determinar a referida retribuição, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria do sinistrado e os usos.

II – Visando a reparação do acidente de trabalho compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade para o trabalho e correspondendo aquela à capacidade de auferir €35,00 por dia é de fixar a retribuição anual da seguinte forma: €35,00 x 30 dias x 14meses.
Decisão Texto Integral:
APELANTE: SEGURADORAS ..., S.A.
APELADO: I. S.
Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

I. S., trabalhador agrícola, residente na Rua …, Porta …, …, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra SEGURADORAS ..., S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) O capital de remição de pensão anual e vitalícia no valor de €617,40 (devida em razão da determinada desvalorização/IPP);
b) A quantia de €1127,67, a título de indemnização por ITA;
c) A quantia de €55,00, a título de indemnização por despesas com deslocações directamente ocasionadas por este processo;
d) Os correspectivos juros moratórios, incidentes sobre todas e cada uma das aqui reclamadas prestações/importâncias.

Para o efeito alegou, no essencial, que no dia 02/09/2016, cerca das 08.30/9h, quando se encontrava em ..., Alijó, a desempenhar a sua actividade de trabalhador rural/agrícola sob as ordens direcção e fiscalização do seu empregador A. M., ao colocar um pedaço de madeira de pinheiro num rachador de lenha, entalou a mão direita, o que lhe causou lesões, que originou período de incapacidade temporária absoluta e a IPP de 6% a partir de 12/10/2016. Na altura auferia a retribuição diária de €35,00, por cada dia efectivo de trabalho.
O empregador do sinistrado tinha transferido a sua responsabilidade infortunística decorrente de acidente de trabalho para a Ré Seguradora com base numa retribuição diária de €35,00.
A Ré veio contestar, alegando em resumo que aceita que o empregador havia transferido a sua responsabilidade infortunística mediante a apólice nº 2808853, pelo salário anual de € 10.780,00, sendo certo que o valor do capital anual do seguro contratado ascendia a €3.500,00 quando a massa salarial pela qual o tomador do seguro era responsável atingia o valor anual de €36.000,00, o que configura uma situação de incumprimento pelo tomador do seguro na obrigação de declaração de risco que não estava conforme a realidade e consequentemente a inexistência de obrigação da R. seguradora de assumir a responsabilidade pelo acidente dos autos.
Conclui pela sua absolvição do pedido.
Foi determinada a intervenção da entidade empregadora para querendo contestar a acção.
A entidade empregadora apresentou contestação concluindo que a seguradora é a única responsável pela reparação dos danos sofridos pelo autor, devendo por isso ser condenada a pagar os montantes indemnizatórios devidos ao autor
Foi proferido despacho saneador com elaboração da matéria assente e da base instrutória, que não foi objecto de qualquer reclamação.
Foi ordenado o desdobramento dos autos, tendo corrido o apenso para fixação da incapacidade de que padece o sinistrado.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se procedente por provada a presente acção e em consequência, absolve-se o R. empregador dos pedidos formulados pelo A. e condena-se a aqui demandada seguradora a pagar ao A., as seguintes quantias:

- a título de indemnização pelo período de ITA de 40 dias, € 1.127,60 (mil cento e vinte e sete euros e sessenta cêntimos);
- a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, equivalente a € 14.700,00 x 70% x 4,50% = € 463,05 (quatrocentos e sessenta e três euros e cinco cêntimos), a partir de 13/10/2016. Sobre o valor do capital de remição e sobre o montante devido pela indemnização pelo período de ITA acrescem os respectivos juros de mora vencidos desde o dia seguinte ao da alta, à taxa legal, bem como os vincendos até integral pagamento.
- a quantia de € 55,00 (cinquenta e cinco euros), a título de compensação pelas despesas com deslocações suportadas pelo demandante, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos taxa legal, desde a data da realização do auto de não conciliação de fls. 38 – 08/02/2018 – e dos vincendos até integral pagamento.
Custas pela R. seguradora.
Fixa-se aos autos o valor de € 6.632,23 – cfr. art. 120º do C.P.T.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com esta decisão apelou para este Tribunal da Relação de Guimarães a Ré Seguradora, que apresentou as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Existe uma contradição entre a retribuição do sinistrado que resultou demonstrada como estando, à data do sinistro dos autos, transferida para a Ré seguradora e o vencimento anual que foi fixado para efeitos de cálculo dos valores devidos ao sinistrado.
2. Por outro lado, não se compreende o método de cálculo utilizado na Sentença para se alcançar, como se alcançou, a retribuição anual de € 14.700,00.
3. A retribuição anual do sinistrado que foi aceite pela Recorrente - € 10.780,00 – foi calculada com base na retribuição máxima diária prevista para o trabalho agrícola executado por homens, de acordo com a Apólice de seguro - € 35,00/dia e a regra do nº 9 do art. 71º da LAT.
4. Sendo o valor máximo diário de retribuição do sinistrado do sinistrado €35,00, há que concluir que o valor máximo mensal era de € 770,00 e o anual de € 10.780,00.
5. Calcular-se a retribuição mensal aplicando-se ao vencimento máximo diário o facto de multiplicação de 30 dias está-se a desrespeitar os limites diários e semanais do artigo 203º, nº1, do Código do Trabalho, assim como os períodos de descanso obrigatórios do sinistrado.
6. Dessa forma, é inegável que o cálculo da retribuição anual tal como foi operado na Sentença viola o disposto no nº 9 do art. 71º da LAT e do art.º 203º do Código do Trabalho.
7. Assim, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Ré a pagar ao sinistrado:
a. a quantia de € 826,95, referente a ITA de 40 dias, com base num valor de retribuição diário de € 20,67 (€ 10.780,00 x 70% / 365 dias);
b. a pensão anual e vitalícia de € 339,57 (€ 10.780,00 x 70% x 4,5%), a partir de 13/10/2016.
Termos em que se deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra nos termos das conclusões supra alegadas.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências JUSTIÇA
O Autor com o patrocínio do Ministério Público apresentou contra-alegação para defender a improcedência do recurso.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta Relação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – DO OBJECTO DOS RECURSOS

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação uma única questão a saber: apurar o valor da retribuição anual a considerar para efeitos de cálculo da indemnização por ITA e pensão decorrente de acidente de trabalho;

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos:

- Em 2016 o A. exercia a actividade de trabalhador agrícola por conta de outrem.
- No dia 02/09/2016 cerca das 08h30 ou 09h00 horas, em ..., Alijó, quando o A. se encontrava a desempenhar tal actividade, ao serviço e sob a direcção, fiscalização e orientação do seu empregador A. M., ao colocar um pedaço de madeira de pinheiro num rachador de lenha, entalou a mão direita, sofrendo lesões.
-À data deste sinistro o A. auferia a quantia de € 35,00 por cada dia efectivo de trabalho.
- A responsabilidade infortunística do mencionado empregador do A. encontrava-se transferida para a R. demandada seguradora por contrato de seguro (de agricultura genérico) titulado pela apólice nº 2808853, com base numa retribuição diária de trabalhadores homens de € 35,00, num total anual de € 10.780,00.
- Em consequência directa e necessária do acidente acima descrito na factualidade assente, o A. sofreu as lesões descritas no relatório médico-legal de fls. 31 a 33 (cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido), as quais lhe determinaram um período de ITA de 03/09/2016 a 12/10/2016 (num total de 40 dias) e uma IPP de 4,5% a partir de 12/10/2016 – cfr. auto de exame médico homologado por sentença de fls. 7 e 8 do apenso de fixação de incapacidade, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
- O A. despendeu com transportes e alimentação decorrentes da comparência obrigatória em Tribunal, a quantia de € 55,00.
- O empregador do A., aqui demandado, para a exploração agrícola a que se dedica necessita em média de 100 dias de jornas ao ano, pagando até € 40,00/dia por cada uma delas.
- O valor do capital anual do seguro contratado entre os aqui RR. ascendia a €3.500,00.
- O A. foi chamado pelo empregador aqui R. para no dia do sinistro em análise proceder à limpeza dum talude e da cabeceira do respectivo patamar de vinha, sendo que nesse talude existia um pinheiro isolado que o mesmo empregador pretendia abater,
- Esse pinheiro foi cortado e a respectiva lenha aproveitada na exploração do R., nomeadamente, para aquecimento das refeições dos trabalhadores, bem como coberto onde estas se realizam.
- Com esta tarefa o R. empregador pretendia apenas proceder à limpeza e melhor aproveitamento das videiras ali existentes.
- A exploração agrícola do R. é constituída por um prédio rústico sito em ... com cerca de 2 há e vários contíguos, cerca de 11, pertencentes a …, sendo a sua actividade principal a viticultura, tendo ainda oliveiras dispersas, taludes, cabeceiras, caminhos, terrenos de regadio para hortícolas, árvores de fruto, área de monte e mato.
- Para exercer a sua actividade carece de 100 jornas (dias/homem) de trabalho por ano, pelo que pagando € 35,00 por cada dia de trabalho, o valor salarial total anual ascende a € 3.500,00.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Do valor da retribuição anual do Autor a atender para efeitos de cálculo de indemnização por ITA e pensão decorrente de acidente de trabalho

Importa consignar que por o acidente a que os autos se reportam ter ocorrido no dia 2 de Setembro de 2016, a Lei aplicável, no que respeita ao regime dos acidentes de trabalho é a Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT) que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02.

Sendo agora incontroverso que o acidente sofrido pelo Autor no dia 2/09/2016 é de trabalho, tal como resulta do disposto do artigo 8.º n.º 1 da NLAT, sendo responsável pela sua reparação a seguradora para quem a entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade infortunística pela ocorrência de acidentes de trabalho, importa apurar se o cálculo da indemnização devida por ITA e da pensão devida por IPP tem por base a retribuição anual determinada nos termos do n.º 4 do art.º 71 da NLAT, não podendo ir a responsabilidade da seguradora além da retribuição para si transferida pelo empregador do sinistrado, no montante anual de €10.780,00. Ou deverá antes ter-se em atenção, a retribuição anual ficcionada resultante da conjugação dos n.ºs 5 e 9 do art.º 71.º da NLAT, no montante anual de €14.700,00 (€ 35,00/dia x 30 dias x 14 meses), como se defende na sentença recorrida.

Com relevo para apreciação desta questão, resulta da factualidade provada que à data do acidente o sinistrado era trabalhador ocasional/eventual do A. M./empregador, prestava as tarefas agrícolas para que era chamado e que importava realizar. Na altura havia sido chamado para proceder à limpeza dum talude e da cabeceira do respectivo patamar de vinha, auferindo como contrapartida a quantia de €35,00, por cada dia efectivo de trabalho.
Mais resultou da factualidade apurada que à data do acidente a responsabilidade infortunística/laboral encontrava-se transferida pelo empregador do sinistrado, para a Ré seguradora, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2808853, com base numa retribuição diária de trabalhadores homens de €35,00, num total anual de € 10.780,00.

Do confronto dos factos apurados conjugados com as regras da experiência, podemos inferir, sem margem para grandes dúvidas, que, a actividade desempenhada pelo sinistrado, por conta de outrem, à data do acidente era uma actividade ocasional, não regular, tendo como única referência a remuneração diária de €35,00.

Desde o início que as partes não se entendem sobre a forma como deve ser calculado o valor da retribuição anual a considerar no apuramento das prestações devidas a título de indemnização por ITA e de pensão anual e vitalícia.

Na sentença acolhe-se a posição do recorrido, entendendo-se que o cálculo deve ser efectuado com base na totalidade do número de dias correspondente ao período de um ano, acrescido de subsídio de férias e de natal

A recorrente entende que tal cálculo deve ser efectuado com base no número dias que comporta cada um dos meses do ano com exclusão dos de descanso previstos na lei, defendendo por isso ser esse o valor salarial que se encontra para si transferido, mas sendo certo, que do contrato de seguro apenas se fez constar o valor da retribuição diária auferida pelos homens.

Este Tribunal já se pronunciou uniformemente, por diversas vezes, sobre esta temática, não se vislumbrando qualquer razão para alterar de posição que temos vindo a sustentar.

Assim em situação idêntica nos pronunciamos nos acórdãos de 20/10/2016, Proc. n.º 282/14.0TTVRL; de 14/06/2018, Proc. n.º 1040/16.5T8VRL (1ª adjunta) e de 31/10/2018, Proc. n.º 1120/16.5T8VRL (consultáveis in www.dgsi.pt), em todas estas situações, se lançou mão do disposto no art.º 71º, n.º 5 da Lei 98/2009, de 04.09, tendo presente na decisão a proferir a ideia de que se visa com a reparação do acidente de trabalho a compensação do trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho, na perspectiva de que o acidente de trabalho não afecta apenas a capacidade de trabalho para aquela actividade desempenhada ocasionalmente, mas também para qualquer outra actividade que o trabalhador pudesse exercer no restante período normal de trabalho.

Passamos então a transcrever, no que a este propósito aí se fez consignar:

“Dispõe o artigo 71º da NLAT o seguinte:

«1 – A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 – Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5- Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6- (…).
7 – (…)
8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 artigo é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 – (…)
10 – (…)
11- Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».

Do citado n.º 1 do artigo 71º da NLAT resulta que quer a indemnização por incapacidade temporária, quer a pensão por acidente de trabalho devem ser calculadas tendo por base a retribuição anual ilíquida “normalmente” recebida pelo sinistrado, ou seja, a retribuição que por regra era recebida pelo sinistrado, tendo em conta os elementos constitutivos desta e a sua permanência, está em causa o carácter normal, e não excepcional ou esporádico da retribuição.

Tal como se fez consignar no Acórdão do Tribunal da Relação e Évora proferido no Proc. Nº 349/10.4T2SNS.E1, ainda que proferido ao abrigo da anterior Lei n.º 100/97, de 13/09, mas que mantêm aqui a sua actualidade “ao aludir a retribuição anual ilíquida, a lei não pretende significar que se deva atender à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado durante um ano: basta atentar que o trabalhador pode ser vítima de um acidente de trabalho logo num dos primeiros dias em que inicia a actividade para uma determinada entidade empregadora e nem por isso no cálculo da pensão a que o mesmo tenha direito deixará de se ter em conta a retribuição que normalmente ele auferiria nesse ano; o que a lei pretende ao estatuir que se atenda à retribuição anual ilíquida é, por um lado, determinar o cálculo da retribuição tendo por base um determinado período temporal e, por outro, precisar que essa retribuição a atender é ilíquida e não líquida. É nesta linha de entendimento que o número 4 do artigo 26.º manda atender, para efeitos de cálculo da retribuição anual não à retribuição concreta, mas ao “produto” (valor abstracto) que resulta da multiplicação por 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade.

Por sua vez, de acordo com o n.º 9 do artigo 26.º, estando em causa um trabalho não regular, aplica-se o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, que determina que se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente; e na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.”

A retribuição anual da Autora terá de ser encontrada nos termos acima mencionados.

No caso em apreciação está em causa um trabalho sazonal (apanha da azeitona), pelo que há-de considerar-se não regular.

Desconhecemos quantos dias a Autora trabalhava, sabemos apenas que quando a 2ª Ré a chamava, ia trabalhar e nesses dias auferia a retribuição de € 25,00, sendo por isso essa a retribuição do dia do acidente. Tal significa que a capacidade de ganho da Autora era de €25,00 por dia. Importa ter presente que a atribuição da pensão por acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela sua diminuição da capacidade laboral: assim, se essa limitação corresponde a um ganho de €25,00, devemos para efeito de reparação atender a tal montante.

Considerando que a pensão é fixada anualmente, tendo em conta a retribuição anual, será aquele valor diário que resulta da multiplicação por 30 dias, o valor da retribuição mensal e esta deverá ser multiplicada por 12 vezes, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade durante um ano, que terá de se atender para cálculo da pensão

Ora, atendendo à natureza do trabalho levado a cabo pela autora, trabalho este não regular, a natureza dos serviços prestados – apanha da azeitona -, a categoria profissional da Autora – trabalhadora rural -, o facto deste tipo de trabalho ter de ser feito em determinada época do ano, ter de ser efetuado com alguma celeridade, o que leva à contratação ocasional, normalmente mais bem paga do que o vulgar trabalho rural ou agrícola, consideramos que, para efeitos de cálculo da retribuição anual auferida pela Autora e tendo presente o disposto o mencionado n.º 5 e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 a 3, todos do referido art. 71º da NLAT, a retribuição diária auferida pela Autora deverá ser multiplicada por 30 dias e o seu produto multiplicado por 14 meses por ano. Ou seja, entende-se que a Autora auferia a retribuição mensal de €750,00, a que corresponde uma retribuição anual de €10.500,00 (€750,00 x 14 meses por ano), por considerarmos ser esta retribuição equilibrada em função da contratação efetuada e que servirá como base de cálculo para as indemnizações devidas à A. em consequência do acidente por ela sofrido.
(…)

Em suma, voltamos a afirmar que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar €25,00 por dia, ainda que seja no desempenho de uma actividade sazonal, não regular, sem que tenha sido possível apurar quantos dias a Autora trabalhou, é de fixar a retribuição anual tendo em conta aquele valor diário vezes 30 dias por mês, vezes, 14 meses por ano, improcedendo assim a pretendida fixação da retribuição tendo em conta o salario mínimo nacional.”

Neste sentido já este Tribunal da Relação se vinha pronunciando designadamente no acórdão de 2-06-2016, proferido no Proc.º n.º 151/14.4TTVRL.G1 (relator Sérgio Almeida), consultável em www.dgsi.pt, no qual se defendeu que a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e de ganho, ainda que no caso se tenha procedido à equiparação do trabalho sazonal ao trabalho a tempo parcial com a consequente aplicação do nº 9 do art.º 71º da NLAT nos seguintes termos:

“Deverá o cálculo das prestações devidas a titulo de indemnização das incapacidades temporárias e de pensão por IPP ter por base a retribuição anual determinada nos termos do n.º 4 do art.º 71 da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), não podendo ir a responsabilidade da seguradora além da retribuição para si transferida pelo R. empregador do sinistrado, no montante anual de € 2.042,12? Ou deverá antes ter-se em conta, como defende a decisão recorrida, a retribuição anual ficcionada aludida no n.º 9 do art.º 71.º da, no montante anual de € 16.800,00 (€ 40,00/d x 30 d x 14 m)?

Dispõe o art.º 71, sob a epigrafe "Cálculo e pagamento das prestações, da LAT, nos n.º 1 a 5 e 9, que:

“(…)
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
(…)
Ora, se o contrato por meio do qual o sinistrado presta a actividade pode suscitar dúvidas relativamente à caraterística de tempo parcial, na medida em que este corresponde "a um período normal de trabalho semanal inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável" (art.º 150, CT), também a pretensão da R. não encontra arrimo seguro, já que a sazonalidade corresponde ao que é próprio de uma estação do ano, que ocorre sempre em determinada época (cfr. por todos http://www.priberam.pt/dlpo/sazonal), já que a lenha poderá ser cortada em diversas alturas, ainda que porventura seja mais avisado fazê-lo quando se acha seca. Ou seja, esta é uma atividade irregular (um caso de irregularidade e não de sazonalidade é a prevista no art.º 140/2/e, 2ª parte: "outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima").

Certo é que para haver trabalho a tempo parcial não se mostra necessário que o trabalhador tenha um horário parcial todas as semanas (exceto, evidentemente, períodos de férias): um empregada doméstica que desempenha atividade quinzenalmente (vg um dia por quinzena), não deixa de trabalhar desta forma. Acresce que a prestação da atividade numa determinada época do ano não acarreta que deixe de haver trabalho a tempo parcial (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2012, proc. 421/06.5TTFIG.C1.S1, no qual a sinistrada se dedicava à sulfatagem de vinhas, mais se provando que "a algumas semanas em que trabalhava todos os dias úteis, sucediam-se semanas em que só trabalhava alguns dias úteis, bem como semanas em que não trabalhava qualquer dia"). Ou seja, ainda é caraterizável a situação como de trabalho a tempo parcial, até porque o trabalhador não cessa, que se conheça, de laborar noutras ocasiões, e nem desenvolve apenas atividade sazonal, isto é, que só possa prestar em determinadas alturas do ano.

Prosseguindo. Como escreveu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2015, no proc. 187/11.7TUVCT.G1.S1, aliás em recurso a decisão desta Relação, in www.dgsi.pt, "se fosse considerada relevante para o cálculo das prestações devidas a trabalhadores a tempo parcial a retribuição efetivamente paga ao sinistrado, ficaria por ressarcir a perda da capacidade de trabalho e de ganho em consequência do acidente, na parte complementar do dia normal de trabalho não ocupado com a atividade prestada ao responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente. O que se compreende, uma vez que o acidente de trabalho não afeta apenas a capacidade de trabalho para aquela atividade desempenhada a tempo parcial, mas também para qualquer outra atividade que o trabalhador pudesse exercer no período normal de trabalho, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de desempenho da correspondente atividade profissional. Tal como é sublinhado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de junho de 2002, proferido no Processo n.º 2773/01, da 4.ª Secção (Social), «não existe uma relação direta de proporcionalidade entre a duração do horário de trabalho praticado no momento do acidente e a duração das incapacidades deste derivadas: a incapacidade permanente vai afetar o sinistrado para o resto da sua vida ativa, diminuindo-lhe a capacidade de ganho durante todo o tempo possível de exercício de atividade, e não apenas no período de tempo equivalente ao horário parcial vigente aquando da ocorrência do acidente». Daí a razoabilidade da solução enunciada e que o acórdão referido considera válida para todas as situações de trabalho parcial, porque inteiramente alicerçada no «princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima» (cf. CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Anotado, 2.ª edição. Almedina, Coimbra, 2005, p. 226). Em suma: as prestações a conferir a trabalhadores a tempo parcial devem ser calculadas com base na retribuição correspondente ao período normal de trabalho a tempo inteiro"

Ponderando os factos verificamos que o sinistrado em 21.08.2013 prestava a actividade de trabalhador rural ao empregador D., mediante a retribuição diária de € 40,00, quando sofreu um infortúnio que lhe causou incapacidades para o trabalho. O empregador tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a C. mediante um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho por conta de outrem, trabalhadores agrícolas, na modalidade de seguro agrícola genérico, outorgado em 31.10.2008, formalmente titulado pela apólice n.º 4716869, abrangendo um quadro de pessoal de 2 homens, sem nome, e pela retribuição diária de € 51,05.

Dada a factualidade exposta a aplicabilidade do n.º 9 é fundada (e sempre se poderia aplicar regra semelhante, a não ser assim, por via do n.º 5, até porque, como escreveu o Supremo Tribunal de Justiça, no citado acórdão de 12-01-2012, "o que não seria justificável era que o empregador tivesse de suportar o pagamento de um prémio de seguro mais elevado... e... se constituísse um benefício para a seguradora, sem qualquer contrapartida": é que a seguradora, no caso, recebeu pelo valor de diário de € 51,05), que veio a por em causa na tentativa de conciliação.
De onde cabe efetivamente à R. ressarcir o sinistrado nos termos determinados.”

Esta é a posição que temos vindo a subscrever, pois é a que melhor se adequa ao princípio infortunístico da “necessidade de repor por inteiro, a capacidade de ganho da vítima”, não tendo sido alegado pela Recorrente Seguradora qualquer argumento que nos levasse a alterar a posição que temos vindo a defender. Ao contrário do pretendido pela Recorrente/Seguradora, não é de fixar o salário anual por si preconizado para efeitos de cálculo dos valores devidos ao sinistrado, pois os elementos que constam dos autos permitem-nos encontrar um valor superior e proceder ao seu cálculo tendo presente o prudente arbítrio do juiz.

Nem se diga que existe um injusto proveito ao ficcionar a retribuição do sinistrado, pois temos presente a realidade factualizada que se traduz na precaridade e na natureza dos trabalhos prestados pelo sinistrado de cariz agrícola, a prestar em período anual diferenciado, com duração normalmente de vários dias, consoante a natureza da actividade e em face da normalidade do ciclo produtivo, podendo ocupar efectivamente grande parte do ano, sendo por isso pouco relevante a necessidade do gozo efectivo de dias de descanso, feriados e férias e realçando por outro lado a precária situação económica do trabalhador à jorna.

Assim, retornando ao caso em apreço e ponderando a natureza do trabalho prestado pelo sinistrado, trabalho este não regular/ocasional, a categoria profissional do sinistrado – trabalhador agrícola - o facto deste tipo de trabalho ter de ser feito em determinada época do ano, o que leva à contratação ocasional, normalmente mais bem paga do que o vulgar trabalho rural ou agrícola e tendo presente o disposto no mencionado n.º 5 conjugado com o n.º 9 e em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 a 3, todos do referido art.º 71º da NLAT, é de considerar que a retribuição anual para efeitos de cálculo das prestações (indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e pensão), é a correspondente à retribuição que auferiria se trabalhasse a tempo inteiro.

Ou seja, entende-se, tal como na sentença recorrida, que o Autor auferia a retribuição mensal de €1.050,00 (€35,00 x 30), a que corresponde uma retribuição anual de €14.700,00 (€1.050,00 x 14 meses por ano), por considerarmos ser esta retribuição equilibrada em função da contratação realizada, da garantia da reposição por inteiro da capacidade de ganho e que servirá como base de cálculo para as indemnizações devidas ao A. em consequência do acidente por ele sofrido.

Em suma, tal como acima referimos a reparação do acidente de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade laboral e se tal capacidade correspondia à capacidade para ganhar €35,00 por dia, ainda que seja no desempenho de uma actividade ocasional, não regular, não tendo sido possível apurar a retribuição anual efectivamente auferida, é de fixar tal retribuição tendo em conta aquele valor diário vezes 30 dias por mês, vezes 14 meses por ano.

Só assim fica integralmente reparado o sinistrado, caso contrário ficaria por ressarcir a perda da capacidade de ganho decorrente do acidente nos dias não ocupados com a actividade prestada ao empregador.

Improcede o recurso interposto pela Ré seguradora.

V – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré Seguradoras ..., S.A. e confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga

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Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Não sendo possível apurar o valor da retribuição anual para efeitos de reparação de acidente de trabalho, do trabalhador eventual/ocasional, atento o prescrito no n.º 5 do art. 71.º da NLAT, incumbe ao juiz determinar a referida retribuição, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria do sinistrado e os usos.
II – Visando a reparação do acidente de trabalho compensar o trabalhador pela diminuição da capacidade para o trabalho e correspondendo aquela à capacidade de auferir €35,00 por dia é de fixar a retribuição anual da seguinte forma: €35,00 x 30 dias x 14meses.

Vera Sottomayor