Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
143/12.8IDBRG.G2
Relator: ISABEL CERQUEIRA
Descritores: ARGUIDO
ABSOLVIÇÃO
RECURSO
FALTA
CONDENAÇÃO
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Um arguido que foi anteriormente absolvido, não tendo havido recurso dessa absolvição pelo M.P., não pode, nem por força de reenvio para novo julgamento, vir a ser condenado pela prática desse crime.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 143/12.IDBRG.G2
Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal:
Relatório
Na Instância Local de Cabeceiras de Basto – Sec. Comp. Gen. – J1 da Comarca de Braga, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi, em 25/11/2014, proferida sentença (fls. 700 a 728), que condenou (no que aqui nos interessa) cada um dos arguidos Rui V. e a sociedade Costa & …,Ldª, pela prática em autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos art.ºs 105º n.ºs 1, 6º e 7º do RGIT, na pena de 260 dias de multa, às taxas diárias respectivas de 10,00 e 5,00 euros.
Desta sentença interpôs o arguido Rui V. o presente recurso (fls. 749 a 759), no qual defende ocorrer na decisão recorrida uma nulidade decorrente de nela não ter sido dado como provado que a declaração que deu origem ao imposto em causa fora entregue em 6/01/12, o que só por si implicava a sua absolvição, por ter sido dado como provado que apenas fora gerente de facto da sociedade co-arguida desde 2009 a 2010, além de não ter sido considerado que esta tinha a seu favor no montante de 25,762,54 euros. Acrescenta ocorrer erro de julgamento nos n.ºs 6 e 8 da decisão recorrida, o que por si só também implicaria a sua absolvição, nos termos do art.º 105º n.º 1 do RGIT, por o imposto em dívida ser apenas de 3.992,92 euros, bem como a da sociedade arguida.
A Magistrada do M.P. junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto (fls. 766 a 776), pugnando pela sua total improcedência.
O Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu o douto parecer que antecede, no qual se pronuncia pela procedência do recurso, por razões diversas das alegadas pelo recorrente, e pela absolvição do recorrente pessoa singular.
Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417º do CPP (Código de Processo Penal, que sempre será designado apenas por esta sigla), foram colhidos os vistos legais, e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.
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Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos, que apenas se transcrevem parcialmente:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A A. Costa & …, L.da é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com sede no Lugar do …, Cabeceiras de Basto, da qual foram sempre seus sócios o Arguido, Rui V. e Paula M., tendo como objecto social a actividade de … – CAE…...
2. A esta sociedade foi atribuído pela Administração Fiscal o número de identificação fiscal …., ficando vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte lhe cabem, designadamente estando registada para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado no regime normal com periodicidade mensal.
3. Pelo menos nos anos de 2009 e 2010, a gerência de facto da sociedade foi exercida pelo Arguido Rui V.
4. No exercício desta actividade, durante o mês de Novembro de 2009, a A. Costa & …, L.da cobrou e recebeu de clientes importâncias a título de imposto sobre o valor acrescentado – IVA -, que acresceram aos preços das mercadorias transacionadas ou dos serviços prestados.
5. Tais importâncias, pertença do Estado Português, ascenderam ao montante de €29.754,46, referente a IVA cobrado pela Arguida no referido mês de Novembro de 2009 e devidos ao Estado.
6. Tendo apurado, nos termos dos artigos 19.º a 25.º e 71.º do CIVA que esta quantia era pertença do Estado Português, a Arguida não as entregou a este, como devia, até ao dia 10 do 2.º mês seguinte ao mês do ano civil a que respeitavam, nem nos 90 dias posteriores.
7. Notificados para procederem, no prazo de 30 dias, ao pagamento de tal quantia, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, os Arguidos nada pagaram.
8. Esta quantia no valor de €29.754,46, por decisão do Arguido Rui V., foi integrada no património da A. Costa & …, L.da que delas dispôs, gastando-a em proveito próprio.
9. O Arguido Rui V. tomou tal decisão embora soubesse que aquele montante era pertença do Estado Português e que a este estavam obrigados a entregá-lo, através da Direcção de Serviços de Cobrança do Iva, até à data supra referida; fizeram-no actuando sempre em nome, por conta e no interesse da Arguida A. Costa & …, Lda.
10. Sabia o Arguido Rui V. carecer de autorização do Estado Português para levar a cabo a conduta que se descreveu.

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Fundamentação de facto e de direito
O recorrente vem pugnar pela sua absolvição do crime que lhe era imputado na acusação pública, designadamente, fundamentando essa sua pretensão, no facto por si impugnado de, à data dos factos em causa, não ser gerente de facto da co-arguida Costa & …, Ld.ª também condenada na decisão recorrida pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105º do RGIT.
Só que, e salvo melhor opinião, verifica-se, no caso sub judice, uma circunstância que por si só implica a sua absolvição do crime pelo qual foi condenado em 1ª instância, sob pena de reformatio in pejus proibida pelo art.º 409º n.º 1 do CPP.
A sentença agora em recurso, resultou do novo julgamento realizado na sequência do reenvio total decidido por este tribunal, no acórdão de fls. 530 a 546, relativamente à sentença anteriormente proferida e junta aos autos a fls. 330 e seguintes.
Nesta última sentença e pelo crime em causa, tinham sido absolvidos da prática dele o ora recorrente e Sandra C., apenas tinham sido condenados a sociedade Costa & …, Ldª e Albino J., que interpôs recurso dela, no âmbito do qual foi ordenado o reenvio supra referido.
Ora, relativamente àquela 1ª sentença que veio a ser declarada nula por este Tribunal, não fora pelo Ministério Público interposto recurso relativamente à absolvição (no que aqui nos interessa) do ora recorrente.
É entendimento da Doutrina (ver, neste sentido, Jorge Dias Duarte, Proibição de Reformatio in Pejus, consequências processuais, citado em anotação ao art.º 409º do Código de Processo Penal Anotado pelo Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto Vinício Ribeiro) e da Jurisprudência, citando-se entre outros os Acs. do STJ, de 8/07/2003, do Conselheiro Simas Santos in www.dgsi.pt, de 5/06/1991, CJ XVI, III, 29 e o referido pelo Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, do Cons. Artur Costa, que um arguido que foi anteriormente absolvido, não tendo havido recurso dessa absolvição pelo M.P., não pode, nem por força de reenvio para novo julgamento, vir a ser condenado pela prática desse crime.
Na verdade, e como refere aquele Jorge Duarte “A actual compreensão do processo penal como um processo equitativo., em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do processo, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas como um princípio dos recursos, mas como um princípio de todo o processo.
De tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto um recurso apenas pelo arguido (ou pelo MP no exclusivo interesse do arguido), tal recurso estabelece um limite à actividade Jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alterar a decisão em desfavor do arguido (repete-se) único recorrente.”.
Assim, e não obstante o princípio da extensão do recurso aos comparticipantes não recorrentes (art.º 402º n.ºs 1 e 2 alínea a)), nunca o recorrente poderia ter sido condenado pelo crime pelo qual fora anteriormente absolvido, sem que o M.P. tivesse recorrido dessa absolvição, pelo que, tem o recorrente que ser absolvido do crime pelo qual foi condenado na decisão agora recorrida, por violação do princípio da reformatio in pejus.
Tem, pois, que proceder na totalidade o recurso interposto, embora por razões diferentes das alegadas pelo recorrente.
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Decisão
Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal acordam em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo arguido Rui V., e consequentemente, em abolvê-lo da prática do crime que lhe era imputado.
Sem custas.
Guimarães, 25 de Maio de 2015