Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
93/10.2TAMDL-A.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No despacho que procedeu ao reexame dos pressupostos que sustentam a manutenção da medida de coacção previamente decretada, o dever de fundamentação reporta-se, simplesmente, ao objecto da decisão e não ao dever de fundamentação estabelecido no nº 6 do artº 194º, do CPP»
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Álvaro A... veio recorrer do despacho de 10/10/2014 que procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva.

Suscita, em síntese, as seguintes questões:

- ilegalidade do despacho por falta de fundamentação;

- ausência de audição do arguido para aplicação de tal medida e de notificação para se pronunciar.

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O MP respondeu pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

Despacho recorrido

“… Reexame dos pressupostos da prisão preventiva - artigo 213º do CPP:

Tratando-se, como é o caso, de despacho que procede ao reexame dos pressupostos de anterior decisão, o dever de fundamentação reporta-se, naturalmente, às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame.

Pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame. Devendo assim a decisão manter-se, salva a alteração dos pressupostos em que assentou (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2009, in sítio da Net do IGFEJ).

Nos presentes autos, em 14 de Junho de 2013, após o primeiro interrogatório judicial do arguido Álvaro A..., foi proferido despacho que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, porque os autos indiciavam que, além do mais, havia praticado factos que integravam o crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão cujo máximo é superior a cinco anos e, em concreto, se verificavam os perigos de fuga, de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a conservação ou veracidade da prova e de, em razão da natureza e das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de que este continuasse a actividade criminosa, sendo a prisão preventiva, a medida de coacção que, ln casu, se revelava necessária e adequada às exigências cautelares e proporcional à gravidade do crime e sanções que previsivelmente seriam aplicadas.

Posteriormente, reexaminados os pressupostos da aplicação dessa medida e verificado que os mesmos não tinham sofrido alteração, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva - cfr. despachos proferidos em 10 de Setembro de 2013 e 6 de Dezembro de 2013; e, ainda em 4 de Março de 2014 e 2 de Junho de 2014, pese embora o arguido, então, se encontrasse a cumprir pena de prisão, à ordem dos autos do processo comum nº 17/11.0GAPNF da comarca de Penafiel.

Entretanto, o arguido foi condenado nos presentes autos, por acórdão proferido em 15 de Julho de 2014 (cfr. fls. 3751 a 3810), por haver praticado factos que integram o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 21°, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, com a pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão; e, por factos que integravam o crime de detenção de arma proibida, com a pena de 1 (um) ano de prisão; e, em cúmulo jurídico, com a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Ora, não só nada emergiu nos autos que infirme a justeza dos despachos que aplicaram e mantiveram a prisão preventiva, mas, antes, são hoje fortíssimos os indícios, comprovados, de que o arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes que originou a sua prisão preventiva e mais se evidenciam os perigos de fuga e continuação da actividade criminosa, que só a prisão preventiva por forma adequada e suficiente poderá evitar.

Pelo exposto, afigurando-se-nos desnecessária a audição do arguido ou do Ministério Público, e dado que se não mostra excedido o prazo legal máximo da prisão preventiva (cfr, artigo 215°, nº1, alínea d), do C. P. Penal), determino que o arguido Álvaro A... - cumprida que esteja a pena devida nos autos do processo nº 17/11.0GAPNF - continue a aguardar nos presentes autos os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva.

Notifique (cfr. artigos 28°, nº 3, da Constituição da República Portuguesa e 113°, nº10, 114°, nº1, do C. P. Penal) e cumpra como se promove (cfr. fls. 4169 e 4170)”.

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Apreciando

No presente recurso, ao fim e ao cabo, insurge-se o arguido contra a medida de coacção de prisão preventiva por entender que uma vez que em 1-4-2014 foi desligado dos presentes autos para cumprir pena efectiva à ordem do processo 17/11.0 GAPNF, deveria agora ter sido ouvido de novo e ser o despacho devidamente fundamentado, indicando as razões de facto e de direito que estiveram na base da aplicação da medida de prisão preventiva e elencando os perigos em concreto que se verificam para a sua aplicação.

O MP na respectiva resposta escreveu, entre o mais, o seguinte:

“… O Colectivo não reavaliou na decisão condenatória os pressupostos da prisão preventiva imposta ao ora recorrente porque, na verdade, tal medida não estava em execução, assim como não esteve até 17.10.2014, data a partir da qual foi recolocado à ordem destes autos.

Cremos, assim, com todo o respeito, que não se impunha tal reavaliação.

Caso assim não seja, tratar-se-ia de mera irregularidade, que o ora recorrente deveria ter arguido até ao fim da sessão relativa à leitura da decisão em causa, nos termos do disposto nos arts. 118º/2 e 123º do Código do Processo Penal, já sanada pela prolação do despacho em discussão (cfr, neste sentido, o Ac. STJ de 31.03.2004, in CJ, XII, I, 222).

Contra o alegado, claramente que o douto despacho recorrido está devidamente fundamentado.

Basta lê-lo, com todo o respeito.

Por fim, não impõe o processo penal que o Juiz ouça o arguido ou o Ministério Público sobre a reavaliação dos pressupostos de medida de coacção aplicada.

Trata-se de uma opção que o legislador deixou ao livre e criterioso arbítrio do decisor (cfr, o art. 213º/3 do Código do Processo Penal) …

… estando o arguido já condenado em 1ª Instância na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, nomeadamente por crime de “tráfico de estupefacientes” (trata-se de crimes de especial gravidade, nas palavras do Ilustre Defensor);

Assim foi fundamentado, em síntese:

Ora, não só nada emergiu nos autos que infirme a justeza dos despachos que aplicaram e mantiveram a prisão preventiva, mas, antes, são hoje fortíssimos os indícios, comprovados, de que o arguido cometeu o crime de tráfico de estupefacientes que originou a sua prisão preventiva e mais se evidenciam os perigos de fuga e continuação da actividade criminosa, que só a prisão preventiva por forma adequada e suficiente poderá evitar.

Em síntese:

Cremos que não se revelam atenuados – antes pelo contrário – os pressupostos que determinaram a manutenção da prisão preventiva do arguido.

Aliás, invocando na essência apenas circunstâncias que já se verificavam (alegadamente) aquando da prisão preventiva do arguido, o Ilustre Defensor pretende agora, em rigor e no essencial (o pedido formulado assim o demonstra) a revogação do despacho que a decretou.

Deverá, o presente recurso ser julgado não provido e improcedente …”.

Por seu turno, o Exº PGA emitiu douto parecer invocando que:

“… O recorrente, a nosso ver, manifestamente confunde o despacho de reexame dos pressupostos da prisão preventiva contemplado no art. 213° do CPP (manutenção, ou substituição ou revogação), que foi aquele que o Mmo. juiz proferiu em 10-10-2014, ao decidir manter a prisão preventiva, do qual o recorrente interpôs o presente recurso, com o despacho de aplicação das medidas de coacção, ou seja com o que determinou a prisão preventiva, que tem a sua regulamentação no art. 194º do CPP. Os despachos aludidos têm claramente âmbitos distintos, este último trata da aplicação das medidas de coacção, que naturalmente engloba a prisão preventiva, o outro do reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação.

Ora, o despacho em causa no presente recurso, proferido em 10-10-2014, no âmbito do estatuído no art. 213° do CPP, trata tão-somente da apreciação da superveniência de circunstâncias que pudessem levar à alteração da anterior decisão, proferida em 14-07-2013, transitada em julgado, que havia decretada a prisão preventiva do recorrente.

Assim sendo, no presente recurso não está em causa, o despacho que decretou a medida de coacção impugnada - a prisão preventiva.

Mas aquele que procedeu, oficiosamente, à reapreciação dos seus pressupostos.

Não carece, pois de renovação a apreciação dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva previstos nos artigos 193º e 204º do CPP e efectuada no referido despacho transitado em julgado. Cumprindo apenas sindicar o despacho recorrido, relativamente à alteração dos pressupostos.

Tratando-se, assim, de despacho que procedeu ao reexame dos pressupostos que sustentam a manutenção da medida de coacção previamente decretada, o dever de fundamentação reporta-se, simplesmente, ao objecto da decisão: a superveniência, ou não, de circunstâncias que possam levar à alteração da anterior decisão, transitada em julgado, cujos pressupostos se reapreciam e não ao dever de fundamentação estabelecido no n° 6 do art. 194º do CPP.

Mantendo-se inalteradas as circunstâncias apreciadas no despacho anterior (proferido em 14-07-2013) que decretara a medida de coacção de prisão preventiva, e que é a situação que sucede no caso em apreço, esta será de manter.

A decisão recorrida encontra-se fundamentada em termos tais que não restam dúvidas, quer para o cidadão comum (colocado na situação do recorrente e conhecedor dos elementos de que este dispõe), quer para o recorrente, das razões concretas que levaram o Mmo. juiz a proferir a decisão que proferiu, ou seja, porque razão decidiu manter a medida de coacção de prisão preventiva anteriormente aplicada. Todavia, ainda que o não estivesse, sempre estaríamos perante uma irregularidade com o regime previsto no art. 123º do CPP, ou seja, estava sanada por falta de arguição atempada.

Enfatiza-se que a jurisprudência com unanimidade vem decidindo que «a decisão que aplicou a prisão preventiva só pode ser reformada se ocorrerem alterações fundamentais ou significativas da situação existente à data daquela decisão», pois que as medidas de coacção se encontram sujeitas à condição «rebus sic stantibus» (cfr. Acs. RP 28-04-04, proc. 0441521, de 16-11-05, proc. 0515288 in www.dgsi.pt e na doutrina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 1993, pág. 251 e 252 sustenta a necessidade de verificação de uma «alteração das circunstâncias»).

Em caso de reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva a lei (art. 213°, nº 3 do CPP) deixa ao prudente critério do juiz a decisão sobre a necessidade de audição prévia do Ministério Público e do arguido. E optando o juiz por não proceder à audição prévia, o não exercício de tal faculdade não tem de ser fundamentado (cfr., neste sentido, entre outros, Ac. desta Relação de 11-07-2013 proc. 21/12.0GAGMR-A.G2 in www.dgsi.pt).

3. Em conclusão: salvo melhor opinião, o presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão judicial posta em apreciação...”.

Subscreve-se integralmente o parecer acabado de transcrever, escudado como se mostra em jurisprudência e doutrina pacíficas e uniformes.

De facto no presente caso nenhum reparo mereceu ao recorrente o despacho em que foi decretada a respectiva prisão preventiva e o consequente juízo formulado pelo tribunal a quo quer quanto à existência de forte indiciação dos factos que lhe são imputados, consubstanciadores dos crimes de tráfico de estupefacientes (art. 21º.) e de detenção de arma proibida, quer quanto à verificação dos perigos de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa, o mesmo ocorrendo com os sucessivos despachos que mantiveram a medida em causa.

Entende porém que como, entretanto, cumpriu pena efectiva à ordem de distinto processo (de 1-4-2014 a 17-10-2014), o despacho recorrido deveria assumir contornos distintos, tudo devendo passar-se, em seu entender, como se jamais lhe tivesse sido aplicada qualquer medida de coacção nos presentes autos, nos quais, entretanto, até já foi julgado e condenado em 1ª instância em 5 anos e 3 meses de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes (art. 21º.), 1 ano de prisão por crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Contudo, não tem razão.

De facto não lhe foi aqui aplicada qualquer nova medida de coacção. Pura e simplesmente foi mantida a já anteriormente aplicada e que sempre se manteve relevante no âmbito deste processo, não obstante o recorrente tenha entretanto cumprido pena efectiva (em obediência às respectivas regras de precedência e aos próprios ditames da lógica) à ordem de distinto processo.

Daí que não se mostrando ultrapassado qualquer prazo de duração da prisão preventiva, resulte de todo irrelevante a simples retórica recursiva sobre a pretensa natureza contínua ou descontínua dos prazos atinentes às medidas de coacção.

Não merece, por isso, qualquer reparo o despacho recorrido, já que não padece de qualquer ilegalidade.

Falecendo, por conseguinte, o presente recurso.

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III- Decisão

Termos em que se nega provimento ao recurso, mantendo-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

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Guimarães, 12/1/2015