Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3820/15.8T8VNF-B.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PER
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITO
CRÉDITO LITIGIOSO
LISTA DE CREDORES
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os créditos litigiosos não são susceptíveis de integrar a lista provisória de créditos do PER.
II - A produção de prova – testemunhal e realização de diligências – é incompatível com a natureza e orgânica do PER, de onde resulta de forma evidente a intenção do legislador de obter uma decisão rápida que não se compadece com a produção de qualquer outra prova que não seja a documental junta aos autos com as impugnações e eventuais respostas bem como do parecer do Administrador Judicial Provisório.
III - A função relevante da lista definitiva de credores é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F/3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações (de aprovação judicial da lista) força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

Na reclamação de créditos, que corre por apenso aos autos Tribunal de origem: Comarca de Braga, V. N. Famalicão – Inst. Central – 2ª Sec.Comércio – J2. de Processo Especial de Revitalização (CIRE) em que é devedora C, a Srª. Administradora Judicial Provisória apresentou, em 19-06-2015, a lista provisória de créditos (cfr. nº 3 do art. 17º-D do CIRE).
Dentro do prazo de cinco úteis previsto no art. 17.º-D/3 do CIRE, foram apresentadas inúmeras impugnações à lista provisória de créditos oferecida pela Sra. Administradora Judicial Provisória.
Foram então conhecidas as impugnações, tendo sido proferida sentença em 18-07-2016 com o seguinte teor:
Tudo visto, ao abrigo do disposto no art. 17.º-D, nºs 3 e 4 do CIRE, decide-se:
- Não admitir, por extemporâneas, as impugnações aduzidas pelos credores P e A, PM e C;
- Julgar improcedentes as impugnações aduzidas pelos credores trabalhadores A, J, JC, JJ, JC, JL, JV, JM, JG, M, MA, MG, N, A, AR, AV, CF, JS, R, AA, AG, AC, AP, AB, AC, AM, CA, D, DP, E, F, FS e FF;
- Julgar improcedente a impugnação aduzida pela credora MG;
- Julgar improcedente a impugnação aduzida pelo credor IA;
- Julgar improcedente a impugnação aduzida pela devedora contra o crédito reconhecido ao credor BST;
- Julgar procedente a impugnação aduzida pelo “BC”, e, em, consequência, reconhecer a tal credor a titularidade de um crédito sobre a devedora no valor total de €457.261,60, sendo €28.187,77 sob condição;
- Julgar procedente a impugnação aduzida pela MCL e, em consequência, reconhecer a tal credora a titularidade de um crédito sobre a devedora no valor total de €57,51;
- Julgar procedente a impugnação aduzida pela UP, e, em consequência, reconhecer a tal credora a titularidade de um crédito sobre a devedora no valor total de €17.919,89;
- Julgar procedente a impugnação aduzida pela ZN, e, em consequência, reconhecer a tal credora a titularidade de um crédito sobre a devedora no valor total de €4.949,92; e,
- Julgar procedente a impugnação aduzida pela devedora, no que respeita ao credor IS, e, em consequência, reduzir o valor do crédito reconhecido a este credor para o valor total de €1.895.689.01.
Custas do incidente de impugnação pela devedora e pelos credores impugnantes que viram a sua impugnação ser julgada improcedente ou não admitida, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal. (cfr. artigos 527, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 17.º do CIRE, e 7, n.º4.º do Regulamento das Custas Processuais e tabela ii que lhe vem anexa).
Em face do ora decidido e do determinado infra, oportunamente o tribunal tomará posição acerca da homologação ou recusa de homologação do plano de recuperação apresentado.
Notifique, sendo a Sra. Administradora Judicial Provisória para, no prazo de 10 dias, elaborar novo documento com o resultado da votação, nos termos do n.º4 do art 17.º-F do CIRE, esclarecendo se o plano de recuperação se deve considerar aprovado ou não, tomando em consideração o ora decidido quanto às impugnações aduzidas contra a lista provisória de crédito.
Não se conformando com esta sentença, dela apelaram dois dos credores impugnantes que viram as suas impugnações serem julgadas improcedentes, in casu, IA, Instituto Desenvolvimento Empresarial e da Inovação do Atlântico e AS, que formularam, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A primeira:
I. Por despacho datado de 18/07/2016 o Meritíssimo Juiz titular destes autos de PER entendeu não reconhecer o crédito reclamado pela ora Recorrente com fundamento no trânsito em julgado de decisão judicial condenatória desta no pagamento à Devedora e absolutória da devedora do respectivo pedido reconvencional onde a Recorrente pretenderia ver reconhecido o direito de crédito reclamado nestes autos; A Recorrente não aceita, nem se conforma com a presente decisão, daí o presente recurso.
II. A conclusão de facto vertida no douto despacho em crise de que ocorreu o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos que correm termos sob o n.° 350398/09.9YIPRT no Supremo Tribunal de Justiça não corresponde à verdade devendo considerar-se, obviamente, não verificado o mencionado trânsito em julgado, o que se invoca com todos os efeitos legais com todas as consequência legais, bastando para tal atentar nos requerimentos e documentos que instruem estes autos de recurso, em concreto, o requerimento de 12/11/2015 apresentado pela Recorrente e o requerimento de 23/02/2016 apresentado pela Ilustre AJP em que fica patente a inexistência de prova documental de trânsito em julgado.
III. Diga-se, ainda, que mesmo que tivesse transitado em julgado a aludida decisão quanto à extinção do pedido reconvencional tal extinção ocorreria por absolvição da instância e não do pedido, razão pela qual a Recorrente manteria o direito de demandar com aqueles ou outros fundamentos a Devedora, o que, por maioria de razão, legitimaria a reclamação de créditos apresentada.
IV. Assim, e na verdade, existem nos autos elementos que demonstram com a suficiência exigível o crédito alegado e invocado pela Recorrente, ainda que condicional.
V. Desde logo porque corre ainda termos a acção judicial tendente à verificação do crédito reclamado pela Recorrente e, para além do mais, a reclamação/impugnação apresentadas e todos os elementos documentais juntos extravasam o objecto desses autos.
VI. A Recorrente sempre poderá, durante o prazo de prescrição ordinária, requerer que os valores e quantidades que constam das facturas emitidas na obra mencionada na reclamação de créditos estejam de acordo com as quantidades efectivamente incorporadas em obra.
VII. É que, tanto quanto se sabe, dos trabalhos facturados resulta que o edifício cuja construção foi contratada à Devedora, em vez do número de pisos que possui, podia possuir mais um piso, desconhecendo-se qual o destino dado pela Devedora aos materiais e trabalhos indevidamente facturados à Recorrente e que não foram incorporados em obra.
VIII. Das duas uma: ou na acção supra referida se conhece de tais circunstâncias e assim se faz justiça ou, entendendo-se que tal matéria não integra a defesa aí deduzida pela Recorrente e, por isso, não pode ser valorada, sempre esta poderá invocá-la noutros autos, como o fez e faz, aliás, nestes autos de processo especial de revitalização.
IX. Grande parte dos elementos documentais a que se refere o contrato celebrado entre a Devedora e a Recorrente estão juntos nos autos já sobejamente mencionado 350398/09.9YIPRT, tendo a Recorrente requerido ao Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo a sua notificação para proceder à sua junção, dado o número elevado de documentos envolvidos, caso este assim o entendesse por necessário ao juízo de prognose quanto à existência do crédito, circunstância que nunca sucedeu atento o fundamento com que veio a julgar-se improcedente a impugnação deduzida, mantendo-se o mesmo requerimento no âmbito deste recurso de apelação na hipótese de se entender que será necessário ordenar a baixa dos autos à primeira instância para produção de prova documental.
X. Ainda assim, muitos documentos relevantes foram juntos com a reclamação de créditos para o que, mais uma vez, se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
XI. Entre a Recorrente e a Devedora foi celebrado um Contrato de Empreitada em que esta figura como empreiteira e aquela como dono-de-obra, cujo objecto consistia nos trabalhos referentes à denominada 2ª fase da construção do edifício IA.
XII. No âmbito desse contrato de empreitada, importa definir as seguintes premissas para efeito do presente recurso:
. Preço efectivamente facturado pela Devedora no âmbito da empreitada dos autos: € 3.225.892,89;
. Preço global fixado no contrato de empreitada: € 2.589.014,74;
. Preço/valor já liquidado pela Recorrente no âmbito da empreitada dos autos: € 1.619.173,67;
. Preço/valor final da empreitada considerada como correcto pela Recorrente de acordo com o que está efectivamente incorporado e contratado: € 2.229.114,85;
. Capital reclamado pela Devedora à Recorrente: € 1.578.130,00;
XIII. A Recorrente não aceita o preço efectivamente facturado pela Devedora e, em consequência, não se considera devedora de tal preço, considerando, porém, que esta empreitada teve um preço real e contratual de € 2.229.114,85 E não € 3.225.892,89, tendo pago € 1.619.173,67, pelo que deve (que a final não deve por mero efeito de compensação), a esse título, a quantia de € 609.941,18.
XIV. Com efeito, ao valor de € 609.941,18 sempre deverá retirar-se o valor correspondente à indemnização devida pela Devedora relativo à perda de elegibilidade no montante de € 729.133,03 que aqui se reclama, o que torna a Recorrente credora, desde já, da quantia de € 119.191,85 o que se invoca e reclama a título de compensação de créditos, desde já.
XV. A Recorrente é, ainda, credora das multas aplicadas pelo atraso da empreitada no valor global de € 517.802,95 que aqui se invocam e reclamam.
XVI. Para além disso, é a Recorrente credora do pagamento de indemnização pelo custo de reparação dos defeitos conforme o relatório pericial, a saber, cerca de € 131.862,32,
XVII. e, ainda, da contabilização da nota de crédito no valor de € 155.000,00 que lhe é devida,
XVIII. o que perfaz a quantia de € 923.857,12 e que constitui o crédito que, nestes autos, se reclama.
XIX. Na motivação do presente recurso consta a alegação e demonstração extensiva do preço efectivo da empreitada, do débito real da Recorrente perante a Devedora e do débito desta para com a Recorrente e que, a título de compensação, resulta no crédito de que se arroga a Recorrente, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido por mera economia processual:
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com o seu entendimento a sentença recorrida viola, entre outras disposições, o disposto nos artigos 17º-E a 17º-I do CIRE, 3º, 4º, 5º, 6º, 277º, 278º, 279º, 285º, 576º, 580º, 581º, 582º todos do CPC, e nos artigos 762º a 816º, 847º a 856º, 1207º a 1228º todos do Código Civil.
TERMOS EM QUE
Deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, só assim se fazendo sã e inteira Justiça!
O segundo:
I. O Art.º 17.º-D do CIRE, não impede a produção de prova testemunhal ou outras diligências de prova, como as requeridas pelo aqui Recorrente ao abrigo da cooperação judiciária, e caso essa norma contivesse uma limitação aos meios de prova, haveria uma clara inconstitucionalidade;
II. A celeridade processual, não pode ser motivo de impedimento da averiguação da verdade dos factos, sob pena de se poder estar a patrocinar verdadeiras tropelias à verdade, ao direito e à justiça;
III. Ao não permitir-se a prova da impugnação com recurso à prova testemunhal e também da prova documental requerida da Devedora ao abrigo da cooperação judiciária, é impedir irremediavelmente a contestação aos créditos e com ela o total cerceamento da verdade;
IV. Não se vê que a celeridade que o legislador pretendeu imprimir ao processo seja razão para apenas admitir, como ditado na decisão recorrida, prova documental;
V. O apuramento do grau de ilicitude do comportamento do empregador para efeitos da determinação da indemnização devida ao trabalhador nos termos do Art.º 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não se extrai pura e simplesmente da posição da Administradora Judicial Provisória e, ainda menos, por razões óbvias, da posição da Devedora;
VI. Uma tal limitação não encontra qualquer correspondência nem na letra, nem no espírito da lei, sabido que existem outras providências, igualmente céleres onde nenhum meio de prova é passível de recusa;
VII. O novo código de processo civil, veio aportar um novo paradigma ao processo civil, sustentando-se este nos factos essenciais, o que o Recorrente alegou, sendo o essencial saber se os créditos impugnados correspondem ou não à verdade, essencialidade que foi vedada ao Apelante;
VIII. Não se afigura, de resto, curial, nem aceitável, que o reclamante que viu o seu crédito incluído na lista elaborada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo especial de revitalização, tenha de vir, em momento ulterior, impugnar a lista que vier a ser apresentada, no âmbito da insolvência, quando o deveria ter efectuado no momento próprio, i.e., no prazo previsto no PER para o efeito – n.º 7 do Art.º 17.º-G do CIRE;
IX. Tal significa, portanto, que importa que a lista apresentada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo de revitalização, se apresente desde logo tão exaustiva quanto possível, tendo em consideração o disposto no n.º 1 do Art.º 154.º do CIRE, não decorando o preconizado no n.º 2 do Art.º 129.º do mesmo diploma, ou seja, com a identificação de cada credor reclamante, o fundamento e montante dos créditos, a natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinada dos créditos.
X. Foram violados os Art.º 17.º-D n.º 3 do CIRE, 411.º, 413.º e 552.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, nos termos das conclusões referidas supra, fazendo-se desse modo a habitual JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir os recursos interpostos, providenciando pela sua subida.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do(s) recurso(s).
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:
IA:
- se reaprecie a questão da impugnação aduzida pela apelante credora do alegado crédito de que se acha titular sobre a devedora, pois é errado – o processo encontra-se ainda pendente no STJ – o fundamento invocado para a improcedência da impugnação do trânsito em julgado de decisão judicial condenatória daquela à devedora e absolutória da devedora do respectivo pedido reconvencional onde a apelante pretendia ver reconhecido o direito de crédito aqui reclamado;
AS:
- se aprecie a questão da incompatibilidade no PER e face ao previsto pelo art. 17º-D do CIRE da produção de prova testemunhal ou outras diligências de prova, como as requeridas pelo aqui Recorrente ao abrigo da cooperação judiciária.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.

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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Comecemos pelo recurso da apelante IA.

I) Questão da impugnação aduzida pela apelante credora do alegado crédito de que se acha titular sobre a devedora, por ser errado – o processo encontra-se ainda pendente no STJ – o fundamento invocado para a improcedência da impugnação do trânsito em julgado de decisão judicial condenatória daquela à devedora e absolutória da devedora do respectivo pedido reconvencional onde a apelante pretendia ver reconhecido o direito de crédito aqui reclamado

Insurge-se a apelante com o fundamento utilizado pelo tribunal a quo para julgar improcedente a impugnação por si aduzida, a saber: o trânsito em julgado de decisão judicial condenatória da apelante para com a devedora e absolutória da devedora do respectivo pedido reconvencional onde a apelante pretendia ver reconhecido o direito de crédito aqui reclamado. Alegando que tal trânsito não ocorreu, uma vez que interpôs recurso de tal decisão para o STJ, aonde os autos ainda se encontram.
Que dizer?

Não resulta dos autos que a invocada decisão condenatória e absolutória aludida na decisão do tribunal a quo e ora em recurso tenha já transitado em julgado. Resultando tão só que tal decisão, apesar de terem sido julgadas improcedentes ambas as apelações, por este Tribunal da Relação, e confirmando-se as decisões recorridas, inexiste dupla conforme (cfr. decisão deste Tribunal e admissão do recurso pelo STJ).
Todavia, o facto do tribunal a quo ter lavrado em erro ao aludir ao trânsito em julgado de tal decisão, afigura-se-nos nada alterar quanto ao aqui decidido. É que o sentido da decisão está correcto, o que é suficiente para se entender que o alegado crédito por parte da impugnante e ora apelante IA de que se acha titular sobre a devedora não está demonstrado, com a suficiência exigível. Isto porque, sendo tal crédito litigioso, não é susceptível de integrar a lista provisória de créditos do PER. Isso só depois de dirimida tal questão no processo próprio.
E não se diga que o alegado credor possa ficar prejudicado, face à particular natureza e orgânica do PER bem como do efeito reduzido da lista provisória de créditos infra abordados, para onde se remete.
Bem andou pois, a Srª Administradora Judicial Provisória ao não reconhecer o crédito reclamado e o Sr. Juiz do tribunal a quo ao julgar improcedente a impugnação aduzida pela ora apelante.
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Passemos, agora, ao recurso do apelante AS.

II) Questão da incompatibilidade no PER e face ao previsto pelo art. 17º-D do CIRE da produção de prova testemunhal ou outras diligências de prova, como as requeridas pelo aqui Recorrente ao abrigo da cooperação judiciária
Insurge-se o apelante por não ter sido atendida pelo Sr. Juiz a quo a sua requerida produção de prova ao abrigo da cooperação judiciária, aquando da impugnação por si efectuada pelo não reconhecimento parcial do seu crédito pela Srª Administradora Judicial provisória.
Sendo entendimento do Sr. Juiz que, face ao disposto no art. 17º-D/3 do CIE, tal produção de prova é incompatível com a natureza e orgânica do PER.
Quid iuris?

O entendimento do Sr. Juiz tem conhecido acolhimento maioritário por parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores, como passamos a demonstrar, exemplificando:
- Acórdão da Relação de Guimarães de 1-06-2015, processo nº 3066/14.2T8GMR-A.G1, acessível in www.dgsi.pt:
I - Tendo ocorrido impugnação da lista provisória de créditos relativamente a alguns dos créditos reclamados, devem os credores ser notificados dessas impugnações, uma vez que lhes é legalmente reconhecido o direito de resposta, decorrente da necessidade de garantia do contraditório que o artigo 3º, nº2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE.
II - Os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D, do CIRE, não são compatíveis com a produção de prova testemunhal.
III - A decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, assentando apenas em prova documental.
- Acórdão da Relação de Lisboa de 29-05-2014, processo nº 723/13.4TYLSB.L1-6, acessível in www.dgsi.pt:

1. O objetivo principal do processo especial de revitalização é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.
2. Tendo em conta a natureza e finalidade do processo especial de revitalização, a contagem do prazo de 20 dias a partir da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, nos termos do n.º2 do art.º 17.º-D do CIRE, não ofende o princípio constitucional da tutela jurisdicional plasmado no n.º1 do art.º 20.º da Lei Fundamental.
3. No processo de revitalização a impugnação de crédito e subsequente avaliação e decisão judicial só pode ser suportada em prova documental bastante que comprove a natureza, montante e vencimento do crédito reclamado.
- Acórdão da Relação de Coimbra de 17-06-2014, processo nº 728/13.5TBSCD-A.C1, acessível in www.dgsi.pt:
1.- O processo de listagem de créditos, previsto no art.17º-D do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, diferencia-se do processo de verificação e graduação de créditos, previsto nos arts.128º e seguintes desta lei, por razões da celeridade do Processo Especial de Revitalização e do objectivo daquela listagem, essencialmente a definição do quórum deliberativo neste processo.
2.- O processo do PER tem limitações processuais e, no caso dos créditos impugnados e da conversão dele em processo de insolvência, nada obstaculiza a que se siga depois o processo dos arts.128º e seguintes referido, na fase de saneamento, instrução e julgamento, para a decisão, mais aprofundada e suportada em adequadas garantias das partes, daquelas impugnações.
- Acórdão da Relação de Guimarães de 15-03-2016, processo nº 1947/15.5T8CHV-A.G1, acessível in www.dgsi.pt:
I- A aplicação do artigo 17º-D do CIRE deve ser deslocada para o princípio-regra de que a decisão deverá tender a ser baseada apenas nos elementos constantes dos autos, a proferir dentro dos 5 dias após a dedução das impugnações, entendimento que obtém a correcta e justa conciliação da especificidade do processo e do efectivo exercício dos direitos dos interessados, pois procura-se evitar que a produção de mais provas, ex officio ou por indicação das partes, contribua para a morosidade dum processo que se quer célere e eficaz;
II- Não é recomendável a produção de prova testemunhal em processo de revitalização para a impugnação de créditos e correspondente avaliação/decisão uma vez que esta tem apenas carácter definitivo neste processo para se poder estabelecer a base de cálculo das maiorias e delimitar quem pode participar nas negociações, daí não resultando a compressão irrazoável do princípio do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da CRP.
III- Atento o disposto na alínea b) do nº4 do artigo 47º, do CIRE, ainda que a credora seja uma pessoa especialmente relacionada com a devedora nos termos da previsão da alínea a), do nº2, do artigo 49º do CIRE, mantém-se a natureza privilegiada do crédito laboral, nos termos do artigo 333º nº1-alíneas a) e b) do CT, quanto aos créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação que gozam de privilégio mobiliário geral, e privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel da devedora no qual o trabalhador presta a sua actividade.

Concordamos com tais arestos, tendo o tribunal a quo decidido bem a impugnação apenas com base nos factos alegados e nos documentos juntos, indeferindo a produção de prova testemunhal e demais diligências probatórias requeridas.
Com efeito, a impugnação a que se refere o artigo 17º-D/3 do CIRE e a decisão que se lhe segue pouco têm a ver com a impugnação e decisão do processo de insolvência, como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda (in “CIRE Anotado”, 2ª edição, Lisboa, Quid Iuris, 2013, págs. 154 e ss.), face ao efeito reduzido da lista provisória de créditos: esta não impede a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência, aí com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios (cfr. AA. citados, pág. 159). Sendo, pois, tal produção de prova – testemunhal e realização de diligências – incompatível com a natureza e orgânica do PER, de onde resulta de forma evidente a intenção do legislador de obter uma decisão rápida que não se compadece com a produção de qualquer outra prova que não seja a documental junta aos autos com as impugnações e eventuais respostas bem como do parecer do Administrador Judicial Provisório. A função relevante da lista definitiva de credores é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F/3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações (de aprovação judicial da lista) força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.
A decisão deverá, pois, tender a ser baseada apenas nos elementos constantes dos autos, dentro dos 5 dias após a dedução das impugnações (prazo meramente ordenador ou procedimental), entendimento que obtém a correcta e justa conciliação da especificidade do processo e do efectivo exercício dos direitos dos interessados, pois procura-se evitar que a produção de mais provas, ex officio ou por indicação das partes, contribua para a morosidade dum processo que se quer célere e eficaz - e nem sequer se pode olvidar os efeitos que advêm da nomeação do administrador judicial provisório: obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor, suspende as acções contra ele instauradas com idêntica finalidade, e suspende os processos de insolvência após a publicação do despacho (vd. artigo 17º-E/1 e 6 do CIRE). No caso em apreço, na observância desses princípios, as circunstâncias não recomendam de facto a produção de prova testemunhal.
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Improcedem, assim, os recursos.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I - Os créditos litigiosos não são susceptíveis de integrar a lista provisória de créditos do PER.
II - A produção de prova – testemunhal e realização de diligências – é incompatível com a natureza e orgânica do PER, de onde resulta de forma evidente a intenção do legislador de obter uma decisão rápida que não se compadece com a produção de qualquer outra prova que não seja a documental junta aos autos com as impugnações e eventuais respostas bem como do parecer do Administrador Judicial Provisório.
III - A função relevante da lista definitiva de credores é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F/3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações (de aprovação judicial da lista) força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos recorrentes e consequentemente manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas ficam a cargo dos Apelantes.
Notifique.

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Guimarães, 9-02-2017

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(José Cravo)

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(António Figueiredo de Almeida)

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(Maria Cristina Cerdeira)