Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
232/19.8YRGMR
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: SENTENÇA PENAL EUROPEIA
ADAPTAÇÃO DIREITO INTERNO
EXECUÇÃO CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: SENTENÇA RECONHECIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Nos presentes autos foi formulado o pedido de reconhecimento e execução em Portugal de sentença penal europeia ao abrigo do disposto na Lei n.º 158/2015, de 17.09, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 115/2019, de 12.09.

II- Nos termos do disposto no aludido diploma legal, não cabe ao Estado de execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da sentença estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo em causa.

III- Neste sentido, relativamente à natureza da condenação, a sentença estrangeira apenas pode ser adaptada no caso de ser incompatível com o direito interno, em conformidade com o disposto no seu artigo 16º, nº 4.

IV- No caso vertente a pena de 182 dias de prisão efetiva, sendo perfeitamente compatível com o direito interno, não pode ser alterada, bem assim, como pretende o requerido, substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, ou cumprida na habitação ou em regime de prisão por dias livres, regime este entretanto revogado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães, ao abrigo da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, veio requerer o reconhecimento e a execução em Portugal, a fim de ser cumprida neste país, da sentença em matéria penal de 26.04.2018, n.º 635/18, proferida pelo Tribunal Grande Instância de Albertville, República Francesa, transitada em julgado a 07.05.2018, relativamente ao cidadão português J. M., nascido a -.12.1985, natural de …, titular do cartão de cidadão n.º …, com residência em Portugal na Rua …, …, Comarca de Braga, área de jurisdição deste Tribunal da relação de Guimarães.

Para tanto, alega e requer o seguinte [transcrição]:

1. Pela sentença de 26/04/2018, proferida pelo Tribunal Correcional de ALBERTVILLE, República Francesa, transitada em julgado a 07/05/2018, o requerido J. M. foi condenado na pena de 365 de prisão, devendo cumprir 182 dias desta pena, já que 183 dias foram suspensos na sua execução, pela prática de dois crimes, um de “ameaça de morte praticado por cônjuge, companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade” previsto e punido pelos artigos 132-80, 222-18, 222-44, 222-45, 222-48-1 e 222-48-2 do Código Penal Francês e pelos artigos 378 3 379-1, do Código Civil Francês, e um outro crime de “violência seguida de incapacidade que não ultrapassa 8 dias praticado por pessoa que é ou foi cônjuge companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade”, previsto e punido pelos artigos 132-80, 222-13, 222-44, 222-45, 222-48-1 e 222-48-2 do Código Penal Francês e pelos artigos 378 e 379-1 do Código Civil Francês;
2. Os termos desta condenação constam da certidão e da sentença que se anexam e que foram transmitidas a este tribunal para reconhecimento e execução, pelo membro nacional junto da EUROJUST, de acordo com o disposto no art.º 8, n.º2, al. a) da Lei 36/2003 e art.º 9-B de Decisão do Conselho 2009/426/JAI, tendo em vista o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de Novembro de 2008 e que foi transposta para o direito interno pela citada Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.
3. A certidão, devidamente transmitida em língua portuguesa, nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, al. a), e 5.º, n.ºs 1, e 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e 16.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 158/2015, foi emitida em conformidade com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida.
4. A sentença apresenta-se oferecida já com tradução para português - artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 158/2015.
5. Os crimes por que o requerido foi condenado estão incluídos pela autoridade de emissão na alínea n) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 158/2015 – “Homicídio voluntário, ofensas à integridade física graves e qualificadas e violência doméstica” -, não se mostrando necessária, assim, a verificação da dupla incriminação - (campo h), parte 2, da certidão).
6. O requerido tem nacionalidade portuguesa, reside em Portugal, em …, Braga, aí fazendo a sua vida, mantendo neste local as suas relações familiares, laborais e familiares.
7. Manifestou aquele, expressamente, vontade em cumprir aquela pena de prisão efetiva em Portugal, verificando-se que a execução da condenação em território nacional - Estado de execução – contribuirá, efectivamente, para atingir o objetivo de facilitar a sua reinserção social, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos necessários à transmissão, nos termos dos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e 8.º, n.º 1, al. a), da Lei 158/2015.
8. A transmissão da sentença a este tribunal foi efetuada, então, com base no pedido do condenado, com o seu consentimento, nos termos dos artigos 4.º, n.º 5, da Decisão-Quadro e 9.º, n.º 5, da Lei n.º 158/2015.
9. Este tribunal é o territorialmente competente para reconhecer a sentença, de acordo com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, com base na certidão emitida pelo Estado de emissão, sendo este requerimento a primeira das medidas necessárias ao reconhecimento da sentença condenatória que a pressupõe - artigo 16.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
10. Não se mostram verificados quaisquer motivos de recusa do reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no artigo 17.º da Lei n.º 158/2015, nem de adiamento do seu reconhecimento, nos termos do artigo 19.º do mesmo diploma, nada obstando ao seu reconhecimento - artigos 8.º, n.º 1, e 9.º da Decisão-Quadro 2002/909/JAI.
11.

Pelo exposto, D. e A. o presente, se requer a V.Ex.ª que:

1. Seja ao requerido J. M. designado defensor, notificando-se ao mesmo este requerimento;
2. Seja dispensada a audição do requerido já que a transmissão da sentença condenatória ocorre a seu pedido, tendo em vista a aplicação analógica do artigo 99.º, n.º 5, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na falta de disposição da citada Lei n.º 158/2015;
3. Seja comunicado ao Estado emissor e ao membro nacional de Portugal junto da EUROJUST a instauração deste procedimento de cooperação judiciária penal – artigo 21, al. a) da Lei n.º 158/2015;
4. Seja proferida decisão de reconhecimento da sentença, com posterior comunicação daquela a França, Estado emissor – art.º 21, al. c) da Lei n.º 158/2015; e
5. Seja ordenada a sua transmissão, oportunamente, ao Juízo Local Criminal de Vila Verde, da Comarca de Braga, para execução, por ser esse o tribunal competente para o efeito, de acordo com o disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 23.º da Lei n.º 158/2015.

Foram juntos documentos comprovativos do alegado.


2. Dado cumprimento ao disposto no artigo 99º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 (na falta de disposição na Lei n.º 158/2015), o requerido constituiu defensor e apresentou alegações, a manifestar a concordância e adesão do mesmo ao peticionado pelo Ministério Público no requerimento inicial, devendo, assim, ser confirmada a decisão, para que produzida todos os seus efeitos legais em Portugal. Porém, requereu que a pena de prisão efetiva seja substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, ou, caso assim se não entenda, pela prisão por dias livres, ou ainda pelo seu cumprimento na habitação.
3.Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
4.Cumpre apreciar e decidir, sendo este Tribunal territorialmente competente para o efeito, por ser o tribunal da Relação da área da residência em Portugal do condenado, sita em … (cf. art. 13º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015).
Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos diversos documentos constantes dos autos, designadamente a certidão, a decisão de condenação, e o pedido do condenado com que vem instruído o requerimento inicial e cuja autenticidade não oferece quaisquer dúvidas, decorre como provado o seguinte:

a) Por sentença de 26-04-2018, n.º 635/18, proferida no Tribunal de Grande Instância de Alberteville, França, transitada em julgado a 07.05.2018, foi o requerido, J. M., condenado na pena de 365 de prisão, devendo cumprir 182 dias desta pena, já que 183 dias foram suspensos na sua execução, pela prática de dois crimes, um de “ameaça de morte praticado por cônjuge, companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade” previsto e punido pelos artigos 132-80, 222-18, 222-44, 222-45, 222-48-1 e 222-48-2 do Código Penal Francês e pelos artigos 378 3 379-1, do Código Civil Francês, e um outro crime de “violência seguida de incapacidade que não ultrapassa 8 dias praticado por pessoa que é ou foi cônjuge companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade”, previsto e punido pelos artigos 132-80, 222-13, 222-44, 222-45, 222-48-1 e 222-48-2 do Código Penal Francês e pelos artigos 378 e 379-1 do Código Civil Francês, com fundamento nos seguintes factos:
- “No dia 24.04.2018, em …, em França, o requerido ameaçou voluntariamente de morte C. S., dirigindo-lhe as seguintes palavras “se tu me deixas sozinho eu mato-te e à tua família, sendo esta seu cônjuge ou companheiro ou parceiro ligado por um pacto civil de solidariedade”;
- “No dia 24.04.2018, em …, em França, o requerido voluntariamente cometeu violência contra C. S., não tendo provocado uma incapacidade de trabalho superior a oito dias, no caso concreto oito dias, com a circunstância de que os factos foram cometidos por cônjuge ou companheiro ou parceiro ligado por um pacto civil de solidariedade”.
b) A referida sentença, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, foi transmitida a este tribunal pela Procuradoria da República junto do Tribunal de Grande Instância de Albertville, França, para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de novembro.
c) A referida certidão foi emitida de acordo com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma, encontrando-se devidamente preenchida, estando também assegurada a sua tradução.
d) O requerido tem nacionalidade portuguesa e tem residência em Portugal, em …, Braga, aí fazendo a sua vida, mantendo neste local as suas relações familiares e laborais, tendo a autoridade de emissão considerado que a execução da condenação em Portugal contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado.
e) O requerido esteve presente no julgamento que conduziu à decisão.
f) A transmissão da sentença a este tribunal para seu reconhecimento foi efetuada com base em pedido que o condenado endereçou, a 07.06.2019, ao Tribunal de Grande Instância de Albertville, visando cumprir em Portugal a pena de 182 dias de prisão efetiva em que foi condenado
2. A pretensão formulada nos presentes autos baseia-se na Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 115/2019, de 12 de setembro, que aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.
O pedido formulado é o de reconhecimento e da execução, em Portugal, da sentença em matéria penal que impôs ao requerido uma pena de prisão, proferida pela autoridade competente de outro Estado membro da união europeia (França), com o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado - cf. art. 1º, n.º 1, 2ª parte, da Lei n.º 158/2015.
Este diploma, transpondo a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27 de novembro, do Conselho, veio substituir o regime de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, previsto e regulado nos arts. 234º a 240º do Código de Processo Penal, estabelecendo para estes casos um procedimento específico mais simples e célere, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, visando concretamente o reconhecimento da sentença penal estrangeira e a execução, em Portugal, da condenação.
Efetivamente, de acordo com o disposto no art. 229º do referido código, os efeitos das sentenças penais estrangeira são regulados pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições do seu Livro V (Relações com autoridades estrangeiras e entidades judiciárias internacionais).

2.1- Vejamos, então, o regime que, na parte relevante para o caso em apreço, decorre da citada Lei n.º 158/2015.

Dispõe o seu artigo 16º, n.º 1, que “Recebida a sentença, devidamente transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão e acompanhada da certidão emitida de acordo com modelo que consta do anexo i à presente lei, o Ministério Público promove o procedimento de reconhecimento, observando-se o disposto no artigo seguinte.”

Por seu turno, o artigo 17º, com a epígrafe "Causas de recusa de reconhecimento e de execução", estabelece que:

“1 - A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;
c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem;
d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;
g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;
h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;
i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;
k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.”

O artigo 3º, n.º 1, dispõe que são reconhecidas e executadas, sem controlo da dupla incriminação do facto, as sentenças que respeitem às infrações nele elencadas, desde que, de acordo com a lei do Estado de emissão, sejam puníveis como pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, no caso de infrações não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão.

2.2- No caso vertente, em face da matéria supra elencada, conclui-se estarem verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento da sentença estrangeira em questão e a execução, em território português, da pena aplicada ao requerido, conforme é solicitado.
Com efeito, desde logo a sentença foi transmitida a Portugal para esses efeitos, pela autoridade competente do Estado de emissão (França), acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei n.º 158/2015, a qual se mostra devidamente preenchida e traduzida para a língua portuguesa, correspondendo à sentença (cf. arts. 8º, n.º 1, 16º, n.º 1, 17º, n.º 1, als. a) e b), e 19º, n.ºs 1 e 2, desse diploma).
Os crimes pelos quais o requerido foi condenado no Estado de emissão ( crime de “ameaça de morte praticado por cônjuge, companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade” e crime de “violência seguida de incapacidade que não ultrapassa 8 dias praticado por pessoa que é ou foi cônjuge companheiro ou parceiro unido à vítima por pacto civil de solidariedade”) fazem parte do elenco do n.º 1 do artigo 3º, estando previstos na al. n) (homicídio voluntário, ofensas à integridade física graves e qualificadas e violência doméstica).
Acresce que também não se verifica qualquer outra das causas de recusa de reconhecimento e de execução previstas nas restantes alíneas do n.º 1 desse artigo, nem qualquer dos motivos de adiamento dos mesmos nos termos do seu artigo 19º.
Refira-se, especificamente, que não há notícia de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, que nos termos da lei portuguesa a pena não se mostra prescrita, que não existe uma imunidade que impeça a execução da condenação, que o condenado é imputável em razão da idade (pois nasceu a -.12.1985, tendo 32 anos na data dos factos) e que estão por cumprir mais de seis meses da pena [cfr. als. c), e), f), g) e h) do artigo 17º].
Acresce que o requerido esteve presente no julgamento e foi assistido por defensor [cfr. al. ii) do artigo 17º], e nenhuma das infrações em causa foi praticada em território nacional ou em local considerado como tal [cfr. al. l) do artigo 17º].
Refira-se ainda que o mesmo tem nacionalidade portuguesa e tem residência em Portugal, onde também reside a sua família, no concelho de …, comarca de Braga, tendo a autoridade de emissão considerado que a execução da condenação neste país contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a reinserção social do condenado.
Por outro lado, a transmissão da sentença para o seu reconhecimento e execução da condenação em Portugal foi efetuado com base no pedido que o próprio condenado dirigiu, em 07.06.2019, ao Procurador da República Francesa de Albertville, visando o cumprimento da pena em Portugal.
Nestes termos, cumpre proceder ao reconhecimento da sentença e à execução da condenação em Portugal.
Por último, refira-se que o requerido, notificado para se pronunciar sobre o pedido de reconhecimento e execução da sentença disse nada ter a opor. Porém, requereu que a pena de prisão efetiva a cumprir seja substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, ou, caso assim se não entenda, pela prisão por dias livres, ou ainda pelo seu cumprimento na habitação. Alegou a sua situação familiar e profissional e invocou como fundamento legal do seu pedido o disposto no artigo 16º da Lei nº 158/2015, de 17.09 e o disposto no artigo 100º, nº 2 al. a) da Lei nº 144/99, de 31.08.
Ora, segundo estabelece o nºs 3 e 4 do artigo 16º da Lei nº 158/2015, de 17.09, “3-Caso a duração da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença só pode adaptá-la se essa condenação exceder a pena máxima prevista para infrações semelhantes, não podendo a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei para infrações semelhantes.

4- Caso a natureza da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento pode adaptá-la à pena ou medida prevista na lei interna para infrações semelhantes, devendo essa pena ou medida corresponder tão exatamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão, e não podendo ser convertida em sanção pecuniária”.

Como se refere no Ac STJ de 02.02.2011, processo 301/09.2TRPRT.S1, publicado em www.dgsi.pt, relativamente a processo de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, ao abrigo da Lei 144/99, de 31-08, cujos fundamentos valem de igual modo para o caso vertente, “Apenas quando a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação desse Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infrações da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação, nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução – art. 10.º, n.º 2.Não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento daquela declaração de reserva e da norma legal contida no n.º 3 do art. 237.º CPP, tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP,“expurgá-la” na parte correspondente.”

Por isso, no caso sub judice este Tribunal da Relação está impedido de atender ao pedido formulado pelo requerido, alterando a natureza da decisão revidenda, a qual é perfeitamente compatível com o direito português.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em reconhecer a sentença de 26-04-2018, n.º 635/18, proferida no Tribunal Correcional de Alberteville, França, transitada em julgado a 07.05.2018, e em executar a condenação do requerido, J. M., na pena de 182 (cento e oitenta e dois) dias de prisão, a fim de o condenado a cumprir em Portugal.
Sem custas.
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Considerando que o requerido constituiu advogado, declaram-se cessadas as funções do Ilustre Defensor nomeado.
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Após trânsito:
- Informe-se a autoridade competente do Estado de emissão da decisão definitiva de reconhecimento da sentença e de execução da condenação, e da data da decisão, nos termos previstos no art. 21º, al. c) da Lei n.º 158/2015.
- Informe-se a autoridade competente do Estado de emissão e ao membro nacional de Portugal junto da EUROJUST a instauração deste procedimento de cooperação judiciária penal – artigo 21, al. a) da Lei n.º 158/2015;
- Proceda-se à transmissão para execução da condenação, ao Juízo Local Criminal de Vila Verde, da Comarca de Braga, por ser esse o tribunal competente, de acordo com o disposto no art. 13º, n.º 2, da referida Lei.
Guimarães, 09.12.2019

Armando da Rocha Azevedo – Relator
Clarisse S. Gonçalves - Adjunta