Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2928/16.7T8BRG.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇAO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A prova existente nos autos, nomeadamente a prova testemunhal indicada pelos recorrentes, não permite a alteração da matéria de facto dada como provada na 1ª Instância

II- Baseando-se a pretensão dos recorrentes na alteração daquela matéria de facto e mantendo-se a mesma inalterada, deve ser mantida também, em conformidade, a decisão proferida.

III- Mesmo para quem aceita, numa leitura atualista do artº 505º do CC, a concorrência entre a culpa e o risco do próprio veículo, essa concorrência apenas poderá ocorrer quando ambos contribuam causalmente para a produção do acidente; a responsabilidade pelo risco terá de ser excluída quando o acidente se tenha ficado a dever a culpa exclusiva do sinistrado.
Decisão Texto Integral:
R. F., melhor identificado nos autos, propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a X, Companhia de Seguros, SA, e a Y, Seguros Gerais, SA, ambas melhor identificadas nos autos, peticionando a condenação daquelas a pagarem-lhe a quantia de € 1.013.583,28, a título de danos patrimoniais (€ 810.312,16) e danos não patrimoniais (€ 203.271,12), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento, e, ainda, a quantia a liquidar em execução de sentença relativa a despesas a efetuar com tratamentos médico- cirúrgicos e eventuais intervenções cirúrgicas futuros.

Alegou para o efeito, em síntese, que tais quantias reportam-se aos danos que sofreu na sequência de um embate com o veículo de matrícula ME, seguro na Ré X, Companhia de Seguros, SA, produzido por culpa do respetivo condutor, o qual seguia desatento e a uma velocidade excessiva, quando o A. se preparava para atravessar a rua do (...), em Braga.

Invocou ainda que o veículo de matrícula ER, seguro na Ré Y, Seguros Gerais, SA, contribuiu para a produção daquele embate, na medida em que se encontrava parado em local inadequado à recolha de passageiros, ocupando parte da faixa de rodagem, impedindo a normal circulação dos veículos e obstruindo a visibilidade dos seus condutores, bem como a dos peões.
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A Ré X – Companhia de Seguros, SA contestou a ação, invocando, em síntese, que o embate ocorreu por culpa exclusiva do autor, o qual surgiu pela frente do veículo de matrícula ER, repentinamente a correr, vindo da direita, atendendo ao sentido de marcha do veículo de matrícula ME, quando este se encontrava a cerca de 5 metros de distância, sem se certificar que podia iniciar a travessia da rua do (...) em segurança.

Reconheceu, no entanto, que o veículo de matrícula ER pode ter contribuído para o embate, na medida em que estava imobilizado para deixar sair passageiros num local onde esta manobra é proibida, dificultando a visibilidade do autor e demais utentes da via.
Invocou o exagero e a desproporção dos montantes da indemnização peticionada e concluiu pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
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A Ré Y Seguros Gerais, SA contestou também, alegando desconhecer a ocorrência do embate e a participação do seu segurado, a verificação dos danos e dos respetivos montantes, os quais considerou de todo o modo desajustados.
Concluiu pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
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O A. faleceu no dia 01 de janeiro de 2017.
Por sentença datada de 19 de abril de 2017, foram julgados como seus únicos e universais herdeiros os progenitores B. R. e R. F., a fim de prosseguirem os termos desta acção.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Termos em que e face ao exposto, julga-se a ação improcedente, por não provada, e consequentemente absolvem-se as RR. X, Companhia de Seguros, SA e Y, Seguros Gerais, SA do pedido…”.
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Não se conformando com tal decisão, vieram os AA dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1- Os Recorrentes não podem concordar com a douta sentença recorrida por entender que nela se fez uma incorrecta apreciação da prova e uma incorrecta interpretação e aplicação da lei e do direito.
11- Os Recorrentes têm a profunda convicção, porque acreditam na Justiça e no Julgamento dos factos por pessoas mais experientes que analisem criticamente o referido pelas testemunhas, que os Venerandos Desembargadores, após analisarem os elementos probatórios existentes nos autos, nomeadamente, a prova documental, o depoimento de parte dos Recorrentes B. R. (…) e R. F. (…) e o depoimento das testemunhas J. S. (…), C. T., (…), J. F. (…), José (…), Maria (…) e J. A. (…), bem como as regras de experiencia comum e os factos que por serem públicos e notórios não carecem de prova, irão concluir pelo total desacerto do julgamento da matéria de facto feita pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
111- Os Venerandos Desembargadores, atento o exposto, deverão dar como não provado o facto constante no ponto 6 dos factos dados como provados na douta sentença e deverão dar como provados os factos constantes nos pontos 38, 39, 43, 44, 45, 50, 51, 52, 53 e 54 da matéria de facto dada como não provada.
IV- Relativamente aos factos constantes dos pontos 7 e 16 da matéria de facto dada como provada, é opinião dos Recorrentes que deveria ter sido, igualmente dado como provados outros factos relacionados com aqueles, pelo que tais pontos deverão passar a ter a seguinte redação: - Ponto 7) "E foi embater de imediato na parte lateral direita do veículo de matrícula ME, junto ao espelho retrovisor e porta desse lado que circulava pela faixa esquerda da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos." -Ponto 16) "E obstruía a visibilidade do condutor do veiculo ME que circulava na via da rua do (...) destinada ao trânsito no sentido estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos bem como dos peões para o lado esquerdo da mesma via".
V- Relativamente aos factos constantes dos pontos 41 e 47 da matéria de facto dada como não provada, é opinião dos Recorrentes que, atenta a prova produzida, deveria ter sido dado como provado o seguinte: Ponto 41) "O veiculo ME circulava a uma velocidade de aproximadamente 60 Km/h". Ponto 47) "O veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa da direita da via apresenta 2,50 metros de largura."
VI- Os Recorrentes têm a mais profunda convicção de que o Tribunal a quo, face à prova carreada e produzida nos autos, decidiu incorrecta e injustamente, afrontando de forma manifesta e grave as regras de experiência e do senso comum, e que os Venerandos Desembargadores, com a sua maior experiência, após analisarem criticamente os elementos probatórios existentes nos autos já mencionados, e não o fazendo de uma forma superficial como o Tribunal a quo o fez, irão concluir pelo total desacerto do julgamento da matéria de facto feita pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
VII- O Tribunal a quo, atenta a prova produzida em sede de julgamento e atentas as regras de experiencia comum, deveria ter dado como não provado o facto constante do ponto 6 da matéria de facto dada como provada.
VIII- Conforme resulta (e bem) da motivação da sentença do Tribunal a quo, as únicas pessoas que assistiram ao atropelamento do Autor primitivo dos presentes autos foram as testemunhas J. A. e J. S..
IX- Sucede que, não podemos esquecer que a testemunha J. A. foi o condutor que atropelou o Autor primitivo dos presentes autos, pelo que, o seu depoimento encontra-se sempre condicionado e sob reserva uma vez que, ainda que indirectamente, o mesmo é parte interessada na causa.
X- Por seu turno, a testemunha J. S., única testemunha ocular do acidente e parte totalmente desinteressada na causa, de forma isenta, verosímil e totalmente credível explicou ao Tribunal a quo as circunstancias em que o mesmo ocorreu.
XI- A referida testemunha de forma totalmente idónea esclareceu o Tribunal a quo que o Autor primitivo, antes de atravessar a rua, parou e ao primeiro passo que deu foi atropelado pelo condutor do veículo ME.
XII- É do senso comum que quem pára para atravessar, antes de o fazer, olha para os lados, direito e esquerdo, e verifica se pode atravessar.
XIII- O homem médio sabe que quem tem o impulso de atravessar qualquer rua/estrada sem verificar se o pode fazer, fá-lo, normalmente a correr, e não pára.
XIV- Assim sendo, face ao depoimento espontâneo, verdadeiro e coerente da testemunha J. S. e face às regras da experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provado o ponto 6 da matéria de facto dado como provada
XV- Quanto ao facto constante do ponto 7 da matéria de facto dada como provada, atenta a prova produzida e as regras de experiencia comum, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado tal facto na forma em que o fez.
XVI- Relativamente a este facto, também a testemunha J. S., de forma desinteressada, coerente e totalmente imparcial, esclareceu o Tribunal a quo que foi o veículo ME que embateu no peão R. F. e não o contrário.
XVII- Assim sendo e face ao depoimento espontâneo, verdadeiro e coerente da testemunha J. S. e face às regras da experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto constante do ponto 7) com a seguinte redacção: "O veículo de matrícula ME embateu com a sua parte lateral direita junto ao espelho retrovisor e porta desse lado no Autor R. F., quando circulava pela faixa esquerda da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos."
XVIII- Quanto ao facto constante do ponto 16 da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado tal facto na forma em que o fez.
XIX- Se é verdade que o veículo pesado de passageiros que ocupava a faixa direita da via da Rua do (...), destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro rotunda dos correios, obstruía a visibilidade dos peões para o lado esquerdo da via da rua do (...) destinada ao trânsito no sentido estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos, também é verdade que o referido veículo obstruía, igualmente, a visibilidade do condutor do veículo com a matrícula ME.
XX- Tal facto, para além de resultar provado através da prova testemunhal, também resulta da motivação da sentença ora recorrida (página 8) , quando o Tribunal a quo se refere ao depoimento da testemunha J. A., concluindo que: «Declarou que o veículo pesado de passageiros, imobilizado sobre a faixa da direita da via por onde circulavam impedia a sua visibilidade para o lado direito, reconhecendo que obstruía igualmente a visibilidade do peão (a vitima) para o lado esquerdo deste”.
XXI- Acresce ainda que quanto a tal facto, tanto a testemunha J. A. como a testemunha J. S. foram peremptórios em esclarecer que o autocarro parado no local em causa obstruía a visibilidade quer do Autor primitivo quer do condutor do veiculo ME, pelo que, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e atentas as regras de experiencia comum, o facto constante do ponto 16 da matéria de facto dada como provada deveria ter a seguinte redacção: «E obstruía a visibilidade do condutor do veiculo ME que circulava na via da rua do (...) destinada ao trânsito no sentido estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos bem como dos peões para o lado esquerdo da mesma via”.
XXIl- O Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos constantes dos pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como não provada.
XXIlI- Reitera-se quanto a estes factos tudo o que fora anteriormente alegado bem como a prova indicada para fundamentação da alteração do ponto 6 da matéria de facto dada como provada para não provada, a qual se dá por integralmente reproduzida e por uma questão de economia processual não se repete.
XXIV- A respeito destes factos, a testemunha J. S., única testemunha ocular do acidente, esclareceu que o Autor primitivo, antes de atravessar parou no eixo da via e ao primeiro passo que deu foi surpreendido pelo veículo ME, pelo que, estando ele parado, facilmente se deduzirá que não poderia estar a correr, como resulta erradamente dado como provado na douta sentença ora recorrida.
XXV- Além do mais, como já supra se referiu a propósito do ponto 6 da matéria de facto dada como provada, é do senso comum que quem pára para atravessar, antes de o fazer, olha para os lados direito e esquerdo e verifica se pode atravessar.
XXVI- Assim sendo, face ao depoimento espontâneo, verdadeiro e coerente da testemunha J. S. e face às regras da experiência comum, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos constantes dos pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como não provada.
XXVII-Quanto ao facto constante do ponto 41 da matéria de facto dada como não provada, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que: "O veiculo ME circulava a uma velocidade de aproximadamente 60 Km/h".
XXVII 1- A única testemunha ocular do atropelamento, J. S., quando questionado sobre este facto disse ao Tribunal a quo que atento o que presenciou, o veículo ME tinha que circular a pelo menos 60Km/h, pelo que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado tal facto, nos moldes pretendidos pelos Recorrentes.
XXIX- Quanto ao facto constante do ponto 43 da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal a quo, atenta a prova produzida deveria ter dado o mesmo como provado.
XXX- Sobre tal facto, depuseram várias testemunhas, nomeadamente, J. A., condutor do veiculo ME, que confessou ao Tribunal conhecer bem a rua em causa por nela circular diariamente, sendo a mesma uma rua bastante movimentada quer por veículos quer por peões.
XXXI- A testemunha C. T., agente da PSP, confirmou igualmente que a rua em causa é bastante movimentada e como tal obriga a atenção e cuidados redobrados na circulação da mesma.
XXXII-O facto da rua em apreço ser uma rua bastante movimentada, conjugado com o facto do condutor do veiculo ME ter avistado que existia um autocarro a ocupar a faixa da direita da via por onde aquele circulava e não obstante tais factos, o mesmo circular a uma velocidade excessiva de aproximadamente 60 Km/H (tal como é entendimento dos Recorrente nos moldes supra referidos) conformando-se com o risco que estava a correr, comprova que o condutor do veiculo ME, atento tais factos e as regras de experiencia comum, circulava com desatenção ás movimentações e obstáculos na via pública, designadamente á presença do veiculo ER na faixa da direita, pelo que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto constante do ponto 43 da matéria de facto dada como não provada.
XXXII 1- Quanto ao facto constante do ponto 44 da matéria de facto dada como não provada, também o mesmo deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
XXXIV- Resulta do depoimento da ÚNICA testemunha ocular do atropelamento, J. S., que o Autor primitivo foi projetado cerca de 3 ou 4 metros.
XXXV-Acresce ainda que resulta das regras da experiência comum que qualquer pessoa com as lesões apresentadas pelo Autor primitivo, e melhor descritas na petição inicial, teve de ser fortemente abalroado e projetado para as sofrer, pelo que, sem mais delongas e atento o supra exposto, o facto constante do ponto 44 da matéria de facto dada como não provada deveria ter sido dado como provado.
XXXVI- O facto constante do ponto 45 da matéria de facto dada como não provada trata-se de um facto notário e público, pelo que o mesmo não carece de prova.
XXXVII- Mais acresce que, facilmente se compreenderá que o referido facto corresponde à realidade, pois através da análise de meras fotografias, como por exemplo pela análise de fotografias aéreas e retiradas da aplicação do Google Maps, chegar-se-á a essa conclusão, sendo igualmente certo que o Tribunal a quo conhece perfeitamente o local em causa, pelo que perante o exposto, deveria ter sido dado como provado o facto constante no ponto 45 dos factos dados como não provados.
XXXVII 1- O Tribunal a quo deu como não provado no ponto 47 dos factos dados como não provados o seguinte: «47. O veículo ER apresenta 2,50 metros de largura." Efetivamente esse veiculo (autocarro) não se encontrava no local. Contudo, resulta do ponto 4 da matéria de facto dada como provada e da prova testemunhal que na faixa da direita da via da Rua do (...) destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro rotunda dos correios, encontrava-se um veículo pesado de passageiros, parado naquele sentido, a realizar recolha de passageiros.
XXXIX- Resulta das regras da experiência comum que qualquer pesado de passageiros possui 2,50 metros de largura, bem como tal largura encontra-se regulada e imposta por lei. Vide alínea a) do n.03 do artigo 3.0 do Decreto-Lei n. o 132/2017
XL- Assim sendo e atento o supra exposto, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado quanto ao ponto 47 da matéria de facto dada como não provada o seguinte: "O veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa da direita da via apresenta 2,50 metros de largura."
XLI- o Tribunal a quo, atento o depoimento das testemunhas J. S., Maria e das declarações de parte da Recorrente B. R., deveria ter dado como provado o facto constante do ponto 50 da matéria de facto dada como não provada, uma vez que todas elas foram peremptórias em afirmar que o Autor primitivo, face ás lesões que sofreu, apresentava a cara deformada, com uma cicatriz profunda na mesma, sendo tal facto igualmente visível através das fotografias juntas com a petição inicial.
XLII- Quanto ao facto constante do ponto 51 da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal a quo, não só deveria ter dado tal facto como provado, como atento o depoimento do médico ortopedista, Dr. J. F., deveria igualmente ter sido dado como provado que o quantum doloris fixado ao Autor primitivo era de 6 pontos.
XLIII- O Tribunal a quo deu como não provado o facto constante do ponto 52 da matéria de facto dada como não provada. Contudo, o mesmo deveria ter sido dado como provado, uma vez que a sua prova resulta desde logo das regras de experiência comum sendo evidente e notório que qualquer pessoa privada da sua liberdade, num hospital dependente de terceiros, limitado das suas capacidades, por via das lesões que sofreu com o atropelamento, sente-se deprimido, angustiado, inferiorizado, com vergonha e derrotado, perdendo toda a vontade de viver.
XLIV- Por fim, também os factos constantes dos pontos 53 e 54 da matéria de facto dada como não provada deveriam ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo, uma vez que a prova dos mesmos resultou clara e evidente quer dos depoimentos isentos e credíveis das testemunhas José e Maria, quer das declarações de parte dos próprios Recorrentes R. F. e B. R.s.
XLV- Os Recorrentes não podem concordar com a interpretação da lei e do direito dada pelo Tribunal a quo para fundamentar a improcedência dos presentes autos, por entenderem, salvo melhor opinião, que a mesma não se encontra correcta.
XLVI- O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente os presentes autos e consequentemente absolveu as Rés do pedido, por considerar que «... do circunstancialismo e da dinâmica do embate, não resultou nenhum facto que pudesse determinar a co-responsabilização do condutor do veículo segurado na Ré X, Companhia de Seguros SA." e que «A responsabilidade da Y, Seguros Gerais, SA é de excluir na medida em que não se provou que o veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa de rodagem direita da via destinada ao trânsito estação de caminho-de-ferro/ rotunda de Maximinos na ocasião do embate e que obstruía a visibilidade quer do condutor do veículo ME, quer a visibilidade do R. F. fosse o veículo de matrícula ER, propriedade do município de V., seguro nesta seguradora".
XLVII- Se tal entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo se justifica e entende no que concerne á Ré Y, uma vez que não ficou provado que o veiculo seu segurado, com a matricula ER, se encontrava parado na faixa da direita da via onde ocorreu o acidente, o mesmo, salvo melhor opinião, já não se entende quanto á responsabilidade do condutor do veiculo ME, segurado da Recorrida X uma vez que é profunda convicção dos Recorrentes que foi o condutor do veiculo em causal ME) que foi o responsável pelo acidente.
XLVIII- Se assim não se entender, o que não se concebe e apenas por mera hipótese teórica se coloca, deverá a Recorrida X, atenta a dinâmica do acidente, perfilhada pelos Recorrentes e que se julga que irá ser dada como provada na sua íntegra, ser responsabilizada pelo acidente, responsabilidade essa fundada no risco.
XLIX- Em circunstância alguma, o Tribunal a quo poderia ter considerado que o culpado pelo atropelamento ocorrido foi o Autor primitivo R. F., em virtude de ter infringido o disposto no artigo 101°, n" 1 do Cód. da Estrada. O Autor primitivo não teve qualquer culpa no acidente em causa, sendo o acidente em causa da inteira responsabilidade do condutor do veículo ME.
L- No momento dos factos, o condutor do veículo ME circulava na via em causa, a uma velocidade nunca inferior a 60 km/h, quando no local, a velocidade máxima permitida para o local era de 50 Km/h. (Facto constante do ponto 41 da matéria de facto dada como não provada que os Recorrentes entendem que deveria ter sido dada como provada). O condutor do veículo em causa circulava, no momento do acidente em excesso de velocidade para o local.
LI- O condutor do veículo ME tinha perfeito conhecimento, tal como o próprio confessou ao Tribunal a quo, que a via em que circulava é uma via bastante movimentada, quer ao nível de trânsito rodoviário quer ao nível de peões. (Facto constante do ponto 43 da matéria de facto dada como não provada que os Recorrentes entendem que deveria ter sido dada como provada).
LII- A acrescer a todos estes factos, a faixa do lado direito da via em que circulava encontrava-se impedida e obstruída com um veículo pesado de passageiros. (Facto constante do ponto 4 da matéria de facto dada como provada).
LIII- O Autor primitivo, antes de atravessar a rua verificou, com todo o cuidado e atenção, se algum veículo circulava na via. No entanto, considerando que o veículo pesado de passageiros impedia a visibilidade para a sua esquerda da via em questão, o Autor primitivo com todo o cuidado e atenção parou no eixo da via de sentido Norte/Sul, de forma a verificar novamente se algum veículo circulava na mesma. Factos constantes dos pontos 38 e 39 da matéria de facto dada como não provada que os Recorrentes entendem que deveriam ter sido dados como provados).
LIV- Neste momento o Autor primitivo foi surpreendido pelo veículo ME que se aproximava a cerca de 60 Km/ hora, motivo pelo qual não conseguiu ter qualquer reacção à aparição do referido veículo. (Facto constante do ponto 7 da matéria de facto dada como provada com a redacção que os Recorrentes entendem lhe dever ser dada).
LV- A faixa da esquerda, no mesmo sentido em que circulava o condutor do veículo ME, encontrava-se livre e desimpedida. (Facto constante do ponto 3 da matéria de facto dada como provada).
LVI- O Autor primitivo encontrava-se no eixo da via atento o sentido de circulação do veículo ME, porém, devido à velocidade que imprimia ao veículo, e a sua total desatenção às movimentações e obstáculos na via pública, nomeadamente ao facto do veículo pesado de passageiros se encontrar a obstruir a via da direita, o condutor do veiculo ME embateu violentamente no Autor primitivo. (Factos constantes dos pontos 41 e 43 da matéria de facto dada como não provada que os Recorrentes entendem que deveria ser dada como provada).
LVII- O condutor do veiculo ME, porque circulava totalmente desatento e em excesso de velocidade, não conseguiu efectuar qualquer travagem, nem conseguiu, pelos mesmos motivos realizar a manobra de esquiva por forma a contornar o peão que se encontrava no eixo da via, motivo pelo qual não conseguiu evitar o embate no Autor primitivo, atropelando-o e projetando-o a cerca de 4 metros do local de embate, tendo este ficado caído e esvaindo-se em sangue.
LVIII- O condutor do veículo ME poderia ter evitado o acidente, evitando o atropelamento do Autor primitivo sem lhe embater, se desviasse a sua viatura para a faixa da esquerda da via em que circulava, a qual se encontrava totalmente desimpedida.
LIX- O atropelamento deveu-se ao facto do condutor do veículo ME, conduzir totalmente desatento e a uma velocidade superior a 60 Km/hora, velocidade essa manifestamente excessiva, para o local do acidente, nomeadamente, zona habitacional.
LX- O condutor do veiculo ME deveria ter um cuidado acrescido por ter que contornar o veiculo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa de rodagem da direita, atento ao seu sentido de marcha, uma vez que a visibilidade, por tal motivo, se mostrava substancialmente reduzida, sendo que, por tal motivo, sempre existia a necessidade de conduzir a uma velocidade especialmente moderada, para que pudesse reagir a situações imprevisíveis.
LXI- Se tivesse agido desta forma, o condutor do veículo ME teria evitado o atropelamento, facto pelo qual se imputa a responsabilidade e culpa pela produção do presente sinistro. Vide artigos 24°, 25° e 27° do Código da Estrada.
LXII- Como tal, e atento o exposto, é da responsabilidade da Recorrida X indemnizar os Recorrentes pelas consequências e danos provocados pelo acidente em causa.
LXIII- Ainda que não se entenda que o condutor do veiculo ME foi o ÚNICO e EXCLUSIVO responsável pelo acidente em causa, por ter actuado com culpa grosseira, ao ter infringindo as normas do Código da Estrada supra citadas, sempre a Recorrida X seria responsável pelo risco no que concerne ao acidente em apreço nos autos. Vide artigo 503º do C.C.
LXIV- Tal como já se referiu, o condutor do veiculo ME circulava a uma velocidade de, pelo menos 60Km/h, num local onde a velocidade máxima permitida era de 50 Km/h, sendo que a via em que o condutor do veículo circulava era uma via bastante movimentada, sendo tal facto do conhecimento do indicado condutor que tal o confessou ao Tribunal a quo, por circular na mesma diariamente. Acresce ainda que a faixa da direita se encontrava obstruída por um veiculo pesado de passageiros.
LXV- O condutor do veiculo ME, não obstante tudo isso, em vez de reduzir a velocidade em virtude de poder surgir algum peão pela frente do indicado veiculo pesado de passageiros, continuou a uma velocidade superior á permitida e em qualquer circunstancia excessiva atento tudo o anteriormente exposto, conformando-se com o que poderia vir a suceder se de repente um peão, para ver se podia atravessar a via, desse um passo á frente do autocarro, o que efectivamente sucedeu.
LXVI- O Autor primitivo, pretendendo atravessar a via e uma vez que tinha o autocarro a impedir a sua visibilidade, deu um pequeno passo em frente por forma a conseguir ter visibilidade para o seu lado esquerdo. Atenta a velocidade em que circulava o veículo ME e a total desatenção do seu condutor, que não obstante os obstáculos da via, não se dignou em reduzir a velocidade que imprimia ao veiculo, o condutor não conseguiu nem parar nem desviar a trajetória do veiculo, atropelando imediatamente o Autor primitivo, projetando-o a cerca de 4 metros de distância.
LXVII- O Autor primitivo não teve qualquer responsabilidade no sinistro, uma vez que podia atravessar a via naquele local dada a inexistência de qualquer passagem para peões a menos de 50m ( Facto constante do ponto 11 da matéria de facto dada como provada), tendo o mesmo se limitado a, com todo o cuidado e atenção, atravessar a via, procurando olhar para o seu lado esquerdo por forma a assegurar e verificar que não vinha qualquer veículo.
LXVII 1- o condutor do veiculo ME sabia que poderia surgir um peão pela frente do autocarro que se encontrava a obstruir a faixa de rodagem da direita da via em que circulava e mesmo assim não tomou nem providenciou pela tomada de atenção e cuidados necessários para evitar o atropelamento, conformando-se com a sua possibilidade.
LXIX- É ao lesante que compete, para afastar a responsabilidade objectiva, a prova de algum dos casos previstos no artigo 505º do CC, o que, in casu, não sucedeu.
LXX- Assim sendo e atento o exposto, no caso de não se entender que o condutor do veiculo ME foi o culpado do acidente ocorrido, o que apenas se admite por mera hipótese teórica, existe, in casu, a verificação da responsabilidade objectiva baseada no risco, pelo que a Recorrida X deverá ser responsabilizada pelos danos provocados pelo acidente em apreço.
LXXI- Conforme refere o Tribunal a quo na motivação da sentença «É por demais evidente que a factualidade vertida nos pontos 17 a 27 consubstancia danos sofridos pelo R. F. na sequência do embate, os quais pela sua gravidade merecem a tutela do direito. "
LXXIl- O Autor primitivo tinha à data do acidente 28 anos, por ter nascido no dia 15.02.1986, tendo falecido no dia 01 de Janeiro de 2017. (Factos dados como provados no pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada).
LXXII1- Aquando do acidente, o Autor primitivo encontrava-se em situação de desemprego, procurando, contudo, ativamente uma oportunidade profissional, à medida dos seus objetivos e ambições pessoais (Facto dado como provado no ponto 30 da matéria de facto dada como provada e Facto dado como não provado no ponto 54 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXIV- Por via das lesões resultantes do acidente em causa, o Autor primitivo sofreu de uma incapacidade permanente em geral e para o trabalho de 80%, impossibilitando-o, dado o tipo e consequências das mesmas, de exercer a qualquer tipo de atividade profissional. (Facto dado como não provado no ponto 51 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXV- Atentas as aludidas lesões, a incapacidade delas resultante, a idade do Autor primitivo, a data do seu falecimento e lucros cessantes, o mesmo sofreu um prejuízo patrimonial de 17.808,00 euros, valor esse calculado com base nas regras previstas nas leis do trabalho, para cálculo das pensões devidas por incapacidade permanente e sua remição, pelo que, considerando o salário mínimo nacional de 530,00 euros, á data do acidente, o Autor poderia auferir anualmente, no imediato 7.420,00 euros.
LXXVI- Aplicando-se sobre o potencial rendimento anual do Autor de 5.936,00 euros (que corresponde a 50% do rendimento anual supra referido de 7.420,00 euros) uma taxa de 2%, uma vez que à taxa de juro de 4% deverá ser deduzida 1 % à conta da inflação e de outro 1% à conta do crédito da progressão profissional, incluindo os previsíveis ganhos de produtividade, e jogando com uma expectativa de vida de 31 anos, os danos ascendem à quantia de 17.S0S,00euros.
LXXVII- Desta forma, a título de danos patrimoniais, o Tribunal a quo deveria ter atribuído ao Autor primitivo a quantia indemnizatória no valor de 17.808,00€. Vide artigo 5620 do C.C.
LXXVII 1- Além dos danos patrimoniais supra indicados, o Autor primitivo tem direito ao pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por via do acidente em causa.
LXXIX- Em virtude das lesões sofridas, por via do acidente, o Autor primitivo, nos três anos seguintes que lhe restaram de vida, encontrou-se num estado de saúde muito debilitado, com sequelas permanentes e que o incapacitaram de ter uma vida normal.
LXXX- O Autor primitivo, por via das lesões sofridas tornou-se uma pessoa deficiente e psiquicamente inferiorizada. (Factos dados como não provados nos pontos 52 e 53 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXXI- Em virtude do acidente e das lesões sofridas, o Autor primitivo tinha uma cicatriz pronunciada na face e foi-lhe removida cirurgicamente parte do osso do crânio para tratamento do HSD, ficando gravemente deformado. (Facto dado como não provado no ponto 50 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXXIl- O Autor, desde a data do acidente até á data do seu óbito, não conseguiu falar, estando limitado à comunicação improvisada por gestos, nem tão poco se alimentar sem recurso a uma sonda. (Factos dados como não provados nos pontos 25 e 26 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXXII 1- O Autor primitivo sentia-se derrotado e com a vida destruída, o que tudo lhe provocou uma inimaginável depressão, dor e angústia. (Factos dados como não provados nos pontos 52 e 53 da matéria de facto dada como mão provada que os Recorrentes entendem pelos motivos já aduzidos que deveria ter sido dado como provado).
LXXXIV- O Autor sofreu, por via das lesões, lancinantes dores e incómodos, que se mantiveram até â data da sua morte, pelo que conviveu nesse período, diariamente com a dor, como consequência dos diversos problemas fisicos de que padecia. (Facto dado como provado nos ponto 27 da matéria de facto dada como provada).
LXXXV- Assim, deve ser considerada c como justa, equitativa e adequada a quantia de 202.935,92 euros para o ressarcir de tão elevados danos não patrimoniais, subdividindo-se este valor da seguinte forma:

• 22.284,72 euros pelo tempo de internamento hospitalar até à data da entrada da presente acção.
• 159.645,60 euros pelos danos biológicos, em específico pelas ofensas à integridade fisica e psíquica, decorrentes das lesões que sofreu por via do atropelamento.
• 5.000,00 euros pela valorização máxima (6 pontos) do quantum doloris, justificada pelo insuportável sofrimento a que o Autor primitivo foi sujeito diariamente desde que ocorreu o atropelamento até á data do seu falecimento, 3 anos depois.
• 10.260,00 euros pelos danos estéticos, especialmente pela deformação facial do Autor primitivo que atendendo à sua idade, correspondeu a um desgosto e desilusão que sentiu toda a sua vida sempre que se olhava ao espelho.
• 5.745,60 euros pelo prejuízo da afirmação pessoal do Autor primitivo que ficou completamente inibido de retomar a sua vida social e desenvolver as suas actividades diárias como fazia antes de ter sofrido o acidente.
LXXXVI- Assim sendo, atento o supra exposto e contrariamente ao fundamentado na douta sentença recorrida, no caso concreto, estão reunidos cumulativamente os requisitos legais para a verificação da responsabilidade civil da Recorrida X, pelo que deve ser a mesma ser condenada no pagamento da quantia de 17.808,00€, a título da danos patrimoniais e a quantia de 202.935,92 euros a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor primitivo.
LXXXVII- A douta sentença recorrida violou, além do mais, o artigo 3°, n03 alínea a) do Decreto -Lei n" 132/2017 de 11 de Outubro, artigos 19°,24°, 25° e 27° do Código da Estrada, artigos 503°, 505° e 562° do Código Civil e os artigos 412°, 640° e 662° do Cód. Processo Civil…”.
Pedem, a final, que seja revogada a sentença proferida e, em consequência, julgados procedentes os pedidos formulados pelos Recorrentes.
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Pela ré X foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto impugnada pelos recorrentes;
- Se perante a matéria de facto alterada deverá ser alterada a decisão em conformidade, com a condenação da ré X no pedido por eles formulado;
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Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:

1. A rua do (...), em Maximinos, Braga, configura uma reta com mais de 100 metros de comprimento, constituída por duas vias de circulação, cada uma delas destinada a um único sentido de marcha, delimitadas por separador central com arbustos e ajardinado e por lugares de estacionamento em posição oblíqua.
2. Cada uma das vias de circulação possui duas faixas de rodagem, com a largura de sensivelmente 3,30 metros cada.
3. No dia 29 de junho de 2014, pelas 14 horas e 45 minutos, o veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes, com a matrícula ME, propriedade de J. A., conduzido por este, circulava na rua do (...), no sentido estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos (norte/sul), pela faixa da esquerda da via destinada a este sentido de marcha, a qual se encontrava livre e desimpedida.
4. Nesse momento, a faixa da direita da via da rua do (...) destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios, encontrava-se ocupada por um veículo pesado de transporte de passageiros, parado naquele sentido, a realizar recolha de passageiros.
5. Nestas circunstâncias, o A. R. F. iniciou a travessia da rua do (...), junto ao prédio com o nº …, da direita para a esquerda, atendendo ao sentido estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios, a cerca de 0,5 metro à frente do local onde se encontrava parado o veículo pesado de passageiros,
6. Em passo de corrida e sem ter verificado se circulava algum veículo na via.
7. E foi embater de imediato na parte lateral direita do veículo de matrícula ME, junto ao espelho retrovisor e porta desse lado, que circulava pela faixa esquerda da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos.
8. Após o embate no veículo ME, o A. caiu ao solo, sensivelmente sobre o eixo da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos, onde ficou imobilizado, a sangrar.
9. O veículo de matrícula ME não efetuou qualquer travagem antes do embate com o A. R. F..
10. À data do embate, o piso da rua do (...) encontrava-se seco e limpo.
11. E existiam duas passagens para peões, uma a norte e outra a sul do local do embate, ambas situadas a mais de 50 metros.
12. E existia uma passagem aérea - ponte metálica- destinada aos peões a sul do local do embate, situada a mais de 50 metros.
13. E a sul do local do embate existia a mais de 50 metros uma paragem para transportes coletivos de passageiros.
14. O local onde o veículo pesado de passageiros se encontrava parado não se destinava a recolher passageiros.
15. O veículo pesado de passageiros impedia a circulação dos veículos pela faixa da direita da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos que seguiam nesse sentido e obstruía a visibilidade dos seus condutores para a sua direita.
16. E obstruía a visibilidade dos peões para o lado esquerdo da via da rua do (...) destinada ao trânsito no sentido estação de caminho-de-ferro/rotunda dos correios de Maximinos.
17. Em consequência direta do embate, o A. R. F. sofreu traumatismo crânio-encefálico, com hematoma subdural agudo (HSD) no hemisférico direito, hemorragia subaracnoide (HSA) e desvio na linha média em cerca de 11mm; traumatismo torácico – contusões pulmonares; traumatismo da face, na região malar esquerda, com ferida sujeita a sutura; e fratura do cotovelo direito.
18. Após o embate, o A. R. F. foi transportado para o Hospital de Braga, onde foi admitido na unidade de cuidados intensivos polivalente, tendo sido submetido a drenagem do HSD e craniectomia descompressiva e a traqueostomia.
19. A 14 de julho de 2014, o A. R. F. foi transferido para a unidade de cuidados neurocríticos (UCIN) para continuação de cuidados.
20. E, posteriormente, foi transferido sucessivamente para Neurocirurgia e para Medicina Física e de Reabilitação.
21. À data da transferência para a MFR, o A. encontrava-se totalmente dependente nas atividades da vida diárias, transferências e locomoção.
22. O A. esteve internado no Centro de Reabilitação do Norte entre 30 de outubro de 2014 e 30 de janeiro de 2015.
23. Do dia 30 de janeiro de 2015 até ao dia 8 de maio de 2015, o A. permaneceu na unidade de cuidados continuados integrados de Vila do Conde.
24. E foi transferido no dia 8 de maio de 2015 para a unidade de cuidados continuados integrados da Domus Fraternitas, em Braga, onde permaneceu até 28 de julho de 2016, data em que teve alta para o domicílio com acompanhamento da equipa de cuidados continuados integrados.
25. Na data da alta, o A. R. F. apresentava-se consciente, com abertura ocular à chamada, não falava, cumpria ordem de elevar o braço e a perna esquerdas, expelia secreções abundantes, pela traqueostomia, necessitando de aspiração em SOS; alimentava-se por gastrostomia endoscópica percutânea (PEG); apresentava tetraplésia espástica de predomínio direito, equilíbrio cefálico precário, ortostatismo precário, com apoio bilateral, sem capacitação para efetuar a marcha, totalmente dependente nas atividades da vida diária, tendo beneficiado de apoio técnico e especializado, realizando a reabilitação de sequelas dos politraumatismos, com evolução funcional favorável lenta.
26. Nos últimos seis meses de vida, o A. R. F. alimentava-se por via oral, sem recurso a gastrostomia endoscópica percutânea.
27. O A. sofreu, por via das lesões, dores que se mantiveram até à sua morte.
28. O A. R. F. nasceu no dia 15.02.1986
29. E faleceu no dia 01 de janeiro de 2017.
30. À data do embate, o A. não desenvolvia qualquer atividade profissional.
31. Antes do embate, o A. era alegre.
32. O A. sofria de epilepsia desde os 12 meses de idade e estudou até ao 5º ano, não tendo completado a escolaridade obrigatória.
33. À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ME pelos danos causados a terceiros encontrava-se transferida para a Ré X – Companhia de Seguros, SA, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º … 01.
34. À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ER pelos danos causados a terceiros encontrava-se transferida para a Ré Y, Seguros Gerais, SA, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º …”.

E foram dados como não provados os seguintes:

35. O veículo indicado no ponto 4 era o veículo pesado de passageiros de marca MAN, de matrícula ER, pertencente ao Município de V..
36. E era conduzido, nessa ocasião, por um funcionário do Município de V., no âmbito das funções contratadas, ao serviço daquela entidade.
37. E encontrava-se com o motor ligado posicionado a cerca de 10 metros antes do local do embate.
38. O A., antes de atravessar a rua do (...), verificou se algum veículo circulava na via.
39. E parou no eixo da via da direita, atendendo ao sentido norte/sul, de forma a verificar novamente se algum veículo circulava na via.
40. O A iniciou a travessia da rua do (...) quando o veículo ME se encontrava a menos de 05 metros de distância
41. O veículo ME circulava a 100km/h.
42. O veículo ME circulava a uma velocidade de cerca de 40 km/h.
43. E o seu condutor conduzia com desatenção às movimentações e obstáculos na via pública, designadamente à presença do veículo ER na faixa da direita.
44. O A. foi projetado cerca de 4 metros do local do embate.
45. A rua do (...) apresenta a extensão de 125 metros desde o seu início até ao local do embate, atento o sentido de marcha do condutor do veículo ME, apresentando inclinação ascendente.
46. E tem a largura total de 14,00 metros e os lugares de estacionamento que a delimitam em posição oblíqua de ambos os lados têm cerca de 4,50 metros.
47. O veículo ER apresenta 2,50 metros de largura.
48. E no momento do embate encontrava-se afastado do limite da via cerca de 0,80 metros, ocupando-a completamente.
49. A faixa de rodagem da direita, no mesmo sentido em que circulava o condutor do veículo ME, encontrava-se livre e desimpedida.
50. Em virtude do embate e das lesões sofridas, o A. apresentava uma cicatriz profunda na face.
51. Por via das lesões, o A. sofreu de uma incapacidade permanente em geral e para o trabalho de 80%, impossibilitando-o de exercer qualquer tipo de atividade profissional.
52. Após o embate, atendendo às lesões sofridas, o A. sentiu-se deprimido, angustiado, inferiorizado, com vergonha e derrotado, perdendo toda a vontade de viver.
53. Antes do embate, o A. era saudável e dinâmico e tinha como principais passatempos passear e conviver com os amigos.
54. O A. procurava ativamente uma oportunidade profissional, à medida dos seus objetivos e ambições pessoais.
55. Na sequência do embate, os sapatos, o par de calças e a t-shirt que o A. vestia e o seu telemóvel, com o valor global de € 500,00 ficaram danificados”.
*
Da impugnação da matéria de facto:

Insurgem-se os recorrentes contra a matéria de facto dada como provada no ponto 6, a qual consideram que deveria ter sido dada como não provada, e contra a matéria de facto dada como não provada nos pontos 38, 39, 43, 44, 45, 50, 51, 52, 53 e 54, a qual consideram que deveria ter sido dada como provada.

Relativamente aos factos constantes dos pontos 7 e 16 da matéria de facto provada, consideram também os recorrentes que a redacção desses pontos deveria ser alterada, passando os mesmos a ter a seguinte redação:

Ponto 7) "O veículo de matrícula ME embateu com a sua parte lateral direita junto ao espelho retrovisor e porta desse lado no Autor R. F., quando circulava pela faixa esquerda da via destinada ao sentido de marcha estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos.
Ponto 16) "E obstruía a visibilidade do condutor do veiculo ME que circulava na via da rua do (...) destinada ao trânsito no sentido estação de caminho-de-ferro/ rotunda dos correios de Maximinos, bem como dos peões para o lado esquerdo da mesma via".

E relativamente aos factos constantes dos pontos 41 e 47 da matéria de facto dada como não provada, consideram ainda os recorrentes que, atenta a prova produzida, deveria ter sido dado como provado o seguinte:

Ponto 41) "O veiculo ME circulava a uma velocidade de aproximadamente 60 Km/h".
Ponto 47) "O veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa da direita da via apresenta 2,50 metros de largura."

Baseiam a sua discordância na prova documental existente nos autos (a qual não indicam, no entanto); no seu depoimento de parte; e no depoimento das testemunhas J. S., C. T., J. F., José, Maria e J. A., bem como nas regras de experiencia comum.

Mas não acompanhamos os recorrentes.

Examinada a prova produzida nos autos, nomeadamente a prova testemunhal por eles indicada, não podemos concordar com os mesmos, considerando, pelo contrário, que foi bem apreciada e decidida pelo tribunal recorrido a matéria de facto em causa.

Assim, quanto ao ponto 6 da matéria de facto dada como provada (o qual tem de ser apreciado na sequência do ponto 5, anterior), do qual consta que “…o A. R. F. iniciou a travessia da rua do (...) (…), da direita para a esquerda (…), a cerca de 0,5 metro à frente do local onde se encontrava parado o veículo pesado de passageiros (…) “Em passo de corrida e sem ter verificado se circulava algum veículo na via”, o mesmo foi dado como provado com base no depoimento das testemunhas J. A., o condutor do veículo ME, e J. S., que se encontrava do outro lado da via e assistiu ao embate, os quais mereceram ao tribunal recorrido inteira credibilidade, convicção com a qual também ficamos, auditados que foram tais depoimentos.

Confirmaram ambas as testemunhas ao tribunal que o peão atravessou a via por onde circulava o veículo ME, a rua do (...), a correr, da direita para a esquerda, no sentido de marcha daquele veículo, e sem verificar se circulava algum veículo naquela rua (e naquele sentido).

Relatou a testemunha J. A. ao tribunal que o peão lhe surgiu de repente na frente do seu veículo, em passo de corrida, pela frente do veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa de rodagem da direita, rente a este, tendo embatido com o corpo no espelho retrovisor direito do seu veículo (ME), junto à porta da frente do mesmo lado, caindo de imediato no chão e ficando aí deitado.

Deixou bem claro a testemunha que o peão não parou em momento algum antes de iniciar a travessia da via, nem se certificou de que circulavam veículos na mesma, nomeadamente do seu dado esquerdo.

A testemunha J. S., disse, por sua vez, que presenciou o acidente, pois tinha estacionado o seu veículo junto à igreja que se situa do lado esquerdo da rua do (...), tendo visto o peão R. F. a iniciar a travessia daquela rua, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do ME, pela frente do veículo pesado de passageiros, a cerca de meio metro deste, indo o R. F. ao seu encontro, mal o viu, atravessando a estrada de repente, sem olhar para a esquerda, para o veículo ME que ali circulava, embatendo assim no lado direito daquele veículo.

Esta testemunha opinou ainda, acerca do comportamento do R. F. - que conhecia bem, denotando mesmo grande carinho pelo mesmo –, que não havia qualquer obstáculo que o impedisse de atravessar a rua por detrás do pesado de passageiros, o que certamente teria sido mais prudente, na medida em que naquele local não existiam passadeiras nas proximidades, sendo certo ainda que naquele local, dado o grande fluxo de trânsito e a existência de arbustos a separar as faixas de rodagem, fosse contraproducente a travessia da rua.

Considerou o tribunal recorrido que estes depoimentos foram espontâneos, sinceros, objetivos, imparciais e coerentes entre si, posição que corroboramos, não tendo sido neles por nós constada qualquer referência, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, ao facto de o peão ter parado no eixo da via ao efectuar a sua travessia, nem de ter olhado para o seu lado esquerdo, antes de concluir a mesma. Aliás, se o tivesse feito, provavelmente não teria embatido no veículo ME, que se lhe apresentou praticamente à sua frente – dado o local onde o peão lhe foi embater, na sua parte lateral direita, junto ao espelho retrovisor e porta desse lado direito –, tudo a apontar, à luz das regras da experiência, que foi o peão que foi de encontro ao veículo, quando ele já se encontrava praticamente ao seu lado.

De resto, a testemunha Manuel que se encontrava no momento do embate na pastelaria situada no lado direito da rua do (...), e que chegou ao local do acidente mal ele ocorreu, afirmou que logo no local o condutor do veículo ME declarou que o peão lhe tinha aparecido de repente.
Nada temos assim a objectar ao facto dado como provado no ponto 6.
*
Quanto ao ponto 7 da matéria de facto provada, e cuja redacção os recorrentes pretendem ver alterada – no sentido de que foi o ME que foi embater no peão e não o contrário -, dado o que ficou acima exposto, decorrente do depoimento das testemunhas mencionadas, a redacção daquele ponto não nos oferece qualquer reparo, uma vez que à luz dos depoimentos analisados, foi o peão que foi embater na parte lateral direita do veículo ME, e não o contrário.
*
Quanto ao ponto 16 da matéria de facto provada, e cuja redacção os recorrentes pretendem também ver alterada, não vemos necessidade de proceder a tal alteração, dado que já consta do ponto 15 daquela matéria que “O veículo pesado de passageiros (…) obstruía a visibilidade dos seus condutores para a sua direita”.
*
No que se refere ao ponto 41) da matéria de facto dada como não provada - do qual consta que “O veículo ME circulava a 100km/h” e que os recorrentes pretendem ver dada como provado, embora com a seguinte redacção: "O veiculo ME circulava a uma velocidade de aproximadamente 60 Km/h" –, da prova produzida em audiência não foi possível apurar a velocidade a que circulava o ME no momento em que se deu o embate.
É certo que a testemunha J. S. aventou a possibilidade de o veículo ME circular a uma velocidade de 60 km/h. Contudo, não fundamentou a sua afirmação e acabou mesmo por retirá-la, dizendo desconhecer esse facto.
Não foi produzida, de facto, qualquer prova concludente sobre a velocidade a que circulava o ME, mostrando-se por isso bem decidida essa questão, dando-se o facto correspondente como não provado.
*
Quanto ao ponto 47) da matéria de facto dada como não provada, do qual consta que “O veículo ER apresenta 2,50 metros de largura” e cuja redacção os recorrentes pretendem ver alterada para "O veículo pesado de passageiros que se encontrava parado na faixa da direita da via apresenta 2,50 metros de largura", não vemos onde nos possamos basear para dar tal facto como provado, dado que não há qualquer registo nos autos sobre as características dessa viatura – apenas que se tratava de um veículo pesado de passageiros -, pois que o mesmo se retirou do local logo após o acidente.
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Quanto aos pontos 38, 39, 43, 44, 45, 50, 51, 52, 53 e 54 da matéria de facto não provada, e que os recorrentes consideram que deveria ter sido dada como provada, desde logo dos pontos 38 e 39 consta o seguinte: “O A., antes de atravessar a rua do (...), verificou se algum veículo circulava na via”; “E parou no eixo da via da direita, atendendo ao sentido norte/sul, de forma a verificar novamente se algum veículo circulava na via”.

Quanto a estes factos, que se contrapõem ao facto provado em 6, excluindo-se mutuamente, ele mostra-se devidamente justificado pelo depoimento das testemunhas indicadas, de que o peão não procedeu conforme vem indicado naqueles pontos 38 e 39 para efectuar a travessia da rua – tendo-o feito a correr e sem atentar no trânsito que circulava à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha –, pelo que eles não merecem ser dados como provados.
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Quanto ao ponto 43, do qual consta que “E o seu condutor conduzia com desatenção às movimentações e obstáculos na via pública, designadamente à presença do veículo ER na faixa da direita” nenhuma prova foi feita nesse sentido, tendo sido referido pelo seu condutor, a testemunha J. A., que viu o pesado de passageiros na via da direita, tanto mais que teve de usar a via da esquerda para circular, desviando-se do mesmo, tendo ainda declarado que aquele veículo impedia a sua visibilidade para o lado direito e reconhecendo mesmo que ele obstruía igualmente a visibilidade do peão para o seu lado esquerdo.
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Quanto ao facto 44, do qual consta que “O A. foi projetado cerca de 4 metros do local do embate” esse facto foi dado como não provado com base no depoimento das testemunhas indicadas, J. A., o condutor do veículo ME, e J. S., tendo o primeiro referido que o peão, após embater na sua viatura caiu de imediato no chão, sem que tenha havido qualquer projeção, ficando aí deitado, facto confirmado pela testemunha J. S., o qual referiu que com o embate, o R. F. rodopiou e caiu de costas sensivelmente sobre o eixo dessa via, batendo com a cabeça.

Também as testemunhas Manuel e a sua companheira S. T., que acorreram ao local do acidente logo após a sua ocorrência, confirmaram ao tribunal que viram o R. F. deitado de costas no chão, à frente do veículo pesado de passageiros, e que viram o veículo ME parado na faixa do lado direito a cerca de um metro da vítima.

Ou seja, toda a prova produzida foi no sentido de que não houve projecção da vítima, que caiu logo ali, junto ao local do embate.
*
Quanto ao facto 45, do qual consta que “A rua do (...) apresenta a extensão de 125 metros desde o seu início até ao local do embate, atento o sentido de marcha do condutor do veículo ME, apresentando inclinação ascendente”, e que os recorrentes pretendem ver dado como provado, tal matéria já se encontra consignada no ponto 1 da matéria de facto provada, do qual consta que “A rua do (...), em Maximinos, Braga, configura uma reta com mais de 100 metros de comprimento, constituída por duas vias de circulação, cada uma delas destinada a um único sentido de marcha, delimitadas por separador central com arbustos e ajardinado e por lugares de estacionamento em posição oblíqua”, razão pela qual não vemos necessidade – nem qualquer utilidade – em dá-lo como provado.
*
Quanto ao facto 50, do qual consta que “Em virtude do embate e das lesões sofridas, o A. apresentava uma cicatriz profunda na face”, não existe qualquer prova nos autos a apontar nesse sentido, tendo apenas sido referido pela testemunha J. S. que o R. F. bateu com a cabeça, ficando inconsciente, a sangrar da cabeça e a espumar da boca, nenhuma referencia se fazendo à aludida cicatriz.
*
Quanto ao facto 51, do qual consta que “Por via das lesões, o A. sofreu de uma incapacidade permanente em geral e para o trabalho de 80%, impossibilitando-o de exercer qualquer tipo de atividade profissional”, dos documentos existentes nos autos não consta a referência a qualquer incapacidade do falecido.

Por outro lado, a testemunha J. M., médico ortopedista que presta serviços para a Ré Y confirmou ao tribunal que à data do óbito da vítima, as lesões por ele sofridas na sequência do embate ainda não se encontravam consolidadas, motivo pelo qual não se podia fixar naquela altura qualquer grau de incapacidade.
*
Quanto ao facto 52, do qual consta que “Após o embate, atendendo às lesões sofridas, o A. sentiu-se deprimido, angustiado, inferiorizado, com vergonha e derrotado, perdendo toda a vontade de viver”, nenhuma prova foi feita nos autos nesse sentido – nem os recorrentes a indicam também, referindo apenas que é normal isso acontecer.

Acontece que nem das declarações prestadas pelos AA./habilitados, pais do R. F., resulta tal ocorrência, divergindo os mesmos quanto à existência de consciência do filho relativamente à situação em que se encontrava, afirmando a mãe que o R. F. tinha consciência de tudo, enquanto que o pai afirmou que o filho não sabia de nada.
*
Quanto aos factos 53 e 54, dos quais consta que “Antes do embate, o A. era saudável e dinâmico e tinha como principais passatempos passear e conviver com os amigos” e que “O A. procurava ativamente uma oportunidade profissional, à medida dos seus objetivos e ambições pessoais”, nenhuma prova foi feita nesse sentido, bem pelo contrário.

Resulta das declarações prestadas pelos seus pais, que o filho sofria de uma epilepsia, que lhe foi diagnosticada desde os 12 meses de idade, embora se mostrassem ambos convencidos que tal doença estivesse controlada. A mãe reconheceu a falta de aptidão do filho para os estudos, referindo que o mesmo frequentou apenas o 5º ano de escolaridade e que nunca conseguiu encontrar um emprego.
Também a testemunha J. S., que conhecia bem o falecido, referiu que antes do embate o R. F. era uma pessoa alegre e feliz, dizendo que “era uma criança”, pois revelava algumas dificuldades na fala e no discurso, admitindo que fossem essas as razões que determinavam a sua situação de desempregado.
Perante a prova produzida (e a falta dela) não podiam os factos invocados pelos recorrentes ser dados como provados, como bem se decidiu na sentença sob escrutínio
Concluímos assim de todo o exposto que a matéria de facto assente – provada e não provada – não merece ser alterada.
*
E perante a matéria de facto provada (e não provada), consideramos que a decisão recorrida não poderia ser outra que não a que foi proferida.
Aliás, a discordância dos recorrentes prendia-se, essencialmente, com a sua discordância quanto à matéria de facto, que a ser alterada levaria à alteração da decisão no sentido por eles pretendido, o que não aconteceu.
*
Verificamos no entanto que os recorrentes apelam, na conclusão LXX à responsabilidade pelo risco da ré X, afirmando que “no caso de não se entender que o condutor do veiculo ME foi o culpado do acidente ocorrido (…), existe, in casu, a verificação da responsabilidade objectiva baseada no risco, pelo que a Recorrida X deverá ser responsabilizada pelos danos provocados pelo acidente em apreço.

Mas sem razão, como bem se fez notar na decisão recorrida.

Reproduzindo o que ali se deixou consignado, “…nem mesmo se pode afirmar a sua responsabilização, a titulo de responsabilidade pelo risco, pois, tendo-se provado a culpa do peão nos termos sobreditos, esta exclui a possibilidade de ocorrer aquela responsabilização pelo risco - arts. 503º, nº 1, 505º e 570º, nº 2, do Código Civil.

Efetivamente, resulta da matéria de facto provada que a produção do acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do peão, que atravessou a via a correr, sem tomar as devidas precauções relativamente ao trânsito que se fazia sentir naquela via, nomeadamente à aproximação da viatura segura na ré, cujo condutor em nada contribuiu para a ocorrência do acidente.
Pode pois afirmar-se com segurança que foi o peão o causador único do acidente, em nada tendo contribuído para o mesmo o condutor da viatura atropelante. Estamos no domínio pleno da teoria da causalidade adequada.

Ora, essa situação, à luz do artº 505º do CC, exclui a responsabilidade daquele condutor – e da sua seguradora – pelo risco decorrente da circulação do veículo, prevista no artº 503º do CC. Como se decidiu no Ac do STJ de 17/05/2012 (disponível em www.dgsi.pt) é irrelevante o risco genérico decorrente do facto de o veículo se encontrar a circular numa via pública se o atropelamento do peão lhe é imputável exclusivamente.

Claro que a questão da admissibilidade de concorrência entre a culpa do lesado e a responsabilidade objectiva pelo risco de circulação do veículo tem sido um tema muito debatido na doutrina e na jurisprudência.

No Acórdão do STJ de 04/10/2007 (também disponível em www.dgsi.pt), defende-se que "O texto do art. 505.º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Ao concurso é aplicável o disposto no art. 570.º do CC. A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do art. 505º, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça. Ademais, na interpretação do direito nacional, devem ser tidas em conta as soluções decorrentes das directivas comunitárias no domínio do seguro obrigatório automóvel e no direito da responsabilidade civil, já que as jurisdições nacionais estão sujeitas à chamada obrigação de interpretação conforme, devendo interpretar o respectivo direito nacional à luz das directivas comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas."

Calvão da Silva, em anotação àquele acórdão (in RLJ, ano 137º, p. 49 e ss) defende também uma interpretação actualizada do art. 505.º do CC, no sentido de que "Sem prejuízo do disposto no art. 570.º (leia-se sem prejuízo do concurso da culpa do lesado e, a fortiori, sem prejuízo do concurso de facto não culposo do lesado), a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido (com culpa ou sem culpa) unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo."

Com argumentação diversa, defende-se uma solução alternativa que se traduz na admissibilidade daquela concorrência, desde que o sinistro ainda tenha uma conexão relevante com os riscos próprios do veículo, isto é, desde que o acidente não seja de imputar exclusivamente a factores externos integrados na órbita do lesado, de terceiro ou de casos de força maior estranhos ao veículo (cfr. na doutrina Brandão Proença, “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, págs. 814 e segs).

Para o efeito, defende-se a extracção do art. 505º do CC de um sentido que o torne compatível com o art. 570º, com o argumento de que só assim fará sentido a alusão que naquele preceito é feita ao disposto no nº 1 do art. 503º, norma que regula inequivocamente uma situação de responsabilidade objectiva do proprietário do veículo.
É também feito apelo à necessidade de ajustamento das soluções legais às circunstâncias actuais, designadamente ao risco rodoviário, bem diverso daquele que era perceptível aquando da aprovação do Código Civil, de modo a implicar a concessão de maior protecção aos lesados que se encontrem em situação de maior vulnerabilidade, como ocorre com os peões ou com os ciclistas.

Ajustamento que também decorreria do facto de se ter generalizado o sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que vem assumindo cada vez mais uma função ressarcitiva de danos, com subvalorização de outros aspectos em que inclui a contribuição do lesado ou de terceiros para a sua ocorrência.

Pressupõe-se ainda que o direito interno deve ser interpretado por forma a não colocar em causa o regime que dimana das Directivas Europeias sobre Seguro Automóvel, considerando que estas implicam uma efectiva tutela dos interessados em situação mais desprotegida, o que colidiria com uma interpretação do regime da responsabilidade civil que desconsidere os riscos próprios do veículo que também tenham interferido na ocorrência do sinistro.

Muito impressiva nos parece a tese defendida no Ac do STJ de 1.6.2017 (citado na decisão recorrida e disponível em www.dgsi.pt) de que “…o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura – o que nos afasta do resultado que decorreria de uma estrita aplicação da denominada tese tradicional: ou seja, não pode, neste entendimento, excluir-se à partida que qualquer grau de culpa do lesado (nomeadamente do utente das vias públicas mais vulnerável) no despoletar do acidente, independentemente da gravidade do facto culposo e do grau da sua efectiva contribuição para o sinistro, deva, sem mais, excluir automaticamente a responsabilidade decorrente, no plano objectivo, dos riscos próprios da circulação do veículo, independentemente da intensidade destes e do grau em que contribuíram causalmente, na peculiaridade do caso concreto, para o resultado danoso.

Esta conclusão é, em última análise, imposta pelo princípio fundamental da adequação e da proporcionalidade – que naturalmente tenderá a inviabilizar a total e sistemática desresponsabilização do detentor do veículo causador do acidente, nos casos em que foi muito intensa a contribuição para o resultado danoso de riscos agravados da circulação do veículo e diminuta a relevância da falta imputável ao lesado, cometida com culpa leve ou com escassa relevância causal para a produção ou agravamento das lesões por ele próprio sofridas.

E, por outro lado, afigura-se que esta posição é a que melhor se adequa à jurisprudência definida pelo TJUE (…), ao permitir que o regime de Direito interno em vigor suportasse o confronto com as normas e princípios de Direito Comunitário, por entender que a legislação em vigor não tem por efeito, no caso de a vítima ter contribuído para o seu próprio dano, excluir automaticamente ou limitar de modo desproporcionado o seu direito.

É, pois, este juízo de adequação e proporcionalidade que os Tribunais devem formular, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável a comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um relevante risco da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente…”

Acontece que à luz das normas legais vigentes (em sede de direito nacional), a posição clássica, quer da doutrina, quer da jurisprudência, vai no sentido da inadmissibilidade da concorrência entre a culpa e o risco, interpretando-se a disposição legal do art. 505.º do CC apenas em termos de causalidade adequada: a responsabilidade decorrente dos riscos próprios do veículo somente se justifica quando não haja prova da imputabilidade do acidente, em sede de culpa, ao lesado ou a terceiro.

A favor desta tese milita, desde logo, o próprio elemento literal, já que o art. 505.º do C. Civil dispõe expressamente que a responsabilidade pelos riscos próprios do veículo é excluída quando o acidente foi imputável (a título de culpa), ao lesado ou a terceiro.
Acresce que esta interpretação é também justificada com a teleologia da definição da situação de responsabilidade pelo risco e, em especial, da decorrente do risco de circulação dos veículos.
Ou seja, a imputação da responsabilidade em termos delituais, em termos de imputação, a uma pessoa, de determinado dano verificado em esfera alheia, é a forma de responsabilidade central, quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista científico, encontrando-se consagrada no art. 483.º do CC em termos gerais.

A responsabilidade pelo risco é já uma evolução juscientífica recente, permitindo, em casos excepcionalmente tipificados na lei, a imputação de responsabilidade através de um mecanismo de transferência do risco e independentemente de culpa.
Especificamente no campo do risco de circulação dos veículos, a fixação deste tipo de responsabilidade excepcional justifica-se pela circunstância de a utilização de veículos, pela sua própria natureza, ser susceptível de produzir danos, mesmo independentemente da existência de culpa delitual.

Face a esta construção e delimitação jurídicas, tem-se entendido existirem inultrapassáveis dificuldades em compatibilizar no mesmo evento concreto a imputação delitual com a imputação pelo risco. Com efeito, a responsabilidade pelo risco sempre estaria presente, já que sempre relevarão os riscos decorrentes da mera circulação do veículo, decorrentes das suas dimensões, peso e dinâmica de circulação.

Em face destas considerações, defende-se maioritariamente na jurisprudência a tese clássica de interpretação do art. 505.º do C. Civil, defendendo-se (como se faz no Ac STJ de 14/01/2014, também disponível em www.dgsi.pt) que "A lei civil concebe situações de concorrência de culpa, cf. art. 570.º do CC e não quaisquer outras, como a de culpa e risco", acrescentando-se que "Nem se compreenderia que fosse de outra forma, uma vez que uma situação concomitante de risco e culpa é de todo em todo inadmissível já que sendo aquela uma zona de excepção nos quadros da responsabilidade civil, de tal sorte que os danos só são indemnizáveis se estiverem no circulo dos riscos inerentes ao funcionamento da viatura, uma situação de culpa exclusiva não permite qualquer tipo de harmonização com estoutra…” (cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 21-1-06, de 31-1-06, de 18-4-06, de 6-11-08, de 25-11-10 e de 10.1.2012 (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Como dissemos no início, o tema em questão não tem sido pacífico, havendo argumentos defensáveis para ambas as teses. Mas num ponto elas convergem: havendo culpa exclusiva do lesado ou de terceiro na ocorrência do acidente, ela exclui a responsabilidade do proprietário ou detentor do veículo, pelos riscos próprios decorrentes da circulação do mesmo.

Ou seja, mesmo para quem aceita, numa leitura atualista do artº 505º do CC (a que somos sensíveis), a concorrência entre a culpa e o risco do próprio veículo, essa concorrência apenas poderá ocorrer quando ambos contribuam causalmente para a produção do acidente; a responsabilidade pelo risco terá de ser excluída quando inexista nexo causal entre o evento danoso e os riscos próprios do veículo, por para a produção do acidente serem indiferentes (Acs. do STJ de 05/11/2013: CJACSTJ Ano XXI, TIII p. 123 e segs. E de 17/5/12, em www.dgsi.pt).

Para além do relevo atribuído ao elemento literal do preceito em análise, apela-se também aqui a um sentido de justiça, não agravando excessivamente a posição do proprietário ou do detentor do veículo, em situações em que este não foi mais do que um elemento acidental, mas sem efectiva contribuição para a ocorrência do sinistro causado por factores estranhos ao seu funcionamento.
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Perante o exposto, e analisada a factualidade dada como provada nos autos, não podemos por isso dar guarida à pretensão dos recorrentes (seguindo qualquer das teses defendidas) dado que ficou sobejamente demonstrado nos autos que a culpa do acidente se ficou a dever a culpa única e exclusiva do sinistrado, sem qualquer contribuição relevante dos riscos próprios do veículo atropelante.

O mero facto naturalístico de o acidente ter envolvido um veículo automóvel, como corpo em movimento, com determinado peso e dimensões, dotado de inércia, não pode ser considerado determinante de um risco causalmente adequado ao acidente, perdendo todo o relevo, quer em termos absolutos, quer em termos relativos.

Improcedem, assim, todas as conclusões de recurso dos apelantes, com a manutenção da decisão recorrida.
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DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se Improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelos recorrentes.
Guimarães, 17.12.2018

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas