Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
216/20.3T8GMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
FRACÇÃO AUTÓNOMA
CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÃO DE PAGAR
DESPESAS DAS PARTES COMUNS
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No quadro do regime do contrato de locação financeira que tem por objecto fracção autónoma, em conformidade com o disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, sobre o locatário impende a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.
II – Contudo, perante o condomínio, caso o locatário financeiro não proceda a esse pagamento, das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, a responsabilidade recai sobre o locador financeiro enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.
III- E assim sendo, neste âmbito em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, a Assembleia de Condóminos pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador, sendo que, o proprietário locador apenas fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar.
IV- O nº 2 do artigo 1434° do CC, tem carácter imperativo, uma vez que aí se estipula que o montante das penas m cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo que, o uso da expressão nunca, significa que esta meta tem carácter imperativo.
V- Por decorrência, a aplicação de multas pelo atraso no pagamento das quotizações de condomínio, uma vez que se encontra prevista no Regulamento do Condomínio, é vinculativa para todos os condóminos, contanto que o Regulamento respeite a lei, no caso, o referido nº 2 do artigo 1434° do CC.
VI- Para se apurar esse rendimento colectável, aplica-se o regime previsto no Código da Contribuição Autárquica.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO.

CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO ..., pessoa colectiva n.º ………, situado na Praça ..., Edifício ..., ..., representado pela CONDOMÍNIOS & COMPANHIA DE L. M. – ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS LDA., com sede na Avenida …, Edifício …, …, Felgueiras, intentou contra J. L. e esposa, M. C., residente na Rua …, Guimarães, a presente acção de condenação sob a forma comum de processo peticionando, pela sua procedência, a condenação dos RR. no pagamento, a seu favor, da quantia de €8.810,80, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, e em síntese, ser a propriedade horizontal do Edifício ... composta por 279 fracções, mas dividida em dois condomínios, um relativo à parte habitacional e outro relativo à parte comercial, este último integrado por 76 das 279 fracções, entre as quais a fracção AG.
Mais alega que entre 06.12.2005 e 08.02.2018 o R. marido foi locatário financeiro da fracção AG, tendo sido acordado entre o demandado e a locadora financeira que todas as despesas relativas ao condomínio ficariam a cargo do locatário financeiro.
Aduz que se encontra em débito para com aquele condomínio as mensalidades (compostas por quota ordinária, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing) reportadas ao período compreendido entre Novembro de 2013 e Dezembro de 2014 (com excepção das relativas aos meses de Julho e Agosto de 2014), acerto referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015 e ainda as mensalidades reportadas ao período compreendido entre Janeiro de 2016 e Fevereiro de 2018, num total de €6.867,50, a que acrescem os juros vencidos desde a data de vencimento de cada uma dessas mensalidades, contabilizados em €492,92 até ao dia 27.09.2017.
Reclama ainda o pagamento de uma penalidade no valor de €750 por falta de pagamento atempado das prestações devidas.
Demanda a R. mulher por, afirma, o R. marido desenvolver na fracção autónoma em causa o seu comércio a retalho de mobiliário e artigos eléctricos e de iluminação, sendo com os rendimentos dessa actividade que provia ao sustento do seu agregado familiar.
Regularmente citados, contestaram os RR., excepcionando por um lado a sua ilegitimidade ad causam por, afirmam, os encargos com o condomínio deverem ser imputados à proprietária da fracção e não a eles, por outro o caso julgado, por os encargos cujo pagamento é peticionado com a presente acção terem sido anteriormente peticionados no âmbito de acção executiva a que foram deduzidos embargos, julgados procedentes pelo Tribunal da Relação de Guimarães, e ainda quer a prescrição das prestações, quer a ineptidão da petição inicial.
Arguiram também a ineficácia das deliberações das assembleias de condóminos que fixaram a obrigatoriedade do pagamento do fundo de promoção e marketing bem como das multas/penalidades, por constarem de um regulamento interno provisório que nunca foi objecto de ratificação, e impugnaram a demais factualidade aduzida, designadamente negando que os proventos da loja fossem utilizados no sustento do agregado familiar, até porque, alegam, esses proventos não cobriam sequer as despesas.
Arguem ainda que abandonaram a fracção autónoma em Agosto de 2017, tendo-a entregado à locadora livre de pessoas e bens em tal data, pelo que nunca poderiam ser responsabilizados pelo pagamento das mensalidades vencidas após essa entrega.
Foi exercido o contraditório relativamente às excepções deduzidas, sendo que por despacho datado de 01.10.2020, a fls. 465ss, foram indeferidas as excepcionadas ineptidão da p.i., caso julgado e prescrição, dispensando-se ainda a identificação do objecto do processo e a fixação dos temas da prova ante a simplicidade da matéria em discussão e o valor atribuído à presente causa.
No decurso da audiência de julgamento o A. desistiu do pedido relativo às mensalidades vencidas entre Outubro de 2017 e Fevereiro de 2018, inclusive, no valor de €944,82, desistência essa objecto de homologação.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a acção nos seguintes termos:
“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção procedente por provada e condena os RR. no pagamento à A. da quantia de €6.672,68 (seis mil, seiscentos e setenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros moratórios contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em dívida até efectivo e integral pagamento”.

Inconformados com tal decisão, apelam os Réus, e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões:

1ª - Na opinião dos recorrentes, a sentença de que se recorre enferma de uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho e artigo 1424º do Código Civil.
2ª – Com efeito, face à prova produzida, todos os encargos do condomínio reclamados aos recorrentes nos autos devem ser imputados à LOCADORA (entidade bancária), considerando o contrato de locação financeira existente nos autos com nº 2018 260, datado de 6 de Dezembro de 2005, junto à PI;
3ª - Não é totalmente exacta (por estar aquém do que consta no contrato) a conclusão do tribunal recorrido (e o alegado pela Autora no artigo 11º da PI) onde se lê que “todas as despesas relativas ao condomínio são da responsabilidade do locatário financeiro (R. marido)”.

Pois que da cláusula 4ª, nº 3 do contrato consta que “Todos os encargos relacionados com o imóvel locado ou com o presente contrato serão pagos pela LOCATÁRIA ou por esta reembolsados à LOCADORA, nomeadamente os seguintes:

b) Todas as despesas relativas ao condomínio, ou quaisquer outros encargos de que resulte responsabilidade, a qualquer título, para a LOCADORA”.
4º – De facto, no âmbito do contrato de locação financeira que tem por objecto fracção autónoma em causa, cabe ao locatário por força do disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.
5º – No entanto, e perante o condomínio, no caso de o locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.
6º - Não estando em causa desconsiderar as características específicas do contrato de locação financeira, entendem os recorrentes, no entanto, que a norma do referido artigo 10º alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes.
7º - O legislador expressamente aponta para uma eficácia inter partes do diploma pelo que, ressalvando o devido respeito pelo entendimento da douta sentença recorrida, consideramos que a norma em questão se aplica na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador.
8º - Assim, o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o diploma (o Decreto-Lei n.º 149/95) visa regular o regime da locação financeira e as relações o locador e o locatário; já os artigos 1420º e seguintes do Código Civil, onde se insere o referido artigo 1424º, visam regular os direitos e encargos dos condóminos, resultando deste artigo que é o condómino, ou seja o proprietário (pois quem assume a qualidade de proprietário de fração autónoma será, por inerência, considerado condómino do prédio) o responsável pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
9º - Ainda que sobre o locatário, no âmbito do contrato de locação financeira, recaia a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador e não o recorrente/locatário.
10º - O responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário/recorrente; de facto, o locador financeiro do ponto de vista jurídico é o único proprietário da fração autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário, este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira.
11ª – Os recorrentes seguem o entendimento seguido por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, plasmado no Acórdão de 10-05-2018, proferido no processo 501/15.6T8PTL, em que é Relatora a Ex.ma Sra. Desembargadora Raquel Tavares (igualmente disponível em www.dgsi.pt) e onde se decidiu que, perante o condomínio, no caso do locatário financeiro não proceder ao pagamento das despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, “a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fração autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil”.
12ª – Acresce que assume especial relevância, no caso, o facto provado de que o locador Banco ... pagou ao Autor/recorrido a quantia de €944,82, reportada às quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro e Fevereiro de 2018 – facto provado na alínea dd) dos factos provados.
13º - Ou seja, o Autor, ora recorrido, não deixou de aceitar e receber do locador a quantia de €944,82, e ao ter aceite aquele montante para pagar aquelas rúbricas, o Autor reconheceu que sobre o locador recaía a obrigação de pagar as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing. Se não reconhecesse essa obrigação do locador, teria-lhe devolvido aquela quantia em vez de a fazer sua.
14º - Jamais poderia, pois, ser exigido pela Autora aos aqui RR, o pagamento das quantias reclamadas nos autos, tanto que sendo a Autora sabedora da existência do citado contrato de locação financeira, optou por demandar apenas os aqui RR.
15º - A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória nos termos previstos no artigo 577º, alínea e) do CPC, de conhecimento oficioso (artigo 578º do CPC), e dá lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 576º, nº 2 CPC).

SEM PRESCINDIR:
16º - Como se alcança da sentença recorrida, os RR foram condenados a pagar, além das quotas ordinárias e do fundo de reserva, o pagamento de outras quantias referentes ao fundo de promoção e marketing e à multa ou penalidade, com base no regulamento de utilização e funcionamento do centro comercial que não é mais que o “Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ...”, junto com a PI.
17º - Apenas neste “Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ...” – é que se projecta contemplar normas expressas relativas ao fundo de promoção e marketing e às multas e penalidades – cfr, respectivamente, artigos 12º e 28º.
18º - Sucede que, como consta expressamente de tal documento, tal dito Regulamento é provisório e nunca foi ratificado pela assembleia geral de condomínio – cfr. factos provados nas alíneas J e K.
19º - Daqui resulta a inexigibilidade das normas decorrentes de tal Regulamento, dito provisório, pois não foi apreciado soberanamente pela assembleia de condóminos.
20º - Aliás, o artigo 29º de tal Regulamento é expresso ao referir que a assembleia geral de condomínio o “rectificará”, presumindo-se, como se lê na sentença, que queira dizer “ratificará”.
21º - Resulta assim que a quota mensal para o fundo de promoção e marketing e a multa, exigidas nos autos, não resultando da lei, também não se pode fundar no Regulamento provisório alegado pela Autora, pois não foi ratificado pela assembleia geral de condomínio.
22º - Por isso, ao contrário do douto entendimento da sentença recorrida, a falta de ratificação pela assembleia retira-lhe validade ou eficácia. Por conseguinte, as actas constitutivas das obrigações desse fundo de promoção e marketing e da multa, são ineficazes em relação aos RR, pois estão desacompanhadas da acta que aprovou tal Regulamento provisório.
23º - Atento o que fica dito, os RR, ora recorridos, entendem, pois, que as deliberações das assembleias de condomínio que fixaram a obrigatoriedade de pagamento do fundo de promoção e marketing e da multa/penalidade padecem do vício da ineficácia. Vicio este que aqui se volta a invocar, desobrigando os RR de pagarem à Autora os montantes peticionados àquele título, fundados no dito “Regulamento Provisório” que a própria Autora juntou com a PI.
24º - Os RR, afectados pela ineficácia, podem arguir tal vício a todo o tempo, não se encontrando vinculados a fazer uso de uma eventual acção de anulação das deliberações das Assembleias de Condóminos em causa, nem a sua omissão nos prazos que a lei estipula no artigo 1433º, nº 4, do Código Civil, tem por consequência deverem aceitar, resignados, o veredicto de um órgão deliberativo ao qual não assiste competência para deliberar.

Sem prescindir:
25º - Os RR, ora recorrentes, entendem que não foi produzida prova que sustente os factos dados como assentes pelo tribunal recorrido sob os pontos 1.1.o), 1.1 p), 1.1 q), 1.1 r), 1.1 s), e 1.1.t) dos factos provados.
26º - Como a Autora confessa no artigo 17º da PI, este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães declarou extinta a execução que a Autora tinha intentado contra os RR, para cobrança dos encargos que, na presente acção, volta a pedir.
27º - Como resulta do Acórdão referido em 17º da PI, transitado em julgado, foi decidido, além do mais, que “pelos títulos oferecidos à execução não se consegue determinar o montante que, efectivamente, o embargante deve ao exequente e, designadamente, a título de cada uma das rúbricas”.
28º - Ora, os “títulos” mencionados naquele Acórdão são as mesmas actas das assembleias de condóminos que a Autora volta a juntar à presente acção com a PI e, através das quais, sustentou o pedido contra os RR. As quantias reclamadas naquela acção executiva são, por isso, as mesmas quantias pedidas na presente acção, e reportam-se ao mesmo período de tempo – cfr. requerimento executivo que a Autora também junta à PI.
29º - Ora, tais actas continuam a padecer do mesmo vício, não se conseguindo determinar o montante que, efectivamente, os RR alegadamente devem à Autora, ou como se diz no citado Acórdão identificado no artigo 17º da PI, “não se consegue determinar o montante que, efectivamente, o embargante deve ao exequente e, designadamente, a título de cada uma das rúbricas”.
30º - Com efeito, notamos das actas que as deliberações dos condóminos nas sucessivas assembleias abrangem não só o que directamente aí está explicitado, ou seja, os valores aglomerados das diversas rubricas alegadamente em divida, como também a documentação que lhe é anexa, para ela se remetendo dando-a como reproduzida, para melhor formalização da manifestação da respectiva vontade colegial.
31º - Dessa documentação, em que se atribui a crédito do Réu a quantia de 397,73€, não se vislumbra justificativo para que relativamente ao ano de 2013 apenas se tenha em consideração as contribuições relativas aos dois últimos meses de Novembro e de Dezembro de 2013.
32º - Por outro lado, não se logra encontrar correspondência directa entre o fixado nessa documentação, e o que se afirma em acta como estando os RR devedores e o somatório dos valores das diversas rubricas previstas nas mesmas para cada exercício.
33º - Na verdade, entre a documentação anexa de cada acta correspondente aos anos de 2014 a 2017, estruturante da prestação de contas e da sua análise do respectivo exercício, consta um documento referenciado como “balanço das fracções do exercício” em forma de deve e haver de cada condómino, assim, com lançamentos de saldo inicial, de débito, de crédito e de saldo final. E deles resulta tal disparidade.
34º - Referente ao ano de 2013 se a receita anual das contribuições diversas das três rubricas seria de 1.712,64€ já nesse documento respectivo surge a débito 1.905,03€, ficando por saber ainda a que foi imputado o lançado a crédito de 397,73€, para mais quando o pedido, como predito, apenas abrange as prestações de Novembro e Dezembro desse ano.
Estas circunstâncias repetem-se com referência aos anos de 2015 e 2016.
35º - Para além disto, relativamente ao ano de 2014, apesar do saldo final do ano de 2013 ser de 4.624,81€ já no documento daquele ano surge como saldo inicial 4.667,31€.
36º - Quanto ao ano de 2016, se se apresenta um saldo final de 6.709,70€ já em acta imputa-se o valor de 6.667,20€.
37º - Concluindo, tal como na referida acção executiva, continua a não se encontrar justificação para o valor peticionado a título de pagamento das prestações e demais encargos. De tais actas, segundo o já doutamente decidido pelo citado Acórdão desta Relação de Guimarães sobre o caso, não se consegue pois determinar o montante que, efectivamente, os RR alegadamente devem à Autora e, designadamente, a título de cada uma das rúbricas.
38º - Como se alcança do sumariado ainda em tal Acórdão, a acta da assembleia geral de condóminos, sendo constitutivo de um crédito do condomínio, à luz do seu elemento literal a respectiva obrigação não deve ser incerta, inexigível ou ilíquida, e, por tudo isto, a própria quantidade da prestação não pode ser indeterminável. Continua, pois, a Autora a exigir dos RR o cumprimento de uma obrigação que não é certa, exigível nem liquida.
39º - Assim, ao contrário do doutamente decidido pelo tribunal recorrido, os factos dados como provados nos pontos 1.1.o), 1.1 p), 1.1 q), 1.1 r), 1.1 s), e 1.1.t) não se encontram sustentadas nas cópias das actas que consubstanciam, respectivamente, os documentos n.os 11 (a fls. 191ss), 13 (a fls. 202vss), 14 (a fls. 208vss), 15 (a fls. 214vss), 16 (a fls. 226ss) e 17 (a fls. 235ss) juntos com a p.i. e a CAC que consubstancia o doc. n.º 31 junto com a p.i., a fls. 279ss, comprova o alegado em 1.1.z).
40º - Consequentemente, andou mal o tribunal a quo ao ter condenado os RR a pagar à Autora a quantia de € 6.672,68, por esta não ser certa, exigível nem líquida, como supra se alegou.

Sem prescindir:
41º - Conforme se alcança da sentença recorrida, o tribunal a quo deu como facto provado na alínea y), que ao “R. marido foi em 27-09-2017 aplicada uma multa de € 750,00 pelo não pagamento atempado das mensalidades devidas”.
42º - Nessa sequência, condenou os RR a pagarem também essa multa de € 750.00, o que viola o disposto no artigo 1434º, 2 do Código Civil.
43º - Com efeito, quer o Regulamento aprovado na assembleia geral de condóminos, quer as deliberações do condomínio em que foi deliberado sujeitar os RR às penalidades em questão, por atraso no pagamento das quotas do condomínio, estão sujeitos, em tal matéria, ao limite prescrito no nº 2 do art. 1434º do CCiv., segundo o qual “o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fração do infractor”, o que tem carácter imperativo e não supletivo;
44º - Face ao carácter imperativo/limitativo do nº 2 do art. 1434º, é seguro que em nenhum regulamento e, claro, nem no que está em causa nos autos, podem ser imposta aos condóminos sanções pelo atraso no pagamento atempado da contribuição da sua quota de condomínio anualmente fixada, nem das despesas que, por força do regulamento, deliberação da assembleia de condóminos ou imposição legal que se venham a realizar ou sejam da sua responsabilidade, que desrespeitem e violem este normativo, o que sucedeu nos autos.

Sem prescindir:
45º - A sentença recorrida aplicou mal ao caso o disposto no artigo 1691º,1 a) e d) do CC para responsabilizar a Ré mulher pelo pagamento da alegada dívida.
46º - Desde logo, não ficou provado que a Ré mulher tivesse dado o consentimento à alegada dívida contraída pelo Réu marido, pelo que não se aplica no caso a alínea a) do citado artigo. Aliás, está dado como assente que apenas o Réu marido foi convocado para as assembleias e apenas a ele lhe foram enviadas as cópias das actas – cfr. alíneas u) e v).
47º - Por outro lado, as alegadas dívidas de condomínio não são enquadradas como sendo contraídas “no exercício do comércio”, como o exige a alínea d) do citado artigo 1691º,1 do CC.
48º - Foi apenas dado como provado que a actividade comercial do Réu marido é a compra e venda a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação, com intuito lucrativo – cfr. alínea aa).
49º - A actividade comercial do Réu marido não é a administração de condomínios nem a alegada dívida à Autora resulta da compra e venda a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação.
50º - O facto da actividade comercial do Réu marido ser efetuada na fração autónoma AG não é relevante para atribuir a responsabilidade à Ré mulher, na medida em que tal fração não é propriedade dos RR, mas do locador financeiro banco. Como ficou assente na alínea i) dos factos provados, apenas o Réu marido foi locatário financeiro de tal fração, não a Ré mulher.
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Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

– Analisar da eventual ilegitimidade ad causam dos RR, ou seja, indagar sobre quem recai o pagamento dos encargos do condomínio quando a fração se encontra dada em locação financeira, se sobre o proprietário/locador ou sobre o locatário/recorrente marido.
- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, em qualquer caso, se deverá também ser alterada a decisão recorrida.
- Apreciar da eventual ineficácia das deliberações da Assembleia de Condóminos atinentes ao fundo de promoção e marketing e da decisão de aplicação de uma pena.
- Da multa/penalidade de € 750,00;
- Analisar da comunicabilidade da dívida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram apurados os seguintes factos:
Factos provados:
a) O A. é um condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício ..., sito na Praça ..., da freguesia de …, do concelho de ..., descrito na CRP de ... sob o n.º .../20020617, e inscrito na respectiva matriz sob o art. ….º;
b) A propriedade horizontal do edifício ... é composta por 279 fracções autónomas, divida em dois condomínios, um relativo à parte habitacional e outro relativo à parte comercial;
c) Compõem o condomínio da área comercial do Edifício ... as fracções C, DS, AE, B, DH, DT, FL, FO, BU, BV, O, DV, S, EU, EV, CA, CB, EH, FN, P, BH, D, EK, N, R, AC, AD, AF, AH, AR, AS, AV, BG, BJ, BW, BX, BY, BZ, CN, CO, EF, EG, EW, EX, FJ, FK, GE, GF, GI, GJ, GK, GL, A, GG, BK, DG, EJ, EI, AT, DC, AG, FM, DD, BI, BF, CP, DE, GH, EY, Q, DR, EZ, CQ, DF, DU e AU;
d) Lê-se na escritura pública de constituição da propriedade horizontal mencionada em a) que integra a referida escritura um documento complementar elaborado nos termos do art. 64.º do Código do Notariado, “e o regulamento de condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação quer das partes comuns quer das fracções autónomas”, encontrando-se registada essa menção pela ap. 10 de 20.05.2004;
e) Lê-se no art. 2.º, n.º 2 do Regulamento de Condomínio mencionado em d) que “As fracções autónomas destinadas ao exercício de comércio e serviços, hotelaria, comércio e serviços, bem como a destinada a parques de estacionamento que constituem o Centro Comercial integrado no Complexo, doravante designado por Centro Comercial ...”, identificadas no título constitutivo, reger-se-ão pelas disposições gerais constantes deste regulamento e ainda pelas estipulações específicas previstas no Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial”;
f) Lê-se no art. 21.º do Regulamento de Condomínio mencionado em d) que:
1. Os proprietários das fracções autónomas que compõem o Elemento Centro Comercial ... estabelecerão um regulamento para o Centro Comercial, denominado Regulamento da Utilização e Funcionamento do Centro Comercial, que vinculará todos os condóminos daquele elemento e estipulará todas as normas necessárias ao funcionamento e utilização do Centro Comercial ....
2. As normas regulamentares deverão ser respeitadas por lojistas, seus trabalhadores, representantes, procuradores, fornecedores, utentes da loja a qualquer título, sua clientela e até mesmo pelo público frequentador do ....
3. O Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial considerar-se-á, na redacção que em cada momento lhe for dada, parte complementar do presente Regulamento e integrante de todos os actos ou contratos, seja qual for a sua natureza, pelos quais seja cedida a utilização, gozo, fruição, exploração ou ocupação das lojas do Centro Comercial ....
4. (...)”
g) Lê-se no art. 11.º do Regulamento de Condomínio mencionado em d) que:
1. As liquidações ordinárias ou correntes previstas no orçamento anual serão liquidadas pelos condóminos em prestações mensais, de montantes iguais ou não, que logo se fixarão no orçamento, de acordo com a natureza, volume e desenvolvimento dessas despesas no tempo.
2. As despesas extraordinárias que estejam previstas ou não no orçamento serão liquidadas pelos condóminos à medida que foram efectuadas e após interpelação da Assembleia de Condóminos.
h) Lê-se no art. 13.º do Regulamento de Condomínio mencionado em d) que:
1. As despesas realizadas pela Administração do Condomínio, ordinárias ou extraordinárias, deverão ser pagas no prazo de dez dias a contar da apresentação do respectivo comprovativo.
2. Sem prejuízo do disposto n.º 2 do artigo 1434.º do Código Civil, o condómino que não efectuar o pagamento no prazo referido no número anterior pagará os juros de mora à taxa legal aplicável, contados a partir da data de vencimento das contribuições em dívida, independentemente do crédito judicialmente exigido, ficando o condómino faltoso sujeito ao pagamento das custas e honorários relativos ao processo judicial.
3. (...)”
i) Lê-se no art. 12.º do Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ..., epigrafada “Publicidade e promoção”:
1. Entende-se por publicidade comum todas as acções relativas à promoção interna e externa, animação, decoração, campanhas de divulgação, patrocínio, estudos de mercado e pesquisas de opinião, campanhas de dinamização, patrocínios e bem assim todas as acções que visem a divulgação do nome e imagem do Centro Comercial.
2. A publicidade, promoção e animação do Centro Comercial é da exclusiva competência e responsabilidade da Administração que para tanto preparará anualmente um plano de acções a realizar.
3. A repartição das despesas e encargos com as acções referidas no número anterior serão repartidos [sic] pelos lojistas e serão por estes suportadas de acordo com o estabelecido nos respectivos contratos, sendo que o lojista da fracção do Supermercado comparticiparão nas despesas com a promoção e publicidade nos termos previstos no Regulamento de Condomínio relativamente às despesas de condomínio.
4. A Administração elaborará até 30 de Novembro de cada ano o plano e orçamento previsional das despesas e encargos com promoção e publicidade do Centro.
5. O plano e orçamento referido no número anterior serão apresentados aos lojistas para que dele tomem conhecimento, através da Associação de Lojistas até Dezembro do ano anterior a que respeitam.
6. Os valores orçamentados em cada ano com a promoção e publicidade do Centro atenderão às necessidades previsíveis para esse período, podendo divergir de ano para ano.
7. Até final de Fevereiro de cada ano a Administração apresentará as contas referentes ao ano anterior, apurando os desvios eventualmente existentes entre o orçamento anual e os gastos anuais efectivos. No caso do saldo ser favorável aos lojistas, será o mesmo creditado no orçamento para o ano seguinte; sendo o saldo negativo os lojistas procederão à sua liquidação na mensalidade seguinte. Serão admitidas variações até ao limite de 10% do montante orçamentado. As despesas com promoção e publicidade que ultrapassem o limite referido deverão merecer aprovação prévia da Associação de Lojistas.
8. É expresso desejo de todos os ocupantes que integram o Centro Comercial efectuar a promoção e publicidade necessárias para que o Centro Comercial ofereça aos seus integrantes os resultados positivos que todos esperam alcançar e se permita, assim, que a sua existência chegue ao conhecimento de potenciais clientes.
9. Partindo deste princípio, todos os lojistas prestam, desde já, o seu consentimento à realização de campanhas de promoção e publicidade que a Administração considere convenientes, suportando os lojistas tais na medida da proporção referida no número dois desta cláusula.
(...)”
j) Lê-se no art. 28.º do Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ..., epigrafada “Penalidades”, no seu n.º 1 que “Em caso de violação das disposições do presente regulamento ou de decisões da Administração é aplicável uma multa a fixar pela Administração entre €250 e €5.000, de acordo com a gravidade da violação, sem prejuízo de eventual responsabilidade civil”;
k) Lê-se no art. 29.º do Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ..., epigrafada “Regulamento Provisório”, que “O presente regulamento é provisório, passando a definitivo após a constituição do condomínio do centro comercial. A assembleia geral de condomínio alterará ou rectificará o presente regulamento.”;
l) Entre 06.12.2005 e data não concretamente apurada não anterior a Agosto de 2017, o R. marido foi locatário financeiro da fracção autónoma designada pelas letras AG, descrita na CRP de ... sob o n.º .../20020617-AG;
m) Lê-se na cláusula 4.ª, n.º 3, al. b) das condições gerais do contrato de locação financeira mencionado em g) que: “Todos os encargos relacionados com o imóvel locado ou com o presente contrato serão pagos pela LOCATÁRIA ou por esta reembolsados à LOCADORA, nomeadamente (...) todas as despesas relativas ao condomínio (...)”;
n) A R. M. C. avalizou todas as obrigações do locatário financeiro decorrentes do referido contrato;
o) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 06.03.2013, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2013 e 31.12.2013 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2013, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €101,15 a título de quota ordinária, de €10,12 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
p) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 04.06.2014 foi deliberado aprovar a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2014, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
q) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 18.06.2014 foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2014 e 31.12.2014, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €101,15 a título de quota ordinária e de €10,12 a título de fundo comum de reserva;
r) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 17.03.2015, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2015 e 31.12.2015 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2015, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €106,75 a título de quota ordinária, de €10,68 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
s) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 22.02.2016, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2016 e 31.12.2016 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2016, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €114,56 a título de quota ordinária, de €11,46 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
t) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 15.02.2017, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2017 e 31.12.2017 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2017, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €114,56 a título de quota ordinária, de €11,46 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
u) O R. marido foi convocado para as assembleias mencionadas em o), p), q), r), s) e t);
v) Foram notificadas ao R. marido todas as actas contendo as várias deliberações mencionadas em o), p), q), r), s) e t);
w) O R. marido pagou a quota de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing reportado aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015;
x) O R. marido pagou quotas ordinárias e fundo comum de reserva nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2015 no valor mensal de €111,27, totalizando €333,81;
y) Ao R. marido foi em 27.09.2017 aplicada uma multa de €750 pelo não pagamento atempado das mensalidades devidas;
z) Os RR. são casados entre si desde 31.08.1992, não tendo sido celebrada convenção antenupcial;
aa) O R. marido desenvolvia na fracção autónoma AG o seu comércio (compra e venda) a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação, com intuito lucrativo;
bb) Os proventos obtidos com o comércio referido em y) eram destinados a prover ao sustento dos RR. e respectivo agregado familiar;
cc) Em Novembro de 2017 a R. mulher iniciou a exploração de uma loja de venda de artigos de iluminação num espaço localizado foram do condomínio A.;
dd) Foi paga pelo Banco ... à A. a quantia de €944,82, reportada às quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro e Fevereiro de 2018.

Factos não provados
Da prova produzida não resultaram provados quaisquer outros factos que não os enunciados em 1.1., designadamente:
a) Que tenham sido pagos à A. as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013;
b) Que tenham sido pagos à A. as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes aos períodos compreendidos entre Janeiro e Junho e Setembro e Dezembro de 2014;
c) Que tenham sido pagos à A. as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes ao período compreendido entre Junho e Dezembro de 2015;
d) Que tenham sido pagos à A. as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes ao ano de 2016;
e) Que tenham sido pagos à A. as quotas ordinárias, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing referentes ao período compreendido entre Janeiro e Agosto de 2017 (inclusive).

Fundamentação de direito.

Alegam os Recorrentes a sua legitimidade ad causam, ou seja, colocam a questão de saber obre quem recai o pagamento dos encargos do condomínio quando a fração se encontra dada em locação financeira, como sucede na presente situação, se sobre o proprietário/locador, se sobre o locatário/recorrente marido.

Como fundamento e, em síntese, alegam que, em seu entendimento a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio pedidas nos autos, mesmo as respeitantes à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, relativas a um imóvel dado em locação financeira não desonera o locador, perante o condomínio, desse pagamento.

Com efeito, jamais poderia ser exigido pela Autora aos aqui RR, o pagamento das quantias reclamadas nos autos, sendo, assim, manifesta a sua ilegitimidade.

Como é sabido, esta questão tem precedência lógica sobre as demais, impondo-se o seu conhecimento prévio a todas elas.

Isto considerado, temos que, como e bem realçam os Recorrentes, a resposta a esta questão não tem merecido por parte da jurisprudência tratamento uniforme, vindo a jurisprudência dividir-se entre os que defendem que o locatário é exclusivamente responsável pelo pagamento do condomínio e os que entendem que tal responsabilidade perante o condomínio cabe ao locador.

Por elucidativo sobre esta controvérsia jurisprudencial refere-se o que consta do Acórdão da Relação de Guimarães, de 10/05 de 2018, e que é o seguinte:
(…)
“Os que defendem o entendimento de que o locatário deve ser o exclusivo responsável pelo pagamento das contribuições do condomínio, invocam a favor da sua tese o próprio regime da locação financeira, entendendo que este deve prevalecer sobre o regime geral do artigo 1424º do Código Civil, e que ao mesmo deve ser atribuída eficácia erga omnes, impondo-se dessa forma ao condomínio, ainda que este seja um terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.

O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, diploma que regula o regime jurídico do contrato de locação financeira, estabelece efectivamente na sua alínea b) que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.

Parte da jurisprudência vem defendendo a eficácia erga omnes desta norma, considerando-a uma norma absoluta, e atribuindo carácter supletivo ao artigo 1424º do Código Civil que, estabelecendo que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos (os proprietários exclusivos da fracção que lhes pertence e comproprietários das partes comuns do edifício conforme n.º 1 do artigo 1420º) em proporção do valor das suas fracções, ressalva a existência de disposição em contrário, entendendo que a norma do referido artigo 10º prevalecerá dessa forma sobre a regra geral do artigo 1424º.

Os que defendem a responsabilidade do locatário pelo pagamento destas despesas e a eficácia erga omnes da norma invocam ainda o facto do contrato de locação financeira estar sujeito a registo (artigo 2º n.º 1 alínea l) do Código de Registo Predial e defendem que aquele, ainda que não sendo o “proprietário jurídico” do imóvel é o “proprietário económico” do mesmo, de que por regra se tornará verdadeiro dono no final do contrato.

Neste sentido, e de entre várias decisões podemos aqui referir o acórdão da Relação de Lisboa de 06/11/2012 (este acórdão tem voto de vencido declarando que “Discorda-se com o entendimento de que o contrato de locação financeira, que produz efeitos meramente obrigacionais, possa contender ou influir com a responsabilidade do titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma – e logo, nessa medida, condómino – perante o Condomínio pelo pagamento das dívidas respeitantes às despesas comuns com a respectiva manutenção e conservação. (…) Esta última – sufragada no acórdão - produz, como resultado necessário, a exoneração do pagamento das prestações de condomínio por parte do titular de um direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito meramente obrigacional sobre o prédio. 19ª – Conclusão esta juridicamente inaceitável”), 27/04/2014, 06/04/2017 (podendo ler-se no sumário deste acórdão que “Perante a especificidade do contrato de locação financeira, a sua sujeição a registo e a regra constante do art. 10º, nº1, b) do Regime Jurídico da Locação Financeira, as despesas do condomínio são da responsabilidade do locatário e não do locador”) os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, de 06/11/2008 (em cujo sumário consta que “4. Estas normas não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio. 5. (…) o locatário não é, juridicamente, o proprietário do bem locado, mas é o “proprietário” económico desse bem, de que, por via de regra, se tornará verdadeiro dono no termo do contrato. 6. Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento”) e 2/3/2010 (em cujo sumário se pode ler que “X) - Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal”; este acórdão tem voto de vencido declarando que, da imposição legal, ao locatário financeiro, da obrigação de pagar as despesas de condomínio não decorre a exoneração do proprietário dessa fracção); o acórdão da Relação do Porto de 29/05/2014 (podendo ler-se no sumário que “II - Impende sobre o locatário financeiro a obrigação de pagamento ao condomínio das despesas de fracção autónoma objecto da locação”) e de 07/04/2016 (em cujo sumário se pode ler que “Estando as fracções a que respeitam as despesas de condomínio dadas em locação financeira é o locatário financeiro o responsável pelo respectivo pagamento” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Do outro lado estão aqueles que defendem que perante o condomínio o responsável pelo pagamento é o locador financeiro, proprietário do bem locado, e que, ainda que no contrato de locação financeira a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio pertença ao locatário, tal não desonera o locador desse pagamento.

Para os que perfilham este entendimento é o artigo 1424 do Código Civil que tem natureza erga omnes, impondo-se de forma absoluta, enquanto as normas do Decreto-Lei n.º 149/95, designadamente o seu artigo 10º, têm natureza obrigacional e eficácia apenas inter partes, pelo que perante o condomínio, o locador seria o responsável pelo pagamento das quotas, com direito de regresso sobre o locatário, nos termos do contrato de locação financeira.

Neste sentido, entre outros, podemos aqui citar o acórdão do STJ de 19/03/2002 (em cujo sumário se pode ler que “Porque a imposição legal do locatário financeiro da obrigação de pagar as despesas do condomínio não exonera o proprietário da fracção autónoma, é este, parte legítima na execução movida pela administração do condomínio para obter o pagamento da respectiva quota-parte”); os acórdãos da Relação do Porto de 04/06/2001 (cujo sumário refere “II - Se a fracção estiver locada e, por acordo com o senhorio, o arrendatário assumir a responsabilidade pelo referido pagamento, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o pagamento só pode ser exigido do senhorio/proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra o locatário.

III - Isto é aplicável mesmo ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira”), de 06/05/2008 (podendo ler-se no sumário “2. Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar”) e de 12/09/2016 (em cujo sumário se pode ler que “A responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira, ainda que pertença também ao locatário financeiro, não desonera o locador/proprietário desse pagamento, pelo que este tem legitimidade para ser demandado como executado”), e o acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2006 (em cujo acórdão se lê que “Nos casos de locação financeira imobiliária, ainda que registada a favor do locatário, tendo por objecto uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, perante o condomínio continua a ser o locador (proprietário) o responsável pelas despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum a que se refere o artigo 1424º do Código Civil” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Na Doutrina o Professor Gravato Morais defende também que o condomínio pode exigir do locador financeiro o pagamento das prestações em dívida relativas a despesas de condomínio, entendendo que se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio” (“Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, Cadernos de Direito Privado, nº 20, páginas 50 a 60, 2007); no mesmo sentido podemos ainda referir a tese de Mestrado de Ângela Sofia Miranda Guimarães, de Abril de 2014, com o tema “Da responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, realizada sob a orientação do Professor Gravato Morais, onde é defendido que o responsável perante o condomínio pelo pagamento das despesas vencidas e não pagas pelo locatário é o locador (1).

A posição de Gravato Morais, “faz decorrer essa possibilidade do facto de o condomínio ter aceite a assunção da dívida (art. 595 do CC) pelo locatário no contrato com o locador, enquanto no entendimento da outra tesse, a posição de Rui Pinto, que aceita os fundamentos da corrente anterior quanto à responsabilidade do locatário, mas adere, quanto à responsabilidade do locador, à construção feita pelo ac. do TRP de 06/05/2008, proc. 0821567: “Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar.”

Gravato Morais entende que se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio” (2).

De tudo decorre, assim, com linear evidência que:
- Existe uma outra corrente que defende que o artigo 1424 do CC cede perante o artigo 10/1-b-2-e do DL 149/95, pelo que quem tem de pagar essas despesas é o locatário financeiro, isto porque estas regras especiais não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio.

- E existe ainda uma outra corrente que aceita que o condomínio possa, sempre ou apenas em alguns casos, exigir o pagamento do locatário financeiro, mantendo embora o locador financeiro também a responsabilidade por esses pagamentos enquanto o locatário não as pagar.

Ora, não merecendo a questão muito aprofundado desenvolvimento, dado o muito que está publicado sobre esta controvérsia, que é cabalmente esclarecedor dos seus termos e das argumentações que a sustentam, e que, em nosso entender, praticamente esgota o tema, dada a inexistência de novas argumentações, sempre diremos que, em nosso entender, a segunda corrente – da obrigação exclusiva do locatário financeiro – será de rejeitar, por, entre o mais, afastar, sem fundamento, a obrigação do locador financeiro constante do art. 1424 do CC, sendo que, o locador financeiro condómino não se pode descartar, por contrato celebrado com terceiro, da obrigação de pagar esses encargos, contra o disposto no art. 1420/2 do CC, em prejuízo do condomínio.

Por outro lado, conforme se refere no já citado Acórdão da Relação do Porto 12/09/2016 esta “acarreta uma enorme desprotecção do condomínio e dos restantes condóminos, pois basta pensar nos casos – e não são tão pouco frequentes como se possa fazer crer – em que o locatário não só não paga as despesas de condomínio (que podem ascender a verbas elevadas) como se desinteressa do cumprimento do contrato de locação financeira (muitas vezes por manifesta impossibilidade financeira – insolvência). Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito, uma vez que o locatário não é o proprietário jurídico da fracção. Proprietário é o locador que poderá ver a sua fracção enriquecida à custa dos demais condóminos que suportaram as despesas que ele não suportou (nem as suportou o locatário)”.

Assim, é também nosso entendimento a norma do referido artigo 10º alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes, pois que, o legislador expressamente aponta para uma eficácia inter partes do diploma aplicando-se esta norma na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador.

Com efeito, como se refere no citado Acórdão da Relação de Guimarães “o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o diploma (o Decreto-Lei n.º 149/95) visa regular o regime da locação financeira e as relações o locador e o locatário; já os artigos 1420º e seguintes do Código Civil, onde se insere o referido artigo 1424º, visam regular os direitos e encargos dos condóminos, resultando deste artigo que é o condómino, ou seja o proprietário (pois quem assume a qualidade de proprietário de fracção autónoma será, por inerência, considerado condómino do prédio) o responsável pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Assim, e ainda que sobre o locatário, no âmbito do contrato de locação financeira, recaia a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador.

Daqui não decorre que o locatário fique desonerado da obrigação de pagamento daquelas despesas pois que perante o locador o mesmo se obrigou a esse pagamento, assim, pagando o locador ao condomínio, ficará com o direito de pedir ao locatário o que tenha pago a esse título.

Da mesma forma, o facto de a alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho estabelecer que é obrigação do locatário o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum não desonera o locador financeiro desse pagamento perante o condomínio”.
(…)
“Numa relação (respeitante ao imóvel locado e às partes comuns) que se pode configurar como tripartida (condomínio, locador financeiro e locatário financeiro) será possível perspectivar dois níveis distintos: por um lado a relação entre as partes contraentes na locação financeira e, de outro lado, a relação destas perante o condomínio, terceiro em face do contrato de locação financeira.

Parece-nos que a conclusão a retirar terá de ser que o responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário; de facto, o locador financeiro do ponto de vista jurídico é o único proprietário da fracção autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário, este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira. E, ainda assim, tal aquisição não deixa de constituir apenas um cenário hipotético ou, mais rigorosamente, uma expectativa jurídica (de aquisição do bem pelo locatário financeiro) facilmente afastada pela resolução do contrato no caso de incumprimento das prestações, pelo não exercício da faculdade de opção pela venda do bem ou simplesmente por mero acordo das partes.

E, analisando o referido artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 parece-nos ainda de salientar que o legislador apenas previu como obrigação do locatário financeiro, o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum; e quanto à obrigação de conservação a mesma reporta-se ao próprio bem locado e já não às partes comuns; de facto decorre de forma linear da alínea e) do n.º 1 do referido preceito que é obrigação do locatário financeiro “ “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”. Parece-nos, por isso, que mesmo na relação entre locador e locatário, e no que toca às partes comuns e serviços de interesse comum, o legislador reservou apenas para este a obrigação do pagamento das despesas correntes, deixando para o locador a responsabilidade de pagar as despesas extraordinárias, designadamente de conservação das partes comuns.

É que na locação financeira o que está em causa não deixa de ser a cedência do gozo temporário de uma coisa (ainda que o locatário a possa vir a adquirir decorrido o período acordado) e o locador financeiro nunca deixa de ser o proprietário da fracção autónoma do prédio constituído em regime de propriedade horizontal. Conforme decorre do artigo 1º do DL 149/95, de 24 de Junho, o contrato de locação financeira, é definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante a simples aplicação dos critérios nele fixados. Compreende-se pois que, sendo cedido o gozo temporário de uma coisa, o legislador tenha considerado como obrigação do locatário, perante o locador, o pagamento das despesas correntes e já não das despesas extraordinárias, estas a cargo do locador por força da sua qualidade de proprietário” (3).

Assim, e concluindo, não entendemos que a norma da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 tenha carácter erga omnes e seja oponível ao condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.

Destarte, somo também de entender, que “o entendimento que perfilhamos no sentido do locador responder perante o condomínio parece-nos ser o que melhor assegura a posição do condomínio (terceiro alheio à celebração do contrato de locação financeira) de ver saldada a divida decorrente do não pagamento das despesas pois que respondendo o locador com o seu património poderá desde logo nomear à penhora o imóvel objecto do contrato de locação financeira (propriedade do locador), enquanto que relativamente ao locatário financeiro poderia indicar à penhora apenas a expectativa de aquisição”. (4)

Assim e concluindo, somos de entender que no âmbito do contrato de locação financeira que tem por objecto fracção autónoma, cabe ao locatário por força do disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, sendo que, no entanto, e perante o condomínio, no caso do locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.

Por último apenas mais uma observação apenas para dizer que esta tese que perfilhamos e que os Recorrente dizem também ser a que seguem, já que referem expressamente que “seguem o entendimento seguido por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, plasmado no Acórdão de 10-05-2018, proferido no processo 501/15.6T8PTL”, não nos leva a concluir, como pretendem os Recorrentes, que “O responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário/recorrente”, e de que “Jamais poderia pois ser exigido pela Autora aos aqui RR, o pagamento das quantias reclamadas nos autos, tanto que sendo a Autora sabedora da existência do citado contrato de locação financeira, optou por demandar apenas os aqui RR”.

Isto porque, “Neste quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar” (5).

Conclui-se, assim, dizendo que, como assertivamente referem os Recorridos, “a querela jurisprudencial sobre quem é o responsável pelo pagamento do condomínio nos casos de locação financeira, porquanto, a questão não se divide entre os que defendem que é ao locatário quem cabe exclusivamente a responsabilidade pelo pagamento e aqueloutros que defendem que tal responsabilidade cabe ao locador, mas tão somente entre aqueles que defendem a responsabilidade exclusiva (por via legal) do locatário financeiro e aqueles que entendem que a responsabilidade do locatário financeiro não desobriga a responsabilidade do locador financeiro (existindo assim dois co-obrigados – um e sempre o locatário; ou dois, o locatário e o locador)”, sendo que, em qualquer das teses, é sempre o locatário financeiro responsável pelo pagamento das despesas de condomínio, do que inelutavelmente se impõe a conclusão de que nunca estará em causa a sua legitimidade, qualquer que seja a tese perfilhada.

Por tudo o exposto, na inexistência de qualquer ilegitimidade dos Recorrentes, improcede também nesta parte a presente apelação.

Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante/Autora, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018 (6), os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (7).

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto.se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis.

Ora, como resulta do supra exposto, o Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados e não provados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso.

Assim, em seu entender, os factos a seguir referidos não lograram adesão de prova, devendo, por isso serem dados como indemonstrados:

“o) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 06.03.2013, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2013 e 31.12.2013 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2013, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €101,15 a título de quota ordinária, de €10,12 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
p) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 04.06.2014 foi deliberado aprovar a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2014, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
q) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 18.06.2014 foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2014 e 31.12.2014, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €101,15 a título de quota ordinária e de €10,12 a título de fundo comum de reserva;
r) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 17.03.2015, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2015 e 31.12.2015 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2015, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €106,75 a título de quota ordinária, de €10,68 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
s) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 22.02.2016, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2016 e 31.12.2016 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2016, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €114,56 a título de quota ordinária, de €11,46 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing;
t) Na Assembleia de condóminos realizada no dia 15.02.2017, foi deliberado aprovar a proposta de orçamento para o período compreendido entre 01.01.2017 e 31.12.2017 bem como a proposta de orçamento de promoção e marketing para o ano de 2017, cabendo à fracção AG o pagamento mensal de €114,56 a título de quota ordinária, de €11,46 a título de fundo comum de reserva e de €31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing.

Os Recorrentes estruturam a sua divergência em relação à materialidade que considera ter sido indevidamente julgada como demonstrada pelo tribunal a quo, na conjugação de meios probatório produzidos, dos quais, em seu entender, deveria ter resultado uma resposta diversa da que foi dada a essa factualidade, ou seja, de sentido negativo, e que, em síntese, são os seguintes:
- A Autora confessa no artigo 17º da PI, que este Tribunal da Relação de Guimarães declarou extinta a execução que a Autora tinha intentado contra os RR, para cobrança dos encargos que, na presente acção, volta a pedir.
Como resulta do Acórdão referido em 17º da PI, transitado em julgado, foi decidido, além do mais, que “pelos títulos oferecidos à execução não se consegue determinar o montante que, efectivamente, o embargante deve ao exequente e, designadamente, a título de cada uma das rúbricas”.
A acção executiva a que se reporta tal Acórdão é a identificada pela Autora no artigo 16º da PI, nela figurando a Autora como exequente e os RR como executados.
Os “títulos” mencionados naquele Acórdão são as mesmas actas das assembleias de condóminos que a Autora volta a juntar à presente acção com a PI e, através das quais, sustentou o pedido contra os RR.
As quantias reclamadas naquela acção executiva são, por isso, as mesmas quantias pedidas na presente acção, e reportam-se ao mesmo período de tempo.
Assim, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, os aludidos factos não se encontram sustentado nos documentos que lhe serviram de suporte.

Ora, como se deixou dito, o legislador ao determinar e afirmar que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, designadamente, se a prova produzida ou documento superveniente impuseram decisão diversa – artigo 662, nº1, do C.P.C. -, pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (8), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Impõe-se-lhe, assim, que se “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a- formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (9).

Na verdade e como é consabido, não sendo a demonstração efectiva - segundo a convicção do juiz - da realidade de um facto uma certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida - certeza histórico-empírica -, é necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

E é á luz do que se acaba de expender que importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e com o que os meios de prova produzidos nos autos, impõem concluir.

Tudo isto ponderado, no que concerne à impugnação, começaremos por referir que, como e de modo assertivo referem os Recorridos, “Os valores peticionados e em dívida foram alvo da devida alegação na causa de pedir dos presentes autos, a que os RR. tiveram hipótese de contestar, bem como foram devidamente discriminados os valores mensais a pagar, bem como os meses que não haviam sido liquidados pelos RR., valores que se fundamentaram nos orçamentos aprovados e nas quotas partes dos RR., pelo que não existe qualquer dúvida quanto aos valores em dívida, não fazendo sequer sentido a alegação nesta sede dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade a que os títulos executivos estão sujeitos”.

Acresce que, como igualmente referem os Recorridos, o aludido Acórdão limitou-se a considerar que as actas dadas à execução (no seu douto entendimento) não eram título executivo, tendo defendido que das mesmas não se conseguia vislumbrar o montante que o embargante efectivamente devia, tendo apenas em consideração o balanço das fracções constante do relatório e contas, sem ter dado relevância aos orçamentos aprovados, e à “liquidação” feita na causa de pedir, e que não foi infirmada pelos RR”.

E como igualmente referem, “O balanço das fracções (integrado no Relatório e contas) contempla os valores em dívida pelo R à data do fecho de contas, não tendo em conta se o condómino tem alguma execução pendente ou não, como era o caso dos RR.”.

Assim, como igualmente pelos Recorridos é aduzido, constata-se “desse balanço que existe um saldo inicial devedor de € 3.117,51, pelo que o pagamento de € 397,73 serviu para liquidar dívida antiga contabilizada naqueles € 3.117,51”, sendo que, “no documento equivalente da acta de 2015 (balanço das fracções do ano de 2014) constatar-se-á que nesse ano, a fracção AG deveria ter liquidado a quantia de € 1.712,64, e liquidou € 1.650,00 (ao abrigo de um acordo de pagamento efectuado na acção executiva instaurada em 2013), e se verificarmos na conta corrente peticionada nos presentes autos, constata-se que todo o ano de 2014 permaneceu integralmente em dívida, o que se deveu precisamente, ao facto do administrador ter que mencionar no exercício/período em causa a quantia que recebeu (1.660,00 €), mas já questão diferente se prende com as prestações que tal pagamento liquidou (neste caso, todas elas anteriores ao período em causa de 01/01/2014 a 31/12/2014 como infra veremos com a junção dos respectivos recibos emitidos em 2014 e que totalizam €1.650,00).

Relativamente ao ano de 2013, mais uma vez refere o Venerando Tribunal que o somatório anual das 3 rubricas seria de € 1.712,64 (o que é correctíssimo) porém, o douto Tribunal parte de mais um pressuposto errado, uma vez que para além das 3 rubricas (quota ordinária, FCR e fundo de promoção e marketing) podem ser lançadas à fracção outras despesas que a mesma dê origem (v.g. taxas de justiça, cláusulas penais pelo incumprimento do regulamento de condomínio, juros de mora, honorários de Agente de Execução, quota parte numa despesa urgente que não tenha sido objecto de deliberação) os quais caberá à mesma suportar, independentemente, da acta poder não consubstanciar título executivo bastante para a cobrança dessas despesas, sendo que, o balanço da fracção terá que contabilizar todos os valores lançados seja a débito seja a crédito e daí o valor de € 1.905,03 (superior ao somatório das despesas anuais aprovadas para a quota ordinária, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing).

E em 2013, foi precisamente isso que sucedeu. O ora Recorrido instaurou uma execução contra o ora Recorrente (Processo n.º 3840/13.7TBGMR do 1.º juízo de Execução do Tribunal Judicial de Guimarães), tendo lançado na sua conta corrente, em 15/10/2013, as quantias de € 209,39 de juros de mora vencidos à data da instauração da execução e de € 25,50 a título de taxa de justiça. Assim, o somatório das prestações deliberadas em 2013 (€ 1.712,64) com os juros e taxa de justiça perfazia um total € 1.947,53, ao qual foi indevidamente retirado o valor de € 42,50 que estava em débito.

Daí que, em 2014, o saldo inicial (€ 4.667,31) respeite ao saldo final de 2013 (€ 4.624,81) acrescido do valor de € 42,50 indevidamente retirado no lançamento a débito em 2013”.

Assim sendo, e considerado tudo o acabado de expender, considerados os acudidos documentos, a liquidação efectuada na acção que não foi infirmada, pois que, os valores mensais a pagar foram devidamente discriminados, bem como os meses que não haviam sido liquidados pelos RR., valores que se fundamentaram nos orçamentos aprovados e nas quotas partes dos RR., sendo que os RR. tiveram hipótese de os contestar e não o fizeram.

Em consonância com tudo o acabado de expender, e pelas razões expostas, somos de entender que a conjugação de todo este substrato probatório comporta e alicerça de modo consistente a convicção do tribunal sobre matéria fáctica objecto da presente impugnação, razão pela qual se mantém a decisão recorrida sobre essa mesma matéria de facto.

E assim sendo, improcede, nesta parte, a presente apelação.

Alegam ainda os Recorrentes que, como decorre da sentença recorrida, os RR foram condenados a pagar, além das quotas ordinárias e do fundo de reserva, o pagamento de outras quantias referentes ao fundo de promoção e marketing e à multa ou penalidade, com base no regulamento de utilização e funcionamento do centro comercial que não é mais que o “Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ...”, junto com a PI.

Sucede que, como consta expressamente de tal documento, tal dito Regulamento é provisório e nunca foi ratificado pela assembleia geral de condomínio – cfr. factos provados nas alíneas J e K, do que resulta a inexigibilidade das normas decorrentes de tal Regulamento, dito provisório, pois não foi apreciado soberanamente pela assembleia de condóminos.

Resulta assim que a quota mensal para o fundo de promoção e marketing e a multa, exigidas nos autos, não resultando da lei, também não se pode fundar no Regulamento provisório alegado pela Autora, pois não foi ratificado pela assembleia geral de condomínio, e, por isso, ao contrário do douto entendimento da sentença recorrida, a falta de ratificação pela assembleia retira-lhe validade ou eficácia, originando qua as actas constitutivas das obrigações desse fundo de promoção e marketing e da multa, sejam ineficazes em relação aos RR, pois estão desacompanhadas da acta que aprovou tal Regulamento provisório.

Por decorrência de tudo o exposto, os RR, ora recorridos, entendem, pois, que as deliberações das assembleias de condomínio que fixaram a obrigatoriedade de pagamento do fundo de promoção e marketing e da multa/penalidade padecem do vício da ineficácia, o qual, desobrigando os RR de pagarem à Autora os montantes peticionados àquele título, fundados no dito “Regulamento Provisório” que a própria Autora juntou com a PI.

Isto posto, cumpre então analisar da verificação ou não da invocada ineficácia das aludidas deliberações falta de ratificação pela assembleia de condóminos.

E analisada a factualidade supra descrita, resulta demonstrado que, em conformidade com o disposto no art. 29.º do Regulamento Interno Provisório do Centro Comercial ..., epigrafada “Regulamento Provisório”, “O presente regulamento é provisório, passando a definitivo após a constituição do condomínio do centro comercial”, sem que se tenha estipulado também a necessidade de qualquer aprovação ou ratificação subsequente por parte da assembleia geral de condomínio.

Assim sendo, na inquestionável validade das regras que fundamentaram a condenação dos Recorrentes no pagamento das quotas ordinárias, do fundo de reserva e das demais quantias referentes ao fundo de promoção e marketing e à multa ou penalidade, e da consequente inexistência da alegada ineficácia das aludidas deliberações, improcede também nesta parte a presente apelação.

Mais alegam os Recorrentes que, conforme se alcança da sentença recorrida, o tribunal a quo deu como facto provado na alínea y), que ao R. marido foi em 27-09-2017 aplicada uma multa de € 750,00 pelo não pagamento atempado das mensalidades devidas”, sendo que, nessa sequência, condenou os RR a pagarem também essa multa de € 750.00.

Sucede, no entanto, que essa condenação viola o disposto no artigo 1434º, 2 do Código Civil, pois que, quer o Regulamento aprovado na assembleia geral de condóminos, quer as deliberações do condomínio em que foi deliberado sujeitar os RR às penalidades em questão, por atraso no pagamento das quotas do condomínio, estão sujeitos, em tal matéria, ao limite prescrito no nº 2 do art. 1434º do CCiv., segundo o qual “o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fração do infractor”.
Isto porque, em seu entender, tem carácter imperativo e não supletivo, dados os termos em que [a alínea] se encontra redigida, concretamente, quando nela se diz que o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo que o uso da expressão nunca significa que esta meta tem carácter imperativo.

Alegam ainda que, quanto à qualificação da «pena pecuniária» a que aquele preceito (artigo 1434, nº 2, do C. Civil) se reporta e apesar de reconhecer que o mesmo não esclarece se “visa incentivar o devedor a cumprir ou se visa apenas liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de incumprimento”, sendo que “no contexto da relação condominial faz mais sentido a sua qualificação como cláusula penal moratória, quase diríamos como sanção pecuniária compulsória, do que como cláusula penal compensatória, e, daí, que a sua aplicação seja cumulável com a indemnização por mora no cumprimento ou por incumprimento”.

Assim, face ao carácter imperativo/limitativo do nº 2 do art. 1434º, é seguro que “em nenhum regulamento e, claro, nem no que está em causa nos autos, podem ser imposta aos condóminos sanções pelo atraso no pagamento atempado da contribuição da sua quota de condomínio anualmente fixada, nem das despesas que, por força do regulamento, deliberação da assembleia de condóminos ou imposição legal que se venham a realizar ou sejam da sua responsabilidade, que desrespeitem e violem este normativo”, o que sucedeu nos autos.

Isto considerado passemos então a analisar a questão colocada que mais não do que a de saber se foi violado o disposto no artigo 1434, nº 2, do C. Civil, que pressupõe que se esclareça a questão de como calcular agora a norma do n.º 2 do art. 1434º do CC quando fala em “rendimento colectável anual da fracção”, ou seja, como calcular este valor.

Ora a propósito desta temática refere o Acórdão da Relação do Porto, de 26/06/2011, o seguinte:
(…)
O nº 2 do artigo 1434° do CC, tem carácter imperativo e não supletivo, dado que ali se estipula que o montante das penas m cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo que, o uso da expressão nunca, significa que esta meta tem carácter imperativo.
(…)
Como explica Sandra Passinhas, em Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 273, a noção de rendimento colectável era dado pelo artigo 3º, n.º 1 do antigo Código de Contribuição Predial e corresponde ao valor da renda dos prédios arrendados e, quanto aos nãos arrendados, à utilidade equivalente que deles obtivesse ou tivesse possibilidade de obter quem pudesse usufruir ou usar os mesmos.
Com o Código de Contribuição Autárquico, de 1/1/1989, o contribuinte passou a ser tributado pelo seu património e não pelo rendimento que obtinha dos seus prédios, isto é, a base de cálculo do imposto cobrado passou a ser o valor patrimonial atribuído ao imóvel.
Por sua vez, dispunha o nº 1 do artº. 6º do citado DL. 422-C/88, que aprovou o CC Autárquica.
1 - O valor tributável dos prédios urbanos, enquanto não for determinado de acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da capitalização do rendimento colectável, actualizado com referência a 31 de Dezembro de 1988, através da aplicação do factor 15”.
2º - O rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados, reportado a 31 de Dezembro de 1988, é desde já objecto de actualização provisória de 4% ao ano, cumulativa, com o limite máximo de 100%, desde a última avaliação ou actualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do disposto no n.º 1 do art. 69º da Lei n.º 2/88, de 28 de Janeiro
Verificamos, pois, que o conceito de rendimento colectável não coincide com o conceito de valor patrimonial tributário e que o legislador – não desconhecendo a diferença conceitual -, não alterou nem acompanhou estas alterações e alterar, por sua vez, a redacção daquele n.º 2, perante as novas normas tributárias entradas em vigor -, pelo que devemos entender que se pretendeu manter o limite das penas por referência ao valor colectável e não ao valor patrimonial tributário.
Doutra forma, aquela norma ficaria desprovida de qualquer utilidade e funcionalidade. No mínimo exigia-se a sua revogação. Não é suposto permanecer nos códigos normas inócuas – artigos 9º e 10º do CC -.
É que esta norma, inserida na ordem jurídica civilística em sede de propriedade horizontal, permitindo que a assembleia de condóminos fixe penas pecuniárias até à quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, contém um conceito aferido a um determinado período de tempo (anual), que não coincide, logicamente, com o valor patrimonial.
E sendo assim, então há que atender às normas acima expostas, que estabelecem um critério relacional entre rendimento colectável e valor patrimonial, tanto mais que o CIM sobre Imóveis manteve o conceito de tributação fiscal sobre o valor patrimonial atribuído ao imóvel que havia sido adoptado pelo CCA – conf. art.s 1º e 7º do CIMI e 1º e 7º do CCA -.
E assim, consideramos que devemos aplicar, por se manter intacta a filosofia tributária, o enunciado do já referenciado art. 6º do CCA.
É sabido e já acima o afirmamos que o rendimento colectável é anual e corresponde ao valor da renda dos prédios arrendados e, quanto aos não arrendados, à utilidade equivalente que deles obtivesses ou tivesse possibilidade de obter quem pudesse usar ou fruir dos mesmos, nos termos do CCPredial, correspondendo a uma expectativa de rendimento anula.
Por sua vez, o valor tributário não é anual nem tem referência temporal e corresponde ao valor atribuído ao prédio rústico ou urbano e que se encontra inscrito na matriz predial, sendo averbado na respectiva caderneta predial pelos serviços das finanças, servindo então de cálculo do imposto sobre imóveis, constituindo, portanto, conceitos não coincidentes.
E esta divergência foi reconhecida pelo referido artigo 6º, n.º 1 do DL n.º 442-C/88.
Deste modo, não acompanhamos aqui o entendimento e raciocínio da apelante quando considera adequado seguir o pensamento segundo o qual o "rendimento colectável" anual da fracção autónoma deve ser aferido em função da aplicação da taxa do imposto municipal sobre imóveis (artigo 112.º do CIMI, taxa fixada pelas respectivas assembleias municipais dentro de limites que podem variar entre 0,2% a 0,8%) ao valor patrimonial tributário da respectiva fracção autónoma (artigo 7.º do CIMI).
E se o valor patrimonial da fracção autónoma “BG” representava em 2009, seja já depois da entrada em juízo da acção executiva, 55.289,75€, da aplicação da taxa de 0,8 fixada pela Assembleia Municipal de Paredes, para o ano de 2008, resulta o “rendimento colectável” de 276,49€, pelo que o montante das penas a aplicar ao condómino não poderá exceder, em cada ano, a quarta parte deste valor, ou seja, 69,12€, sob pena de expressa violação do artº. 1434º, nº 2 do C. Civil.

Temos para nós como mais adequado proceder ao cálculo do seguinte modo:
Valor patrimonial tributário de 55.289,75x0,15 (factor 15 referido no artigo 6º n.º 1 do DL n.º 442-C/88=8.293,46 (rendimento colectável).
Agora, aplicando o ¼ (25%) do n.º 2 do artigo 1434º do CC, corresponde a 2.073,36€ a multa a aplicar.

Daqui resulta que a pena aplicada à apelante que exceda o limite estabelecido no artigo 1434º n.º 2 do CC, assim calculada, tem de ser reduzida a este limite.
De resto, a aplicação do conceito de valor patrimonial ao caso conduziria a valores desproporcionados, pois que o valor tributário de um imóvel é muito superior ao seu rendimento colectável, potenciando-se, assim, uma desproporção entre a infracção e a sanção, que o julgador não quis.
E não podemos esquecer que a cláusula penal prevista no regulamento do condomínio, destina-se a ter uma função dissuasora do acto de atraso em pagamento de qualquer contribuição do condómino e também e ainda a de ressarcir o credor dos prejuízos decorrentes da mora”.

Ora, à luz do acabado de expender, admitindo o caracter imperativo da aludida norma, da situação estamos, de facto, perante uma clausula penal que pode reconduzida ao conceito de “estipulação em que qualquer das partes, ou 1 delas apenas, se obriga antecipadamente perante a outra, a efectuar uma prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (maxime in tempo), de determinada obrigação”

E dúvidas não podem restar de que tal cláusula tem por finalidade a liquidação do dano ou compulsão ao cumprimento, sendo igualmente certo que, no caso do pagamento de penalidades/coimas devidas pelo atraso do cumprimento do condómino relapso, trata-se de uma cláusula penal puramente compulsória, uma vez que o devedor, para além do pagamento da penalidade/coima, está igualmente obrigado ao cumprimento das quotas em falta e demais prejuízos.

Ora considerado tudo o exposto, e, designadamente, que inexiste prova de que tenha sido ultrapassado o “rendimento colectável anual da fração do infractor”, improcede também nesta parte a apelação.

Por último, alegam também os Recorrentes qua a sentença recorrida aplicou mal ao caso o disposto no artigo 1691º,1 a) e d) do CC para responsabilizar a Ré mulher pelo pagamento da alegada dívida, pois que, não ficou provado que a Ré mulher tivesse dado o consentimento à alegada dívida contraída pelo Réu marido, pelo que não se aplica no caso a alínea a) do citado artigo.

Acresce que, está dado como assente que apenas o Réu marido foi convocado para as assembleias e apenas a ele lhe foram enviadas as cópias das actas – cfr. alíneas u) e v), sendo que, as alegadas dívidas de condomínio não são enquadradas como sendo contraídas “no exercício do comércio”, como o exige a alínea d) do citado artigo 1691º,1 do CC.

Com efeito, foi apenas dado como provado que a actividade comercial do Réu marido é a compra e venda a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação, com intuito lucrativo – cfr. alínea aa) -, e não a administração de condomínios nem a alegada dívida à Autora resulta da compra e venda a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação.

Por outro lado, o facto da actividade comercial do Réu marido ser efetuada na fração autónoma AG não é determinante para atribuir a responsabilidade à Ré mulher, na medida em que tal fração não é propriedade deles, mas do locador financeiro banco, e, como ficou assente na alínea i) dos factos provados, apenas o Réu marido foi locatário financeiro de tal fração, não a Ré mulher.

Ora, em primeiro lugar, como e correctamente referem os Recorridos, tribunal a quo não tivesse subsumiu os factos provados à al. a) do art. 1691.º, n.º 1 do C.C., mas sim às alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 1691.º do C.C., pois que, como se refe nessa decisão, o tribunal recorrido conclui, “a situação sub iudice é subsumível quer a previsão do art. 1691.º/1/al. b), quer à previsão do art. 1691.º/1/al. d) CC, pelo que também a R. mulher deverá ser responsabilizada pelo pagamento da dívida vinda de analisar”.

No que concerne a este aspecto, muito pouco que poderá acrescentar ao que já conta da decisão recorrida, quando refere que ficou provado “que os RR. são casados entre si desde 31.08.1992, não tendo sido celebrada convenção antenupcial, pelo que o regime de bens do casamento é o da comunhão de adquiridos (cfr. art. 1717.º CC).
Mais se provou que o R. marido desenvolvia na fracção autónoma AG o seu comércio (compra e venda) a retalho de mobiliário e artigos (material) eléctricos e de iluminação, com intuito lucrativo, destinando os proventos obtidos com essa actividade ao seu sustento bem como ao sustento do respectivo agregado familiar.
Sendo assim, a situação sub iudice é subsumível quer a previsão do art. 1691.º/1/al. b), quer à previsão do art. 1691.º/1/al. d) CC, pelo que também a R. mulher deverá ser responsabilizada pelo pagamento da dívida vinda de analisar”.

Improcede, assim na integra, a apelação interposta, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 04/ 11/ 2021
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil


1. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/05/2018, proferido no processo nº 501/15.6T8PTL.G1, inwww.dgsi.pt.
2. Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira, anotação ao ac. do TRP de 14/03/2006, proc. 168/06, Cadernos de Direito Privado, n.º 20, páginas 50 a 60, Dez2007; e Manual de Locação Financeira, 2011, 2.ª ed., Almedina, págs. 121-127]; Rui Pinto, A execução de dívidas do condómino, O5/06/2017, no blog do IPPC, págs. 9/11, defende que a posição do locatário não corresponde a qualquer assunção de dívida.
3. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/05/2018.
4. Cfr. O citado Acórdão Relação de Guimarães, de 24/05/2018.
5. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 6/05/2008, proferido no processo, nº 0821567, in www.dgsi.pt.
6. Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt.
7. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
8. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
9. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.