Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
788/22.8T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: BANCÁRIO
INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CÁLCULO DA PENSÃO DE REFORMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - As deduções a que se refere a cláusula 136.ª do ACT para o Sector Bancário, publicado no BTE n.º 3, 1ª série, de 22/01/2011, apenas têm como único critério o tempo de descontos para a Segurança Social e não também o valor das retribuições sobre que os mesmos incidiram, pois o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho.
II – O princípio que veda a cumulação de pensões referentes à prestação da mesma actividade, bem como o princípio constitucional, consagrado no nº 4 do artigo 63º da Constituição da República mostram-se respeitados desde que o beneficiário não receba duas pensões pela mesma prestação de trabalho e tal sucede se o Banco/Recorrente apenas descontar do montante da pensão prevista no ACT aplicável a parte proporcional da pensão devida pela Segurança Social na parte em que corresponde ao período em que o Trabalhar/Recorrido exerceu funções no sector.
Decisão Texto Integral:
APELANTE: Banco 1..., C..., S.A.
APELADO: AA

Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – Juiz ...

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ... esquerdo, ... ... instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra Banco 1..., C..., S.A., N.I.P.C. n.º ..., com sede na Rua ..., ... Lisboa, pedindo a condenação do Réu:

a) A reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 20%, correspondente a 2 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
b) A pagar ao A. o valor de €421,69 Euros, acrescido de juros de mora vencidos no montante de €0,42 Euros, num valor total global €422,11 Euros, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Junho de 2021 até à presente data, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros vencidos até integral pagamento;
c) A aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
d) A pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente acção até trãnsito em julgado da mesma, acrescida de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença;
e) A suportar as custas processuais.

Alega em síntese, que foi admitido ao serviço do Réu em 7/04/1978 e passou à reforma por invalidez, a partir de 30/12/2011, auferindo uma pensão, paga pela ré, no montante global de € 1.569,23.
O Centro Nacional de Pensões atribui-lhe uma pensão de velhice, com efeitos reportados a 28.06.2021, no montante de € 242,34.
A ré notificou o autor para a reversão a seu favor do período respeitante à integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011, deduzindo à pensão paga pelo C.N.P. o montante de €86,46, o que representa uma retenção de 35,68 % do valor da pensão;
Na opinião do autor só era lícito à ré reter 20 % do valor da pensão paga pelo C.N.P., por via da intervenção de uma regra de “três simples” na aplicação das cláusulas 96.º, n.º 3 e 98.º, n.º 1 do A.C.T., pelo que a ré deverá entregar ao autor os valores que reteve de forma ilícita.
A Ré contestou refutando que tivesse retido de forma ilícita quaisquer quantias, rejeitou interpretação defendia pelo autor no que respeita às cláusulas do A.C.T. e conclui pela improcedência da acção

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferido saneador sentença pelo Mmo. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:

“a) Condenar a ré Banco 1..., C..., S.A. a reconhecer ao autor AA o direito a receber a pensão do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 20 %, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário, por aplicação de uma regra “pro-rata temporis” ou “três simples”;
b) Condenar a ré Banco 1..., C..., S.A., a pagar ao autor AA o valor de € 421,69 (quatrocentos, vinte e um euros, sessenta e nove cêntimos), a título de quantias ilicitamente retidas até à data da instauração da presente acção, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data de citação e até integral e efectivo pagamento;
c) Condenar a ré Banco 1..., C..., S.A., a pagar ao autor AA a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., respeitante à parte retida pela ré da pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações, que excede a fracção de 20 %, a contar desde a data da instauração da acção e até trânsito em julgado, sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.
d) Condenar a ré Banco 1..., C..., S.A., no pagamento das custas da acção – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.
Registe e notifique.”
*
Inconformada com tal decisão, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, no qual formula as seguintes conclusões que se transcrevem:

“1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
2. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Banco 1...) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 98.ª..
9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
11. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.
12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
14. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
15. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98.ª do ACT do Banco Banco 1....
16. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.
17. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista do ACT e o benefício do CNP.
18. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.
19. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
20. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
21. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
22. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário
e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.
23. Quanto ao elemento histórico, pode dizer-se que a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário remonta ao ACT do setor bancário de 1980 e manteve-se praticamente inalterada na cláusula 98.º do ACT do Banco 1....
24. A sua origem remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios. E, tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.
25. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.
26. Fá-lo, limitando a responsabilidade da instituição bancária, à diferença entre os benefícios devidos por aplicação do IRCT e os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação do serviço no sector bancário.
27. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
28. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
29. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
30. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
31. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
32. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
33. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt
34. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
35. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
36. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.
37. A INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.
38. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
39. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Banco 1...) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
40. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
41. Mais recentemente foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ..., de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz ... de 25/04/2020, já juntas a estes autos.
42. E é também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.
43. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva do Recorrido não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são de valores substancialmente superiores às que foram registadas no período da carreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. ... junto com a petição inicial, onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira do Autor:
(…)
44. Na interpretação do Recorrido, por exemplo, o ano de 1974 em que tem registado o montante de remunerações revalorizadas de 29,93 € tem exatamente o mesmo peso na repartição da pensão (!) que o ano de 2011 em que tem registadas remunerações revalorizadas de 38.451,85 €
45. A interpretação do Recorrido tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos a lei, como se viu, não é assim, pois o cálculo da pensão é efeito em função do tempo (taxa de formação) e das remunerações (remunerações de referência), de tal forma que remunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.
46. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (atual cláusula 98.º do ACT do Banco 1...), por se verificar que a cláusula é omissa quanto à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da INTEGRAÇÃO, ao mesmo resultado.
47. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROF. DOUTORA BB em douto parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Proc. n.º 1718/19...., já junto aos autos.
48. No entendimento sufragado pelo Recorrido, as clausulas 136.ª do ACT do Setor Bancário e 98.º do ACT do Banco 1..., violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
49. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
50. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
51. Na interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do Sector Bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Banco 1..., tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
52. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.
53. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Banco 1..., (BTE n.º 8 de 28/02/2017 - Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto- Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
Termos em que, concedendo provimento a esta Apelação e, consequentemente, quer pela ILEGALIDADE da decisão – por via da INTERPRETAÇÃO das normas ou da integração de lacuna -, quer por via da INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL das cláusulas 136.ª do anterior ACT do setor bancário e da cláusula 98.ª do ACT do Banco 1..., na interpretação que lhes deu a douta Sentença recorrida, julgando a ação totalmente improcedente, Farão V. Exas,
JUSTIÇA!
O autor/recorrido respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Recorrido veio responder ao parecer, manifestando a sua concordância com o mesmo e elencou 177 decisões das diversas instâncias, que se pronunciaram sobre a questão objecto dos autos e que sustentam a sua pretensão.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas suas conclusões e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da determinação da percentagem da pensão paga pelo CNP que é licito à Ré reter, em face do prescrito na cláusula 136.º do ACT para o Sector Bancário, publicado no BTE n.º 3, 1ª série, de 22/01/2011 cláusula que veio a ser substituída, com idêntica redacção, pela cláusula 98.º do ACT do Banco 1..., publicado no BTE n.º 8, 1ª série, de 28/02/2017;
- Da violação do art.º 63.º n.º 4 da CRP

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:
1. A ré possui como objecto social:
“actividade bancária, conformada pelas normas legais e regulamentares que a regem, designadamente pelo regime jurídico das caixas económicas e estatutos.”
2. A ré outorgou o A.C.T. publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 8, de 28/02/2017.
3. O autor encontra-se filiado no Mais Sindicato (anteriormente Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas), onde figura como o associado n.º 34214.
4. O autor foi admitido ao serviço da ré em 07/01/1980.
5. O autor passou à situação de reforma por invalidez, integrado no nível 10, com efeitos reportados a 30/12/2011.
6. A ré entrega ao autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 1.019,66 + € 34,61; diuturnidades no valor de € 252,96 + € 8,62 e complemento no valor de € 253,38.
7. Por missiva datada de 07/01/2022 o autor foi informado pelo Centro Nacional de Pensões (C.N.P.) de que foi deferido o requerimento de pensão por velhice, com efeitos reportados a 28/06/2021, a qual possui o valor actual de € 242,34.
8. A ré informou o autor da reversão a favor do Banco 1... do período respeitante à integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011.
9. A ré deduz actualmente à pensão de reforma paga pelo C.N.P. o valor de € 86,46.
10. O autor efectuou contribuições nos seguintes períodos:
• entre Dezembro de 1974 e Maio de 1977, o autor efectuou contribuições para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a favor de entidade não bancária, nos termos que constam do doc. n.º .../ref. n.º 2891016 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
• entre Janeiro de 1978 e Janeiro de 1980, o autor efectuou contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (C.G.A.) decorrentes da prestação de actividade na Função Pública, nos termos que constam do doc. n.º .../ref. n.º 2891016 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
• entre 07/01/1980 e 31/12/2010, o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou as contribuições obrigatórias para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (C.A.F.E.B.), nos termos que constam do doc. n.º .../ref. n.º 2891016 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
• a partir de Janeiro de 2011 e até Dezembro de 2011 o autor passou a efectuar contribuições para a Segurança Social, até passar à situação de reforma, nos termos que constam do doc. n.º .../ref. n.º 2891016 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
11. O autor remeteu à ré uma missiva, datada de 17/02/2022, solicitando-lhe que cessasse a efectivação dos descontos na pensão paga pelo C.N.P., para além do valor que resultaria da aplicação de uma regra de proporcionalidade directa, e nos demais termos que decorrem desse documento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12. Para o apuramento do valor da pensão paga pelo C.N.P. esta entidade relevou cinco anos de contribuições efectuadas pelo autor.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da determinação da percentagem da pensão paga pelo CNP que é licito à Ré reter, em face do prescrito na cláusula 136.º do ACT para o Sector Bancário, publicado no BTE n.º 3, 1ª série, de 22/01/2011 cláusula que veio a ser substituída, com idêntica redacção, pela cláusula 98.º do ACT do Banco 1..., publicado no BTE n.º 8, 1ª série, de 28/02/2017.
Atento o teor da cláusula 136.º do ACT para o Sector Bancário (actual 98.ª), in B.T.E., 1.ª Série, n.º 3 de 22.01.2011, em vigor à data da reforma do autor, importa saber como se procede ao cálculo do valor que as entidades bancárias têm direito a deduzir na pensão paga pela Segurança Social, nos casos em que os trabalhadores têm não só uma carreira contributiva no regime das instituições de crédito, como no regime geral da segurança social.
A questão que se coloca é a de apurar se tal cálculo deve ser feito apenas com base no critério do tempo de contribuições para a segurança social ou considerando também o montante das retribuições que serviram de base àquelas contribuições.

A Sentença recorrida dá razão ao autor e defende o seguinte:

“O montante retido pela ré na pensão paga pelo C.N.P. corresponde a 35,68 % do valor dessa pensão (o que a ré justifica com base numa proporcionalidade dos valores descontados pelo autor), mas o autor defende que só era lícito à ré reter 20 %, por via da intervenção de uma regra de “três simples” (v.g. dos cinco anos de contribuições relevados, somente um ano corresponde a trabalho ao serviço da ré, o que nos reconduz a 20 % do valor da pensão). E mais à frente conclui que a Ré apenas “poderia (…) reter o correspondente a 20 % do quantitativo da pensão, fracção correspondente à proporção no período de contribuições relevadas da actividade desenvolvida em prol da ré (1 em 5 anos), e, em decorrência, conclui-se que a ré actuou de forma ilícita, retendo quantias que não lhe eram devidas.”

Sobre esta questão já se pronunciou este Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido em 10/09/2020, proc.º n.º 5001/19...., bem como o Acórdão por nós relatado no Proc. 1331/20...., proferido em 23-09-2021, que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ (revista excecional) proferido em 02.11.2022, no sentido que foi também o acolhido pela sentença recorrida.

Dada a similitude quer dos pedidos formulados neste e naqueles outros processos, bem como a respectiva causa de pedir, não vislumbramos qualquer razão para alterar a posição assumida relativamente ao cálculo da dedução da pensão a que se refere a cláusula 136.º do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, cláusula esta substituída pela 98.º do ACT do Banco 1..., publicado no BTE n.º 8, 1ª série, de 28/02/2017, razão pela qual iremos seguir de perto o sustentado no nosso Acórdão proferido em 23.09.2021, o qual aqui se transcreve:
“Na verdade, a cláusula em apreço estabelece que as instituições de crédito garantem a diferença entre o valor dos benefícios atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social, decorrentes de contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador, e o valor dos benefícios devidos pelas primeiras nos termos do ACT, não aludindo a que em tal operação deva ser efectuada qualquer ponderação do valor das retribuições sobre que incidiram aquelas contribuições.
Por outro lado, tal asserção resultante da letra da norma justifica-se plenamente porque a pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões teve em conta o disposto no DL n.º 187/2007, de 10 de Maio, nos termos de cujo art. 26.º a pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão (n.º 1), sendo o seu montante mensal igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade (n.º 2), sendo certo que a remuneração de referência é calculada nos termos do art. 28.º, tendo como base as remunerações anuais de toda a carreira contributiva, revalorizadas nos termos do art. 27.º, e o número de anos civis com registo de remunerações, com as correcções e ajustamentos que aquele dispositivo consagra.
Isto é, no cálculo do valor da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões já interveio uma pluralidade de factores, não existindo proporcionalidade directa entre o mesmo e o valor das remunerações registadas para cálculo da remuneração de referência, pelo que, independentemente do peso que as contribuições decorrentes da prestação de serviço bancário possa ter tido, não se justifica que o mesmo constitua factor de ponderação ou correcção do valor a descontar pela instituição de crédito, sob pena de – então, sim – poder ocorrer uma sobreposição valorativa, em prejuízo do trabalhador.
Em suma, quer o elemento literal, quer o elemento teleológico da norma apontam no sentido de que o réu pode descontar a parte da pensão atribuída ao autor pelo Centro Nacional de Pensões relativa ao período em que o mesmo esteve a trabalhar no sector bancário efectuando descontos para a Segurança Social, apenas na proporção da respectiva duração, ou seja, de 5 anos no total de 17 considerados pelo Centro Nacional de Pensões (29,41%), uma vez que o tempo atendido no cálculo das duas pensões em apreço é o único factor em que há inequívoca sobreposição.”
Vejamos.

A cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, nº 3 de 22/01/2011 tem a seguinte redação:

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.
2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”

Com efeito, nem o Acordo Colectivo de Trabalho, nem a Lei exigem que se pondere no desconto a realizar não só o “fator tempo” como também o “fator das contribuições efetuadas”.
As expressões utilizadas na cláusula 136.ª “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se apenas às pensões, não se podendo daí retirar que se pretendeu introduzir um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efectuadas.
Na verdade, da cláusula 136.º do Acordo Colectivo de Trabalho em causa não resulta que a percentagem da pensão a devolver à Ré, pelo Autor, deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do sector bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições.
Da citada cláusula apenas podemos concluir que os trabalhadores, na situação de reforma só têm a obrigação de entregar as quantias que receberam dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua actividade bancária e em que efectuaram descontos para a segurança social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários, pois só nesse período se pode afirmar que existiu uma sobreposição de prestações da mesma natureza.
Importa salientar que a finalidade da norma visa apenas impedir o duplo beneficio, de forma a que em determinado período contributivo o beneficiário não receba pela prestação da mesma actividade pensão de duas fontes e isto mostra-se garantido com a aplicação de uma regra de proporcionalidade simples do tempo considerado, que é apenas contabilizado para a pensão da Segurança Social.
Em suma, as deduções a que se refere a cláusula 136.º do ACT aplicável apenas têm como único critério o tempo de descontos para a Segurança Social e não também o valor das retribuições sobre que os mesmos incidiram, pois o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho.”
Retornando ao caso dos autos temos por certo que da factualidade provada resulta que o Autor teve ao longo da sua carreira contributiva quatro momentos distintos de descontos:
- De Dezembro de 1974 e Maio de 1977, o A. efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a entidade não bancária;
- De Janeiro de 1978 e Janeiro de 1980, o autor efectuou descontos para a Caixa Geral de Aposentações (C.G.A.) decorrentes da prestação de actividade na Função Pública;
- De 07/01/1980 e 31/12/2010, o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (C.A.F.E.B.);
- De Janeiro de 2011 e até Dezembro de 2011 o autor passou a descontar para a Segurança Social, até passar à situação de reforma;
Todos os fatores em causa já foram considerados no cálculo de valor da pensão por parte do Centro Nacional de Pensões, pelo que, independentemente do peso que as contribuições efetuadas pelo exercício da atividade bancária relativas ao período de 01/01/2011 até passar à situação de reforma possam ter tido no cálculo do valor da pensão de reforma atribuída ao autor, afigura-se-nos que a Ré só tem direito a compensar na pensão de reforma que lhe é paga nos termos do ACT a parte proporcional da pensão da segurança social que corresponde ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário com descontos para a Segurança Social, pois só nessa medida se pode falar de sobreposição de regimes e duplicação de benefícios, tal como foi entendido pelo tribunal a quo.
Este entendimento sobre a interpretação da cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho em causa, está também em conformidade com a jurisprudência dominante dos tribunais superiores, designadamente a consolidada no Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes Acórdãos de 12/05/2010, proferido no processo n.º 160/07.0TTBCL.P1.S1, de 06/12/2016, proferido no processo n.º 4044/15.0T8VNG.P1.S1, de 22/02/2018, proferido no processo n.º 9637/16.5T8LSB.L1.S1, de 12/07/2018, proferido no processo n.º 3312/16.8T8PRT.P1S1, de 08/06/2021, proferido no Processo 2276/20.8T8VCT.S1, de 29/09/2021, proferido no Processo n.º 17792/19.6.T8PRT.P1.S1, de 23/06/2021, proferido no Processo n.º 2115/20.0T8VFR.S1, de 29/09/2021, proferido no Processo n.º 23235/19.8T8LSB.L1.S1 e de 11/05/2022, proferido no Processo n.º 2722/20.0T8CSC.S1, todos consultáveis em www.dgsi. pt, não se vislumbrando motivo válido para o seu afastamento.
A propósito da interpretação da cláusula 136.ª do ACT em questão escreveu-se o seguinte no Acórdão do STJ de 2.11.2022, proferido no Proc. n.º 1331/20.9 T8VRL.G1.S1 consultável em www.dgsi. pt.
“A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.
Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.
Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.”
Improcede nesta parte o recurso.

2. Da violação do art.º 63.º n.º 4 da CRP

Insurge a Recorrente quanto ao facto do entendimento acima defendido, violar o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República, dizendo que ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do beneficio que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o beneficio que a pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
O n.º 4 do artigo 63.º, da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”
Ao invés do defendido pela recorrente entendemos que o princípio consagrado no n.º 4 do art.º 63.º da CRP, se mostra respeitado desde que o beneficiário não receba duas pensões pela mesma prestação de trabalho, já que não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto quando está em causa o mesmo interesse protegido, estando assim assegurado o princípio que veda a cumulação de pensões referentes à prestação da mesma actividade – no caso, a liquidada pelo Banco por força do ACT e a liquidada pela CNP na qual foram considerados os descontos do trabalhador bancário para a segurança social efectuados a partir de Janeiro de 2011.
Outro entendimento, designadamente o preconizado pela recorrente poderia originar uma sobreposição valorativa, em prejuízo do trabalhador, a que acresce dizer que tendo presente que no cálculo do valor da pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões já interveio uma pluralidade de factores, não existindo proporcionalidade directa entre o mesmo e o valor das remunerações registadas para cálculo da remuneração de referência, não se poderia afirmar com segurança que existe uma inequívoca sobreposição de pensões caso considerássemos como factor de ponderação o valor das contribuições decorrentes da prestação de serviço bancário.
Em suma, o princípio que veda a cumulação de pensões referentes à prestação da mesma actividade, bem como o princípio constitucional, consagrado no nº 4 do artigo 63.º da Constituição da República (de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado) mostram-se respeitados desde que o beneficiário não receba duas pensões pela mesma prestação de trabalho e tal sucede se o Banco/Recorrente apenas descontar do montante da pensão prevista no ACT aplicável a parte proporcional da pensão devida pela Segurança Social na parte em que corresponde ao período em que o Trabalhar/Recorrido exerceu funções no sector.
No caso, apenas se cumpriu o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho, sem cumulação de pensões referentes à prestação da mesma actividade.
Improcede o recurso, é de confirmar a sentença recorrida.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto por Banco 1..., C..., S.A. e consequentemente é de manter a sentença recorrida
Custas a cargo da Recorrente.

27 de Abril de 2023

Vera Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira