Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2153/04-1
Relator: ANTÓNIO ELEUTÉRIO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ADIAMENTO
TESTEMUNHA
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Nos termos do art. 331° n° 1 do C. P. Penal, a falta de uma testemunha não é, por si só, causa de adiamento da audiência, podendo, contudo, a audiência ser adiada, por uma vez, com fundamento na falta de uma testemunha se for considerado, oficiosamente ou a requerimento, que a presença dessa testemunha é essencial à boa decisão da causa (n° 2 do supra citado artigo).
II – No caso dos autos, verificou-se a falta de uma testemunha, residente no estrangeiro, que não se pode deslocar na data designada por comprovada gravidez de risco, sendo certo que com o seu arrolamento foi requerida a expedição de carta rogatória para a respectiva inquirição, tendo sido então consignado que a testemunha em causa, porque presencial, era essencial à averiguação dos factos em causa.
III – Ora, como a audiência ainda não tinha sofrido qualquer adiamento e dado que a testemunha em causa era, alegadamente, a única presencial dos factos em questão, o Mm° juiz deveria ter-se pronunciado sobre se tal testemunha era indispensável ou não à boa decisão da causa e, nesse contexto, deveria ter adiado (se a considerasse indispensável à boa decisão da causa) o julgamento cfr. preceitua o referido art. 331° do C. P. Penal.
III – Acresce que, no art. 340° n° 1 do citado código, se consagra que “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” o que se traduz um afloramento, para a audiência, do princípio da investigação ou da verdade material que enforma o processo penal.
IV – Assim, não obstante a prova até então produzida poder vir a perder a sua eficácia face ao disposto no art. 328° n° 6 do C. P. Penal, deveria prevalecer sempre o princípio da descoberta da verdade material em detrimento doutros valores que lhe são hierarquicamente inferiores, como é o caso, havendo, se tal se viesse a mostrar necessário, que proceder à repetição dos actos que viessem a perder eficácia, por respeito ao supra citado princípio do processo penal.
V – Assim, ao não adiar o julgamento, cometeu, por isso, o tribunal a quo a nulidade a que alude o art. 120º, nº 2, d) do C. P. Penal, por omissão de diligência essencial à descoberta da verdade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

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Na audiência de 12/7/04, a mandatária dos arguidos requereu a inquirição da testemunha Clara P..., arrolada pela defesa e alegadamente única testemunha presencial dos factos em questão, em nova data a designar pelo tribunal no mês de Setembro, porquanto não pode comparecer na audiência em virtude de conselho médico (gravidez de risco).
O Mmº Juiz, após pronúncia do Mº Pº (que nada opôs) e do mandatário dos assistentes (que se pronunciou pelo prosseguimento do julgamento sem prejuízo da testemunha ser ouvida dentro dos próximos dois dias) proferiu o seguinte despacho:
O fax que nos é apresentado não obedece aos requisitos legais uma vez contra redigido em língua francesa Não se considera o mesmo para os fins que foi apresentado. Porém, admitimos que no prazo de três dias seja junto aos autos documento comprovativo da alegada doença. Assim, e por agora, não justificamos a falta.--
Relativamente à requerida audição da testemunha concordamos com a posição assumida pelo ilustre mandatário dos assistentes. Efectivamente a audiência de julgamento é, por princípio, contínua, conforme art. 328º do C.P.P.. Significa, assim que, em caso de adiamento não pode o mesmo exceder 30 dias, sob pena de perder eficácia a produção de prova já realizada.—
Dispõe o art. 331º do C.P.P., sobre a falta de testemunhas, como é o caso em análise, que a mesma não dá lugar ao adiamento da audiência.—
No entanto a mesma norma legal, através do seu nº. 2, admite uma excepção. Na medida em que admite que, quando se considere que a presença de alguma das pessoas mencionadas no número anterior é imprescindível à boa decisão da causa e não foi possível a obtenção do seu comparecimento com a simples Interrupção da audiência, se possa adiar esta.—
A excepção referida corresponde ao caso em análise.—
Porque a testemunha não podia estar presente nas datas previamente indicadas para a realização da audiência de julgamento, o Tribunal, com o acordo dos intervenientes processuais, determinou que se iria designar uma data para a inquirição da referida testemunha.—
A audiência de julgamento teve lugar no dia 26 de Maio de 2004, conforme fls. 146 e foi adiada para o dia 15 de Julho do mesmo ano, conforme flls. 148, para a Inquirição das restantes testemunhas, entre outras uma que havia faltado.--
Não obstante, e como tinha sido previamente acordado, designou-se uma terceira sessão de julgamento para inquirição da referida testemunha Clara P.... Esta, porém, não compareceu.—
Justificada ou não a falta, que no primeiro caso releva apenas para efeito do disposto no art. 1160 do CPP, dispõe o no 3 do art. 3310 do CPP que por falta das testemunhas não pode haver mais que um adiamento. É o caso.—
Assim não admitimos, por impossibilidade legal, o requerimento no que se refere à designação de uma outra data para inquirição da testemunha.—
Custas 1 UC.—
Notifique.--
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O processo prosseguiu e, a final, "A" e "B", ambos idºs no processo, foram condenados, cada um deles, pela prática de dois crimes de injúrias, p.ºs e p.ºs pelo art. 181º nº 1 do CPenal, nas penas de cem dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros, e ainda a pagar a cada um dos assistentes "C" e "D", a título de danos não patrimoniais, as quantias de 650,00 euros acrescidas de juros.
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Os arguidos interpuseram recurso quer do primeiro despacho quer da sentença condenatória e apresentaram as seguintes conclusões:
Primeiro despacho
1- A inquirição da testemunha faltosa, Clara P... era e é absolutamente imprescindível à descoberta da verdade e à realização da justiça. Ademais,
2- Trata-se da única testemunha presencial arrolada pelos arguidos/recorrentes a inquirir aos factos que lhes são imputados. Pelo que,
3- A sua inquirição é imprescindível à salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos consagrados constitucionalmente nos arts 20 n° 1, 32, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, entre os quais o direito constitucional de defesa.
4- O art. 331° no 3 do CPP quando determina” Por falta das pessoas mencionadas no nº 1 não pode haver mais que um adiamento”, deve ser interpretado como referindo-se ao adiamento do início do Julgamento e não à sua continuidade.
5- TaI interpretação é a que melhor se harmoniza com as finalidades do processo penal – descoberta da verdade material e realização da justiça – e com a sua estrutura acusatória.
6- A audiência de discussão e julgamento, nestes autos, nunca foi adiada com base em falta de comparência de testemunha arrolada, sendo inaplicável in casu o no 3 do art. 331° do CPP. De qualquer modo,
7- o no 3 do art. 331° do CPP nunca constituiria impeditivo legal ao adiamento da audiência de discussão e julgamento, porquanto esta já se havia iniciado em 26 de Maio de 2004.
8- Ao adiamento da audiência não se opunha o n° 6 do art. 328° do CPP porquanto o prazo de 30 dias aí mencionado não corre no período de férias judiciais, sob pena de violação do princípio de igualdade consagrado no art. 13 n° I da Constituição da República Portuguesa.
9- De resto, sobre o Tribunal impende um poder-dever de promover a inquirição da testemunha faltosa nos termos do m. 340 n° 1 do CPP, já que a celeridade processual ratio do no 3 do art. 331° e 328 nº 1 do CPP não se pode sobrepor à realização da justiça material no caso concreto.
10- O Tribunal a quo ao indeferir o requerido pelos arguidos/recorrentes omitiu diligências essenciais para a descoberta da verdade.
11- Ao proferir o despacho recorrido e ao indeferir a inquirição da testemunha Clara P..., o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos art. 13, nº I, 20 n° I, 32. nºs e 1, 2 e 5 da CRP e 311, n° 1 e 3, 328, 340° do CPP, e incorreu na nulidade prevista no art.º 120, n.º 2 alínea d) do CPP.
12- NESTES TERMOS, e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se o douto despacho que indeferiu a nulidade arguida, declarando-se nulo todo o processado a partir daí e. em consequência, declarar-se anulado todo o julgamento, ordenando a sua repetição, com a audição da testemunha Clara P..., com as legais consequências.
Recurso da sentença
1- A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa e das exigências de prevenção, de harmonia com o disposto no art. 71° do Cód. Penal. Desta forma,
2- tendo em conta os parâmetros referidos e a matéria de facto apurada, há que concluir que a pena imposta aos arguidos/recorrentes é desajustada, por excessiva. Com efeito,
3- da actualidade apurada, resulta que a conduta dos arguidos consubstancia uma situação anómala, ocasional e, essencialmente, o rebentar de uma bolha de tensão, resultante da fricção latente que se vivia entre vizinhos, não impondo grandes medidas de prevenção geral e especial.
4- Ambos os arguidos são primários, sendo tal factor também determinante para a medida da pena.
5- ‘Aenta a situação económica dos arguidos, que se encontra. demonstrada nos autos, a taxa diária de multa deve ser reduzida de 8 Euros para o mínimo legal ou para montante próximo do mínimo. Com efeito,
6- foi dado como provado que a arguida é reformada, aufere uma parca pensão mensal de 150,00 Euros e não tem estudos, e que o arguido é pedreiro de profissão, estando actualmente desempregado em França, aufere diariamente 35,00 Euros e tem a 4ª classe de escolaridade.
7- É do conhecimento geral que o custo de vida em França, país no qual os arguidos se encontram emigrados, é muito elevado, e dai serem manifestas as dificuldades económicas com que os arguidos vivem.
8- Atenta a finalidade da pena, nomeadamente as suas vertentes de prevenção geral e especial, e tendo em conta a especial finalidade de promover a reinserção social dos arguidos e a adopção voluntária e expontânea por aqueles dos princípios jurídicos elementares, sempre a condenação no caso em apreço, dados os factos provados nomeadamente a inexistência de antecedentes criminais e a sua situação económica – o número de dias de multa e o valor da taxa diária fixada deveriam - como devem – ser fixados nos mínimos legais ou manter-se próximos dos mínimos legais ou, pelo menos, muito abaixo dos fixados na douta sentença recorrida.
9- O montante da indemnização arbitrada aos demandantes é exagerada e descabida atento o grau de culpa dos demandados, o tipo de ilícito em concreto e a situação económica dos demandados.
10- Pelo exposto, violou o Tribunal a quo por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 71° e 47° n° 2, ambos do Código Penal e nos arts. 483 e 496 do Cód. Civil.
11- NESTES TERMOS e mais de direito aplicáveis que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que fixe o montante da pena de multa aplicada aos arguidos no mínimo legal ou muito próximo do mínimo legal ou, pelo menos, muito abaixo da fixada na douta sentença recorrida e reduza os montantes que foram condenados a pagar aos demandantes a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais.
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O Magistrado do Mº Pº pronunciou-se pela procedência do primeiro recurso interposto e, na hipótese de não ser essa a decisão, pelo não provimento do recurso interposto da sentença (fls 281 a 284).
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Foram os seguintes os factos dados como provados:
A - Factos provados
Discutida a causa, o Tribunal apurou que:
1 - Os assistentes são donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés-do-chão direito, com uma garagem nas traseiras, lado poente, de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., onde reside.
2 - Os arguidos, por sua vez, são donos e legítimos possuidores da fracção “F” do mesmo prédio, correspondente ao primeiro andar direito.
3 - Cada uma das ditas fracções é composta, além do mais, por uma garagem localizada nas traseiras do edifício, sendo que o acesso a essas garagens é feito através de um logradouro comum às mesmas, que liga à via pública e corre ao longo da parte poente do logradouro do prédio até às mesmas traseiras, onde elas se localizam.
4 - Os arguidos estacionam habitualmente o seu veículo automóvel naquela parte comum do logradouro destinado ao trânsito de acesso às ditas garagens, com o que, normalmente, impedem o acesso de outros moradores às suas garagens, o que origina que, quando os arguidos se encontram em Portugal, o assistente vê-se amiudados vezes impedido de entrar e/ou sair com o seu automóvel, já que a sua garagem é a última a contar do acesso à via pública.
5 - No dia 17 de Agosto de 2003, pelas 14.30 horas, nas traseiras do prédio dos assistentes e arguidos, estes, mais uma vez, tinham a sua viatura estacionada de forma a impedir a saída do carro do assistente.
6 - Este avisou os arguidos de que pretendia sair mas estes, apesar de perceberem o que se estava a passar, recusaram-se a retirar a viatura.
7 - O assistente requereu a presença da G.N.R. mas os arguidos, apercebendo-se desse facto, procederam à remoção da viatura.
8 - No entanto e durante esse acto, dirigindo-se aos assistentes ambos os arguidos proferiram, entre outras, as seguintes expressões: “cornudos”, “filhos da puta “cabrões’.
9 - O arguido António, não satisfeito, dirigindo-se ao assistente, ao mesmo tempo que dobrava o braço direito para cima, ao nível do cotovelo, e colocava o braço esquerdo sobre essa dobra, fazendo um «manguito», disse-lhe “o que tu queres é disto”. O arguido António dirigindo-se à assistente, ao mesmo tempo que com uma das mãos agarrava os seus órgãos sexuais, disse-lhe “o que tu queres é isto”.
10 - A arguida "B", por sua vez e também dirigindo-se directamente à assistente, proferiu ainda as seguintes expressões: “puta”, “ladra”, “vaca”, acrescentando ainda, ao mesmo tempo que fazia o sinal de «chifres» (dedos polegar e mindinho levantados), “do que tu sofres é disto”.
11 - Os arguidos proferiram aquelas expressões e gestos em voz alta e repetidas vezes, na presença de várias pessoas que se encontravam no local.
12 - Apesar de saberem que a sua conduta configurava a prática de um crime, os arguidos não se abstiveram de a levar a cabo, conformando-se com o respectivo resultado.
13 - Agiram, assim, de forma livre, deliberada e consciente e fizeram-no com a intenção de ofender, como efectivamente ofenderam, os assistentes na sua honra e consideração social.
14 - Com efeito, por força das expressões que os demandados lhe dirigiram, os demandantes sentiram-se profundamente ofendidos na sua honra e consideração social.
15 - Tanto mais que foram feitas na presença de vizinhos e amigos.
16 - Os demandantes são pessoas consideradas no meio social em que se inserem e nunca deram azo a quaisquer conflitos ou atritos com terceiros.
17 - São respeitados por todos e a todos respeitam.
18 - Os factos praticados pelos demandados e as expressões que lhes dirigiram causaram aos demandantes um profundo mal-estar e nervosismo.
19 - Que lhes ocasionaram, nos dias seguintes, um sentimento de angústia.
20 - Viram-se na necessidade de se constituírem assistentes nos presentes autos, tendo procedido ao pagamento da taxa de justiça respectiva, no montante de Euros 79,81, cada um.
21 - Também por força da actuação ilícita dos demandados, os demandantes viram-se na necessidade de contratar os serviços de um advogado, tendo que suportar os respectivos honorários, que nunca serão de montante inferior a Euros 350,00, por cada assistente.
Mais se provou que:
22 - A arguida tem três filhos maiores;
23 - É reformada, aufere mensalmente Euros 150,00;
24 - Não tem estudos;
25 – Não tem antecedentes criminais;
Provou-se ainda:
26 - O arguido vive em casa própria;
27 - O arguido é pedreiro de profissão, sendo que actualmente está no desemprego em França, auferindo diariamente Euros 35,00;
28 - Tem a 4ª classe de escolaridade;
29 - Não tem antecedentes criminais.
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B - Factos não provados
Da matéria relevante para a decisão da causa, não se provou que:
Inexistem.
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Começamos por apreciar o recurso interlocutório já que se apresenta como prévio em relação ao recurso interposto da decisão final (a sua eventual procedência prejudica o conhecimento do segundo).
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Os arguidos arrolaram como testemunha Clara P..., residente em França, e requereram a expedição de carta rogatória para a respectiva inquirição (consignaram que a testemunha em causa, porque presencial, era essencial à averiguação dos factos em causa).
O Mmº Juiz havia designado duas datas para a audiência de julgamento (26/5 e 15/6 ambas de 2004) e, considerando a demora duma carta rogatória, notificou os arguidos para informaram as datas duma previsível presença da referida testemunha no nosso país.
Os arguidos responderam e informaram que a testemunha se deslocaria a Portugal entre os dias 28/6/04 e 2/7/04.
O Mmº Juiz, dada a supra referida informação, proferiu o seguinte despacho: “mantêm-se as datas já designadas. A testemunha referida será inquirida em dia a designar, em audiência de julgamento, por acordo com os respectivos intervenientes processuais”.
No dia 26/5/04, realizou-se a primeira audiência de julgamento agendada e a testemunha Clara P... não se encontrava presente.
A audiência foi suspensa para continuar no dia 15/6/04 (para prestação dos depoimentos das testemunhas Manuel R... e Adelina S...) e foi designado dia 12/7/04 para a continuação da audiência, designadamente, com a inquirição das restantes testemunhas.
No dia 15/6/04 realizou-se a prevista audiência de julgamento e no dia 12/7/04 a testemunha Clara P... não compareceu, sob a alegação de se encontrar com gravidez de primeiros meses de risco (devidamente justificada por atestado médico), ausência que o Mmº Juiz justificou posteriormente.
Em primeiro lugar, não resulta, expressamente, dos autos que os arguidos se tenham comprometido a apresentar a testemunha em questão.
Depois, a audiência é contínua, cfr preceitua o art. 328º nºs 1 e 2 do CPPenal, e o comando processual penal não foi respeitado pelo tribunal a quo cfr. resulta dos factos supra descritos.
Por fim, constata-se, também, não ter havido qualquer adiamento das audiências previamente designadas pelo tribunal.
Nos termos do art. 331º nº 1 do CPPenal, a falta de uma testemunha não é, por si só, causa de adiamento da audiência. Contudo, a audiência pode ser adiada, por uma vez, com fundamento na falta de uma testemunha se for considerado, oficiosamente ou a requerimento, que a presença dessa testemunha é essencial à boa decisão da causa (nº 2 do supra citado artigo).
Acresce que, só há falta quando a testemunha que devia comparecer for notificada para o efeito. No caso em apreço, como se disse, não há processualmente uma declaração expressa de que os arguidos se comprometeram a apresentar a testemunha em causa pelo que a mesma deveria ter sido notificada para a audiência.
Seja como for, como a audiência ainda não tinha sofrido qualquer adiamento e dado que a testemunha em causa era, alegadamente, a única presencial dos factos em questão o Mmº juiz deveria ter-se pronunciado se a testemunha era indispensável ou não à boa decisão da causa e, nesse contexto, deveria ter adiado (se a considerasse indispensável à boa decisão da causa) o julgamento cfr. preceitua o art. 331º do CPPenal.
Acresce que, no art. 340º nº 1 do citado código, consagra-se que “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” o que se traduz um afloramento, para a audiência, do princípio da investigação ou da verdade material que enforma o processo penal.
É um facto que, adiando o julgamento, a prova até então produzida poderia perder eficácia cfr. preceitua o art. 328º nº 6 do CPPenal (os 30 dias referidos no art. citado correm em férias ao contrário do expendido pelos recorrentes nas respectivas alegações).
Contudo, deve prevalecer sempre a verdade material em detrimento doutros valores que lhe são hierarquicamente inferiores, como é o caso (se for necessário repetir os actos que perderam eficácia repetem-se por respeito ao supra citado princípio do processo penal).
Cometeu, por isso, o tribunal a quo a nulidade a que alude o art. 120º nº 2 al. d) do CPPenal.
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Nestes termos, dá-se provimento ao recurso interlocutório, declaram-se nulos os actos posteriores ao despacho supra aludido (designadamente, a decisão condenatória) e determina-se que seja substituído por outro que ajuíze se a inquirição da testemunha faltosa é indispensável para a decisão da causa e, em caso afirmativo, designe nova data para a audiência a fim de proceder à respectiva inquirição (notificando-a se necessário e sem prejuízo de repetir toda a prova que, entretanto, perdeu eficácia).
Sem tributação.
Guimarães, 31/1/05