Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/11.3PBBRG.G1
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Em processo penal o prazo geral de recurso é de 20 dias, sendo alargado para 30 dias se o recorrente impugnar a matéria de facto com base em meio de prova gravado em audiência.
II) Para efeitos de apreciação da tempestividade do recurso, não tem fundamento rejeitá-lo por não ter sido cumprido integralmente o art.412.º n.º3 e 4, do CPP.
III) O que releva, para efeitos de tempestividade do recurso, é o fim visado pelo recorrente.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO
No processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, n.º15/11.3PBBRG a correr termos na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, por acórdão proferido em 15/12/2011 e nesta data depositado, foi decidido:
Absolver o arguido António B... da prática de um crime de roubo, p. e p. no artº 210, nº1 e 2, al. b) com referência ao art. 204, nº 2, al. f) do C.P. e ao art. 4º do DL 48/95, de 15.03.
Absolver o arguido Rafael G... da prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º, nº 1, al. a) do CPenal.

Condenar a arguida Mónica B... na pena de quatro anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210, nº1 e 2, al. b) com referência ao art. 204, nº 2, al. f) do C.P. e ao art. 4º do DL 48/95, de 15.03;

Condenar o arguido José S... na pena de quatro anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210, nº1 e 2, al. b) com referência ao art. 204, nº 2, al. f) do C.P. e ao art. 4º do DL 48/95, de 15.03.
Inconformada com a decisão condenatória, a arguida Mónica interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1.O único elemento reputado como determinante pelo Tribunal a quo para a formação da sua convicção foi o fornecido pelas declarações do Ofendido, bem como um conjunto de suposições (conclusões tiradas com base na compreensibilidade hipotética do desenrolar dos factos).
2.Nada se diz acerca do depoimento da outra testemunha de acusação, sendo que o depoimento da arguida foi totalmente desvalorizado, por ter sido contrariado exclusivamente pelo ofendido, apenas numa pequena parte.
3. Do depoimento da Arguida resulta, de facto, que esta foi tão surpreendida pela chegada dos indivíduos como o ofendido. O discurso da mesma é coerente e “bate certo” com o depoimento do Ofendido, excepto no que diz respeito ao momento da fuga.
4. Nunca se poderá extrair do depoimento prestado pela arguida, bem como do depoimento prestado pelo ofendido, um qualquer acordo prévio entre a arguida Mónica, o Arguido José S... e o indivíduo não identificado, seja para o que for.
5. O depoimento do Ofendido José C... é coerente com o depoimento prestado pela Arguida Mónica, com excepção do momento em que cada um fugiu do local dos factos.
6. O único que tem dúvidas é o ofendido que, contra interrogado, diz com certeza e claramente que não sabe se a arguida Mónica permaneceu, ou não, no local, a partir do momento em que ele fugiu.
7. Não se pode concluir portanto que o ofendido contrariou a fuga da arguida, de forma peremptória, porque pura e simplesmente não o fez.
8. Aliás, o ofendido perguntado pela Meritíssima Juiz sobre se a Arguida Mónica ficou no local ou não, responde da seguinte forma e passamos a citar: “Quando eu virei costas ao carro ela estava permanecida lá. Eu depois quando virei costas ao carro fugi, e não sei o destino dela.”
9. E perguntado novamente sobre o destino da Arguida Mónica responde: “Exactamente, não sei o destino dela.”
10. Em momento algum do depoimento do Ofendido, se pode concluir e com base nele dar-se como provado que os arguidos Mónica e José S... e um indivíduo de identidade não apurada acordaram num plano que visava subtrair a terceiras pessoas, mediante emprego de ameaça e de agressões, quantias em dinheiro, valores ou viatura automóvel, que consistia em que a arguida Mónica, que se encontrava a exercer a prostituição, levasse um cliente que conseguisse arranjar para debaixo da ponte situada na Rua Abade de Loureira, supostamente para aí concretizar a relação sexual, mas nesse local já lá se encontrariam o arguido José S... e o indivíduo de identidade não apurada, que então concretizariam a subtracção”.
11. Como também nunca se poderá extrair do depoimento do ofendido, nem de qualquer outro, que a arguida Mónica tenha abandonado o local no veículo do ofendido e que o tenha integrado no seu património.
12. O que é certo é que, não se pode retirar do depoimento do ofendido que a arguida Mónica agiu concertadamente com os outros arguidos, no propósito concretizado de integrar nos seus patrimónios quantias em dinheiro e bens que sabiam ser alheios, por meio da prática de acto de intimidação.
13. A Arguida Mónica nunca intimidou ninguém nem nunca esteve, por qualquer forma, ligada às acções dos restantes arguidos. O objectivo dela era apenas exercer a prostituição.
14. Note-se que é o próprio ofendido que, quando questionado sobre se viu algum dos outros arguidos a entregar dinheiro e o telemóvel à Arguida Mónica que responde: “Não, não me apercebi de nada.”
15. Aliás, foi ela própria que disse que foram os arguidos, que lhe deram o dinheiro e o telemóvel que aceitou por ter medo, e não existe qualquer prova de que assim não tenha acontecido.
16. As conclusões (matéria dada como provada) retiradas da prova produzida em Audiência de Julgamento não se nos afiguram correctas, parecendo-nos por demais evidente que todo o “edifício” da prova parece assentar em pilares muito frágeis e duvidosos.
17. Como já se disse, o único elemento reputado como determinante pelo Tribunal a quo para a formação da sua convicção foi o fornecido pelas declarações do Ofendido, bem como um conjunto de suposições (extraídas com base na compreensibilidade e no hipotético desenrolar dos factos).
18. O princípio in dúbio pro reo foi totalmente esquecido, esmagado e preterido.
19. A paráfrase latina in dúbio pró reo é um princípio básico do direito processual penal, relevante sobretudo em sede probatória.
20. Existindo um laivo de dúvida, por mínimo que seja, acerca da veracidade de um facto, ninguém deve ser condenado com base nele.
21. A prova, mais do que uma demonstração racional deverá ser um esforço de razoabilidade.
22. A decisão judicial deve conter a virtualidade de convencer o arguido e, nele a inteira comunidade jurídica.
23. Um "Juiz médio" não poderia deixar de duvidar com razoabilidade, da ocorrência dos factos perante a prova produzida.
24. Nos presentes autos configura-se a situação típica de "palavra contra palavra".
25. E como decidir, sem margem para a dúvida razoável, que o depoimento do ofendido tem mais credibilidade que o da arguida?
26. Acaso o ambiente de conflito (sempre existente nestes casos a tendência para se encontrar um culpado para o que aconteceu) não afecta teoricamente a credibilidade de ambas as partes da relação conflituosa?
27. A prática judicial diz-nos que, em situações semelhantes, um "Juiz médio"aplicaria o princípio in dúbio pro reo.
28. Se se pode argumentar com toda a propriedade que o arguido tendencialmente terá um comportamento de negação dos factos, não será menos verdade que o ofendido terá um comportamento de confirmação dos factos constantes da acusação.
29. O que imporá certamente ao julgador todas as cautelas relativamente à valoração dos depoimentos de um e de outro e a necessária existência de outros meios de prova para ser ultrapassada a dúvida que favorece sempre o arguido - o que não existe nos autos.
30. A presente condenação não tem o condão de convencer a comunidade jurídica da sua justiça.
31. O princípio da livre apreciação da prova entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra no in "dúbio pro reo" o seu limite normativo.
32. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.
33. Ao ordenar que a dúvida seja resolvida a favor do Réu, o princípio que analisamos funciona também como complemento irrenunciável ao princípio da prova livre.
34. O universo fáctico - de acordo com o "pró reo" - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis.
35. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige certeza.
36. Ao dar-se como provados os factos constantes da acusação, baseando-se tal juízo apenas nas declarações do ofendido, em regras de experiencia e por se afigurar compreensivel, que foram negadas em parte e contraditas pela arguida, se viola o aludido princípio do in dúbio pro reo
37. A douta recorrida sentença não se refere uma única vez ao depoimento da outra testemunha de acusação ouvida nos autos.
38. Sendo a sentença omissa nessa matéria é nula, conforme dispõem os art°s 118° e 122° do C. Penal.
39. A douta recorrida sentença não respeita também as exigências do disposto no art° 374° n° 2 do C. P. Penal, nomeadamente porque não tece um exame crítico das provas nem expressa de forma clara e inequívoca o processo racional que conduziu à expressão da convicção pela tese da ofendida.
40. Se é certo que não se exige uma escalpelização ou reprodução dos depoimentos prestados, exige-se seguramente a enumeração dos mesmos e a sua análise crítica.
41. Dispõe a Constituição e a Lei (art°s 32°, n° 1 e 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa e artigos 97°, n° 2 e 374° n° 2 do C. Processo Penal.) que o Tribunal fundamente de facto e de direito as decisões, informando que provas serviram para formar a convicção e procedendo ao exame crítico das mesmas.
42. Impõe-se assim a compaginação em análise desenvolvida de todas as provas carreadas e discutidas em sede de audiência de julgamento.
43. Isto pressupõe a enumeração das provas postas ao dispor do Tribunal, a indicação dos aspectos essenciais do seu conteúdo e, em consequência lógica, o modo como se formou o juízo.
44. A consequência desta omissão é a nulidade como prevê o art° 379° alínea a) do C. P. P.
45. A recorrente entende que a matéria de facto que subjaz á sentença recorrida é profundamente insuficiente para condenar a arguida pelo crime de Roubo.
46. A prova carreada para os autos, para além de se mostrar insuficiente para condenar a recorrente pela prática daqueles factos e, desta forma, se tornar insusceptível de formar qualquer convicção no tribunal recorrido, é ela mesma contraditória e incoerente.
47. A manter-se a condenação do recorrente, ainda assim a medida da pena parece desajustada, de acordo com os parâmetros e condições a que se refere o art. 71º do C.P.
48. Entende a recorrente não terem sido adequadamente avaliadas as circunstâncias a que alude o art.. supra referido.
49. Na sentença recorrida nada foi ponderado a favor da arguida, tendo sido ponderado, em desfavor desta, o dolo directo com que actuou, e o facto de, em momento anterior da sua vida em que era toxicodependente, ter praticado um crime de roubo.
50. Com o devido respeito, o Tribunal olvidou-se de ponderar, a favor da arguida, a sua modesta condição pessoal, o baixo grau de instrução escolar da mesma, o facto de a arguida se encontrar actualmente grávida em fim de tempo (prevê-se que dê à luz dentro de dias), pretendendo levar uma vida calma e socialmente adequada para dar ao primeiro filho que lhe vai nascer o aconchego e os cuidados que merece; o facto de estar bem inserida no seu meio familiar (mãe e irmã); o facto de frequentar com regularidade consultas de psicologia; o facto de ter terminado o programa de metadona com sucesso, e o facto de a sua conduta posterior à data do crime ter sido irrepreensível.
51. Estatui o art° 50° CP redacção actual que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo certo que, pelo que acima se disse, só se pode concluir pela existência de uma prognose social favorável à arguida.
52. Deve, portanto, ser suspensa na sua execução a pena de quatro anos de prisão, aplicada à arguida, pela prática de um crime de roubo, e lhe seja dada uma oportunidade de ela, em liberdade, possa desempenhar o seu papel de Mãe e possa dar ao filho que vai nascer o aconchego e o conforto de um lar no seio da sua própria família.
53. A douta recorrida sentença viola os princípios in dúbio pro reo e da proporcionalidade, o disposto nos art°s 379° al. a); art. 374° n° 2; art.º 410.º n.º 2, todos do Cod. de Proc. Penal, bem como o disposto nos art°s. 32°, n° 1 e 205°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
O Ministério público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.492 a 505].
Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação.
Nesta instância, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que se pronuncia pela rejeição do recurso por extemporaneidade e, caso este tribunal ad quem assim não entenda, a sua improcedência [fls.521 a 522].
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, a recorrente apresentou resposta, em que sustenta a tempestividade do recurso e conclui como no recurso que interpôs [fls.526 a 529].
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida
O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, bem como a respetiva motivação:
“1.Factos Provados:
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. Os arguidos Mónica e José S... e um indivíduo de identidade não apurada acordaram num plano que visava subtrair a terceiras pessoas, mediante emprego de ameaça e de agressões, quantias em dinheiro, valores ou viatura automóvel, que consistia em que a arguida Mónica, que se encontrava a exercer a prostituição, levasse um cliente que conseguisse arranjar para debaixo da ponte situada na Rua Abade de Loureira, supostamente para aí concretizar a relação sexual, mas nesse local já lá se encontrariam o arguido José S... e o indivíduo de identidade não apurada, que então concretizariam a subtracção.
2. Na execução desse plano, na noite de 2 para 3 de Janeiro de 2011, o arguido José S... e tal indivíduo dirigiram-se àquele local e a arguida Mónica convenceu o ofendido José C... a acompanhá-la ao mesmo sítio, na convicção de que ali manteria com ela relações sexuais.
3. O ofendido José C... dirigiu-se no seu veículo automóvel da marca Audi modelo A4 (B5) de matrícula 50-09-..., na companhia da arguida Mónica, ao mencionado local, onde chegou pela 1h do dia 3 de Janeiro de 2011.
4. Assim que parou a viatura, o ofendido José C... foi abordado pelo arguido José S..., que disse à arguida Mónica para sair do interior do veículo, e pelo outro indivíduo, que se sentou no lugar deixado vago pela arguida Mónica, e que, estando este munido com uma navalha fechada que lhe apontou ao pescoço, lhe ordenou a entrega de todo o dinheiro que tivesse consigo.
5. Por justificadamente recear pela sua vida caso se opusesse a esta pretensão, o ofendido entregou a tal indivíduo a quantia de, pelo menos, € 30,00 em notas do Banco Central Europeu e o seu telemóvel da marca LG.
6. De seguida, o arguido José S... ordenou ao ofendido José C... para sair da viatura e para entrar na mala da mesma, tendo aquele consigo um fio com o qual pretendia manietar o ofendido.
7. Quando o arguido José S... e o outro indivíduo se preparavam para abrir a mala do carro e ali fecharem o ofendido, este colocou-se em fuga.
8. A quantia em dinheiro e o telemóvel do ofendido foram entregues à arguida Mónica.
9. Os arguidos Mónica, José S... e o indivíduo não identificado abandonaram o local no veículo do ofendido e integraram-no bem como à quantia em dinheiro e ao telemóvel, tudo no valor de, pelo menos, € 5.000,00, nos seus patrimónios.
10. Até à data a viatura do ofendido, de valor superior a € 4.800,00, não foi localizada e recuperada, tendo sido abandonados e recuperados num pinhal sito em Sezures, Vila Nova de Famalicão, uma cadeira e um banco de transporte de crianças que se encontravam no seu interior à data dos factos e que eram pertença do ofendido José C....
11. Os arguidos José S... e Mónica agiram concertadamente com indivíduo de identidade desconhecida, no propósito concretizado de integrarem nos seus patrimónios quantias em dinheiro e bens que sabiam ser alheios, por meio da prática de acto de intimidação sobre este que justificadamente temeu pela sua vida caso se opusesse à actuação dos arguidos.
12. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, cientes da ilicitude das suas condutas.
Mais se provou:
13. A arguida Mónica iniciou o consumo de haxixe aos 11 anos e aos 13 anos o consumo de heroína e cocaína.
14. Terminou o 9º ano de escolaridade na EB 2/3 de Gualtar.
15. Viveu maritalmente durante 3 anos com um indivíduo toxicodependente, altura em que intensificou o consumo de estupefacientes, envolveu-se na prática da prostituição e foi vítima de maus tratos por parte do companheiro.
16. Integrou o agregado familiar da mãe e da irmã uterina de 16 anos onde não se conseguiu manter devido a comportamentos irreverentes.
17. Fez vários tratamentos de desintoxicação sem qualquer sucesso.
18. Em Maio de 2009 deu entrada no Centro de Alojamento Temporário da Cruz Vermelha, retomou o programa de Metadona no CRI de Braga, e saiu da instituição para ir viver com o companheiro junto dos pais deste, com os quais se incompatibilizou por ter retomado o consumo de estupefacientes.
19. Em Outubro de 2010 integrou o agregado familiar da mãe onde permaneceu um mês.
20. Intensificou os consumos, envolveu-se na prostituição e passou a viver na condição de sem abrigo, tendo sido Acolhida no Centro de Alojamento da Cruz Vermelha onde esteve um mês até Janeiro de 2011, violando as regras do centro de acolhimento por pernoitar fora da mesma, após o que regressou à situação de sem abrigo.
21. Após ter cumprido prisão subsidiária regressou ao agregado da mãe e da irmã onde se mantém, encontra-se grávida e está previsto o nascimento do filho para Dezembro.
22. Frequenta com regularidade consultas de psicologia e já terminou o programa de metadona.
23. O arguido Rafael, no período da infância e adolescência, esteve internado em centros educativos, tem uma filha com cinco anos e vive maritalmente há 3 anos com uma jovem que não pertence à sua etnia da qual tem uma filha com cinco meses.
24. O agregado familiar subsiste do rendimento de € 800,00 da companheira.
25. O arguido António B... passou a residir com a avó paterna aos 4 anos e no 5º ano revelou alterações de comportamento pelo que aos 13 anos foi viver com o pai e o irmão para Inglaterra onde concluiu o 9º ano e trabalhou 3 anos na empresa de congelados do pai.
26. Esteve várias vezes preso em Inglaterra de onde foi extraditado estando impedido de regressar.
27. Tem trabalhado sazonalmente como relações públicas em discotecas e bares no Algarve.
28. Por decisão de 05.11.2008, transitada em julgado, a arguida Mónica foi condenada na pena de cinco meses de prisão suspensa por um ano com regime de prova pela prática em 21.05.2007 de um crime de roubo.
29. Por decisão de 29.04.2010, transitada em julgado, foi condenada na pena única de 90 dias de multa à taxa diária de € 3,00 pela prática em 07.04.2009 de um crime de furto.
30. Por decisão de 11.10.2010, transitada em julgado, foi condenada na pena única de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática em 21.10.2009 dos crimes de furto e falsidade quanto aos antecedentes criminais.
31. O arguido Rafael teve várias condenações pela prática dos crimes de condução ilegal, consumo de estupefacientes e foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão pela prática do crime de tráfico de menor gravidade.
32. Por decisão de 18.02.2010, transitada em julgado, o arguido José S... foi condenado na pena de um ano de prisão suspensa por um ano pela prática em 02.09.2008 de um crime de tráfico de estupefacientes.
33. Por decisão de 14.02.2011, transitada em julgado, foi condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática em 01.02.2011 de um crime de furto.
34. O arguido António B... teve uma condenação em pena de multa pela prática em 04.09.2006 de um crime de furto.

*
2. Factos não provados:
1. Os factos descritos na factualidade provada foram praticados pelo arguido António B....
2. Os arguidos seguiram na viatura do ofendido para os bairros do Picoto e de Santa Tecla, para adquirirem estupefacientes para o seu consumo, e neste encontraram o arguido Rafael G... que os questionou sobre se o veículo era furtado, ao que lhe responderam afirmativamente.
3. O arguido Rafael G... entrou no veículo 50-09-..., colocou-o em funcionamento e com ele abandonou o local, integrando-o por sua vez no seu património.
*
3. Motivação:
Os factos provados decorreram do depoimento isento, credível e coerente do ofendido José C... que descreveu as circunstâncias em que os factos que relatou ocorreram, tendo reconhecido a arguida Mónica em audiência de julgamento (em conformidade com o auto de reconhecimento de fls. 67 devidamente examinado em audiência de julgamento).
Com efeito, o ofendido José C... afirmou ter procurado a arguida junto ao Mercado Municipal para com ela manter relações sexuais pelo que ambos se deslocaram no seu veículo automóvel de marca Audi para um local por ela sugerido e logo após terem parado em tal local (fora da estrada, escuro e por baixo de uma ponte), quando se encontravam no interior do veículo com as portas travadas, apareceu um indivíduo de raça negra que bateu no vidro e disse à Mónica para sair e quando esta saiu apareceu outro indivíduo que se sentou no lugar deixado pela Mónica, o qual lhe apontou uma navalha fechada ao pescoço e lhe exigiu todo o dinheiro que tinha consigo, pelo que, por recear que algo de mal lhe acontecesse, entregou-lhe entre 30 e 40€ e o telemóvel.
Mais referiu que o indivíduo de raça negra abriu a mala do carro e disse-lhe para nela entrar, tendo o ofendido aproveitado esta ocasião para fugir, após o que se dirigiu a um táxi no qual passou no local, antes de se dirigir à PSP, mas já lá não se encontrava ninguém.
Tal indivíduo de raça negra foi reconhecido pelo ofendido, no auto de reconhecimento de fls. 58 devidamente examinado em audiência de julgamento, como sendo o arguido José S....
No que respeita à arguida Mónica embora esta tenha afirmado ter sido surpreendida pela situação razão pela qual, após um dos indivíduos lhe ter entregue o dinheiro e o telemóvel do ofendido, fugiu do local, tal não mereceu qualquer credibilidade por o ofendido ter contrariado tal fuga na medida em que afirmou, de forma peremptória, que a arguida Mónica permaneceu no exterior do veículo e quando o ofendido fugiu ela continuou em tal local; pela oportunidade do aparecimento do arguido José S... e do indivíduo que o acompanhava (antes do início das relações sexuais) e por apenas se nos afigurar compreensível, por conforme às regas da experiência e normalidade do acontecer, que lhe tenha sido entregue a quantia em dinheiro (que posteriormente gastou em proveito próprio) e o telemóvel (que ofereceu a pessoa que não identificou) do ofendido, por ter havido um acordo prévio entre a arguida Mónica, o arguido José S... e o indivíduo não identificado no sentido de subtrair clientes que a arguida Mónica levasse para tal local.
Os factos não provados decorreram de o ofendido não ter reconhecido o arguido António B... como tendo sido o indivíduo que esteve sentado ao seu lado e lhe exigiu o dinheiro.
Os factos não provados relativos ao arguido Rafael decorreram da ausência de prova a tal respeito.
Relativamente aos antecedentes criminais, os CRCs juntos aos autos e quanto à situação pessoal as suas declarações e relatórios sociais devidamente examinados em audiência de julgamento.”

Apreciação
Face ao disposto no art.412.º n.º1 do C.P.Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento ofícioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
A este respeito, ensina o Prof.Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335) que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Por outro lado, se as conclusões tratarem aspetos não abordados na motivação, os mesmos não serão conhecidos, uma vez que essas «conclusões» não traduzem a síntese de matéria antes tratada no corpo da motivação.
Analisadas as conclusões do recurso, que pecam pela prolixidade, as questões suscitadas são as seguintes:
-nulidade do acordão, quer por insuficiência de exame crítico da prova quer por não haver qualquer referência na motivação da matéria de facto ao depoimento da outra testemunha de acusação,
-impugnação da matéria de facto, tendo ocorrido violação do princípio in dubio pro reo
-não suspensão da pena de prisão aplicada.

Antes da apreciar as questões suscitadas pela recorrente, cabe conhecer da questão prévia suscitada pela Exma.Procuradora-Geral Adjunta.
Defende a Exma.Procuradora-Geral Adjunta que a arguida Mónica interpôs recurso no 21.º dia após o depósito do acórdão, discordando da forma como o tribunal valorou a prova produzida, mas sem indicar as provas concretas que pretende reapreciadas e que impunham uma decisão diversa da recorrida, pelo que apenas dispunha do prazo de 20 dias para recorrer.
Na resposta apresentada, a recorrente refere que o recurso foi apresentado no prazo de 20 dias, pois foi enviado via CTT, sendo a data do envio a considerada como apresentação do recurso.
Desde logo, compulsados os autos, não consta destes o envelope em que terá sido enviado pelo correio o recurso, pelo que não se pode atender à mera afirmação da recorrente, mas apenas à data constante do carimbo da entrada do recurso na secretaria, ou seja, 18/1/2012. Tendo o acórdão sido depositado em 15/12/2011 e o recurso entrado na secretaria em 18/1/2012, conclui-se que foi apresentado no 21.º dia.
E será que assiste razão à Exma.Procuradora-Geral Adjunta? Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que não.
Nos termos do art. 411.º n.º1 al.b) do C.P.Penal, o prazo de recurso é de 20 dias, contando-se a partir do depósito da sentença na secretaria.
O prazo é elevado para 30 dias “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada” – n.º4 do citado art.411.º do C.P.Penal.
Concluímos, assim, que em processo penal o prazo geral de recurso é de 20 dias, sendo alargado para 30 dias se o recorrente impugnar a matéria de facto com base em meio de prova gravado em audiência. Aliás, este alargamento do prazo de recurso, em nossa opinião, justifica-se pela necessidade de audição da prova gravada, o que acarreta dispêndio de tempo.
Embora para a reapreciação da prova gravada pelo tribunal ad quem seja necessário que o recorrente dê cumprimento às exigências do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para efeitos de apreciação da tempestividade do recurso, não tem fundamento rejeitá-lo por não ter sido cumprido integralmente o referido art.412.º n.º3 e 4. O que releva, para efeitos de tempestividade do recurso, é o fim visado pelo recorrente: impugnação da matéria de facto fundada na reapreciação da prova gravada.
Exigir o devido e integral cumprimento do art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal, para se apreciar se o recurso foi interposto em tempo, é confundir a tempestividade do recurso com a admissibilidade da apreciação do seu mérito.
No caso em apreço, analisando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, verifica-se que a recorrente impugna a sua comparticipação nos factos delituosos, invocando para tanto a prova produzida decorrente das suas declarações e do depoimento do ofendido em audiência de julgamento, que transcreve parcialmente, ou seja, a recorrente ao impugnar a matéria de facto pretende a reapreciação da prova gravada. Questão diferente é saber se cumpriu integralmente o disposto no art.412.º n.º 3 e 4 do C.P.Penal, mas tal questão tem de ser equacionada em termos de apreciação de mérito do recurso.
Tendo o acórdão sido depositado em 15/12/2011 e o recurso interposto em 18/1/2012, ou seja, no 21º dia após o depósito daquele, concluímos que o recurso foi interposto tempestivamente, de harmonia com o disposto no art. 411.º n.º4 do C.P.Penal.
Decidida a questão prévia, apreciemos agora as questões suscitadas nas conclusões do recurso.

(…).

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida Mónica B..., confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça.

Guimarães, 10/9/2012