Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
20/15.0IDVCT.G1
Relator: MARIA JOSÉ MATOS
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
NATUREZA E BEM JURÍDICO PROTEGIDO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
ARTIGOS 103º DO RGIT E 13º DA CRP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Da leitura do artigo 103º do RGIT é de concluir que o referido crime de fraude fiscal é cometido por acção na previsão das alíneas a) e c) do nº 1 e é realizado por quem alterar factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especialmente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável (alínea a) e, ainda, por quem celebre negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas (alínea c).
Já o mesmo ilícito se acha por omissão nas condições previstas nas alíneas a) e b) do referido nº 1, isto é por quem oculte factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável (alínea a), tal como por quem oculte factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à Autoridade Tributaria (alínea b).

II. Fazendo presente a letra do artigo 103º do RGIT, é certo que a sua consumação apenas ocorre perante o preenchimento de qualquer das condutas típicas descritas, quer por acção ou por omissão, praticada com dolo e caso a vantagem patrimonial for igual ou superior a €15.000,00.

III. Mas uma outra condição se exige no caso do Imposto de Valor Acrescentado, qual seja a da entrega da declaração periódica perante a Autoridade Tributaria, entrega esta que pode ser mensal ou trimestral.

IV. E é indiferente à dita consumação criminosa o prazo estipulado para a entrega da falada declaração periódica, desde que estejam reunidos os elementos do tipo, na sua vertente objectiva e objectiva e a vantagem patrimonial atinja o valor cifrado na lei, não ocorrendo a quebra do princípio da igualdade entre os contribuintes, consoante o respectivo regime. Pois é comum à conduta de qualquer deles, independentemente da periodicidade da entrega da declaração periódica, está a violação dos deveres primordiais que se impõem ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária, quais sejam os deveres de colaboração, verdade, lealdade e transparência.
A. T. a isso mesmo alude quando defende que ao ser analisada a norma incriminadora somos levados a concluir que o crime tem subjacente uma relação jurídico-tributária entre o sujeito passivo e o estado fiscal em que a obrigação principal consiste na prestação tributária e existem obrigações e deveres de colaboração, como o direito de informar, destinados a apurar e a tornar efectiva aquela. Não deixando de afirmar que alguns desses deveres de colaboração constituem condutas típicas assumindo um papel determinante para a sobrevivência de todo o sistema fiscal.

V. O artigo 13º da Constituição da Republica determina a proibição do arbítrio quanto a proibição de discriminação, sendo que nenhum desses vicios inquina o versado artigo 103º do RGIT.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Comum Singular que seguem termos sob o nº 20/15.0IDVCT no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo/Juízo de Competência Genérica de Caminha, o Ministério Publico requereu o julgamento dos arguidos

J. C., solteiro, empresário, nascido a ../../1966, em …, Valongo, residente na Rua …, Maia, filho de ... e de ...,

C. A., casado, empresário, nascido a ../../1951, em …, Ponte de Lima, onde reside no Lugar …, filho de … e de …,

J. A., divorciado, encarregado pré-esforço, nascido a ../../1967, em …, Guimarães, residente na Rua …, Guimarães, filho de … e de …,
R. V., divorciado, contabilista certificado, nascido a ../../1977, em …, Paços de Ferreira, residente na Rua …, filho de … e de …, e de,

X, LDA., NIF ..., com sede na Avenida …, fracção …, Caminha, representada pelo primeiro arguido

Imputando aos arguidos J. C., C. A., J. A. e R. V., a prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, alínea a) e nº 3 e 104º, nº 2, alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.
A arguida X, Lda. foi responsabilizada pela prática do referido crime por força do estatuído no artigo 7º, nº 1 e no artigo 12º, nº 2 e nº 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, alinea a) da Lei nº 60/98 de 27/08 e dos artigos 71º, 76º, nº 3 e 77º, nº 1 do Código de Processo Penal, do artigo 129º do Código Penal e dos artigos 483º e 562º, ambos do Código Civil deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado civil C. A., tendo peticionado a sua condenação no pagamento ao Estado Português-Administração Tributária do montante de 16.625,67€ (dezasseis mil seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), a título de indemnização pecuniária por danos não patrimoniais resultantes da conduta do referido arguido, bem como no pagamento dos juros vincendos à taxa legal em vigor, até integral pagamento.

Finda a fase de Instrução foi proferida decisão instrutória que, ao abrigo do artigo 308º, nº 1, 1ª parte do Código de Processo Penal, pronunciou para julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular, todos os identificados arguidos, pela prática dos factos e com a qualificação jurídica constantes da acusação pública, que aí se deram por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 307º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Os arguidos J. A., R. V. e C. A. apresentaram contestação escrita.

Foi levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferida sentença, na qual foi decidido:

. Condenar os arguidos J. C., C. A., J. A. e R. V., pela prática, em co- autoria material, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, alínea a) e nº 3 e 104º, nº 2, alínea a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5 de Junho, nas seguintes penas:

- o arguido J. C., na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
- o arguido C. A., na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
- o arguido J. A., na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
- o arguido R. V., na pena de 2 anos de prisão.

. Condenar a arguida X, Lda., pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, alínea a) e nº 3, 104º, nº 2, alínea a), artigo 7º, nº 1 e no artigo 12º, nº 2 e nº 3, ex vi artigo 7º, nº 1 e no artigo 12º, nº 2 e nº 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de €8,00.
. Condenar o arguido C. A. a pagar ao Estado Português-Administração Tributária o montante de 16.625,67€ (dezasseis mil seiscentos e vinte e cinco euros e setenta e sete cêntimos), acrescido da quantia correspondente aos juros de mora, calculados à taxa supletiva legal prevista para as dívidas civis, contados desde a notificação do pedido de indemnização civil.
. Condenar os arguidos J. C., C. A., J. A., R. V. e X, Lda., nas custas da parte criminal, fixando-se a taxa de justiça individual em 2 UC, de acordo com a Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, nos termos previstos no, nº 9, do artigo 8º do referido Regulamento e artigos 513º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, para além da sua responsabilidade pelos encargos, nos termos previstos no art.º 514º do Código do Processo Penal.
. Condenar o arguido/demandado civil C. A. pelo pagamento das custas cíveis, em conformidade com o previsto no artigo 523º do Código do Processo Penal e no art.º 527º, nºs 1 e 2 do Código do Processo Civil.

Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido R. V. da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões (em resumo):

I. Interpõe recurso o Recorrente R. V. pela condenação na pena de prisão efectiva de (dois) anos, pelo crime de fraude qualificada, previsto e punido pelo art. 103.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e art. 104.º, n.º 2, al. a) do RGIT.
II. Assim, o presente recurso tem por objecto toda a matéria de facto e de direito aduzidos na douta sentença do Tribunal a quo, ressalvando-se, no entanto, que a numeração da matéria de facto dada como provada encontra-se repetida, pelo que se procedeu à designação dos factos 21.º-1 e 21.º-2 para designar os factos que se encontram repetidamente enumerados.
III. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo, perante a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deveria ter proferido decisão diferente, entenda-se, a absolvição do Arguido, pois que, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, assim como em erro notório na apreciação da prova produzida.
IV. Ainda que assim não fosse, o que apenas academicamente se admite, o Tribunal a quo sempre incorreria em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos pontos invocados, pois que, ainda que se considerasse a prova da forma como o Tribunal a quo a considerou, a subsunção de tal factualidade sempre nos remeteria para uma decisão diversa.
V. Por conseguinte, violou o disposto no art. 127.º do CPP, errando na apreciação da prova e ainda extravasando na sua apreciação as regras da experiência e convicção que são permitidas, pois que, se procedermos ao escrutínio da prova produzida, sempre concluiríamos que o Recorrente não foi gerente de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., a partir do exacto momento em que formalmente a transmitiu, renunciando por essa via à gerência.
VI. Inexiste, igualmente, prova que o Recorrente tenha emitido as alegadas facturas falsas, que as tenha entregue aos legais representantes da empresa X, Lda., e muito menos que tenha conluiado para obter qualquer vantagem ilegítima à custa do erário público, pelo que, salvo o devido respeito, não pode concordar com a condenação na pena de prisão.
VII. No mais, a sua pena é desproporcional, desprovida de fundamento fáctico-jurídico, sendo convicção do Recorrente que, apenas foi condenado, porque em determinado momento da sua vida praticou um crime de igual índole.
VIII. Por assim ser, a motivação subjacente ao recurso tem por base a factualidade dada como provada, uma vez que, não traduz minimamente a prova produzida, designadamente o que foi afirmado pelas testemunhas da acusação, outrossim pelas declarações dos Co-Arguidos que decidiram prestar declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, violando o princípio in dubio pro reo, pois, com toda a prova produzida, deveria formar-se na convicção do julgador uma dúvida insanável relativamente a quem foi o verdadeiro emitente das facturas falsas.
IX. Relativamente aos erros que se aponta na sentença proferida, o Recorrente entende que da análise de toda a prova, conjugadamente, não poderia resultar esta condenação, impugnando por esta via os pontos 11, 12, 13, 14, 15,16, 17, 19, 20, 21, 22, 21.º-2, 22.º-2, 27, 28, 29 e 30 da matéria de facto dada como provada, assim como da respectiva fundamentação de facto a que alude a decisão no que concerne aos itens 11 e 12, e 13 a 30.
X. Relativamente aos pontos 11 e 12 da matéria de facto dada como provada, sempre se dirá que o Tribunal a quo não valorou devidamente a prova debatida na audiência, já que, se assim tivesse procedido, não teria concluído como concluiu, retirando conclusões não fundamentadas, procedendo a juízos apenas com base nos relatórios e pareceres da autoridade tributária.
XI. Se revisitada toda a prova produzida, não percepcionamos qual o raciocínio do Tribunal a quo, para entender que durante o ano de 2010, o Recorrente conjuntamente com o Arguido J. A., exerciam a gerência de facto da sociedade.
XII. Por um lado, se analisarmos a prova documental, designadamente a certidão do registo comercial da empresa R. V. Unipessoal, Lda., constatamos que em 18 de Junho de 2008 o Recorrente renuncia à gerência, sendo que, a 19 de Junho do mesmo ano, a empresa obtém um aumento de capital, com a entrada de um único sócio de seu nome M. G., cuja quota é cedida posteriormente ao Arguido J. A., ficando a empresa com um capital social de 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros).
XIII. Com isto pretendemos dizer que, pela empresa R. V. Unipessoal, Lda., em momento posterior ao Recorrente, entram mais dois sócios, sendo demasiado ilógico que o Recorrente R. V. se mantivesse como gerente de facto passado todo esse lapso temporal.
XIV. Para concluir pela gerência de facto do Recorrente, o Tribunal a quo fundamenta ainda – como fundamentavam os inspectores tributários nos relatórios e parecer elaborados – que a sede da sociedade se manteve no mesmo local de residência do Recorrente, sendo por esse motivo, mais que lógico que fosse o gerente, raciocínio que discordamos.
XV. Se revisitarmos a regulamentação constante do Código das Sociedades Comerciais – doravante apenas designado por CSC – nos artigos 246.º e seguintes verificamos que existem determinado tipo de assuntos que devem ser levados a deliberação dos sócios, o que sucede, no caso de alteração dos contratos de sociedade.
XVI. Nesta medida, e sendo a sede social uma das menções inscritas no competente pacto social, a sua alteração tem que obrigatoriamente constar de deliberação do sócio, pelo que, tendo o Recorrente renunciado à gerência e transmitindo a sua quota social, só o sócio posterior poderia proceder a essa alteração, motivo pelo qual, a sede se manteve a mesma.
XVII. No mais, não é pelo facto da sede da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. se ter mantido a mesma, que nos leva a concluir, forçosamente, que o Recorrente R. V. era o gerente de facto da sociedade.
XVIII. De molde a rebater e desmistificar a situação, e uma vez que a inspecção tributária não o fez, incumbia ao Tribunal a quo lançar mão da investigação, para que se tivesse certezas de quem seria verdadeiramente o gerente.
XIX. Por outro lado, e presumindo-se que quem detém a gerência de direito detém na verdade a gerência de facto, tornava-se necessário que em audiência de discussão e julgamento o Tribunal a quo lançasse mão dos elementos caracterizadores de uma gerência de facto, tais como: quem cobrava e recebia valores, rendimentos, quem detinha poderes para proceder à movimentação de contas, sacar cheques, letras, assinar livranças, quem detinha poderes para a realização e prática de negócios jurídicos, quem, no fundo, lançava mão dos poderes representativos da gerência.
XX. O Tribunal a quo não averiguou, nem tal factualidade foi discutida na audiência de discussão e julgamento, relevando apenas nesta sede as declarações prestadas pelo Arguido J. A. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219145142_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018 pelas 14:51:43 e termo em 19-02-2018 pelas 15:38:51, no segmento respeitante à instância da Mma. Juiz de Direito do Tribunal a quo, desde 06min00s até 25min52s) que espontaneamente referiu à Mma. Juiz de Direito do Tribunal a quo que era gerente, que com o economista, o seu braço direito, procedeu à realização de negócios para aquisição de umas viaturas para a empresa R. V. Unipessoal, Lda.
XXI. Face a estas declarações, como pode o Tribunal a quo fundamentar que o Recorrente era gerente de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. em 2010? Como pode então a presunção de que o gerente de direito é o gerente de facto ter sido ilidida?
XXII. Com a plêiade da prova produzida, o co-Arguido J. A. não logrou mostrar por que motivo era apenas gerente de direito.
XXIII. Relativamente aos relatório e parecer emitidos pelos elementos da inspecção tributária, e nos quais o Tribunal a quo alicerça a sua convicção, sempre cumprirá dizer, que carecem de prova, sendo baseados em meros juízos, cuja factualidade não foi averiguada.
XXIV. Nesse parecer, tal como consta da douta sentença, foi remetido pela Autoridade Tributária, uma missiva dirigida à sede da R. V. Unipessoal, Lda., a qual se entende que foi recepcionada, tendo “alegadamente” sido respondida por alguém ligado à sociedade.
XXV. Só por jocosidade podemos admitir que se admita o supra referido, uma vez que: da notificação não consta quem a recepcionou, desconhecendo-se se chegou ao seu real destinatário.
XXVI. No mais, a alegada resposta a esta notificação/missiva, que consta do processo físico, apenas menciona que “a empresa R. V. Unipessoal, Lda. não possui relações comerciais com a X, Lda.”, não tendo aposta qualquer assinatura, nem carimbo da sociedade, desconhecendo-se, portanto, quem foi o emitente daquela. Não é demasiado oneroso entender que a resposta veio da sociedade e designadamente do Recorrente, e que por isso o mesmo era gerente de facto?
XXVII. Como é que a partir de uma carta – em branco – podemos concluir que foi o Recorrente que a elaborou, colocou no correio, decidiu responder? A verdade é que no decurso do inquérito não foi realizada qualquer diligência probatória no sentido de confirmar a veracidade da informação, através da realização de perícias, ao tipo de papel, de tinta utilizada, se era a mesma que constava dos restantes documentos da sociedade… Nada foi feito nesse sentido, tendo sido mais fácil, presumir.
XXVIII. Para dar como provados aqueles pontos 11 e 12 da matéria de facto provada, o Tribunal baseia-se ainda no parecer inspectivo (pontos 20.2.9 e seguintes), onde consta que o Recorrente teria vindo a ser referenciado por facturação falsa, e que inclusive, teria culminado despachos de acusação em inquéritos, esquecendo-se, todavia, de averiguar, se o Recorrente no predito inquérito que menciona, teria sido ou não condenado.
XXIX. O Tribunal a quo alicerça a fundamentação nessa informação dos inspectores, mas na verdade, não consultou o processo que lá vai referido, esclarecendo-se que, pese embora “tenha havido informação”, o Recorrente foi absolvido da prática dos crimes, no inquérito com base nessas informações, e cuja cópia do processo n.º 40/10.1IDBRG.G1, se junta, constado a decisão absolutória desta Veneranda Relação de Guimarães. Como se vê, mal andou o Tribunal a quo.
XXX. Nesta medida, o acusatório formulado no relatório, parecer e informações que constam da Autoridade Tributária e Aduaneira, mais não foram do que indícios retirados de outras informações das diversas direcções de finanças, cujos factos, a final, não ocorreram do modo como lá foram descritos, pelo que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não poderia ter assente a sua convicção apenas naqueles, sob pena de soçobrar toda a prova.
XXXI. Como se constata, nem a investigação levada a cabo, nem o Tribunal a quo lograram revelar e provar os critérios determinantes para que se pudesse considerar o Recorrente como gerente de facto: quem emitiu as facturas? Quem as integrou na contabilidade da X, Lda.? Quais as vantagens que foram obtidas? Não existe resposta, porque na verdade nada foi provado.
XXXII. No tocante à prova testemunhal, o Tribunal a quo entra em clara contradição, pois que, se em determinado momento considera as declarações prestadas pelo Arguido J. A. “confusas, completas e ilógicas”, para fundamentar os itens 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto provada, de seguida, utiliza as suas declarações para precisamente enquadrar o Recorrente como gerente da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., não valorando concretamente o depoimento daquele.
XXXIII. Na verdade, o que resulta do depoimento do co-Arguido J. A. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219145142_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018 pelas 14:51:43 e termo em 19-02-2018 pelas 15:38:51] é uma realidade bem distinta, mencionando que:

A. Apenas conheceu o Recorrente R. V. muito depois de ter adquirido a empresa, sendo que, até aquele momento o seu braço direito era o seu economista, de nome, O. M.;
B. O. M. teria referido que o aqui Recorrente poderia vir a ser necessário para a contabilidade da empresa;
C. Que foi contactado por O. M. para gerir a empresa, assumindo esse cargo, nada tendo esta realidade a ver com o Recorrente;
D. Refere ainda que R. V., o aqui Recorrente, nada tinha a ver com a empresa, que nunca tomou qualquer decisão conjunta, e que R. V. não exerceu as funções de gerente a partir do momento em que procedeu à venda da empresa, afirmando que apenas achava que tinha sido o Recorrente a emitir as facturas, porque, na verdade, uma senhora da inserção social lhe teria dado a indicação que o Recorrente vinha indicado pela prática desse tipo de coisas. Todavia, a instância da defensora do Recorrente, acaba por admitir que não percebia quem teria emitido, que a assinatura não era sua, e que quem tinha o carimbo da empresa era O. M..
XXXIV. Deste modo, denotamos que as conclusões que o Tribunal a quo tece do depoimento do co-Arguido J. A. não são as conclusões que se retiram do seu depoimento, ainda que conjugássemos com os restantes elementos de prova, tais como os depoimentos das testemunhas A. C. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180510112600_1454242_2871851.wma –, com início em 10-05-2018, pelas 11:26:00 e termo em 10-05-2018, pelas 11:30:38], A. R. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180604115907_1454242_2871851.wma –, com início em 04-06-2018, pelas 11:59:08 e termo em 04-06-2018, pelas 12:02:44], J. P. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180510105653_1454242_2871851.wma –, com início em 10-05-2018, pelas 10:56:54 e termo em 10-05-2018, pelas 11:10:42], J. M. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180510103724_1454242_2871851.wma –, com início em 10-05-2018, pelas 10:37:25 e termo em 10-05-2018, pelas 10:48:03], V. C. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180510111129_1454242_2871851.wma –, com início em 10-05-2018, pelas 11:11:29 e termo em 10-05-2018, pelas 11:25:16].
XXXV. Em suma, relativamente aos factos da matéria vertida em 11 e 12 não poderiam ser considerados como provados, sendo incorrectamente julgados, devendo considerar-se como matéria não provada, atendendo ao supra exposto.
XXXVI. No que respeita à matéria vestida nos pontos 13 e 14 da matéria de facto dada como provada, sempre se dirá que deverão ser considerados como não provados, em virtude de se entender que a matéria 11 e 12 exclui que se provem os que aqui se aludem.
XXXVII. Discorda igualmente o Recorrente que sejam considerados como provados os pontos levados de 15 a 17, pois que, se já se explicitou porque se considera que inexiste prova que o Recorrente tenha sido gerente da empresa R. V. Unipessoal, Lda., outrossim que o Tribunal não logrou apurar quem emitiu as alegadas facturas forjadas, o que, per si, não permite identificar o autor do crime, outrossim, não permitindo identificar o elemento subjectivo do tipo de ilícito aqui em causa.
XXXVIII. Nesta medida, e porque os elementos serão distintos caso se trate do emitente ou do utilizador da factura – tal como ocorre com o momento da consumação – se nos reportamos apenas e tão só à sociedade R. V. Unipessoal, Lda. ou aos alegados representantes legais, denotamos, que em momento algum a sentença procede à identificação concreta destes elementos para considerar a quota-parte de responsabilidade enquanto emitentes.
XXXIX. Relativamente à emissão nada foi apurado, uma vez que a investigação apenas se centrou na empresa X, Lda., nos seus trabalhadores, etc., não apurando a responsabilidade do utilizador, não se verificando, por conseguinte, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime.
XL. Se o Tribunal a quo não logrou identificar o sujeito/o agente do crime, como alcançamos a sua culpa? Através de pressuposições? De que modo a mesma foi atendida? Veja-se que estes elementos são necessários, não só, para a verificação e preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime, como também para a aplicação e determinação da medida concreta da pena, o que, não tendo sido determinado deverá levar a que considerem estes factos como não provados.
XLI. Já no respeitante a matéria dos pontos 19, 20, 21 e 22, 21.-2 e 22.º-2, 27 e 28 da sentença proferida pelo Tribunal a quo: incorre o Tribunal a quo em lapso, que se pretende deste modo ver sanado, ao discorrer sobre a integração na contabilidade da X Lda., referindo-se aos seus gerentes de facto e de direito como sendo J. A. e R. V.. Certamente o Tribunal a quo pretendia referir-se aos gerentes de facto e de direito da X Lda., e não ao Arguido J. A. e ao aqui Recorrente.
XLII. Nesta medida, deverá a sentença neste segmento ser corrigida, para os devidos e legais efeitos.
XLIII. Por último, e por referência à matéria vertida em 29 e 30 da matéria de facto dada como provada, a mesma, por mais uma vez, encontra-se mal valorada, discordado o Recorrente do modo como foi ponderada e valorada.
XLIV. Atendendo a tudo o já exposto, e tal como enfadonhamente já se vem alertando, não se pode considerar que ficou provado em audiência de discussão e julgamento que os Arguidos J. A. e o aqui Recorrente tivessem perfeito conhecimento a que se destinavam as alegadas facturas, recebendo vantagens patrimoniais.
XLV. Questionemos: que vantagens patrimoniais? Em que montantes? Esta factualidade tão pouco foi discutida ao longo da audiência, nada se apurando nem investigando, através de qualquer meio de prova.
XLVI. A prova do Tribunal a quo reside, por mais uma vez, na palavra dos inspectores tributários, que basicamente, e no que aqui releva, nada investigaram, pelo menos, relativamente à R. V. Unipessoal, Lda. e aos “alegados” gerentes de direito e de facto.
XLVII. Menciona o Tribunal a quo o depoimento da testemunha J. L. inspector tributário, sendo que, aquando a sua prestação de depoimento, menciona que a sociedade R. V. Unipessoal, Lda. era referida pela Direcção de Finanças como emitente de facturação nos anos de 2007/2008.
XLVIII. E aqui chegados, reportamos o que supra já foi referido quanto a esta investigação e quanto ao desenrolar da mesma, mormente, quanto à absolvição do Arguido R. V.. Na verdade, o Tribunal a quo deu como certa a informação que na verdade não era, assentando toda a sua convicção, numa informação que na verdade não se encontra correcta.
XLIX. O Tribunal a quo deu como provados os factos só porque os mesmos constavam do depoimento dos inspectores da Autoridade Tributária e Aduaneira, outrossim dos documentos de suporte à investigação, olvidando-se, todavia, de que na sua maioria, os inspectores que prestaram o seu depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, não levaram a cabo a investigação, e veja-se, nada investigaram quanto à R. V. Unipessoal, Lda. porque excedia a sua competência territorial.
L. Tal factualidade ressalta dos depoimentos das testemunhas E. B. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219164857_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 16:48:58, e termo em 19-02-2018, pelas 17:06:41], H. A. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219164857_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 16:48:58e termo em 19-02-2018, pelas 17:06:41, J. L. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219162427_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 16:24:27, e termo em 19-02-2018 pelas 16:36:33], L. M. [depoimento constante do arquivo - ficheiro 20180219155618_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 15:56:19, e termo em 19-02-2018, pelas 16:24:26].
LI. Relativamente à testemunha L. M. desde já se requer a correcção da factualidade que menciona que o mesmo teria entrado em contacto com o pai do Recorrente, o que não é verdade, nem tão pouco consta do seu depoimento. Na verdade, a testemunha refere bem o contrário, quando menciona: “Não fiz qualquer inspecção directamente. O único elemento de conexão com essas entidades, foi, de facto, a minha notificação postal, e a resposta deles. Deles, de alguém que recebeu na sede da empresa e respondeu” [depoimento constante do arquivo - ficheiro 20180219155618_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 15:56:19, e termo em 19-02-2018, pelas 16:24:26, mormente a instância da Defensora do aqui Recorrente (desde 25min51s até 28min00s)].
LII. Relativamente ao inspector tributário que procedeu à investigação da empresa R. V. Unipessoal, Lda. em 2007/2008 (e que deu origem ao processo no qual precisamente o aqui Recorrente foi absolvido), retiramos do seu depoimento que apenas entrou em contacto telefónico com o pai do Recorrente, tendo posteriormente falado com o Recorrente mas enquanto TOC e investido nessa qualidade. Vejamos, pelo depoimento desta testemunha que nem o considera como gerente, uma vez que refere expressamente que à data dos factos R. V. já não era gerente da sociedade comercial. Menciona: “(…) Portanto, ele era o técnico de contas e foi nessa condição.”, “que penso que ele na data já não era gerente”. [negrito da nossa autoria]. De resto, apesar de ter contribuído para a descoberta da verdade material, em abono da verdade se diga que, esta testemunha não conferiu qualquer contribuição válida para o que aqui se cuida, porque, neste caso, não procedeu a qualquer diligência de investigação. Portanto, a convicção retirada pelo Tribunal a quo, assenta numa análise que revela falta de cuidado na apreciação crítica da prova, extravasando assim o princípio da livre convicção que lhe é permitido. Neste sentido, veja-se o depoimento de J. L. [depoimento constante do arquivo – ficheiro 20180219162427_1454242_2871851.wma –, com início em 19-02-2018, pelas 16:24:27, e termo em 19-02-2018 pelas 16:36:33, designadamente a instância da D. Procuradora do Ministério Público (desde 03min22s até 05min56s)].
LIII. Nesta medida, não poderão igualmente os factos 29 e 30 ser considerados provados.

Sem prescindir,

LIV. Em suma, e de acordo com o que já vem sendo dito, a questão essencial a dirimir, consiste sem saber se os autos contêm prova cabal para condenar o Recorrente, pela prática do crime de fraude qualificada, previsto e punido elo art. 104.º do RIGT.
LV. Podemos concluir que não, por falta de elementos para tal, e que, caso o Tribunal a quo tivesse valorado adequadamente a prova, não teria logrado convencer-se da existência da prática do crime, ou seja, não teria ficado convencido da existência da prova para além da dúvida, pelo que, mal andou o Tribunal a quo, condenando o Recorrente.

Não obstante,

LVI. Por outro lado, se se entender em manter a decisão do Tribunal a quo, sempre se requererá que seja revista a pena aplicada ao Recorrente, atendendo ao facto desta se apresentar como excessiva e desproporcional, uma vez que, atendendo ao grau de ilicitude do facto, da extensão temporal da conduta e grau de culpa, impunha-se pelo menos a aplicação do mínimo legal, com possibilidade da sua substituição por uma medida não privativa da liberdade, tal como a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, ainda que a ocorrer dentro do serviço prisional onde se encontra.
LVII. Por último, entende o Recorrente que a interpretação conferida aos arts. 103.º, n.ºs 2 e 3 do RGIT é ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade ínsito no art. 13.º da CRP, devendo para tanto, a interpretação que se espelhará, ser atendida e por conseguinte, a norma desaplicada.
LVIII. Decorre dos n.ºs 2 e 3 do art, 103.º do RGIT que o patamar de punibilidade é o montante de 15.000,00€ (quinze mil euros) e que deverá ser aferido em relação a cada declaração apresentada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
LIX. Tal situação fáctica, na interpretação conferida, criará desigualdades, porquanto, as situações de punibilidade serão distintas consoante se trate da apresentação de uma declaração mensal ou trimestral – que no caso dos autos é o IVA, podendo a declaração ser apresentada desses dois modos.
LX. Não fere os princípios de proporcionalidade e igualdade, o facto de se punir o agente que apresenta trimestralmente a declaração de iva (e que assim ultrapassa o montante dos 15.000,00€), relativamente àquele que apenas apresenta mensalmente, e que por isso, não excederá aquele patamar? Sendo o primeiro punido criminalmente e o segundo não?
LXI. Entende o Recorrente que a interpretação conferida é violadora do princípio da igualdade, porque, perante a mesma situação, estaremos perante resultados distintos, na medida em que, quando nos reportemos apenas à declaração, sem indicação do seu concreto período temporal, poderemos compactuar com uma ilegalidade encapotada.
LXII. Ao não se fixar um limite temporal – e apenas indicando vagamente a declaração – relativamente ao valor do qual se entende que será a condição de punibilidade, estamos a tratar de modo distinto, casos iguais, veja-se o caso de uma empresa que emita, em regime mensal de iva, três facturas de doze mil euros, e que não será punida, e por exemplo, uma empresa que procede a uma declaração trimestral, com iva deduzido de dezasseis mil euros, sendo punida por essa via por fraude fiscal.
LXIII. Na verdade os dois casos não seriam idênticos? Os valores relacionados no período de três meses não seria similar? Aliás, no primeiro caso até seria mais elevado. No entanto, neste primeiro caso inexiste punição pelo facto da declaração apresentada ser mensal, ao passo que, no segundo caso, sendo a declaração trimestral, irá computar as três facturas, ainda que com iva deduzido mensalmente em valor inferior ao do primeiro caso. Pois que, no segundo será punido criminalmente e no primeiro caso não, residindo aqui uma fonte de discriminação.
LXIV. No mais, outros exemplos são conferidos no corpo do recurso, exemplos que, se reportam a decisões judiciais concretas e que, inclusivamente, já levaram a absolvição do aqui Recorrente em valores superiores ao que aqui se discute, com a diferença precisamente, no tipo de declaração apresentada.
LXV. Assim, deverá ser declarada a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, desaplicando-se a norma nos termos em que se encontra interpretada, devendo, para o efeito, ser reportada aos valores mensais de cada declaração, independentemente de ser mensal ou trimestral.
LXVI. Atendendo a tudo quanto se expôs, deverá ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se, por essa via, o aqui Recorrente do crime pelo qual vem condenado, tudo com as devidas e legais consequências.

Nestes termos deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se a douta Sentença na parte em que condenou Arguido pelo crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, 104.º, n.º 2, al. a) do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, substituindo-a por outra que absolva o Arguido do crime pelo qual vem condenado.

Também inconformado com tal decisão condenatória, o arguido J. C. da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões (em resumo):

a) Como inicialmente indicamos o presente recurso é interposto da douta sentença, e é justificado pela discordância com os fundamentos de facto e de direito que levaram o tribunal recorrido a condenar o arguido.
b) A leitura conjugada de todos os elementos de prova não permite, nem consente o estabelecimento das relações lógicas feitas pelo Tribunal recorrido.
c) O arguido não se conforma com a decisão sob recurso por sustentar existir deficiente fixação da matéria de facto tida por provada.
d) Estão, segundo entendimento da defesa, erradamente julgados os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30.
e) A defesa nos termos e para os efeitos do art. 412º nº 3 alínea a), impugna os pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30, da matéria dada como provada, constantes na douta sentença.
f) Os pontos agora em crise apresentam os seguintes vícios, que resultam não só do texto da decisão recorrida, por si só, mas também conjugada com as regras da experiência comum:

- O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º nº 2 alínea a) do CPP.
- Erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2, alínea c) do CPP.
g) Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art 410 nº 2 a), porquanto, o Tribunal a quo não considerou o depoimento do arguido C. A., nem o depoimento isento, imparcial e claro das testemunhas arroladas pelo Ministério Publico, e das arroladas pelo defesa do arguido C. A., de que podia e devia ter considerado essenciais, nos termos do art. 358º nº 1 do CPP, sendo esses factos eram relevantes e decisivos para a decisão da questão da culpabilidade do arguido J. C..
h) Erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2, alínea c), o douto Tribunal deu como provado os factos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30, que contrariam com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
i) Impugna também o recorrente da fundamentação insuficiente da sentença recorrida.
Dispõe o nº 2 do art. 374 que a fundamentação da sentença “consta da enumeração de factos provados e não provados, em como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam decisão, com indicação exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal“.
j) É necessário que tribunal explicite o processo racional que lhe permitiria ao cidadão comum, extrair de determinada prova a convicção da verdade histórica de determinado facto, entendendo-se por processo racional o conjunto articulado de elementos objectivos e de considerações analíticas assentes na experiência comum, que permitem extrair das provas conclusões acerca da verdade histórica dos factos do processo, o que no caso em pareço não foi feito.
k) Salvo o devido respeito por outra interpretação, nenhuma prova produzida nos autos foi suficientemente convincente, clara e credível no sentido de apontar de que o arguido J. C. fosse gerente de direito e de facto da sociedade X, Lda. e tenha praticado os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 e com eles condenarem o arguido a uma pena desajustada da realidade fáctica.
l) O arguido J. C. nunca foi um órgão actuante dentro da sociedade X, Lda., nunca tomou deliberações ou exteriorizou a vontade social perante empregados e estranhos, quer obrigando a empresa, quer realizando negócios.
m) Os factos devem ser modificados, sendo que os meios probatórios que impõem esta modificação decisória são:
a) Declarações do arguido C. A. e das testemunhas M. J., M. F., J. M., M. M., J. P. e H. A., prestadas em julgamento.
b) Prova documental constituída pelo parecer da Autoridade Tributária a fls. 400 a 410, que considera o arguido J. C. gerente de direito.
n) A reapreciação destes elementos probatórios impunham decisão diversa no sentido de os factos referidos dados como provadas com os números 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 serem julgados como não provados.
o) Para dar como assente os factos como provados da natureza exarado nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 deve o Tribunal estribar-se em elementos de prova que demostrem, sem margem de dúvida, que o arguido praticou o crime de que foi condenado.
p) Essa prova não foi feita, aliás, a prova feita foi toda no sentido contrário.
q) Segundo acórdão do STA de 8/03/95, proferido no recurso nº 18834, publicado no AP-Dr de 31/07/97, página 677, “Não exerce tal gerência de facto um membro da administração que apenas desempenha funções de director técnico comercial, sem qualquer intervenção na parte administrativa e financeira da sociedade, não participando nas reuniões da administração nem sequer sendo ouvida quanto às decisões ali tomadas”.
r) Cumpre perguntar-se à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, a explicação dada pelo tribunal acerca destes factos em concreto se são suficientes para levar a considerar como demonstrado com o grau de certeza a que o próprio Tribunal se propôs chegar.
s) Quanto aos factos provados nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30, não existe prova alguma nos autos que de que o arguido J. C., tivesse sido em algum momento gerente de facto da sociedade X, Lda., e por sua vez, tivesse praticado o crime pelo qual foi condenado.
t) Sucede que a leitura conjugada de todos os elementos de prova não permite nem muito menos consentem o estabelecimento dessa relação lógica feita pelo tribunal a quo.
u) Esse nosso entendimento é alicerçado na prova produzida em sede de audiência de julgamento e documental.
v) Se o tribunal tivesse feito uma cuidada aplicação dos respectivos artigos, uma cuidada análise da prova produzida, não teria forçado a verificação e existência dos factos provados e teria proferido sentença optando quanto a estes por um “non liquet” e fazendo do uso do princípio “in dúbio” teria de ter absolvido o arguido, ainda que assim não se entendesse.

Somos do parecer que o recuso merece provimento, e, em consequência:

- Ser revogada a decisão recorrida por outra favorável ao Arguido;
- Ser alterada a decisão da matéria de facto nos termos e com os fundamentos alegados na motivação, e, consequentemente, ser o Arguido absolvido dos factos de que foi acusado e por que foi condenado, quanto ao crime de fraude qualificada, previsto e punido pelo art. 103, nº 1, alínea a) e nº 3, 104º nº 2, alínea a) do RGIT.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, o recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.

Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência dos recursos interposto apresentando as seguintes conclusões (resumo):

A — Delimitação do objecto do recurso:

Por sentença proferida nos autos em epígrafe identificados, em 25.06.2018, foram os arguidos J. C., C. A., J. A. e R. V., condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103°, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e 104°, n.º 2, alínea a), ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06., nas seguintes penas:

- J. C., na pena de 1 ano dc prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
- C. A., na pena de 1 ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
- J. A., na pena de 1 ano de prisão substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
- R. V., na pena de 2 anos de prisão.
foi ainda condenada a sociedade arguida “X, Lda.” pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelo artigo 103°, n.º 1, alínea a) e n.º 3, 104°, nº 2, alínea a), artigo 70, ti.° 1, artigo 12°, ti.° 2 e 3 do RGIT, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de € 8,00.

Não se conformando com esta decisão, vêm os arguidos R. V. e J. C. dela interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação.

3— Da resposta à motivação do recurso interposto pelos arguidos

O arguido R. V. alega, em síntese, o seguinte:

- Perante a prova produzida em audiência de julgamento, deveria o Tribunal “a quo” ter absolvido o arguido da prática do crime que lhe vem imputado.

Ao condenar o arguido, incorreu o Tribunal em erro de julgamento e em erro notório na apreciação da prova produzida;
- Ainda que assim não fosse, o Tribunal “a quo” sempre incorreria em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- O Tribunal “a quo” violou o artigo 127° do C.P.P., errando na apreciação da prova e extravasando na sua apreciação as regras da experiência e convicção que são permitidas, pois que se procedermos ao escrutínio da prova produzida sempre seria de concluir que o recorrente não foi gerente de facto da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.” a partir do exacto momento em que formalmente a transmitiu, renunciando por essa via à gerência;
- Para concluir pela gerência de facto do recorrente, o Tribunal “a quo” fundamenta que a sede da sociedade se manteve no mesmo local de residência do arguido, raciocínio com o qual não se concorda;
- A decisão em crise não traduz a prova produzida, designadamente o que foi afirmado pelas testemunhas de acusação, nem o que foi declarado pelos arguidos, violando assim o princípio “in dubio pro reo”, pois com a prova produzida deveria ter-se formado na convicção do julgador uma dúvida insanável relativamente a quem foi o verdadeiro emitente das facturas falsas;
- Impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 21-2, 22-2, 27, 28, 29 e 30, bem corno a respectiva fundamentação de facto a que alude a decisão no que concerne aos itens 11 e 12, 13 a 30;
- O Tribunal “a quo” não averiguou quem de facto exercia os poderes representativos da gerência, relevando nesta sede apenas as declarações prestadas pelo arguido J. A., que espontaneamente declarou que era o gerente da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.”.
- Relativamente aos relatório e parecer emitidos pelos elementos da inspecção tributária, e nos quais o Tribunal “a quo” alicerça a sua convicção, sempre cumprirá dizer que carecem de prova, sendo baseados em meros juízos.
- No tocante à prova testemunhal, o Tribunal “a quo” entra em clara contradição, pois que se em determinado momento considera as declarações prestadas pelo arguido J. A. “confusas e ilógicas” para fundamentar os itens 7,8,9 e 10 da matéria dada como provada, de seguida utiliza as suas declarações para enquadrar o recorrente como gerente da “R. V. Unipessoal, Lda.”, não valorando correctamente o depoimento daquele;
- No que concerne à pena concreta aplicada, considera o recorrente que a mesma se apresenta como excessiva e desproporcional, uma vez que atendendo ao grau de ilicitude do facto, à extensão temporal da conduta e ao grau de culpa, impunha-se pelo menos a aplicação do mínimo legal, com possibilidade da sua substituição por uma medida não privativa da liberdade;
- Por último, entende o recorrente que a interpretação conferida aos artigos 103°, n.º 2 e 3 do RGIT é ferida de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, decorre destas normas que o patamar da punibilidade é o montante de € 15.000.00 e que deverá ser aferido em relação a cada declaração apresentada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira. Tal situação fáctica, na interpretação conferida, criará desigualdades, porquanto as situações de punibilidade serão distintas consoante se trate da apresentação de uma declaração mensal ou trimestral. Com efeito, ao não se fixar um limite temporal relativamente ao valor do qual se entende que será a condição de punibilidade, estamos a tratar de modo distinto casos iguais. Entende o recorrente que deverá ser declarada a inconstitucionalidade por violação do princípio da desigualdade, consagrado no artigo 13° da CRP, desaplicando-se a norma nos termos em que se encontra interpretada, devendo para o efeito ser reportada aos valores mensais de cada declaração, independentemente de ser mensal ou trimestral.
- Conclui, pugnando pela absolvição do arguido pela prática do crime de que foi acusado.

Por sua vez, o arguido J. C. alega, em síntese, o seguinte:

- A leitura conjugada de todos os elementos de prova não permite nem consente o estabelecimento das relações lógicas feitas pelo Tribunal recorrido;
- O arguido não se conforma com a decisão sob recurso por sustentar existir deficiente fixação da matéria de facto dada como provada;
- Entende que foram erradamente julgados os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24,25,26 e 30;
- Nos termos e para os efeitos do artigo 412°, n.º 3, alínea a) do C.P.P., o recorrente impugna os pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 da matéria dada como provada, constantes da douta sentença;
- Os pontos agora em crise apresentam os seguintes vícios, que resultam não só do texto da decisão recorrida, por si só, mas também conjugada com as regras da experiência comum: - o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410°, n.º2, alínea a) do C.P.P.; e o erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 4 10°, n.º 2, alínea c) do C.P.P.
- Invoca também o recorrente a fundamentação insuficiente da sentença recorrida, tendo em atenção o disposto no artigo 374°, ri.° 2 do C.P.P.;
- Salvo o devido respeito por outra interpretação, nenhuma prova produzida nos autos foi suficientemente convincente, clara e credível no sentido de apontar que o arguido J. C. fosse gerente de direito e de facto da sociedade “X, Lda.” e tenha praticado os factos dados como provados nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 e com eles condenarem o arguido a uma pena desajustada da realidade fáctica;
- O arguido J. C. nunca foi um órgão actuante da sociedade “X”, nunca tomou deliberações ou exteriorizou a vontade social perante empregados e estranhos, quer obrigando a empresa, quer realizando negócios;
- Os factos devem ser modificados, sendo que os meios probatórios que impõem esta modificação decisória são: - declarações do arguido C. A. e das testemunhas M. J., M. F., J. M., M. M., J. P. e H. A., prestadas em julgamento; - parecer da Autoridade Tributária (fis. 400 a 410), que considera que o arguido J. C. era gerente de direito.
- A reapreciação destes elementos probatórios impunha decisão diversa no sentido de os factos referidos dados como provados com os números 4,6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 serem julgados como não provados;
- Para dar como assentes os factos indicados nos pontos 4,6,15,16,18,19,23,24,25,26 e 30, deve o Tribunal estribar-se em elementos de prova que demonstrem, sem margem de dúvida, que o arguido praticou o crime pelo qual foi condenado;
- Essa prova não foi feita, aliás, a prova feita foi toda no sentido contrário;
- Se o tribunal tivesse feito uma cuidada análise da prova produzida, não teria forçado a verificação e existência dos factos provados e teria proferido sentença optando quanto ‘ estes por um “non liquet” e fazendo uso do princípio “in dubio pro reo” teria de ter absolvido o arguido, ainda que assim não se entendesse;
- Pelo exposto, entende o recorrente que a sentença deve ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de que foi acusado.

Salvo melhor entendimento, cremos que não assiste razão aos recorrentes.

No que concerne à matéria de facto julgada provada, como resulta da cuidada e precisa motivação de facto da douta sentença recorrida, o Tribunal fundou a sua convicção nas certidões do registo comercial e nos relatórios de inspecção tributária juntos aos autos. Foi dado como provado que o arguido J. C. era o legal representante da sociedade “X, Lda.”, tendo sido designado gerente por deliberação de 03.08.2009. Em 14.09.2012, este arguido passou a ser o único sócio dessa sociedade, tendo-lhe sido transmitida a quota do arguido C. A., continuando a ser gerente dessa sociedade. Esta transmissão de quotas revela a evidente ligação do arguido J. C. à sociedade, que exerceu a gerência desde 03.08.2009. Por outro lado, não foi produzida prova de que, no período em referência (entre 04.01.2010 e 08.03.2010), este arguido tenha cedido a quota ou renunciado à gerência.
No que se refere à conclusão extraída quanto ao exercício da gerência de facto, também pelo arguido C. A., que não exclusivamente por este, ressalta-se que, de acordo com a prova produzida, este arguido terá exercido a gerência mediante o recurso a um “testa de ferro”, V. C., seu sobrinho, que figurava como gerente de direito no pacto social. Neste tocante, cumpre salientar que o arguido C. A., que não era gerente de direito à data dos factos, detinha 100% do capital da sociedade arguida. Foi gerente de direito entre 31.07.2009 e 14.09.20 12 (cfr. certidão junta a fis, 266), data em que ocorreu a já mencionada transmissão da sua quota para o arguido J. C.. Por último, importa referir que os trabalhadores inquiridos em audiência de julgamento referiram que era o arguido C. A. que lhes dava ordens e lhes pagava, sendo reconhecido como o “patrão”.

No que concerne à gerência da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.”, a Mma. Juíza “a quo” deu como provado que, no momento da consumação do crime (emissão das facturas em 04.01.2010, 01.02.2010 e 08.03.2010, em execução de urna só resolução), os arguidos R. V. e J. A. exerciam a gerência de facto. Assentou tal convicção em vários elementos de prova, designadamente na circunstância de o domicílio fiscal do arguido R. V. coincidir com a sede da sociedade. Por outro lado, o arguido R. V. foi o responsável pela contabilidade da sociedade, referente ao primeiro trimestre de 2010, nela não se tendo reflectido o IVA liquidado nas facturas que estão em causa nos autos.

Acresce que, nas declarações que prestou, o arguido J. A., depois de ter admitido que a sociedade nunca exerceu qualquer actividade, admitiu que o arguido R. V. era o contabilista e que “tudo são fraudes dele”, terá sido ele a emitir as facturas e que ele assumiu as funções de gerente de uma sociedade inactiva e que veio a ser alvo de várias acções inspectivas.

No mais, no que tange à convicção de que as facturas elencadas se reportam a transacções fictícias, acompanha-se, na íntegra, a motivação da decisão de facto constante da douta sentença.

Não se nos afigura assim que o Tribunal” a quo” se tenha limitado a transcrever o conteúdo das provas, sem explicitar o processo racional que conduziu à selecção da matéria de facto dada como provada, pelo que em nosso entender não se verifica a nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do C.P.P. respeitante à fundamentação manifestamente insuficiente.

No caso em apreço, o Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixou a matéria de facto provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação.

De acordo com este princípio, o juiz deverá decidir segundo a sua consciência, utilizando o seu bom senso e a sua experiência de vida, apreciando as provas conforme a sua livre convicção, ou seja de acordo com “o saber de experiência feito e honesto estudo misturado”, ou, na expressão feliz de Castanheira Neves, de “liberdade para a objectividade”.

Com efeito, e de acordo com o disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal, (livre apreciação da prova), salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. De “convicção do tril” fala-se igualmente no artigo 374°, n0 2, infine, do mesmo código, a propósito da obrigação de fundamentação. De acordo com este princípio — da livre convicção ou da prova moral —‘ o julgador tem pois a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.).

Para tanto, a decisão deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou dos critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência (cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 13 de Fevereiro de 1992, in CJ/J/36).

Não têm razão, pois, os arguidos ao alegar que foram incorrectamente julgados os pontos de facto acima enunciados. Pelo contrário, as razões e os elementos probatórios que deixámos expostos impunham que o Tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse, sem margens para dúvidas, como concluiu.

A este respeito, cumpre salientar que o erro de julgamento existe ou quando é dado como provado um facto sobre o qual não tenha sido feita qualquer prova e que, por isso, deveria ser dado como não provado, ou quando é dado como não provado um facto que, perante a prova produzida, deveria ser dado como provado.

Sob a epígrafe “motivação do recurso e conclusões”, dispõe o artigo 412°, n.º 3 do Código de Processo Penal: “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa (...) ‘

A este propósito, permitimo-nos citar o Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do recurso n.º 1921/06: “Note-se que a lei refere as provas que “impõem” e não as que permitiriam decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.”

Aliás, gozando o Tribunal recorrido do privilégio da imediação das provas, a convicção do julgador assenta, em larga medida, no que tal imediação lhe permite apreender. Assim, e em arrimo do que defendem os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 06.12.2000 e de 09.05.2001, “dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o Tribunal Superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo Tribunal a quo “.

Invocam ainda os recorrentes o erro notório na apreciação da prova.
Sucede que, para caracterizar o erro notório na apreciação da prova, importa desde logo referir que erro é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.

E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detectado por uma pessoa comum. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional, porquanto de tal forma axiomático que não escapa a uma análise superficial, mesmo por um homem de formação média.

Desta forma, já não consubstanciará tal erro aquele que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável ou razoável da prova produzida.

Acresce que o recorrente deverá especificar, no texto da decisão e sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.

Nesta senda, a errada apreciação da prova não constitui necessariamente erro notório na apreciação da prova, pela singela razão de que aquela errada apreciação poderá não se evidenciar no texto da decisão. O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório pelo que, quando se entenda que a prova foi mal apreciada, o recorrente deverá proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, respeitando o disposto no art° 412°, n°3, do Código de Processo Penal.

Este vício verifica-se quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.

Além do mais, para a verificação deste vício mister é apurar se a matéria de facto dada como provada na sentença constitui um suporte fáctico válido para a decisão a que se chega na mesma e não se a prova produzida em audiência é ou não suficiente para a decisão proferida.

Ora, o que os recorrentes pretendem é que se atenda à sua valoração da prova em detrimento daquela feita pela Mma. Juiz a quo, o que não se subsume neste vício da sentença.

Por outro lado, inexistem factos provados e não provados que, da análise da decisão, sobressaiam como sendo impossíveis ou ilógicos ou sequer qualquer equívoco ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos.

Destarte, também inexiste na decisão recorrida o vício previsto no art° 410º, n°2, al. c), do Código de Processo Penal, uma vez que a matéria de facto dada como provada forma um todo lógico e coerente.

No que tange à aplicação do princípio “in dubio pro reo “, cumpre referir que, em face de tudo quanto se deixou dito, não se vê que dúvidas subsistam e que impliquem a sua invocação.
Na verdade, trata-se de um princípio vigente apenas no que diz respeito à decisão da questão de facto.
Tal princípio significa que “em caso de dúvida razoável” após a produção de prova, o Tribunal tem de actuar em sentido favorável ao arguido — formulação de Figueiredo Dias, iii Direito Processual Penal, p. 215, citando a doutrina nacional e estrangeira no mesmo sentido.
Se após a ponderação da prova — toda a prova — o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova, sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio.
E, porque nada permite afirmar que o Tribunal recorrido tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo ou devendo ter dúvidas sobre algum ou alguns deles, a aplicação do princípio “dubio pro reo “i casu, violaria de forma manifesta os princípios do direito penal.

O objecto deste recurso prende-se, igualmente, com a determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido R. V..
As finalidades da aplicação de qualquer pena estão contidas no artigo 40º, nº 1, do Código Penal (por aplicação subsidiária — artigo 4°, n.° 1 do RGIT), consistindo na “protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade “, acrescentando o seu n° 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, visa em primeira linha a protecção destes bens, isto é, tutela as expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade e vigência da norma infringida (prevenção geral), e na reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) - (Figueiredo Dias — “As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, 1993, pág. 241).

No caso concreto, afigura-se-nos que a pena de 2 (dois) anos de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, assegurando suficientemente a protecção do bem jurídico em causa e as necessidades preventivas.
Não se trata, a nosso ver, de uma medida concreta elevada, atendendo aos factores ponderados pelo Tribunal: - as elevadas necessidades de prevenção geral que importa acautelar; - e a intensidade do dolo - dolo directo, pois que o arguido representou o facto e actuou com intenção de o realizar (artigo 13°, n.º 1 do C. Penal).
No que concerne à prevenção especial, cumpre referir que o arguido já foi condenado pela prática do mesmo tipo de ilícito, pelo que são já elevadas as exigências que se fazem sentir no caso concreto.
Neste jaez, e ponderada a factualidade e a prova produzida em audiência de julgamento e aposta na douta sentença, afigura-se-nos adequada e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de 2 (dois) anos de prisão.
Assim, tudo ponderado considera-se justa e adequada a pena aplicada ao arguido.

Termos em que não se deverá dar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães emitiu Parecer no sentido da improcedência dos recursos.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir do recurso apresentado.

Na sentença recorrida, com relevância para a decisão da matéria recursal, foi feito constar o seguinte:

Nessa fase processual, os arguidos invocaram a prescrição do procedimento criminal, para tal, tendo alegado, em súmula, que os factos geradores da responsabilidade criminal, alegadamente ocorreram no primeiro trimestre de 2010, tendo sido constituídos arguidos volvidos mais de cinco anos, pelo que nos termos do art.º 21º, nº 1, do RGIT, prescreveu o procedimento criminal. Por outro lado, o art.º 45º, nº 1 e nº 4, da LGT estipula que, no caso de impostos periódicos, o prazo para a liquidação das prestações tributárias se inicia no momento em que o facto tributário ocorreu, prevendo o nº 3 do art.º 21º do RGIT, a caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, no prazo de 4 anos. Assim sendo, caducou o direito à liquidação do imposto. Por estes motivos, pugnaram pela nulidade do procedimento criminal, por prescrição e caducidade.

O Ministério Público pronunciou-se nos termos que constam da acta de audiência de julgamento, referente à sessão realizada em 12-02-2018.

Cumpre decidir.

Os arguidos J. C., C. A., J. A. e R. V., encontram-se pronunciados pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e nº 3, 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

A arguida X, Lda. foi responsabilizada pela prática do referido crime por força do estatuído no art.º 7º, nº 1 e no art.º 12º, nº 2 e nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Considerando as alterações legislativas ao regime dos crimes fiscais, é nosso entendimento que a previsão do RGIT é aquela que mais favorece os arguidos, sendo, por isso, o aplicável, ao caso (cf. art.º 2º, nº 4, do Código Penal).

Este crime, quer na redacção actual, quer na redacção vigente à data da prática dos factos, é e era punível com prisão de um a 5 anos.

O art.º 21º do RGIT estabelece:

Artigo 21.º

Prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal
1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.
3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º
Questão que importa, no entanto, esclarecer, desde já, com vista à apreciação da invocada prescrição, é a do momento da consumação do crime.

Na descrição constante da acusação pública, para a qual remete a decisão que pronunciou os arguidos, e no segmento com relevo, consta a verificação de indícios suficientes de que, em execução de um plano congeminado em conjunto, os arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes de direito e de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. emitiram as facturas aí descriminadas, nelas cobrando ficticiamente o preço por fornecimentos de bens (madeira) à arguida X, Lda., fornecimentos esses que nunca chegaram a ocorrer, procedendo, de seguida, os arguidos J. C. e C. A., no desempenho das funções de gestão e administração da sociedade X, Lda., à incorporação (como utilizador) na contabilidade desta das mesmas facturas, com o propósito comum de obterem, para estes últimos, vantagem patrimonial de natureza fiscal a que ele não tinha direito, recorrendo à emissão e utilização de facturas que titulavam negócios jurídicos nunca ocorridos.
Está imputada a emissão de facturas fictícias com datas de emissão de 04-01-2010, 01-02-2010 e 08-03-2010, subordinada a uma única resolução criminosa.
O tipo legal de crime de fraude fiscal, com a descrição constante dos artigos 103º e 104º, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, inclui as condutas dolosas (ocultação, alteração, simulação) que sejam idóneas ou aptas a produzir a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias.
No caso das facturas falsas, a conduta ilícita consiste fundamentalmente na simulação da celebração de operações económicas, como contractos ou acordo de fornecimento de serviços sem qualquer correspondência com a realidade. O objectivo que subjaz à emissão de facturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com consequências na determinação da matéria colectável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).
Atendendo à classificação dogmática dos crimes de perigo em crimes de perigo abstracto, de perigo abstracto-concreto e de perigo concreto, o crime de fraude fiscal através de facturas falsas ou de favor insere-se na categoria de crime de perigo abstracto na forma de crime de aptidão.
Enquanto crime de perigo, a realização do tipo não pressupõe a lesão efectiva do bem jurídico protegido, mas o perigo é parte integrante do tipo e não um mero motivo da incriminação, como sucede nos autênticos crimes de perigo abstracto. Por outro lado, porém, a realização típica destes crimes não exige a produção de um resultado de perigo concreto.
Ainda assim, a idoneidade objectiva da concreta actividade ou conduta desenvolvidas para criar alguma das situações expressamente previstas no preceito incriminador (.não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias), integra a factualidade típica, encontra-se sujeita a prova e a valoração judicial.
Retomando a apreciação da questão suscitada, interessa recordar que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (cf. art.º 119.º do Código Penal, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do artigo 3.º do RGIT) e que as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter atuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no n.º 3 (artigo 5.º do RGIT).
A doutrina distingue a consumação formal que ocorre quando se verifica no facto todos os elementos constitutivos do tipo, da consumação material, terminação ou conclusão que se dá apenas quando se verifica a realização completa do conteúdo do ilícito em vista da qual foi erigida a incriminação.
Nos crimes de perigo o que releva é a consumação típica ou formal, ou seja, a ocasião em que o comportamento doloso preenche a totalidade dos elementos do tipo objectivo de ilícito.
Nesta ordem de ideias, a consumação do crime de fraude fiscal indiciado nestes autos ocorre no momento da celebração do negócio simulado, ou seja, da emissão dolosa da factura falsa adequada a diminuir as receitas tributárias, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante na escolha e determinação da medida concreta da pena, ou seja, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte.
Não se desconhece a orientação da doutrina no sentido de que a consumação se verifica no termo do prazo para apresentação da declaração à administração judiciária ou no momento da entrega da declaração ou ainda no momento da liquidação pela autoridade tributária.
Sempre com o devido respeito por entendimento diverso, não encontramos fundamento bastante para postergar a consumação para o momento da entrega da declaração, necessariamente posterior ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo de fraude fiscal.
A propósito, interessa recordar que a mesma emissão de factura fictícia pode dar origem a duas ou mais declarações a apresentar à administração tributária, tudo dependendo dos impostos em causa. Como alerta Sara Raquel Pereira Marques [Fraude Fiscal e Evasão Fiscal, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, acedido em www.cije.up.pt/download-file/160] citando Nuno Pombo [A Fraude Fiscal, A Norma Incriminadora, a simulação e outras reflexões, Almedina, p.86-87], o entendimento de que não é a conduta em si mesma que se mostra lesiva, mas antes a projecção desta por via das declarações apresentadas, pode levar a concluir que se cada declaração apresentada consubstanciar a obtenção de vantagem patrimonial inferior a €15.000,00 (quinze mil euros), não obstante o contribuinte apresentar mais que uma declaração respeitante à mesma conduta, não estaríamos perante um crime de fraude fiscal. No inverso, teríamos tantos crimes puníveis quanto as declarações, se todas fossem, e per se de montante superior a 15000€.
O entendimento de que a fraude fiscal só se consuma com a declaração levaria a concluir que uma mesma conduta de emissão de factura fictícia tanto poderia conduzir a inexistência de crime, como à verificação de um ou de dois crimes.
A aptidão objectiva da factura fictícia para influenciar o cálculo do imposto ou a obtenção indevida de benefício fiscal, reembolso, ou outra vantagem patrimonial e a subsequente aptidão desse beneficio fiscal, reembolso ou vantagem para a diminuição das receitas fiscais dependem de prova e de valoração judicial, com base nas circunstâncias concretas e seguindo regras retiradas da experiência comum.
A formulação do juízo judicial de aptidão não exige nem depende da entrada da declaração fiscal na autoridade fiscal.
Perfilhamos então o entendimento que julgamos ser dominante nos tribunais superiores de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). (Neste sentido, entre outros, o já citado Ac. RL o Ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e Ac. do TRG de 3.11.2014).
Assim, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda, a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consuma-se no dia da emissão das facturas. Em conclusão: a consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da factura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte. [neste sentido Ac. do TRL de 25-02-2015, processo nº 709/08.0IDFUN-A.L1-3] Temos, assim, como referência, para este efeito, a data de emissão da última factura, em 08-03-2010 (uma vez que está imputada a prática de 1 crime que lhe teve subjacente uma única resolução), data em que ocorreu a consumação do crime cuja prática está imputada aos arguidos.
O art.º 118º, do Código Penal estabelece, no seu nº 1, prazos de prescrição de acordo com a moldura penal abstracta da pena que corresponde a cada ilícito criminal.
Para este efeito, determina o nº 2 do mesmo preceito e diploma que, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Esta disposição legal não tem aplicação, como defende Maia Gonçalves - Código Penal Português, 2004, página, 413 - quando as agravantes ou atenuantes modificativas são levadas em conta pela própria lei para criar um novo tipo de crime. A expressão dentro do mesmo tipo de crime foi introduzida na fase final dos trabalhos preparatórios precisamente para vincar esse entendimento. A expressão veio a ser substituída na revisão (.) por outra - que pertençam ao mesmo tipo de crime - ficando até deste modo, o entendimento reforçado (.). A lei alude a cada crime, e quando atende ao efeito agravativo ou atenuativo para sair da moldura geral abstracta e criar um novo tipo já não se trata do mesmo, mas de outro crime.
Do exposto resulta que para a determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, a que se refere o nº 1, só não são levadas em conta as circunstâncias modificativas previstas na Parte Geral. Portanto, todas as circunstâncias previstas na Parte Especial contam sempre que com elas se crie um novo tipo.
Também Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário ao Código Penal, em anotação ao preceito em análise, sustenta que a medida abstracta da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo.
Sufragando esta orientação e compulsados os elementos objectivos do tipo dos crimes de fraude fiscal simples e qualificada, concluímos que moldura penal abstracta a considerar para efeitos da prescrição, não é a que consta no art.º 103º, mas sim a prevista no art.º 104º, nº 1 e 2, ambos do RGIT.
Moldando-se a pena da fraude fiscal qualificada, entre 1 a 5 anos de prisão, a prescrição do respectivo procedimento criminal consuma-se quando decorridos 10 anos, conforme art.º 118º, nº1, al. b, do Código Penal. Prevê-se neste normativo que a prescrição dos crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a cinco anos de prisão, mas que não exceda dez, ocorra decorridos que sejam dez anos.
A infracção de fraude fiscal qualificada é punida com pena de prisão entre um a cinco anos, ou seja, o seu limite máximo pode ser igual a 5 anos.
Quando o crime for punível com pena de prisão cujo limite máximo possa ser igual ou superior a 5 anos, não excedendo dez, o procedimento criminal respectivo prescreve quando decorrerem sobre a prática dos factos 10 anos.
Donde, a prescrição dos crimes de fraude fiscal cuja prática é imputada aos arguidos, p.p. pelos artigos 103º, nºs 1, al. a) e b) e 104º, nº 2, do RGIT, dá-se quando sobre a prática do facto tiveram decorrido dez anos.
Invocam, contudo, os arguidos que, no caso dos autos, as infracções criminais que, a este título, lhes são imputadas, dependem de liquidação das prestações tributárias, prescrevendo, por isso, no prazo de 4 anos.

Entendemos, contudo, neste caso, que o prazo de caducidade do direito à liquidação não é o previsto no nº 1 do art.º 45º da LGT - de 4 anos - mas sim o do nº 5 do mesmo preceito e diploma, que dispõe o seguinte:

Sempre que o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº1, é alargado até (.) trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Assim, desde logo, porque respeitando a liquidação a factos (entenda-se, aqui, no sistema do RGIT, facto tributário) aos quais foi instaurado inquérito criminal - os que originaram os presentes autos - o prazo de caducidade do direito à liquidação não é de quatro anos, antes se estende até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Neste sentido, acolhemos os argumentos aduzidos, entre outros Arestos, os do Supremo Tribunal de Justiça que, no seu Acórdão de 15.9.2010 - www.dgsi.pt - se pronunciou, como segue:

A Lei Geral Tributária foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 7-B/99, in DR, I-A, 2.º Suplemento, de 27-02-1999, alterada pela Lei n.º 30-G/2000, in DR, I-A, 3.º Suplemento, de 29-12 (artigos 24.º, 38.º, 63.º, 75.º, 77.º, 87.º, 88.º, 90.º e 91.º), e posteriormente alterado e republicado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho (RGIT), e pela Lei n.º 32-B/2002, de 30-12 (artigos 45.º, 46.º, 53.º e 91.º), Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19-07 (artigo 46.º, n.º 3), Lei n.º 50/2005, de 30-08 (artigo 74.º), Lei n.º 60-A/2005, de 30-12-2005.

Inserto no Capítulo IV Extinção da relação jurídica tributária, na Secção II, sob a epígrafe Caducidade do direito de liquidação, dizia o artigo 45.º da LGT na versão originária:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto. (O aditamento da excepção foi introduzido com a Lei n.º 32- B/ 2002, 2.º Suplemento, de 30-12-2002).
Pelo artigo 57.º, n.º 1, da Lei n.º 60-A/2005, publicada no Diário da República, Suplemento I - A, n.º 250, de 30-12-2005, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, e que, conforme artigo 108.º entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, foi alterado o artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mantendo os n.ºs 1, 2, 3 e 4, mas introduzindo o n.º 5 com o seguinte teor:
Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento, ou até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Mas, há aqui a ter consideração o igualmente válido n.º 2 do mesmo preceito do artigo 57.º, da já mencionada Lei n.º 60-A/2005, que relativamente aos processos pendentes, estatui que o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei.
Assim sendo, ainda não ocorreu a caducidade do direito à liquidação.
Pelo que, sendo o prazo da caducidade, neste caso, superior ao da prescrição, afastada está a previsão do nº 21º, nº 3 do RGIT, em relação ao crime em causa.
Depois, porque a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do nº 3, do art. 21º, do RGIT, não tem aplicação aos crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal.
Determina aquele preceito que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Antes de se chamar à colação a previsão do art. 45º, nº1, da Lei Geral Tributária - nos termos do qual ocorrerá a caducidade do direito à liquidação dos tributos, se aquela liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro - há que apreciar se a infracção tributária depende ou não de liquidação.
Tributo sujeito a liquidação a realizar no prazo de 4 anos, sob pena de caducidade não tem o mesmo significado de infracção tributária dependente de liquidação.
A liquidação, tal qual é usada, quer no Código de Imposto Sobre os Rendimentos de Pessoa Colectiva (CIRC), aprovado, na versão do Decreto-Lei nº 198/2001, vigente à data da prática dos factos e no Código Sobre o Valor Acrescentado (CIVA), corresponde a uma operação aritmética, através da qual e de acordo com os critérios legais, se encontra o montante exacto do imposto devido pelo sujeito passivo.
A liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) pode ser efectuada pelo contribuinte ou pela Autoridade Tributária [art.º 82º, al. a) e b), do CIRC], processando-se de acordo e pela forma prevista no art.º 83ºdo mesmo diploma, até que se obtenha um resultado, só podendo realizar-se nos prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da Lei Geral Tributária (cf. art.º 93º do CIRC).
No que toca à liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) é realizada conforme os trâmites do Capitulo V do CIVA, que contém as regras e a forma de cálculo do respectivo imposto.
Nesta perspectiva, não há dúvidas que, quer o IRC, quer o IVA são prestações tributárias dependentes de liquidação, pois só depois desta fase se consegue determinar o tributo a pagar.
Já uma infracção dependente da liquidação de um imposto pressupõe que um dos elementos constitutivos que a integram seja ele a existência da prestação tributária de um determinado valor, valor, esse, a depender de uma operação de liquidação.
Dito de outro modo, o apuro do valor do tributo, através de liquidação, constitui uma operação necessária para se aferir se aquela prestação (com o valor previamente liquidado) integra ou não o elemento do tipo objectivo da infracção a existência e tipo de infracção, só se podem determinar depois de calculado o valor da prestação tributária, sendo que o meio para determinar o respectivo montante é o da liquidação.
Embora, interpretando, a norma do art.º 33º, nº 2, do RGIT - norma idêntica ao art.º 21º, nº 3 do mesmo diploma em relação à contra-ordenação - decidiu, a este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 28 de Abril de 2010:
Donde resulta que o RGIT, além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda, um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infracção depende dessa liquidação.
E, como referem os Juízes Conselheiros JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, no REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, ANOTADO, 2ª Ed., pág. 283, Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia, pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são dos previstos nos artigos 108.º n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do R.G.I.T.
Sem a operação da liquidação da prestação tributária, não é, assim, possível determinar, com concreto, se a conduta do agente configura ou não um crime, pois para o enquadramento jurídico-penal do facto é necessário conhecer o valor específico do tributo apurado, através da operação da liquidação.
Ora, a liquidação de que, aqui, falamos, se incumbir à Administração Fiscal e não for feita no prazo de 4 anos, faz todo o sentido, que o prazo da prescrição de procedimento criminal seja igual ao prazo da caducidade para efectivar aquela liquidação, sendo certo que a caducidade do direito à liquidação prevista no art.º 45º, nº 1, da LGT só se verificará nas situações em que incumba à Administração Fiscal realizar aquela operação de liquidação.

Em suma:

Se ao caso, se aplicar o art.º 21º, nº 1, do RGIT, a prescrição criminal ocorre decorrido que sejam 5 anos sobre a prática do facto.
Se a infracção depender de liquidação nos termos supra descritos, então o prazo prescricional do procedimento criminal fica reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, conforme nº 2 daquele preceito. Neste caso, a determinação do prazo de caducidade do direito à liquidação será realizado consoante as regras que o regem (v.g. o art.º 45º, da LGT), não olvidando os casos de suspensão e/ou interrupção daquele instituto (v.g. o art.46º da LGT).
Enquadrados os conceitos, há, agora, que apreciar se, a infracção criminal de fraude fiscal por dedução do montante do IVA não entrega ao Estado, de quantias do IVA liquidadas e deduzidas nas correspondentes declarações e cálculos trimestrais de IVA, remetidos à Administração Fiscal.
Adiantaremos, desde já, que não, pelas razões que passamos a expor.

O IVA é um imposto único que incide - art.º 1º do CIVA - sobre:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a titulo oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal
b) As importações de bens
c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Os sujeitos passivos do imposto são, além de outras, indicadas na previsão do art.º 2º do CIVA, as que constam na alínea a):

As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real de IRS e de IRC.
Nos termos do art.º 19º do Código do IVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram os impostos elencados nas diversas alíneas deste preceito, nas condições descritas nos nºs 2 a 4 do mesmo preceito e diploma.
Quando se verifique que um sujeito, de entre, os identificados no art.º 2º, pratique uma transmissão, importação ou operação intracomunitária definida no art.º 1º, é, desde logo, o tributo devido e exigível, nos momentos indicados no art.º 7º do CIVA.
A este propósito, lê-se no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Novembro de 2006, citando o Prof. Diogo Leite Campos -www.dgsi.pt - O IVA para ser exigível não é necessário qualquer procedimento da Administração ou do sujeito passivo. Em termos de por, por exemplo, o sujeito passivo ter de declarar o acto ou a Administração fiscal ter de liquidar o imposto com base na declaração do contribuinte.
Uma vez realizado o negócio jurídico por um certo preço e conhecida do imposto, a liquidação opera-se por força da lei.
É seguro que o facto tributário é aqui instantâneo, logo que se verifica o elemento material, a transmissão do bem, a prestação do serviço, etc., surge o imposto, a obrigação de imposto certa e exigível.
Isto porque aquele que transmite o bem ou presta o serviço, denominado sujeito passivo, deve liquidar o imposto à contraparte. Esta conhece o imposto e deve pagá-lo juntamente com o preço do bem ou serviço.
Nestes termos, parece impor-se a norma que o sujeito passivo entregará imediatamente o que recebeu a título de imposto. Como pagaria qualquer imposto certo e exigível, que é entregue imediatamente nos cofres do Estado.

E, mais adiante,

O Estado, normalmente, limita-se a constatar, face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo, o montante do imposto apurado, seja ele a pagar, a devolver ou nada pagar ou a receber ou seja, o apuramento do montante do IVA não depende de qualquer actividade, nomeadamente de qualquer liquidação da administração fiscal, salvo nas situações previstas nos artigos 82º, 83º e 83º- A do CIVA..
A infracção imputada aos arguidos-não se enquadra, in casu, em nenhuma das situações previstas nos artigos 82º, 83º e 83º - A do CIVA, não dependendo de qualquer liquidação da Administração fiscal.
Donde, in casu, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto não se aplica ao sub judice, mantendo-se, assim, o prazo prescricional de 10 anos, conforme estatuído no já citado art.º 118º, nº 1, al. b), do RGIT. O crime de fraude qualificada é punível com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (art.º 104º, nº 1, do RGIT). Estando em causa pena de prisão cujo limite máximo é igual a 5 anos, importa atentar nos prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, mais concretamente no art.º 118º, nº 1, al. b) que extingue o procedimento criminal, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 10 anos. Assim e por remissão directa do RGIT (art.º 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art.º 21°, n° 1, mas antes o disposto no art.º 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos. E assim é, independentemente de se tratar de pessoa singular ou de pessoa colectiva, não obstante a esta última apenas poder ser apenas aplicada pena de multa. [Ac. do TRL de 17-01-2017, processo nº 5/11.6IDFUN.LI-5, www.dgsi.pt]
Temos assim que claramente não está prescrito o procedimento criminal.
Pelo exposto, cumpre igualmente julgar improcedente a invocada nulidade.
Mantêm-se os pressupostos de validade e de regularidade da instância.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

1.1 FACTOS PROVADOS com relevo para a decisão da causa:

1. X, Lda. é uma sociedade por quotas, com sede na Avenida …, Caminha, que tem por objecto o Comércio por grosso de madeira em bruto e de produtos derivados. Importação e exportação dos mesmos (CAE Principal: …-R3).
2. Por força do início de actividade, foi atribuído à arguida X, Lda., pela administração fiscal, o NIPC ....
3. Para efeitos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, X, Lda. ficou enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
4. O arguido J. C., desde 3 de agosto de 2009, é responsável pela gestão e administração de X, Lda., tendo sido designado gerente desta por deliberação do competente órgão de 3 de agosto de 2009.
5. O arguido C. A., apesar de formalmente, designadamente nos termos do registo comercial, não ter poderes de gerência, também vem assumindo, desde 3 de agosto de 2009, com o assentimento e em conjunto com o arguido J. C., a gestão e administração da mesma sociedade.
6. Assim, ambos os arguidos, C. A. e J. C., de comum acordo, vêm decidindo, em nome e no interesse de X, Lda., todos os assuntos relacionados com a actividade desta sociedade, como sejam os relativos aos contratos com fornecedores e clientes da sociedade, à contratação de trabalhadores, à distribuição e à execução de tarefas por estes, à contabilidade e ao cumprimentos de obrigações tributárias.
7. A sociedade R. V., Unipessoal, Lda. foi constituída em 16 de maio de 2007, tendo como objecto social o comércio por grosso de materiais de construção e outras actividades de acabamento não especificadas, e dissolvida em 7 de Março de 2014 (com matrícula cancelada, após registo do encerramento da liquidação).
8. O arguido R. V. foi o único sócio-gerente responsável pela gestão e administração da sociedade R. V., Unipessoal, Lda., desde a sua constituição em 16 de Maio de 2007 e até 18 de Junho de 2008.
9. Assim, o arguido R. V. desempenhou, no referido período, na e para a sociedade R. V., Unipessoal, Lda. as funções de gerente de facto e de direito, tendo sido quem geriu e administrou esta empresa e, em nome e no interesse da mesma, decidiu todas as questões relacionadas com o giro comercial da mesma.
10. O arguido J. A. foi sócio-gerente e responsável pela gestão e administração da sociedade R. V., Unipessoal, Lda., desde 19 de Julho de 2008 até à dissolução desta.
11. Apesar de formalmente já não ser sócio, nem gerente de R. V., Unipessoal, Lda., o arguido R. V. continuou a exercer de facto funções de gerência desta sociedade após 18 de Junho de 2008, nomeadamente com o assentimento e em conjunto com o arguido J. A. a partir de 19 de Julho de 2008.
12. Ou seja, a partir de 19 de Julho de 2008, o arguido J. A., como gerente de facto e de direito, e o arguido R. V., como gerente de facto, geriram e administraram, em conjunto, a empresa R. V., Unipessoal, Lda. e, em nome e no interesse da mesma, decidiram, de comum acordo, todas as questões relacionadas com o giro comercial da mesma.
13. Todos os arguidos sabiam como funcionava a incidência fiscal de IVA, designadamente que nesta sede (IVA) o operador económico recebe, em cada período de imposto, crédito de imposto que suportou nesse mesmo período nas aquisições, sendo o imposto a entregar ao Estado o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA suportado e constante das facturas de compra.
14. Assim, se alguém apresenta na sua contabilidade valores que na realidade não suportou, procurando que o IVA que pagou anule o IVA que recebeu e que deveria entregar ao Estado (ou mesmo receber no caso de ter pago mais do que recebeu), pode induzir em erro a administração fiscal e, por essa forma, à custa do Estado - Fazenda Nacional, aceder a vantagens patrimoniais indevidas e lesivas do erário público.
15. Neste contexto, em 2010, os arguidos J. C. e C. A. decidiram, em conjunto, integrar na contabilidade da sociedade arguida X, Lda., agindo no seu interesse e no interesse desta sociedade, facturas forjadas (correspondentes a transacções não verdadeiras), emitidas pelos arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes da sociedade R. V., Unipessoal, Lda.
16. O plano dos arguidos veio a ser integralmente executado por eles, em conjugação de esforços, tendo todos agido sempre em obediência ao mesmo desígnio inicial.
17. Assim, em execução de tal plano congeminado em conjunto, os arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes de direito e de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. emitiram as facturas infra discriminadas, nelas cobrando ficticiamente o preço por fornecimentos de bens (madeira) à arguida X, Lda., fornecimentos esses que nunca chegaram a ocorrer.
18. Procedendo, de seguida, os arguidos J. C. e C. A., no desempenho das referidas funções na sociedade X, Lda., à incorporação (como utilizador) na contabilidade desta das seguintes facturas (reproduzidas a fl. 43, 44 e 45 do processo penal tributário apenso):
19. As facturas acabadas de indicar reportam-se, como já referido, a transacções fictícias e depois de integradas na contabilidade de X, Lda., como se tratassem de verdadeiros custos e de imposto (IVA) efectivamente pago, foram consideradas nas correspondentes declarações e cálculos trimestrais de IVA, que os arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes de facto e de direito de X, Lda., enviaram em 15 de maio de 2010, aos serviços da Administração do IVA, tendo por essa forma e em prejuízo do Estado, logrado deduzir a totalidade do IVA em causa -16.625,67 €. (Dezasseis mil, seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), produto com que os arguidos J. C. e C. A. se locupletaram, em seu proveito e/ou da sociedade que representavam.
20. Estes arguidos actuaram com o conhecimento e consentimento dos demais, de acordo com o plano previamente estabelecido entre todos, utilizando facturas correspondentes a transacções que não ocorreram, nas quais inscreveram valores que não foram efectivamente pagos, obtendo assim para X, Lda. uma vantagem patrimonial indevida, em sede de IVA, no valor global de 16.625,67 €. (Dezasseis mil, seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos) - declaração relativa ao 1º trimestre de 2010, apresentada em 15 de maio de 2010.
21. Ao agirem da forma supra descrita, obedecendo ao plano supra referido, conjugando esforços, com o propósito comum de simularem transacções comerciais e as facturas que as reproduzissem, sabiam os arguidos que aquelas não correspondiam a quaisquer transacções efectivamente realizadas e que as mesmas se destinavam apenas a serem incluídas na contabilidade de X, Lda., para assim gerarem o incremento fictício dos custos desta sociedade.
22. Os arguidos pretenderam enganar, como enganaram, as autoridades fiscais e o Estado em ordem a obter, designadamente, a redução da colecta apurada e do imposto sobre ela incidente (IVA), relativa ao 1º trimestre de 2010 e respeitante a X, Lda.
23. Os arguidos J. C. e C. A. locupletaram-se, em proveito próprio e em nome e interesse da sociedade X, Lda. da referida importância, à custa do Erário Público, integrando-a no giro económico normal da sociedade X, Lda. ou no seu património pessoal.
24. Os arguidos J. C. e C. A. sabiam que tal importância não lhes pertencia e que não a poderiam utilizar em proveito próprio, nem em proveito de X, Lda.
25. Os arguidos J. C. e C. A. estavam perfeitamente cientes da obrigação que sobre eles impendia de entregar à Administração Fiscal o supra referido montante de IVA que era devido ao Estado.
26. Os arguidos J. C. e C. A. agiram por si, no seu interesse próprio e no interesse da sociedade X, Lda. uma vantagem patrimonial indevida, em sede de IVA, no valor global de 16.625,67 €. (Dezasseis mil, seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e sete cêntimos) - declaração relativa ao 1º trimestre de 2010, apresentada em 15 de maio de 2010.
21. Ao agirem da forma supra descrita, obedecendo ao plano supra referido, conjugando esforços, com o propósito comum de simularem transacções comerciais e as facturas que as reproduzissem, sabiam os arguidos que aquelas não correspondiam a quaisquer transacções efectivamente realizadas e que as mesmas se destinavam apenas a serem incluídas na contabilidade de X, Lda., para assim gerarem o incremento fictício dos custos desta sociedade.
22. Os arguidos pretenderam enganar, como enganaram, as autoridades fiscais e o Estado em ordem a obter, designadamente, a redução da colecta apurada e do imposto sobre ela incidente (IVA), relativa ao 1º trimestre de 2010 e respeitante a X, Lda.
23. Os arguidos J. C. e C. A. locupletaram-se, em proveito próprio e em nome e interesse da sociedade X, Lda. da referida importância, à custa do Erário Público, integrando-a no giro económico normal da sociedade X, Lda. ou no seu património pessoal.
24. Os arguidos J. C. e C. A. sabiam que tal importância não lhes pertencia e que não a poderiam utilizar em proveito próprio, nem em proveito de X, Lda.
25. Os arguidos J. C. e C. A. estavam perfeitamente cientes da obrigação que sobre eles impendia de entregar à Administração Fiscal o supra referido montante de IVA que era devido ao Estado.
26. Os arguidos J. C. e C. A. agiram por si, no seu interesse próprio e no interesse da sociedade X, Lda., na qualidade de representantes desta, actuando em nome e no interesse colectivo desta e com o propósito conseguido de se furtarem ao pagamento integral do IVA devido.
27. Os arguidos ofenderam e colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que as facturas comerciais gozam no mundo jurídico, comercial e fiscal, violando, desse modo, a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes.
28. Por via disso, lesaram também o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, pondo ainda em causa os deveres de lealdade e colaboração que devem pautar as relações tidas com a Fazenda Nacional, defraudando-a através das referidas reduções ilícitas de IVA a pagar pela arguida X, Lda.
29. Os arguidos J. A. e R. V. ao emitirem e fornecerem as mencionadas facturas forjadas, tinham perfeito conhecimento do fim a que as mesmas se destinavam e, como contrapartida, receberem as correlativas vantagens patrimoniais, obtendo para si proveitos económicos em montantes que não foi possível apurar.
30. Todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária, deliberada e conscientemente, em comunhão e conjugação de esforços e intentos e em execução de prévio acordo, conhecedores da globalidades dos factos praticados por si e pelos restantes co-arguidos, com o propósito de obterem para si e/ou para outros vantagem patrimonial ilegítima, o que conseguiram, com prejuízo para o Estado, como também quiseram e alcançaram, bem sabendo ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

MAIS SE PROVOU com relevo para a decisão da causa:

31. O arguido C. A., de sessenta e sete anos de idade, é casado e constitui agregado com a esposa. Trabalhou praticamente toda a sua vida como madeireiro ou empregado ligado a essa área profissional, a qual ainda vai mantendo pontualmente, apesar de se encontrar reformado desde Março de 2017. Na comunidade de origem e residência mantém um estilo de vida discreto e é tido como pessoa bem inserida e trabalhador. A sua condição económica é modesta agravada pelas dívidas acumuladas referentes a negócios mal sucedidos. Indicou como rendimento fixo, o valor de €401, proveniente da sua reforma, e cerca de €300 de rendimento proveniente de alguns biscates que realiza. A esposa trabalha num lar de idosos, em Moledo, e aufere o ordenado mínimo nacional. O arguido tem como despesas fixas cerca de €650 mensais (€300 de renda e €350 em outras despesas domésticas fixas). Tem dívidas acumuladas de negócios que lhe correram mal, as quais ascendem a cerca de €1100, que se encontra a liquidar em prestações mensais de cerca de €400.
32. Do certificado do registo criminal do arguido C. A. não constam registos de prévias condenações.
33. O arguido J. C., actualmente com 52 anos de idade, teve um percurso de vida em que, a partir dos 11 anos de idade, a sua história de vida pessoal, familiar, escolar e laboral foi condicionada pelos impactos de acidente que sofreu e, genericamente, pela instabilidade comportamental/condutal consequente aos consumos de bebidas alcoólicas, cujo início foi aos 12 anos de idade. Esta problemática ocasionou não só problemas ao nível das duas relações de conjugalidade e nas práticas parentais da primeira, mas também nas relações interpessoais e sociais. Actualmente parece estar a vivenciar a sua terceira relação como estável e gratificante. Em termos laborais, se até agosto de 2017 mantinha trabalhos indiferenciados e irregulares como trolha e vendedor ambulante, desde então mantém-se inactivo devido ao acidente que alegadamente o incapacitou temporariamente. Perspectiva voltar a trabalhar em França na área da construção civil, logo que se restabeleça. Entretanto, parece estar a governar-se com economias que o casal acumulou e conta com apoios de familiares (alimentares e de manutenção da casa). O arguido reúne condições para eventual medida a executar na comunidade, orientada para a reavaliação à problemática aditiva e para a manutenção de um estilo de vida social e jurídico normativo, não se perspectivando necessidades especiais de intervenção por parte da DGRSP.
34. Do certificado do registo criminal do arguido J. C. constam os seguintes registos:

- Processo Correccional nº 318/84, 1 crime de desobediência, pena de 26 dias de prisão
- Processo Correccional nº 451/84, 1 crime de furto, pena de 4 meses de prisão suspensa por 2 anos
- Processo Querela nº 59/85, 2 crimes de furto qualificado e 1 crime de desobediência, pena única de 2 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 anos
- Processo Sumário nº 117/85, 1 crime de dano e ofensas corporais, decisão de 23-12-85, pena de 5 meses de prisão, suspensa por 3 anos, mediante deveres
- Processo de Querela nº 265/86, 1 crime de dano, 1 crime de tentativa de furto, decisão de 20-11-86, pena de 4 anos de prisão, extinta pelo cumprimento em 02-04-86
- Processo Sumário nº 42/90, 1 crime de desobediência e 1 crime de injúrias, decisão de 01-06-90, pena de 67500$00, ou em alternativa, 180 dias de prisão
- Processo Comum nº 52/94, TJ Santo Tirso, 1 crime de ofensas corporais a funcionário, praticado em 19-05-91, decisão de 19-01-94, pena de 5 meses de prisão e 20 dias de multa, à taxa diária de 1500$00 ou em alternativa 13 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 28 meses, declarada extinta em 19-12-96
- Processo Sumário nº 588/98, 2º Juízo Criminal, 1 crime condução sem carta, praticado em 11-11-98, pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 831/04.2PBVLG, TJ Valongo, 1 crime p. e p. pelo art.º 143º do CP, praticado em 22-09-2004, decisão de 24-11-2005, trânsito em julgado em 18-01-2006, pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3, extinta em 18-01-2010
- Processo Sumaríssimo nº 891/05.9PBVLG, TJ Valongo, 3º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 143º do CP, praticado em 14-12-2005, decisão de 29-01-2007, trânsito em julgado em 29-01-2007, pena de 70 dias de multa à taxa diária de €4, extinta pelo pagamento em 03-12-2008
- Processo Abreviado nº 340/07.8PBVLG, TJ Valongo, 1 crime p. e p. pelo art.º 3º do DL nº 2/98, de 03-01, praticado em 22-04-2007, decisão de 13-12-2007, trânsito em julgado de 14-02-2008, pena de 200 dias de multa à taxa diária de €7, extinta em 11-02-2013
- Processo nº 1660/12.5TAVLG, TJ Valongo, 1º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, do CP, praticado em 17-09-2009, decisão de 29-10-2013, trânsito em julgado em 22-05-2014, pena de 100 dias de multa à taxa diária de €10, extinta em 22-03-2017
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 393/10.1TAGDM, TJ Gondomar, 1º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e nº 2, do DL nº 2/98, de 03-01, praticado em 23-09-2009, decisão de 13-10-2010, trânsito em julgado em 15-11-2010, pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €7,50, extinta em 12-03-2012
- Processo Sumário nº 38/11.2PDVCD, TJ Vila do Conde, 1º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 3º, nº 2, do DL nº 2/98, de 03-01, praticado em 27-07-2011, decisão de 12-08-2011, trânsito em julgado de 20-09-2011, pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5, extinta em 31-10-2012
- Processo nº 778/12.9JAPRT, TJ Valongo, 3º Juízo, 1 crime de detenção de arma proibida e 1 crime de condução sem habilitação legal, praticados em 26-04-2012, decisão de 05-06-2013, trânsito em julgado em 05-07-2013, pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano 10 meses e pena acessória de interdição de detenção, de uso e porte de armas, extinta em 05-05-2015
- Processo Sumário nº 729/13.3PFPRT, Porto-T. Peq. Inst. Criminal, 2º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 3º do DL nº 2/98, de 03-01, praticado em 14-11-2013, decisão de 15-11-2013, trânsito em julgado em 16-12-2013, pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano, extinta em 16-12-2014
- Processo Sumário nº 770/14.9GBVNF, TJ Comarca de Braga, V.N.Famalicão, JL Criminal, Juiz 3, 1 crime p. e p. pelo art.º 3º, nº 1 e nº 2, do DL nº 2/98, de 03-01, praticado em 28-10-2014, decisão de 02-12-2014, trânsito em julgado em 30-01-2015, pena de 12 meses de prisão suspensa por 12 meses, mediante obrigações, extinta em 30-01-2016
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 19/17.2T9MAI, TJ Comarca Porto, Maia-JL Criminal, Juiz 1, 1 crime p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, al. a), do CP, praticado em 02-07-2015, decisão de 15-12-2017, trânsito em julgado em 29-01-2018, pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho.
35. O arguido J. A. regista um percurso profissional consistente no sector da construção civil até 2001. Posteriormente não volta a desenvolver actividade profissional regular, executando apenas alguns trabalhos ocasionais. No decurso dos últimos dez anos tem evidenciado uma situação socioeconómica vulnerável, decorrente da inexistência de rendimentos regulares e de problemas de saúde incapacitantes, subsistindo dos apoios sociais do Estado (RSI). O arguido reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, de carácter não pecuniário.
36. Do certificado do registo criminal do arguido J. A. constam os seguintes registos:

- Processo sumário nº 1481/09.2GbGMR, TJ Guimarães, 2º Juízo Criminal, 1 crime p. p. pelo art.º 292º, nº 1, do CP, praticado em 08-12-2009, sentença de 16-12-2009, trânsito em julgado em 05-01-2010, pena de 75 dias de multa, à taxa diária de €10,por 12 meses, substituída por 50 dias de prisão suspensa, extinta em 11-06-2012 e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, extinta em 12-07-2010
- Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 694/09.1JDLSB, Lisboa, 6ª Vara Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 217º e 218º, nº 1 e nº 2, al. a), do Código Penal, 1 crime p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, al. e9 E Nº 3, do CP, praticados em 2007, data da decisão de 10-08-20122, trânsito em julgado em 11-10-2012, pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 3 meses, com regime de prova, extinta em 16-06-2015.
37. O arguido R. V. está preso no Estabelecimento Prisional do Porto desde o dia 26-02-2016, à ordem do processo nº 378/03.4TASTS para cumprir a pena de dois anos e dez meses de prisão. O termo da pena está previsto ocorrer no dia 26-12-2018. (transcrever o mais fls. 372 e 373).

38. Do certificado do registo criminal do arguido R. V. constam os seguintes registos:

- Processo Sumário nº 238/07.0PAVCD, TJ Vila do Conde, 1º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, do CP, praticado em 21-04-2007, decisão de 23-04-2007, pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €8,0 extinta pelo cumprimento em 20-07-2007 e pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
- Processo Comum (Singular) nº 282/05.1GTBRG, 2º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 348º do CP, praticado em 25-06-2005, decisão de 01-10-2007, trânsito em julgado em 02-11-2007, pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3,50, extinta em 04-12-2007
- Processo Sumaríssimo nº 274/07.6GTBRG, TJ Guimarães, 3º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 353º do CP, praticado em 14-06-2007, decisão de 11-04-2008, trânsito em 11-04-2008, pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €10, extinta em 09-07-2008
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 1116/09.3TAGMR, Varas Comp. Mista, 1ª Vara, 2 crimes p. p. art.º 261º, nº 1, do CP 1 crime p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. a), b), c) e nº 3, do CP 1 crime p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), todos do CP 1 crime p. e p. pelo art.º 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do CP, praticados em 08-2007, decisão de 17-05-2011, trânsito em julgado em 06-06-2100, pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 2 meses, extinta em 06-08-2014
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 439/09.6PBCBR, Coimbra, Vara Comp. Mista, 1ª Secção, 1 crime p. e p. pelo art.º 205º, nº 1 e nº 4, al. b), com referência ao art.º 202º, al. b), do CP, praticado em 26-02-2009, decisão de 20-07-2011, trânsito em julgado em 20-09-2011, pena de 3 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sujeita a deveres, extinta em 15-12-2015
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 24/08.0JAAVR, Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo-Juízo de Média Instância Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 199 da Lei nº 1/2001, de 14-08, 1 crime p. e p. pelo art.º 218º do CP, praticados em 10-03-2005, decisão de 09-05-2013, trânsito em julgado em 11-06-2013, pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €9, substituída por 166 dias de prisão, suspensa por 12 meses, extinta em 15-07-2017
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 89/12.0IDPRT, TJ Porto Este- P. Ferreira- JL Criminal, 3º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 87º, nº 1, do RGIT, praticado em 26-05-2010, decisão em 03-04-2014, trânsito em julgado em 13-05-2014, pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €6, extinta em 08-05-2015.
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 473/10.3IDPRT, TJ Vila Nova de Gaia, 4ª Secção, 1 crime p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. c) e 104º, nº 2, do RGIT, praticado em 2007, decisão de 22-04-2014, trânsito em julgado em 22-05-2014, pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por 400 horas de trabalho
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 378/03.4TASTS, TJC Porto-V. Conde-JC Criminal, Juiz 4, 1 crime p. e p. pelos arts. 103º, nº 1 e 140, do RGIT, praticado em 2001, decisão de 10-07-2013, trânsito em 19-06-2015, pena de 2 anos e 10 meses de prisão e pena acessória de publicidade da decisão condenatória
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 7087/13.4TDLSB, Penafiel-JC Criminal-Juiz 1, 1 crime p. e p. pelos artigos 217º e 218º, nº 1, do CP, 2 crimes p. e p. art.º 256º, nº 1, al. e), do CP, decisão de 17-09-2015, trânsito em julgado em 19-10-2015, pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 10 meses, mediante regime de prova
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 864/05.1TAPNF, Penafiel, 1º Juízo, 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção p. e p. pelo art.º 30º, nº 2, do CP e art.º 36º, nº 1, al. c), nº 2 e nº 5, al. a), do DL nº 28/84, de 20-01, praticado em 01-01-2003, decisão em 18-03-2016, trânsito em julgado em 26-05-2016, pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 4 anos e 6 meses, mediante plano individual de readaptação social e pena acessória de publicidade da decisão condenatória
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 211/14.1TAPFR, Penafiel-JC Criminal-Juiz 1, 1 crime de falsificação de boletins, ata ou documentos p. e p. pelo art.º 199º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14-08, praticado em 27-01-2011, decisão de 25-01-2017, trânsito em julgado em 24-02-2017, pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva
- Processo de Cúmulo Jurídico nº 211/14.1TAPFR.1, TJCPorto Este-Penafiel-JC-Juiz 1, decisão de 21-09-2017, Trânsito em julgado em 25-10-2017, pena única de 6 anos de prisão efectiva
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 134/10.3IDBRG, TJC Braga, Guimarães- JL Criminal-Juiz 2, 1 crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, nº 1, 103º, nº 1, alíneas a) e c), 104º, nº 1, alíneas d) e e) e nº 2, do RGIT, praticado em 09-2006, 20 meses de prisão, suspensa por 20 meses, acompanhada de regime de prova e de deveres.

39. A arguida X, Lda. não tem antecedentes criminais.

1.3 FACTOS NÃO PROVADOS com relevo para a decisão da causa:
Inexistem.

1.3 MOTIVAÇÃO da decisão de facto:

Para fundar a minha convicção quanto à decisão da matéria de facto, analisei e valorei conjugadamente e de forma crítica, de acordo com as regras da experiência e do senso comum, em conformidade com o princípio da livre apreciação consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal e na estrita observância do princípio da legalidade e do princípio da presunção de inocência que vigora em direito penal, todas as provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento, designadamente, pela forma que se passa a descrever.
ITENS 1, 2 e 4 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Foi valorada a certidão permanente do registo comercial (a fls. 52 a 58 do suporte físico do processo).
ITEM 3 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Essa factualidade está confirmada na análise que consta do relatório de inspecção tributária (a fls. 10 do suporte físico do processo).
ITENS 5 e 6 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Como resulta da análise da certidão permanente do registo comercial, a fls. 52 a 58 do suporte físico do processo, o arguido J. C. é o legal representante, tendo sido designado gerente por deliberação do competente órgão de 03-08-2009, da sociedade ora arguida X, Lda.. Em 14-09-2012, este arguido passou a ser o único sócio dessa sociedade (cf. fls. 57 do suporte físico do processo), tendo-lhe sido transmitida a quota do ora arguido C. A., continuando a ser gerente dessa sociedade. Perante esta constatação que demonstra a evidente ligação do arguido J. C. à referida sociedade e o seu envolvimento nos seus desígnios, que se mantém, e não existindo qualquer elemento probatório ou regra da experiência que infirme, por qualquer forma, o que resulta do exposto, ou seja, que o mesmo é responsável, a partir desse momento (03-08-2009), pela gestão e administração dessa sociedade, e que, por qualquer forma, permita que se conjecture que esse arguido não esteve à frente dos destinos da sociedade arguida (como gerente de direito e de facto) depois de ter sido nomeado seu gerente, cumpre concluir que aquele teve o domínio funcional dos factos, no momento da consumação do crime (as facturas foram emitidas em 04-01-2010, 01-02-2010 e 08-03-2010, em execução de uma só resolução). A ausência de referência expressa, pelas testemunhas ouvidas, de entre as quais ressalvamos os depoimentos daqueles que trabalharam para a sociedade arguida, M. J., M. F., J. M., M. M., J. P., à existência de contactos com o referido gerente dessa sociedade, que por esse motivo, não conhecem, não é suficiente para colocar em crise a referida conclusão quanto à assunção pelo mesmo da gerência dessa sociedade, que legalmente lhe incumbia e ainda lhe incumbe, considerando ainda a ausência de prova no que respeita a ter cedido a quota e renunciado à gerência, nesse período. Daí apenas se extrai que aquele J. C., no exercício das suas funções, não contactou com os referidos trabalhadores. Outra explicação não foi apresentada, nem pelo arguido, que não prestou declarações, nem resultou da demais prova produzida em audiência de julgamento. No que se refere à conclusão extraída quanto ao exercício da gerência de facto, também pelo arguido C. A., que não exclusivamente por este e se não também pelo entretanto falecido Manuel (atente-se no convincente depoimento prestado pela testemunha J. H.), cumpre referir que, tal como a valoração conjugada da globalidade da prova produzida, de acordo com as regras da experiência e do senso comum, evidencia, desde a constituição da sociedade arguida, mediante o recurso a um testa de ferro, neste caso a testemunha V. C., funcionário público, sobrinho do arguido C. A., que é patente a falta de transparência no funcionamento da sociedade ora arguida. Assim, tal como referiu esta testemunha, foi esse arguido e Manuel que lhe propuseram figurar como sócio fundador da empresa e seu gerente, aquando da sua constituição, situação que perdurou algumas semanas e alegadamente foi motivada pelo facto de o segundo não poder figurar no pacto social, já que atravessava dificuldades financeiras. Neste tocante, cumpre salientar que o arguido C. A., que não era gerente de direito à data dos factos, ser então detentor de 100 do capital da arguida X, Lda., tendo-o sido entre 31-07-2009 e 14-09-2012 (cf. certidão permanente, a fls. 266 verso), data em que ocorreu a já mencionada transmissão da sua quota para o ora arguido J. C.. Por último, quanto a esta matéria de facto, cumpre ainda salientar o facto de os depoimentos dos referidos trabalhadores terem sido explícitos quanto ao reconhecimento, por todos eles, do arguido C. A., como sendo o patrão que mais directamente contactava com eles, que os contratava, lhes dava ordens e lhes pagava e que, por tal motivo, eles conheciam e reconheceram em audiência de julgamento.
Realça-se, nesta parte, o depoimento da testemunha J. M., na parte em que referiu que já antes havia trabalhado para uma empresa (...) do mesmo patrão, referindo-se inequivocamente ao arguido C. A., que aliás reconheceu, o qual o contratou também para trabalhar para a sociedade ora arguida. Dos elementos que foram recolhidos, depreende-se, sem margem para dúvidas que, pelo menos aqueles dois arguidos (J. C. e C. A.) exerceram a gerência, de facto e de direito, no período em causa. Aliás, a confusão de papéis e de funções, em situações como a que é objecto de julgamento constitui o padrão normal de comportamento, desde logo, com o propósito de ultrapassar entreves legais e/ou com o propósito de diluir as responsabilidades e dificultar o seu apuramento. No entanto, pelo exposto, no caso concreto, convencemo-nos que a gestão e a administração da sociedade ora arguida era, efectivamente, à data dos factos, realizada em conjunto pelos referidos arguidos, que tinham o domínio funcional dos factos. A referência da testemunha J. H. aos contactos comerciais que realizou apenas e só por intermédio de Manuel explica-se pelo facto, também relatado pela testemunha, de ter cortado as relações comerciais que havia mantido com C. A., que o havia enganado de forma a aceder à sua carteira de clientes espanhóis. Esta situação corrobora a posição que sufragamos, no que respeita à falta de transparência relativa ao funcionamento da sociedade arguida.
ITENS 7, 8, 9 e 10 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Como resulta da análise da certidão permanente do registo comercial, a fls. 102 a 104 do suporte físico do processo, o arguido R. V. foi o único legal representante, na qualidade de sócio gerente, desde a constituição de R. V., Unipessoal, Lda. em 16-05-2007 e até 18-06-2008, data em que renunciou à gerência. Sendo assim, resulta evidente, desde logo, o acerto da factualidade descrita nos itens 7 e 8. Perante esta constatação que demonstra a evidente ligação do arguido R. V. à referida sociedade e o seu envolvimento nos seus desígnios, e não existindo qualquer elemento probatório ou regra da experiência que infirme, por qualquer forma, o que resulta do exposto, ou seja, que o mesmo é responsável, a partir do momento da constituição da referida sociedade, pela gestão e administração dessa sociedade, e que, por qualquer forma, permita que se conjeture que esse arguido não esteve à frente dos destinos da sociedade arguida (como gerente de direito e de facto) depois de ter sido nomeado seu gerente, cumpre concluir que aquele teve o domínio funcional dos factos, nesse período (entre 16-05-2007 e 18-06-2008). As confusas, incompletas, ilógicas e incoerentes declarações prestadas pelo arguido J. A., não colocaram em crise essa conclusão, bem pelo contrário, atendendo a que este arguido se auto-intitulou testa de ferro numa empresa cujos desígnios foram assumidos por R. V..
Apesar dessas alegações, no decurso das quais J. A. referiu que nunca exerceu qualquer actividade na referida, inerente à assunção de funções alegadamente fictícias, até porque segundo declarou, não auferiu nenhum rendimento, nem teve qualquer vantagem com essa situação. A alegação deste arguido é, aliás, comum e normal neste tipo de situações. No entanto, não é crível.
ITENS 11 E 12 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Estamos seguramente convencidos que, no momento da consumação do crime (as facturas foram emitidas em 04-01-2010, 01-02-2010 e 08-03-2010, em execução de uma só resolução), os arguidos R. V. e J. A. exerciam a gerência de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda..

Senão vejamos.

O ora arguido R. V. tinha o seu domicílio fiscal, à data dos factos e ainda à data de 29-12-2016, data em que foi elaborado o parecer que consta de fls. 400 a 410 do anexo 1, na qualidade de Contabilista Certificado da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., na Rua …, freguesia de ..., concelho de Paços de Ferreira, distrito do Porto, como ressalta do TIR de fls. 81 da Carta Precatória nº 19/2015 (anexa aos autos) e documento de fls. 391 do anexo 1. Essa morada é igualmente a morada da sede da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. (cf. certidão permanente de fls. 268, do anexo 1), que figura também no cadastro informático da Autoridade Tributária (cf. documento de fls. 389, do anexo 1). Para essa morada foi remetida a notificação de fls. 35, do anexo 1, na qual se solicitava à sociedade R. V. Unipessoal, Lda., cópia das facturas emitidas à sociedade X, Lda. e descrição dos respectivos meios de pagamento recebidos, tendo sido dessa morada que a sociedade R. V. Unipessoal, Lda. deu resposta a esse pedido, dando conta de que nunca tinha tido qualquer relacionamento comercial com a sociedade X, Lda. (cf. documento nº 36 do anexo 1). Por outro lado, o arguido R. V. foi o responsável pela contabilidade da sociedade R. V., Unipessoal, Lda., como demonstra a declaração periódica de IVA de fls. 390 do anexo 1 (onde está aposto o NIF do referido arguido-cf. fls. 390 vº e 391 do anexo 1), por esta apresentada por referência ao primeiro trimestre de 2010, nela não se tendo reflectido o IVA liquidado nas facturas em causa (fls. 43 a 45 do anexo 1). Acresce que, nas declarações que prestou, o arguido J. A., depois de ter admitido que a sociedade nunca exerceu qualquer actividade, nunca facturou nada, nunca exerceu o seu objecto social, não tinha funcionários, tudo não passando de uma chachada, admitiu que o arguido R. V. era o contabilista (tal como a testemunha L. M. também referiu que o contactou telefonicamente no decurso da inspecção que levou a cabo à sociedade R. V., Unipessoal, Lda., na qualidade de TOC da sociedade) e que tudo são fraudes dele, terá sido ele a emitir as facturas e que ele assumiu as funções de gerente de uma sociedade inactiva e que veio a ser alvo de várias acções inspectivas, tal como referiu a testemunha J. L., inspector tributário e está documentado nos autos anexos (anexo 1), com vista a apurar a responsabilidade pela emissão de facturação falsa, através de diversas empresas (pois senão esse qual outro o fim prosseguido por uma empresa assumidamente fantasma), pro bono, sem que disso tenha retirado qualquer vantagem. Tudo o exposto, nos levou a formar a convicção, levando em consideração as regras da experiência do senso comum e da normalidade da vida, de que esse era o verdadeiro objecto social desta empresa, ou seja, que essa empresa foi constituída com esse propósito de emitir facturação falsa e que os dois referidos arguidos faziam disso o seu modo de vida. Não deixa, igualmente, de ser curioso e de suma relevância, o facto relatado pela testemunha J. G. que reforçou a nossa convicção quando à ligação existente entre a X, Lda. e a R. V. Unipessoal, Lda. que conduziu à situação objecto de julgamento, quando aquela espontaneamente referiu conhecer o arguido C. A., o Sr. Manuel, que via juntos, o arguido J. C. e o arguido R. V., tendo conhecido este último, numa taberna, em Paços de Ferreira, quando se encontrava acompanhado do Sr. Manuel e de outro senhor. Ora, se resultou evidente a ligação deste último à empresa X, Lda., estão claramente contextualizados os factos.
ITENS 13 A 30 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Em face do que já se deixou dito, estamos convencidos de que os factos se passaram pela forma aí descrita, pelo que as facturas elencadas, se reportam a transacções fictícias, emitidas pela sociedade R. V. Unipessoal, Lda. com o propósito de, tal como sucedeu, serem integradas na contabilidade da sociedade X, Lda., como se de verdadeiras operações comerciais se tratassem, assim se prosseguindo a dedução indevida de IVA. De facto, tal como já adiantamos e resulta dos esclarecimentos prestados pela testemunha J. L., inspector tributário, a sociedade emitente das facturas documentadas a fls. 43 a 45 do anexo 1, R. V. Unipessoal, Lda. foi alvo de uma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças do Porto, com referência aos exercícios de 2007 e 2008, desencadeada pelo facto de esta não estar a fazer as declarações de IVA, tendo sido detectada uma factura por si emitida através do cruzamento de informações da base de dados, na contabilidade da empresa ..., Construções, Lda. (factura nº 1/2007). Apesar das notificações para a apresentação da contabilidade e dos comprovativos das transferências, as facturas foram sendo obtidas por consulta aos elementos do sujeito a quem foram emitidas. Na maioria dos casos detectados, a facturação emitida referia-se a trabalhos de construção civil, reparações, comissões de vendas de sapatos, gasóleo rodoviário, venda de peixe., sem qualquer relação com o objecto social da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., de comércio por grosso de materiais de construção e outras actividades de acabamentos não especificadas, encontrando-se tal sociedade, conforme o documento de fls. 302 e ss. do anexo 1, registada na Autoridade Tributária para o exercício das seguintes actividades: -Actividade principal: Comércio por grosso de materiais de construção (excluindo madeira) e equipamento sanitário (CAE: ...) -Actividade secundária: outras actividades de acabamentos de edifícios (CAE ...) - Actividade secundária: agente de comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro. No caso dos autos, estão em causa facturas que titulam a alegada venda por banda da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. à sociedade X, Lda., de várias toneladas de eucalipto e de pinho da sociedade, actividade que não se mostra minimamente consentânea com aquelas para as quais a sociedade R. V. Unipessoal, Lda. se encontra registada. Por outro lado, as três facturas em causa, no valor global de 99.754,02€ foram contabilizadas na esfera da sociedade X, Lda. como se tivessem sido pagas em numerário. Ora, atento o valor global em causa e a inexistência de razões plausíveis para a utilização de tal forma de pagamento, para além de ilegal por violar o disposto no art.º 63º do C da Lei Geral Tributária, não é crível que tal pagamento em numerário tenha sido feito. Acresce que, com referência ao ano de 2010, e conforme o documento de fls. 399, é desconhecida qualquer estrutura da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., tal como de resto foi confirmado pelo arguido J. A., que como já referimos, também confirmou a falta de actividade da empresa. A declaração periódica de IVA do 1º trimestre de 2010 da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., de fls. 390, que o arguido R. V., enquanto contabilista, apresentou em 17.05.2010, não reflecte o IVA liquidado nas facturas em causa. A própria sociedade emitente R. V. Unipessoal, Lda. quando notificada pelo inspector tributário L. M. para apresentar o extracto de conta com a sua alegada cliente X, Lda. e para apresentar as cópias das facturas emitidas e respectivos pagamentos, respondeu: Relativamente à empresa X, Lda., com o nipc: ..., a empresa [leia-se a sociedade R. V. Unipessoal, Lda.] nunca teve qualquer relacionamento comercial, não tendo por isso nenhum elemento para entregar ao Sr. Inspector. - cf. fls. 35 e 36 dos autos. Acrescentamos que as testemunhas ouvidas, designadamente a testemunha J. M., que exerceu as funções de motorista na empresa X, Lda., ter esclarecido que transportava a madeira para a Y, nunca tendo ouvido falar da empresa R. V. Unipessoal, Lda., nem dos arguidos R. V. e J. A., que não reconheceu. Temos assim, por tudo o exposto, que a empresa R. V. Unipessoal, Lda. terá sido criada e mantida com o propósito de emitir facturação falsa (cf. igualmente o teor de fls. 127 a 153 do anexo 1), tal como sucedeu no caso concreto.
Estamos certos de que todos os arguidos actuaram nos moldes descritos, com perfeita consciência de que praticavam o ilícito criminal.
ITENS 31, 33, 35 e 37 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada: Foram valorados os relatórios pré-sentenciais dos arguidos, elaborados pela DGRSP.
ITENS 34, 36, 38 e 39 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada:: Foram valorados os certificados do registo criminal dos arguidos.

DIREITO

§ 1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

§ A. PARTE CRIMINAL

Os arguidos J. C., C. A., J. A. e R. V., encontram-se pronunciados pela prática, a prática, em co-autoria material, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e nº 3, 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.
A arguida X, Lda. foi responsabilizada pela prática do referido crime por força do estatuído no art.º 7º, nº 1 e no art.º 12º, nº 2 e nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Dispõe o art.º 103° do R.G.I.T. o seguinte: 1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável: b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Por sua vez, em ordem a descrever as circunstâncias qualificadoras do mencionado tipo legal, o art.º 104° do R.G.I.T. estabeleceu: 1-Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) - O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária b) - O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções c) - O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções d) - O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária e) - O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro j) - Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável g) - O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais 2-A mesma pena é aplicável quando: a) - A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente ou b) - A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000 c)- Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas 3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.° não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.
Ora, a partir da análise dos referidos artigos, e como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2009, Processo n° 1100/08-1 (disponível in www.dgsi.pt.), constata-se que, ao tipificar o ilícito de fraude fiscal, o legislador pretendeu tutelar os valores da verdade e da transparência para com o Estado/Fisco tendo em vista a obtenção das receitas fiscais.
A fraude fiscal materializa-se numa defraudação que visa a obtenção de um benefício fiscal ou de causar um prejuízo ao fisco.
Trata-se de um crime de execução vinculada que só pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas a), b) e c) do art.º 103º do RGIT, ou seja, o tipo objectivo apenas se preenche com a adoçam de condutas que visem a obtenção de uma situação tributária mais favorável, como sejam o não pagamento de um imposto, a sua redução ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
Assim, para a punição do agente basta comprovar que este quis a respectiva acção ou omissão e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição da receita tributária.
O artigo 104º do RGIT acolhe a forma qualificada do crime de fraude fiscal, prevendo o nº 2 a fraude que tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes, sendo esta a forma de fraude fiscal imputada aos arguidos em co-autoria, no caso dos presentes autos.
Quanto à natureza do crime de fraude fiscal, o STJ tem entendido tratar-se de um crime de perigo na modalidade de crime de aptidão. Isto porque não se exige a obtenção da vantagem patrimonial em prejuízo do fisco, mas apenas a conduta tipificada que vise essa vantagem ou prejuízo. Deste modo, o crime consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente.
É o que resulta da expressão susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (corpo do nº1 do art.º 103º do RGIT).
Também a doutrina tem referenciado o crime de fraude fiscal como um crime de resultado cortado, em que o dano patrimonial enquanto tal é estranho ao tipo, mas está a ele associado pela mediação de um específico elemento subjectivo, pelo que o referido dano patrimonial figura como uma referência expressa da intervenção do agente e a produção efectiva de um dano ao património fiscal ou à obtenção de um benefício fiscal ilegítimo, que se configura como indispensável à consumação da infracção.

No caso em apreço, resulta dos factos apurados que os arguidos, em conjugação de esforços e na execução de um plano acordado, integraram na contabilidade da sociedade arguida X, Lda., agindo no seu interesse e no interesse desta sociedade, facturas forjadas (correspondentes a transacções não verdadeiras), emitidas pelos arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes da sociedade R. V., Unipessoal, Lda., causando a diminuição das receitas tributárias.
Mais se provou que os arguidos agiram livre e conscientemente, com esse propósito, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal.
Consideramos assim preenchidos todos os elementos - objectivos e subjectivos - de um crime de fraude fiscal qualificada.
Não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

§ 2. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DAS PENAS:

O crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. a) e nº 3, 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho., p. e p.p. art.º 87º, n 1 e 3 do RGIT é punível, em qualquer dos regimes legais (considerando o vigente à data da prática dos factos e actualmente), com pena de prisão de 1 a 5 anos, para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas).

2.1 Medida concreta das penas

Na escolha da medida concreta da pena, atender-se-ão, às finalidades das penas que resultam do disposto no art.º 40º do Código Penal (por aplicação subsidiária- art.º 4 nº 1 do diploma legal identificado), e dizem respeito às finalidades de prevenção geral positiva ou integradora e à prevenção especial.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Importa trazer à colação o disposto pelo artigo 71º nº 2 do Código Penal, que estabelece: Na determinação da medida concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ela (...), elencando seguidamente, a título meramente exemplificativo, alguns desses factores.
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente
b) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram
c) As condições pessoais do agente e a sua situação económica
d) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime
e) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa deva ser censurada através da aplicação da pena.

Como refere Germano Marques da Silva (DPP, Volume III/130), a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento aliás, do próprio sistema penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena.
A culpa aparece-nos então como o limite inultrapassável da pena e de todas e quaisquer considerações preventivas. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático- Jorge Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, páginas 109 e 110.
O referido art.º 71º, nº 2, indica as circunstâncias comuns que determinam a agravação ou atenuação da pena concreta dentro dos limites da penalidade. Esta indicação é feita a título exemplificativo sem indicar quais das circunstâncias agravantes e quais as atenuantes.
A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, assumindo a protecção de bens jurídicos um significado prospectivo que se traduz na tutela de expectativas da comunidade, na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade das normas infringidas (prevenção geral positiva ou de integração que decorre do princípio político-criminal da necessidade da pena-art.º 18º, nº 2, da CRP).
O valor de cada circunstância só pode determinar-se perante cada caso concreto.
Vejamos quais são eles e como atuam no caso concreto, com a ressalva de que não serão consideradas as circunstâncias que fazem já parte do tipo de crime em causa- só assim fica salvaguardado o princípio da proibição da dupla valoração de factores (F. Dias, ob. Cit., pp. 234 ss).

No caso em apreço, ponderam-se as seguintes circunstâncias:

- As elevadas necessidades de prevenção geral que importa acautelar.
- A intensidade do dolo, com dolo directo, pois que os arguidos representaram o facto e actuaram com intenção de o realizar (art.º 13º, nº 1, do Código Penal).
- O valor do prejuízo (consideravelmente elevado), que não se mostra, total ou parcialmente, reparado, apesar do tempo decorrido.
- Não se verificaram nem a confissão nem arrependimento dos arguidos.
- Em favor do arguido C. A. releva a ausência de antecedentes criminais e de o mesmo se encontram socialmente bem inserido.
- Quanto aos demais arguidos cumpre sopesar os seus antecedentes criminais.

Tudo ponderado, afigura-se ajustado condenar os arguidos nas seguintes penas individuais:

1º C. A.: Considerando a ausência de antecedentes criminais, decide-se aplicar pena de 1 (um) ano de prisão que se substitui, ao abrigo do disposto no art.º 45º, nº 1, do Código Penal, por 360 dias de multa. A taxa diária é fixada em €5,00 que se considera adequada considerada à situação económica do arguido e o disposto no nº 2 do art.º 47º do Código Penal.
2º J. C.: Apesar dos seus antecedentes criminais, nunca foi condenado pela prática de crime fiscal pelo que ainda se nos afigura ajustada a pena de 1 ano de prisão que se substitui, ao abrigo do disposto no art.º 45º, nº 1, do Código Penal, por 360 dias de multa, por ainda se considerar não que o cumprimento da pena de prisão é indispensável para afastar o arguido do cometimento de futuros crimes. A taxa diária é fixada em €5,00 que se considera adequada considerada à situação económica do arguido e o disposto no nº 2 do art.º 47º do Código Penal.
3º R. V.: Considerando que o arguido já foi condenado pela prática do mesmo tipo de crime, decide-se aplicar-lhe a pena de 2 anos de prisão.
Sopesadas as necessidades de prevenção especial, decidimos não suspender a pena de prisão por considerarmos não estarem reunidos os pressupostos previstos no nº 1 do art.º 50º do Código Penal (Itens 37 e 38 da decisão que se pronunciou quanto ao julgamento da matéria de facto provada).
4º J. A.: Sopesando os seus antecedentes criminais, considerando que não abrangem este tipo legal de crime, considera-se ajustada a pena de 1 (um) ano de prisão, que se substitui, ao abrigo do disposto no art.º 45º, nº 1, do Código Penal, por 360 dias de multa, por ainda se considerar não que o cumprimento da pena de prisão é indispensável para afastar o arguido do cometimento de futuros crimes.
5º X, Lda., considera-se ajustada a sua condenação em 400 dias de multa, à taxa diária de €8,00. (art.º 15º do RGIT).

Do pedido de indemnização civil:

Nos termos do art. 129º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos é regulada nos termos da lei civil, remetendo, pois, para os arts. 483º e 562º do Código Civil.
Estabelece o art. 483º do Código de Processo Civil que, aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se verifique a obrigação de indemnizar é necessário pois, que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Conforme resulta dos factos apurados, em consequência da conduta concertada dos arguidos, por força do crime pelos mesmos cometido, o Estado Português-Administração Tributária sofreu um prejuízo patrimonial de 16.625,67€ que se encontra em dívida.
Tal montante, revertido em directo benefício pessoal do arguido C. A., em relação ao qual o Ministério Público deduziu pedido de indemnização civil, decorrente do ilícito criminal.
Assim, o demandado deve ser condenado a ressarcir o Estado Português-Administração Tributária do referido prejuízo patrimonial, no referido montante de 16.625,67€, consequência directa e necessária do crime praticado.
Sobre a referida quantia incidem juros de mora, a taxa legal, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, calculados à taxa legal supletiva prevista para as dívidas civis.
*
. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O âmbito de conhecimento do recurso pode ser limitado a uma parte da decisão recorrida, desde que cindível, isto por forma a tornar possível a sua apreciação e a tomada de decisão autónoma, tal como o determina o nº 1 do artigo 403º do Código do Processo Penal, isto é apresenta-se como um “corolário da disponibilidade do direito a recorrer, parte sempre de um pressuposto básico: a possibilidade de autonomização da parte recorrida relativamente à sobrante decisão, por forma a que seja possível uma apreciação e uma decisão também autónomas relativamente ao restante decidido.”(1)
Daqui se conclui, pois, que é das conclusões da motivação que se concretiza o objecto do recurso e, assim posto, o respectivo alcance, razão da superior importância da objectividade, clareza e concisão desse excerto final da motivação.
Claro está, sem o óbvio prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, que impõe ao Tribunal que “A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele (o recurso) as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.”

Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pelo recorrente R. V., as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:

. Impugnação da sentença, por erro de julgamento da matéria de facto, requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do Código do Processo Penal;

. Impugnação da sentença, por vício do erro notório da apreciação da prova;

. Impugnação da sentença, por vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto;

. Impugnação da sentença, por violação do princípio in dubio pro reo;

. Impugnação da sentença, por violação do disposto no artigo 127º do Código do Processo Penal;

. Impugnação da sentença, por discordância quanto à determinação da concreta medida da pena;

. Impugnação da sentença, face à inconstitucionalidade material do artigo 103º, nº 2 e 3 do RGIT.

Já no que atende à análise da lide recursal do recorrente J. C. em face das respectivas conclusões, as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:

. Impugnação da sentença, por erro de julgamento da matéria de facto dada como provada, requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do Código do Processo Penal;

. Impugnação da sentença, por vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código do Processo Penal;

. Impugnação da sentença, por vício do erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código do Processo Penal;

. Impugnação da sentença, por violação do princípio in dubio pro reo;

. Impugnação da sentença, por insuficiente fundamentação face ao disposto no artigo 374º, nº 2 do Código do Processo Penal.
*
. DECISÃO

Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito.

Na sua peça recursiva, o recorrente R. V. vem alegar a existência de erro de julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 21-2, 22-2, 27, 28, 29 e 30, mediante a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos aludidos no artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código do Processo Penal.
Igualmente o recorrente J. C. impugna a decisão recorrida por entender que a mesma padece de erro de julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30, lançando mão do mecanismo a que alude o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do aludido diploma legal.
Entende-se existir erro de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, sempre que o Tribunal emita um juízo sobre determinado facto sem que acerca do mesmo tenha sido oferecida ou mandada produzir prova suficiente; situação em que o recurso visa a reapreciação da prova produzida e sedimentada nos autos, a ser apreciada em 2ª instância.
Há, assim, lugar a uma apreciação alargada, que não se fica pela decisão recorrida, antes se alargando à análise do conteúdo de toda a prova dos autos, sempre dentro dos limites especificados pelo recorrente face ao ónus que lhe é imposto pelos nº 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Exige, nesta situação, a lei processual penal que o recorrente indique qual a matéria factual erroneamente julgada tal qual como qual a decisão de facto que que se impõe face ao manancial probatório em contraponto à decisão de facto que consta da decisão recorrida, indicando a cada passo factual a justificação do facto alternativo que propõe como o acertado.
Como ficou decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 03/2012, publicado no Diário da Republica, I Série, nº 77, a 18 de Março de 2012 «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Absolutamente impressivo acerca desta matéria se apresenta a decisão do mesmo Tribunal (2) onde alude que “no que se refere à parte criminal, importa ter presente que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere injustamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando as provas tenham sido gravadas) – art. 412º, nº 3, al. b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados (…).”

Resulta, pois, de harmonia com os nºs 3 e 4 do disposto no artigo 412º do Código do Processo Penal que o recorrente tem o ónus de especificar:

. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
. As concretas provas que impõem (impõem e não permitem) decisão diversa da recorrida e, eventualmente;
. As provas que devem ser renovadas, sendo que quando tenha ocorrido a respectiva gravação, as especificações aludidas na lei devem ter lugar por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º do Código do Processo Penal, havendo que ser feita a concreta indicação das passagens em que o recorrente fundamenta a respectiva impugnação».

No seguimento das alterações levadas a efeito em sede de lei adjectiva penal, mormente em 2007, a exigência colocada no recurso em sede de matéria de facto vem pugnando que o recorrente cumpre escrupulosamente o ónus de impugnação (dos factos erroneamente julgados), concretização das provas (que impõem diversa decisão) e, assim, formular uma interpretação (das indicadas provas) onde dê conta do respectivo exame critico que suporte a diversa decisão.

Como o já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (3) “I - Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova. III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito. IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.”

Recurso este, que não obstante vise a correcção dos erros de julgamento não tem como desiderato um novo julgamento em que o Tribunal “ad quem” em que este tenha, necessariamente, de apreciar toda a prova produzida em sede de primeira instancia como se o julgamento ali levado a efeito não tivesse qualquer valia ou sequer existisse.
Unanimemente o tem afirmado o mais Alto Tribunal (4) não podendo deixar de destacar, pela sua assertividade, o decidido naquela instancia (5) onde foi feito constar que “I - O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. II - A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. III - A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso. (…)”

Tendo presentes estas exigências legais e sem esquecer todo o conteúdo da lide recursiva apresentada pelo recorrente J. C. importa concluir que o mesmo não deu cabal cumprimento, como lhe competia, às exigências versadas nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código do Processo Penal.

Com efeito tendo identificado os «concretos pontos de facto» que entende incorrectamente julgados, contudo já só veio indicar as «concretas provas» no que atende ao ponto 4 da matéria de facto provada, mas sem que tenha elaborado uma interpretação (das indicadas provas) onde dê conta do respectivo exame critico que suporte, a seu ver, a diversa decisão que veio pugnar.
Pela sua clareza se chama à colação o decidido pelo mais Alto Tribunal (6) onde se diz que “Com a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que deu actual redacção ao preceito (…), o legislador propôs-se alcançar dois objectivos: «tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida no recurso da decisão sobre a matéria de facto e de pôr cobro ao dever de transcrição dos registos gravados», e em matéria da especificação das provas concretas «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida», sendo «insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas pessoas», devendo o recorrente explicitar «por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…)”, concluindo que no caso sub judice “O recorrente não cumpriu com essa imposição, por um lado, considerando os factos impugnados em bloco e, por outro lado, remetendo genericamente para os depoimentos das testemunhas (…) contrapondo em globo a valoração feita pelo tribunal, menosprezando todas as inferências retiradas pelo tribunal desses particulares depoimentos e dos demais meios de prova produzidos em audiência, nos termos em que a motivação da decisão melhor espelha».

A este propósito António Pereira Madeira (7) salienta que “o recorrente tem sobre si o ónus de: (…) concretizar (não bastando uma alusão genérica) os pontos de facto tidos por mal julgados; (…) indicar as provas concretas que em seu entender impõem julgamento diverso daquele também concreto ponto de facto (…)”.

Nestes termos, e considerando a finalidade a que se dirige o nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, este Tribunal “ad quem” está, assim, impossibilitado de levar a efeito o estabelecido no nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, isto é a reexaminar os meios probatórios que julgue relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, de entre os indicados pelo recorrente J. C., além de outros que considerasse úteis e necessárias para alcançar tal desiderato.

Como já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (8) “Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado como provado. III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito. IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles. (…).
Solução esta que o legislador impõe uma vez que, como bem saliente o Professor Germano Marques da Silva (9) “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.

Já quanto ao recorrente R. V. importa formular diversa conclusão, isto é que na sua lide recursal logrou o mesmo dar cabal cumprimento ao ónus que lhe impõe o artigo 412º, nº 3 e 4 do Código do Processo Penal, razão por que este Tribunal “ad quem” lavrará o juízo a que se reporta o nº 6 da mesma disposição.
Cumprido o labor a que dá desígnio a versada norma importa afirmar que o Tribunal “a quo”, embora não isento de pontuais criticas, levou a efeito um labor exaustivo, pautado por uma ponderação circunstanciada dos meios probatórios que identificou como tendo sido os que se mostraram credíveis para a formação da sua convicção, não se escusando a um exame critico de toda a prova produzida, razão por que estamos perante uma decisão perceptível pela comunidade em geral, neles se incluindo todos os sujeitos do processo, como seus directos destinatários.

Assim o Tribunal “a quo” fundou a sua convicção quanto à matéria de facto constante dos factos 11 e 12 dos factos provados, nos seguintes termos:

“Estamos seguramente convencidos que, no momento da consumação do crime (as facturas foram emitidas em 04-01-2010, 01-02-2010 e 08-03-2010, em execução de uma só resolução), os arguidos R. V. e J. A. exerciam a gerência de facto da sociedade R. V. Unipessoal, Lda..

Senão vejamos.

O ora arguido R. V. tinha o seu domicílio fiscal, à data dos factos e ainda à data de 29-12-2016, data em que foi elaborado o parecer que consta de fls. 400 a 410 do anexo 1, na qualidade de Contabilista Certificado da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Paços de Ferreira, distrito do Porto, como ressalta do TIR de fls. 81 da Carta Precatória nº 19/2015 (anexa aos autos) e documento de fls. 391 do anexo 1. Essa morada é igualmente a morada da sede da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. (cf. certidão permanente de fls. 268, do anexo 1), que figura também no cadastro informático da Autoridade Tributária (cf. documento de fls. 389, do anexo 1). Para essa morada foi remetida a notificação de fls. 35, do anexo 1, na qual se solicitava à sociedade R. V. Unipessoal, Lda., cópia das facturas emitidas à sociedade X, Lda. e descrição dos respectivos meios de pagamento recebidos, tendo sido dessa morada que a sociedade R. V. Unipessoal, Lda. deu resposta a esse pedido, dando conta de que nunca tinha tido qualquer relacionamento comercial com a sociedade X, Lda. (cf. documento nº 36 do anexo 1). Por outro lado, o arguido R. V. foi o responsável pela contabilidade da sociedade R. V., Unipessoal, Lda., como demonstra a declaração periódica de IVA de fls. 390 do anexo 1 (onde está aposto o NIF do referido arguido-cf. fls. 390 vº e 391 do anexo 1), por esta apresentada por referência ao primeiro trimestre de 2010, nela não se tendo reflectido o IVA liquidado nas facturas em causa (fls. 43 a 45 do anexo 1). Acresce que, nas declarações que prestou, o arguido J. A., depois de ter admitido que a sociedade nunca exerceu qualquer actividade, nunca facturou nada, nunca exerceu o seu objecto social, não tinha funcionários, tudo não passando de uma chachada, admitiu que o arguido R. V. era o contabilista (tal como a testemunha L. M. também referiu que o contactou telefonicamente no decurso da inspecção que levou a cabo à sociedade R. V. Unipessoal, Lda., na qualidade de TOC da sociedade) e que tudo são fraudes dele, terá sido ele a emitir as facturas e que ele assumiu as funções de gerente de uma sociedade inactiva e que veio a ser alvo de várias acções inspectivas, tal como referiu a testemunha J. L., inspector tributário e está documentado nos autos anexos (anexo 1), com vista a apurar a responsabilidade pela emissão de facturação falsa, através de diversas empresas (pois senão esse qual outro o fim prosseguido por uma empresa assumidamente fantasma), pro bono, sem que disso tenha retirado qualquer vantagem. Tudo o exposto, nos levou a formar a convicção, levando em consideração as regras da experiência do senso comum e da normalidade da vida, de que esse era o verdadeiro objecto social desta empresa, ou seja, que essa empresa foi constituída com esse propósito de emitir facturação falsa e que os dois referidos arguidos faziam disso o seu modo de vida. Não deixa, igualmente, de ser curioso e de suma relevância, o facto relatado pela testemunha J. G. que reforçou a nossa convicção quando à ligação existente entre a X, Lda. e a R. V. Unipessoal, Lda. que conduziu à situação objecto de julgamento, quando aquela espontaneamente referiu conhecer o arguido C. A., o Sr. Manuel, que via juntos, o arguido J. C. e o arguido R. V., tendo conhecido este último, numa taberna, em Paços de Ferreira, quando se encontrava acompanhado do Sr. Manuel e de outro senhor. Ora, se resultou evidente a ligação deste último à empresa X, Lda., estão claramente contextualizados os factos.”

Partindo das declarações prestadas pelo co-arguido J. A., no tocante à data, o modo e a finalidade como veio a assumir a gerência da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.” bem como a realidade com que se veio a deparar-se ao longo do tempo, pois como o mesmo afirmou aquela sociedade, ao invés do que por si era desejado, nunca laborou, não levando a cabo o seu objecto social, tendo apenas adquirido frota automóvel, pelo que se impõe concluir-se que as facturas emitidas por esta sociedade em nome da arguida “X, Lda.” datadas de 04/01/2010, 01/02/2010 e 08/03/2010, e que esta ultima veio a incorporar na sua contabilidade, não correspondem a transacções efectivamente levadas a cabo, sim a transacções fictícias, um mero registo financeiro, isto não obstante se destinassem a serem tratadas, como foram, como espelhando verdadeiros custos e imposto (IVA) efectivamente pago, nas correspondentes declarações e cálculos trimestrais de IVA, razão por que lograram deduzir a totalidade do IVA em apreço – 16.625,67€ - valor com que se locupletaram os arguidos J. C. e C. A. em seu proveito e/ou da sociedade que representavam.
A responsabilidade pela emissão de tais facturas é do arguido J. A., enquanto sócio e gerente da sociedade “R. V., Unipessoal, Lda.”, posto que assumiu tais funções desde 19 de Julho de 2008 até à sua dissolução, como decorre das suas declarações como da certidão permanente do registo comercial junta aos autos.
Contudo, e como bem concluiu o Tribunal “a quo”, a responsabilidade não é apenas deste arguido; é, igualmente, do arguido R. V..
Se é certo que o co-arguido J. A. afirmou reiteradamente não ter conhecido o co-arguido R. V. no momento em que assumiu a gerência da falada sociedade, mas apenas algum tempo depois e pela sua qualidade de contabilista, certo é que ele que dá conta que aquele sociedade, ao tempo da sua gerência de direito e de facto, nunca levou a efeito quaisquer actos próprios do seu objecto social.
Por outro lado, e como decorre da certidão permanente do registo comercial junta aos autos, o arguido R. V. foi o único legal representante, na qualidade de sócio gerente, desde a constituição de R. V., Unipessoal, Lda. em 16/05/2007 e até 18/06/2008, data em que renunciou à gerência, sendo certo que, à data dos factos – e ainda em 29/12/2016 – ali tinha o seu domicilio fiscal, tudo conforme consta do Parecer de fls. 400 a 410 do anexo I, do TIR de fls. 81 da Carta Precatória anexa aos autos bem como do documento de fls. 391 do Anexo I.
Outrossim resulta que foi para a referida morada que veio a ser remetida a notificação a que alude fls. 31 do anexo I, na qual era solicitado à referida sociedade a cópia das facturas emitidas à “X, Lda.” e respectivos meios de pagamento, que mereceu a resposta de que nunca tinha havido qualquer relacionamento comercial com a sociedade “X, Lda.”, conforme resulta de fls. 36 do anexo I.
De todo o espólio probatório resulta, igualmente, que este arguido era o contabilista da referida sociedade, disse-o o co-arguido e ressalta da Declaração periódica de IVA de fls. 390 e 391 do anexo I falado Parecer.
De relevo se apresenta, como bem assinalou o Tribunal “a quo”, a circunstância testemunhada por J. G. que afirmou “conhecer o arguido C. A., o Sr. Manuel, que via juntos, o arguido J. C. e o arguido R. V., tendo conhecido este último, numa taberna, em Paços de Ferreira, quando se encontrava acompanhado do Sr. Manuel e de outro senhor.”

Por um lado não há que desmerecer as declarações do co-arguido J. A., posto que, para além do mesmo não ter tentado alijar a sua responsabilidade imputando-a ao seu co-arguido R. V. – antes pelo contrario sempre o afirma como “mero” contabilista da dita sociedade e que apenas conheceu quando já estava investido das funções de gerente de facto e de direito da mesma, é certo que as mesmas vêm a ter corroboração no espólio documental, mormente no Parecer de fls. 400 a 410 do anexo I, no TIR de fls. 81 da Carta Precatória anexa aos autos bem como do documento de fls. 391 do Anexo I.

Coloca-se nesta sede o problema da prova do “co-arguido contra o co-arguido”, isto é do valor probatório das declarações do co-arguido, uma questão que, muito para além do assento legal, vem concitando leituras que, em tese, podem gerar desigualdades no sistema de Justiça, originando, pois, insegurança e incerteza.

Não deixando de se fazer nota que a prática jurisprudencial tem sido vertida de acordo com três diversas perspectivas (10) pelo mais Alto Tribunal:

. “(...) a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação” (11);
. “(...) a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…)”;
. “o depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in “dubio pro reo”, assegurado que esteja o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova» (12).
Perfilhamos, contudo, a leitura que temos por mais avisada, aquela que coincide com a lição propugnada pelo Professor Medina Seiça (13) ao afirmar que «Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração.», adiantando num outro passo que «Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido que incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”). Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.». Conclui, então, no sentido que «Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações.»
Ouvindo atentamente as declarações do co-arguido J. A. na consideração da sua substância, ainda que parecendo em determinados pontos divergentes entre si (não podemos esquecer que é o próprio a afirmar que tem a 4ª classe e que face a determinadas questões é perceptível a respectiva incompreensão que vem a determinar uma ulterior explicação) e face à lição do Professor Medina Seiça dúvida nenhuma pode subsistir neste julgador de que as mesmas em tudo obedecem para formar a sua convicção, face a tudo o que ficou explanado.
Outrossim, tal prova pode ser atendida para a versada finalidade porquanto obedeceu às formalidades a que alude o artigo 345º do Código do Processo Penal, nomeadamente ao princípio do contraditório.

Importa, agora, verificar da benignidade da conclusão firmada pelo Tribunal “a quo” quanto à conclusão de dar como provados os factos 11 e 12.

Seguindo a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo e a consonância geral da Doutrina importa concluir que a firmada conclusão obedece aos seguintes requisitos:

- Prova dos indícios: Os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova directa e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre simples probabilidades;
- Concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra indicium unus indicium nullus seja cada vez mais questionada, salvo em casos excepcionais, um único facto (indício) deve impedir a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;
- Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional. A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado;
- Motivação da sentença: o tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido. Por isso, a sentença baseada em indícios deve ter uma extensa e abundante motivação.
Daqui decorre que ao Tribunal importa ponderar os factos indiciários que, conjugados com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, permitem, ou não, ao Tribunal concluir quanto à prova dos factos essenciais.

Nesse sentido vejam-se, entre outros, os Acórdãos desta Relação, datados de 22/10/2013 e 29/01/2009, publicados em www.dgsi.pt tal como a melhor doutrina, qual seja os Professores Cavaleiro Ferreira e Germano Marques da Silva (14).

Descendo ao caso dos autos, vista a prova atras aludida duvida séria não resta da ponderada decisão do Tribunal “a quo” ao dar como provada materialidade fáctica assente em 11 e 12 posto que da respectiva ponderação, com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, permite-se concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, que o arguido R. V., não obstante ter deixado de figurar como gerente de direito da mencionada sociedade em 18/06/2008, certo é que o mesmo continuou a dominar os seus actos societários, actos estes que se reconduziam, não aos actos próprios do seu objecto social mas, concretamente no âmbito destes autos, à emissão de três facturas em nome de “X, Lda.”, empresa com a qual aquela a primeira sociedade não levou a efeito qualquer transacção comercial, conforme foi comunicado à Administração Fiscal na sequencia de notificação levada a efeito para o domicilio fiscal da sociedade “R. V., Unipessoal, Lda.”, facto que era do conhecimento do referido arguido, posto que da mesma era contabilista, local onde o mesmo tinha o seu domicilio fiscal ficando patenteada uma “promiscuidade” entre o aqui recorrente e a dita sociedade, apenas delimitada pela existência de duas diversas pessoas jurídicas, assim com patrimónios diversos e responsabilidades, portanto, distintas.
Contudo ao levar a efeito a renuncia à gerência da identificada sociedade, o arguido R. V. tentou dar um outro passo para se eximir à responsabilidade que lhe advinha da gerência de direito da dita sociedade, esquecendo-se, porém, que a gerência de facto manifestada nos indícios aludidos nela o faz, igualmente incorrer.
E nem se diga, como o mesmo alega na sua lide recursal, que não era a si que a lei impõe a alteração da morada da sociedade na sequência da sua renúncia, nem mesmo que é desconhecido quem lavrou a resposta à Administração Fiscal relativamente às facturas em causa nos autos.
Não podemos olvidar que o ora recorrente, face à documentação junta aos autos, era o contabilista da sociedade “R. V., Unipessoal, Lda.”, não se tratava de um mero empregado.
Pela sua qualidade profissional tinha a obrigação de conhecer as obrigações decorrentes da lei face à sua renúncia à gerência, sendo o primeiro a ter o interesse em regularizar tal situação, caso se tratasse apenas do contabilista daquela sociedade, que como se disse não era.
Por outro lado atenta a sua qualidade profissional, e face à normalidade do acontecer, em face de uma interpelação da Autoridade Fiscal nunca a resposta oferecida pode ser desconhecida do profissional que tem a seu cargo a contabilidade, como ficou demonstrado que era o ora recorrente.
Nem mesmo podemos dar assentimento de que o Tribunal “a quo” deixou de investigar se o ora recorrente levava a efeito os actos próprios de um gerente de facto na sociedade mencionada.
Numa qualquer sociedade que não leve a efeito os actos próprios do seu objecto social, como ficou demonstrado, o que há a investigar? Nada, pois nada é praticado.
Quanto à circunstância das testemunhas A. C., A. R., J. P. e J. M. não terem conhecimento de quem era o ora recorrente e/ou a sua ligação à sociedade “R. V., Unipessoal, Lda.” tal não tem a virtualidade de desmerecer as conclusões atrás firmadas, posto que não se vislumbra face, por um lado, a todo o alegado, e por outro, aos respectivos esclarecimentos, que a qualquer delas se impusesse tal conhecimento!

Já quanto aos demais menos de prova considerados pelo Tribunal recorrido para formar a sua convicção, no que tange à matéria fáctica aludida, entende-se não ser a mesma de atender.

Com efeito os depoimentos das testemunhas L. M. e J. L. mostraram-se eivados de juízos conclusivos e, a nosso ver, contaminados pela percepção que os mesmos têm da pessoa do ora recorrente face a anteriores actos inspectivos, ficando assim inquinado o juízo de absoluta imparcialidade que é exigido a qualquer testemunha.
Quanto ao relatório inspectivo, se bem andou o Tribunal recorrido em apreciá-lo no que de objectivo o mesmo condensa (e vai espelhando na respectiva fundamentação de facto), já quanto ao seu conteúdo conclusivo o mesmo é absolutamente inócuo, como qualquer prova que esteja tingida por tal mácula.
Nestes termos, face a todo o exposto, impõe-se julgar pela improcedência da lide recursal, quanto à aludida matéria.

Já quanto à matéria vertida nos pontos 13 a 30 dos factos provados veio o Tribunal recorrido fundou a sua convicção nos seguintes termos:

“Em face do que já se deixou dito, estamos convencidos de que os factos se passaram pela forma aí descrita, pelo que as facturas elencadas, se reportam a transacções fictícias, emitidas pela sociedade R. V. Unipessoal, Lda. com o propósito de, tal como sucedeu, serem integradas na contabilidade da sociedade X, Lda., como se de verdadeiras operações comerciais se tratassem, assim se prosseguindo a dedução indevida de IVA. De facto, tal como já adiantamos e resulta dos esclarecimentos prestados pela testemunha J. L., inspector tributário, a sociedade emitente das facturas documentadas a fls. 43 a 45 do anexo 1, R. V. Unipessoal, Lda. foi alvo de uma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças do Porto, com referência aos exercícios de 2007 e 2008, desencadeada pelo facto de esta não estar a fazer as declarações de IVA, tendo sido detectada uma factura por si emitida através do cruzamento de informações da base de dados, na contabilidade da empresa ..., Construções, Lda. (factura nº 1/2007). Apesar das notificações para a apresentação da contabilidade e dos comprovativos das transferências, as facturas foram sendo obtidas por consulta aos elementos do sujeito a quem foram emitidas. Na maioria dos casos detectados, a facturação emitida referia-se a trabalhos de construção civil, reparações, comissões de vendas de sapatos, gasóleo rodoviário, venda de peixe., sem qualquer relação com o objecto social da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., de comércio por grosso de materiais de construção e outras actividades de acabamentos não especificadas, encontrando-se tal sociedade, conforme o documento de fls. 302 e ss. do anexo 1, registada na Autoridade Tributária para o exercício das seguintes actividades: -Actividade principal: Comércio por grosso de materiais de construção (excluindo madeira) e equipamento sanitário (CAE: ...) - Actividade secundária: outras actividades de acabamentos de edifícios (CAE ...) - Actividade secundária: agente de comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro. No caso dos autos, estão em causa facturas que titulam a alegada venda por banda da sociedade R. V. Unipessoal, Lda. à sociedade X, Lda., de várias toneladas de eucalipto e de pinho da sociedade, actividade que não se mostra minimamente consentânea com aquelas para as quais a sociedade R. V. Unipessoal, Lda. se encontra registada. Por outro lado, as três facturas em causa, no valor global de 99.754,02€ foram contabilizadas na esfera da sociedade X, Lda. como se tivessem sido pagas em numerário. Ora, atento o valor global em causa e a inexistência de razões plausíveis para a utilização de tal forma de pagamento, para além de ilegal por violar o disposto no art.º 63º do C da Lei Geral Tributária, não é crível que tal pagamento em numerário tenha sido feito. Acresce que, com referência ao ano de 2010, e conforme o documento de fls. 399, é desconhecida qualquer estrutura da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., tal como de resto foi confirmado pelo arguido J. A., que como já referimos, também confirmou a falta de actividade da empresa. A declaração periódica de IVA do 1º trimestre de 2010 da sociedade R. V. Unipessoal, Lda., de fls. 390, que o arguido R. V., enquanto contabilista, apresentou em 17.05.2010, não reflecte o IVA liquidado nas facturas em causa. A própria sociedade emitente R. V. Unipessoal, Lda. quando notificada pelo inspector tributário L. M. para apresentar o extracto de conta com a sua alegada cliente X, Lda. e para apresentar as cópias das facturas emitidas e respectivos pagamentos, respondeu: Relativamente à empresa X, Lda., com o nipc: ..., a empresa [leia-se a sociedade R. V. Unipessoal, Lda.] nunca teve qualquer relacionamento comercial, não tendo por isso nenhum elemento para entregar ao Sr. Inspector. - cf. fls. 35 e 36 dos autos. Acrescentamos que as testemunhas ouvidas, designadamente a testemunha J. M., que exerceu as funções de motorista na empresa X, Lda., ter esclarecido que transportava a madeira para a Y, nunca tendo ouvido falar da empresa R. V. Unipessoal, Lda., nem dos arguidos R. V. e J. A., que não reconheceu. Temos assim, por tudo o exposto, que a empresa R. V. Unipessoal, Lda. terá sido criada e mantida com o propósito de emitir facturação falsa (cf. igualmente o teor de fls. 127 a 153 do anexo 1), tal como sucedeu no caso concreto.
Estamos certos de que todos os arguidos actuaram nos moldes descritos, com perfeita consciência de que praticavam o ilícito criminal.”

Importa, desde já, dar aqui como integralmente reproduzida a análise levada a efeito quanto aos meios probatórios antes relacionados, por economia processual.
Com importância se mostrou, e bem, para a formação da convicção o depoimento da testemunha J. M., então motorista da sociedade “X, Lda.”, por ter esclarecido que transportava madeira para a Y, mas que nunca tinha ouvido falar da empresa “R. V. Unipessoal, Lda.”, nem dos arguidos R. V. e J. A., que não veio a reconhecer.
Bem andou, ainda, o Tribunal “a quo” na análise de todo o aludido suporte documental – começando por atender à factura nº 1/2007 da sociedade “... Construções, Lda.” que desencadeou a acção inspectiva, à circunstância das facturas aludidas nos autos aludirem à venda de toneladas de madeira, actos que não se compreendem no objecto social da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.”, à circunstância de estar contabilizado pela sociedade “X, Lda.” o respectivo pagamento em numerário, bem como análise da declaração periódica de IVA relativa ao 1º trimestre de 2010 a sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.” onde não está reflectido o IVA liquidado nas facturas aludidas nos autos tal qual a informação prestada à Administração Fiscal pela sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.” da inexistência de relações comerciais com a sociedade “X, Lda.”

É que da análise conjugada de todos os aludidos elementos probatórios resulta, à saciedade, que todos os arguidos sabiam como funcionava a incidência fiscal de IVA – designadamente que o operador económico recebe, em cada período de imposto, crédito de imposto que suportou nesse mesmo período nas aquisições, sendo o imposto a entregar ao Estado o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA suportado e constante das facturas de compra – razão por que se alguém apresenta na sua contabilidade valores que na realidade não suportou, procurando que o IVA que pagou anule o IVA que recebeu e que deveria entregar ao Estado (ou mesmo receber no caso de ter pago mais do que recebeu), pode induzir em erro a administração fiscal e, por essa forma, à custa do Estado - Fazenda Nacional, aceder a vantagens patrimoniais indevidas e lesivas do erário público.
E que portadores de tal conhecimento, em 2010, os arguidos J. C. e C. A. decidiram, em conjunto, integrar na contabilidade da sociedade “X, Lda.”, agindo no seu interesse e no interesse desta sociedade, facturas forjadas (correspondentes a transacções não verdadeiras), emitidas pelos arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes da sociedade “R. V., Unipessoal, Lda.”, plano este que veio a ser integralmente executado por eles, em conjugação de esforços, tendo todos agido sempre em obediência ao mesmo desígnio inicial.
Demonstrado resulta, ainda, que em execução de tal plano os arguidos J. A. e R. V., na qualidade de gerentes de direito e de facto da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.” emitiram as facturas mencionadas, nelas cobrando ficticiamente o preço por fornecimentos de bens (madeira) à sociedade “X, Lda.”, fornecimentos esses que nunca chegaram a ocorrer, procedendo, de seguida, os arguidos J. C. e C. A., no desempenho das referidas funções na sociedade X, Lda., à incorporação na contabilidade desta das facturas já descritas.
Facturas essas que, como se disse, se reportam transacções fictícias e depois de integradas na contabilidade da sociedade “X, Lda.”, como se tratassem de verdadeiros custos e de imposto (IVA) efectivamente pago, foram consideradas nas correspondentes declarações e cálculos trimestrais de IVA, que os aludidos gerentes de facto e de direito da sociedade “X, Lda.” enviaram em 15 de maio de 2010, aos serviços da Administração do IVA, tendo por essa forma e em prejuízo do Estado, logrado deduzir a totalidade do IVA em causa -16.625,67€, produto com que eles, os arguidos J. C. e C. A. se locupletaram, em seu proveito e/ou da sociedade que representavam.
Resulta, igualmente, que os arguidos actuaram com o conhecimento e consentimento dos demais, de acordo com o plano previamente estabelecido entre todos, utilizando facturas correspondentes a transacções que não ocorreram, nas quais inscreveram valores que não foram efectivamente pagos, obtendo assim para a sociedade “X, Lda.” uma vantagem patrimonial indevida, em sede de IVA, no valor global de 16.625,67 € - declaração relativa ao 1º trimestre de 2010, apresentada em 15 de Maio de 2010.
Sendo certo que ao agirem desta forma, obedecendo ao identificado plano, conjugando esforços, com o propósito comum de simularem transacções comerciais e as facturas que as reproduzissem, sabiam os arguidos que aquelas não correspondiam a quaisquer transacções efectivamente realizadas e que as mesmas se destinavam apenas a serem incluídas na contabilidade da sociedade “X, Lda.”, para assim gerarem o incremento fictício dos custos desta sociedade, os arguidos pretenderam enganar, como enganaram, as autoridades fiscais e o Estado em ordem a obter, designadamente, a redução da colecta apurada e do imposto sobre ela incidente (IVA), relativa ao 1º trimestre de 2010 e respeitante à sociedade referida.
Resulta, pois, assente que os arguidos J. C. e C. A. se locupletaram, em proveito próprio e em nome e interesse da sociedade “X, Lda.” da referida importância, à custa do Erário Público, integrando-a no giro económico normal daquela sociedade ou no seu património pessoal, sendo certo que os arguidos J. C. e C. A. sabiam que tal importância não lhes pertencia e que não a poderiam utilizar em proveito próprio, nem em proveito da sociedade “X, Lda.”
Outrossim ficou demonstrado que os arguidos J. C. e C. A. estavam perfeitamente cientes da obrigação que sobre eles impendia de entregar à Administração Fiscal o referido montante de IVA que era devido ao Estado, sempre agindo por si, no seu interesse próprio e no interesse da sociedade “X, Lda., na qualidade de representantes desta, actuando em nome e no interesse colectivo desta e com o propósito conseguido de se furtarem ao pagamento integral do IVA devido.
Certo é que ao assim agirem ofenderam e colocaram em crise a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que as facturas comerciais gozam no mundo jurídico, comercial e fiscal, violando, desse modo, a verdade e a transparência fiscal e, consequentemente impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, para além de lesaram, também, o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, pondo ainda em causa os deveres de lealdade e colaboração que devem pautar as relações tidas com a Fazenda Nacional, defraudando-a através das referidas reduções ilícitas de IVA a pagar pela arguida X, Lda.
Provado ficou, ainda, que os arguidos J. A. e R. V. ao emitirem e fornecerem as mencionadas facturas forjadas, tinham perfeito conhecimento do fim a que as mesmas se destinavam e, como contrapartida, receberem as correlativas vantagens patrimoniais, obtendo para si proveitos económicos em montantes que não foi possível apurar.
Além de que resulta assente que todos os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária, deliberada e conscientemente, em comunhão e conjugação de esforços e intentos e em execução de prévio acordo, conhecedores da globalidades dos factos praticados por si e pelos restantes co-arguidos, com o propósito de obterem para si e/ou para outros vantagem patrimonial ilegítima, o que conseguiram, com prejuízo para o Estado, como também quiseram e alcançaram, bem sabendo ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

E não podemos dar razão ao ora recorrente quando o mesmo pretende alijar a sua responsabilidade por não ter ficado assente quem emitiu as facturas em causa nos autos.
Discorre de toda a prova produzida que a sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.”, na data a que se reportam as facturas trazidas aos autos, era gerida de direito e de factos pelos arguidos J. A. e R. V..
Outrossim, no período temporal a que se reportam as ditas facturas, ficou assente que esta sociedade não levava a efeito actos próprios do seu objecto social, nem mesmo que tenha levado a efeito as transacções comerciais a que aludem as facturas mencionadas, como foi feito constar na declaração periódica daquela sociedade para efeito de IVA, assinada pelo contabilista da sociedade, o ora recorrente.
O mesmo que dividia o domicilio fiscal com a sociedade que divide parte do seu nome.
Fazendo presentes os critérios antes aludidos quanto à prova indirecta dúvidas nenhumas, absolutamente nenhumas, subsistem a este Tribunal “ad quem” de que, não obstante não tenha ficado conhecida a autoria da emissão das mencionadas facturas, era o mesmo conhecido pelo ora recorrente, face à sua qualidade de gerente de facto da identificada sociedade, como de seu contabilista.
Face a tal materialidade fáctica se extrai a intenção criminosa do mesmo, intenção esta que resulta de uma combinação com o outro gerente, de direito e de facto, da sociedade “R. V. Unipessoal, Lda.”, o arguido J. A. tanto quanto com os demais arguidos, que nos termos sobreditos, eram conhecidos e conviviam entre si.
É, ainda, face aos mesmos critérios que teremos de aplaudir a decisão do Tribunal “a quo” quanto divisibilidade dos lucros decorrentes da acção delitiva.
Face a todo o devir fáctico a acção típica teve, necessariamente, de resultar de um plano comum – já que pressupôs a emissão das facturas que reportam transacções fictícias, por banda de uma sociedade e a incorporação das mesmas na contabilidade, de uma outra sociedade – com a inerente responsabilidade de quem gere de facto e de direito aqueles entes societários, tendo em vista induzir a Administração Fiscal em erro e, por essa via, aceder a vantagens patrimoniais indevidas, e por tal lesivas do erário público, pelo que das regras do normal acontecer – tanto mais quando está em causa a responsabilidade criminal dos seus agentes – é de concluir que as mesmas se destinaram a todos os nelas envolvidos, revertendo a seu favor e/ou das sociedades em nome e em proveito de quem agiram.
É certo que não ficou apurado o “quantum” atribuído a cada um deles, mas tal também não era exigível ao labor do Tribunal.
Não obstante os princípios da investigação e da verdade material que está investido o Tribunal, enquanto poderes-deveres que lhe incumbe face à inexistência de ónus probatório no processo penal português, é certo que seria ir longe demais, raiando a exigência do impossível, a determinação da divisão dos lucros nas “sociedades” desta natureza.

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa necessariamente a este Tribunal “ad quem” julgar inverificado erro de julgamento da aludida matéria de facto, nos termos requeridos pelo recorrente R. V..

O recorrente R. V. veio, igualmente, colocar em crise a decisão recorrida por considerar que o Tribunal “a quo” incorreu em erro notório na apreciação da prova produzida, na medida em que a matéria de facto aludida nos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 21-2, 22-2, 27, 28, 29 e 30 dos factos dados como provados é inconciliável com o que efectivamente foi provado, aludindo, assim, à existência de desconformidade com a prova produzida.
Outrossim vem pugnar, que caso tal não seja entendido, sempre a decisão recorrida estaria inquinada pelo vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, quanto aos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 21-2, 22-2, 27, 28, 29 e 30 dos factos provados, pois considera que mesma a entender-se que a prova foi produzida nos exactos termos reportados na sentença proferida a respectiva subsunção fáctica remeteria para uma decisão de direito distinta.

Também o recorrente J. C. vem lançar mão dos aludidos vícios, a que faz menção o artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Código do Processo Penal.
Para tanto, e no que atende ao vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto, adianta que o Tribunal “a quo” não considerou o depoimento do arguido C. A., nem o depoimento isento e claro das testemunhas pelo Ministério Publico e das arroladas pela defesa do arguido C. A., de que podia e devia ter considerado essenciais, à luz do artigo 358º, nº 1 do Código do Processo Penal, pugnando que esses factos eram relevantes e decisivos para a decisão da culpabilidade, concluindo no sentido de que houve uma carência evidente, clara e sem margem para duvidas de factos que suportaram a decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa.
Já quanto ao vicio do erro notório da apreciação da prova pugna que nele incorreu o Tribunal recorrido aos ter dado como provada a factualidade assente nos factos 4, 6, 15, 16, 18, 19, 23, 24, 25, 26 e 30 que, em seu entender, contrariam em toda a evidencia, segundo o ponto de vista de um homem de formação media, a logica mais elementar e as regras da experiencia comum.

Versa o artigo 410º do Código de Processo Penal, sob a epigrafe de “Fundamentos do recurso”, que:

1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

3. O recurso pode ter ainda como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Quis o legislador que o Tribunal proceda a um processo de indagação lógica junto das circunstancias concretas da decisão em recurso – isto é junto da matéria de facto dada como provada e como não provada, na sua fundamentação como na decisão final – e, estribado que seja nas regras da experiencia comum, se necessário for, descortinar da existência de qualquer um dos enumerados vícios.

Estaremos perante o vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” sempre que “a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão (…), se apresente como insuficiente para a decisão a proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” (15).
Havendo de salientar-se que a fórmula legal não refere ou especifica um qualquer tipo de decisão, razão por que “ser insuficiente para a decisão” se tem de entender aplicável a uma decisão condenatória ou absolutória.

António Pereira Madeira (16) é de absoluta clareza ao explicitar que “a afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado da indagação ter tido ou não êxito, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtida a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido a resposta de “não provado”, então – e só então – o vício da insuficiência está afastado (…)”.

Há já vicio de contradição insanável na fundamentação sempre que há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre si, ou como entre estes e a matéria de facto não provada, mas ainda entre a fundamentação probatória – quer seja a fundamentação de facto como a fundamentação de direito – e a decisão. (17)
Pode constituir este vício – delimitação positiva – a afirmação como provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a contradição entre o facto objectivo provado e outro não provado; a contradição entre o facto subjectivo provado e outro não provado; a contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como alicerce dos factos provados e a contradição entre a fundamentação e a decisão. (18)

Ou como o salientou o Tribunal da Relação de Lisboa (19) esta contradição opera sempre que “(…) de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável, entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da convicção do Tribunal (…).

Já quanto a erro notório na apreciação da prova, o terceiro dos vícios elencados na lei, há-de ter-se como “o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.” (20)

Afirma o Supremo Tribunal de Justiça (21) que (...) “o erro-vício previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; este, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro vicio se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação. (…)”

Mas António Pereira Madeira (22) vai mais longe na interpretação desta alínea c) ao considerar que “esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova”, continuando por pugnar que “seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista, ou mesmo para o tribunal, ainda assim, o vicio não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa” para, terminando, concluir que “assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para duvida, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”.

Atentando no que fica enunciado e debruçando-nos sobre a decisão em recurso importa, desde já, temos de concluir que o Tribunal “a quo” nela vez constar todos os factos coligidos no despacho de pronúncia, os trazidos no pedido cível, tanto quanto os trazidos pela defesa, assim como os que foram o resultado da discussão em audiência de julgamento, assim contemplando todos os factos que compõem a “constelação” do objecto do processo e que importaram à sentença que proferiu; sentença esta, que em si mesma e analisada segundo as regras da experiência comum, não se vê manchado por qualquer dos vícios elencados no nº 2 do artigo 410º, nº 1 do Código do Processo Penal.

Vista a materialidade fáctica que foi submetida a julgamento, assim alvo de investigação – e importa aqui aludir que no processo penal português não existe qualquer ónus de prova e, nessa medida, não estamos perante um processo de partes mas sim de sujeitos – não se descortinada que nenhuma dessa matéria tenha sido deixada de perscrutar, como ainda que o sedimento dos factos dados como provados e não provados sejam insuficientes para fundamentar a decisão atingida, nem que determinasse alcançar qualquer outra que lhe fosse diversa, bem como não se verifica qualquer incompatibilidade, seja ela qual seja, entre os factos dados como provados entre si e os factos dados como não provados bem como entre qualquer destes com a fundamentação carreada e a decisão que foi proferida, decisão esta da qual não prespassa qualquer falha ostensiva na análise e crítica da prova, nem que tenha sido vertida com base em qualquer juízo ilógico, irracional, arbitrário ou tendencioso.

Tendo em atenção o que é disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal, desde logo na interpretação adiantada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (23), de que “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa (…)”, e feita a leitura crítica de todo o repositório factual extractado na decisão recorrida é imposto que concluamos que ali foram feitos consignar todos os factos de relevo face à decisão proferida.
Factualidade essa que ali repousa no seguimento de uma análise crítica da prova produzida acerca de toda a materialidade levada ao conhecimento do Tribunal “a quo” e a que se seguiu uma criteriosa fundamentação de direito.
É, pois, mais do que evidente que a decisão recorrida não padece do alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Do mesmo modo é meridiano que o Tribunal “a quo” não violou, igualmente, o disposto na alínea c) do nº 2 do citado artigo 410º do Código do Processo Penal.

Simas Santos e Leal Henriques (24) ao debruçarem-se acerca do falado vicio bem o caracterizam dando conta que “verifica-se erro notório quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiencia comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. (…)”
Analisada que seja a sentença recorrida é de concluir que o Tribunal “a quo”, para além de especificar cada meio de prova em que se estribou para formar a sua convicção, fez ainda a alusão circunstanciada da matéria factual para que o mesmo foi essencial.
No que respeita à prova por declarações e testemunhal aquele Tribunal especificou o modo como cada um dos intervenientes explicitou o respectivo conhecimento dos factos, deixando lavrado tudo quanto cada um desses intervenientes transmitiu ao Tribunal, tanto quanto a sua razão de ciência.
Não deixou, ainda, de firmar a correlação de tais declarações e depoimentos com a demais prova carreada para os autos, qual seja a prova documental.

Não olvida, ainda, a apreciação do manancial probatório adquirido para os autos e a respectiva conjugação com os outros meios probatórios produzidos e valorados para a formação da sua convicção.

Vale tudo por dizer que feita a análise da fundamentação expandida impõe-se concluir que explicitou de forma clara e explicativa quais os meios de prova em que fundou a sua convicção, mencionando-os e explicando o seu raciocínio logico-dedutivo, sem deixar de efectuar o exame critico dessa prova achada crível, raciocínio esse compreensível para todos quanto se destinava tal decisão, capaz, por isso, de se impor ao seu directo destinatário, tanto quanto a toda a comunidade.

E fê-lo, em cumprimento dos ditames constitucionais e legais, sempre norteando a sua conduta pelo estrito cumprimento dos direitos e garantias dos arguidos.

Resulta, pois, da análise da decisão recorrida, no que à sua fundamentação respeita, que teremos necessariamente de concluir que a mesma não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, posto que na economia dessa fundamentação de facto todo o processo é lógico, compreensível e circunstanciado em face à prova produzida, tendo o repositório factual sido a consequência dessa mesma apreciação e valoração crítica, que sendo entendida por este Tribunal “ad quem” é, ainda, compreensível por qualquer dos seus destinatários, bem como por qualquer cidadão.

É certo que este Tribunal “ad quem” tratou de expurgar alguns elementos de prova que haviam servidos para fundamentar os factos dados como provados em 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 21-2, 22-2, 27, 28, 29 e 30.
Contudo não o fez por se não tratarem de meios de prova válidos, antes por considerar que os mesmos não tinham a aptidão para formarem a convicção do Tribunal quanto aos aludidos pontos de factos, matéria essa que, todavia, se acha sobejamente demonstrada pelos indicados meios probatórios, nos termos da análise desenvolvida em sede própria.

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa necessariamente a este Tribunal “ad quem” julgar como assente toda a matéria de facto tida como provada no acórdão recorrido, por verificar a inexistência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal, assim julgando improcedente a lide recursal dos recorrentes R. V. e J. C..

Inconformado com a decisão recorrida, o recorrente R. V. veio, também, alegar a existência da violação do principio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127º do Código do Processo Penal, por entender que de acordo com o parâmetro da experiencia de um homem médio sempre se decidiria por uma medida que atenda à paz social, o que se traduziria numa não condenação do arguido, e assim de acordo com a experiencia comum, proceder à concreta aplicação do principio in dubio pro reo.

Estabelece o artigo 127º do Código do Processo Penal, sob a epígrafe de “Livre apreciação da prova” que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Verificamos, pois, que em sede de lei penal adjectiva rege o princípio da livre apreciação da prova, significando, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal.

Como defende o Professor Germano Marques da Silva (25) “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.

Dissertando sobre a questão em apreço já o Professor Figueiredo Dias (26) afirma que “não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitraria – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem na verdade esta discricionariedade (como já dissemos tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem licitamente ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material”, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutivel a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo”.

O mesmo se afirma em diversos arestos dos Tribunais Superiores (27), onde se alinha que “não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar o controlo”.
A esse propósito, e radicando nesse princípio, o Professor Castanheira Neves (28) afirma que a liberdade concedida ao juiz é a “liberdade para a objectividade, não é uma liberdade meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros”.
Esse mesmo entendimento tem sido sufragado pelo Tribunal Constitucional, passando-se a citar, pela impressividade (29) que “o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo. Quando no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, se prescreve que a fundamentação da sentença consta da "enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal" exige-se, claramente, não só a motivação e o controlo da prova – podendo embora discutir-se qual o grau e a dimensão em que estes se traduzem – como também se acentua o carácter racional que esta há-de revestir.”
Como bem assinala Marques Ferreira (30), "a mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria [a da livre apreciação da prova] consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação".

Firmando-nos na decisão recorrida, concretamente no segmento da sua fundamentação, dúvidas não subsistem de que o Julgador de 1ª instância interpretou com mestria os ditames impostos pelo versado principio.
É que para além de terem ficado arredados quaisquer meios proibidos de prova para a formação da convicção do Tribunal, esta foi levada a efeito na sequência de uma avaliação objectiva, circunstanciada e criteriosa dos meios probatórios levados aos autos – quer em audiência de julgamento, quer pré-existente nos autos com valor consignado na lei processual para esse efeito – que ficou descrita numa exposição clara, exaustiva e compreensível, espelhando, assim, qual o método de aquisição e valoração da prova seguido por aquele Tribunal, que sempre deu a conhecer aos destinatários da decisão (a comunidade, em geral e os sujeitos processuais, em especial) o juízo critico formulado perante toda a plêiade probatória.
Vale tudo por dizer que se assiste na decisão recorrida ao escrupuloso cumprimento do versado princípio da livre convicção da prova, nenhuma crítica, havendo, pois, a alijar ao Tribunal “a quo”.

Destarte importa, pois, julgar pela improcedência da verificação da alegada violação arguida pelo recorrente R. V., nos termos consignados.

Alegam, ainda, os recorrentes R. V. e J. C. que foi violado o princípio in dubio pro reo.

Nas palavras de Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (31) “este princípio (o do in dubio pro reo) considera-se também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena”.

Isso mesmo foi já afirmado pelo mais Alto Tribunal (32) quando decidiu que “a violação do principio do in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um principio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410º, nº 2 do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de duvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dividas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formação do juízo factual que conduziu á condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão de prova, ou ónus de prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, com impõe o art. 355º, nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32º, nº 1 da CRP (…)

É que feita a analise da decisão final proferida pelo Tribunal “a quo” é claro que a mesma resulta de uma analise critica e ponderada dos meios probatórios tidos como fiáveis para a formação da sua convicção, que ditou qual a factualidade dada como provada e aquela que não resultou provada bem como as medidas das penas e da indemnização aplicadas.
Não ressuma daquela recorrida decisão qualquer fimbria de duvida, mais pequena que seja, em qualquer espirito avisado.
Nestes termos, e na ausência de qualquer dúvida, não pode o aplicador da Lei deitar mão ao princípio “in dubio pro reo” por ausência de fundamento legal.

Pelo exposto, e considerando a fundamentação aludida, terá de improceder a lide recursal dos recorrentes R. V. e J. C., quanto à versada matéria.

Já o recorrente J. C. ao impugnar a decisão recorrida vem, para além do mais, alegar a sua insuficiente fundamentação face ao disposto no artigo 374º, nº 2 do Código do Processo Penal, alegando para tanto que importaria que o Tribunal tivesse explicitado o processo racional que permitiria ao cidadão comum extrair de determinada prova a convicção da verdade histórica de determinado facto, entendendo-se por processo racional o conjunto articulado de elementos objectivos e de considerações analíticas assentes na experiencia comum que permitem extrair das provas conclusões acerca da verdade histórica do processo, o que entende não foi levado a efeito na decisão recorrida.

Estabelece o artigo 374º do Código do Processo Penal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença”, que:

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.

Reiterando a análise crítica da sentença recorrida, qual seja a de que nela o Tribunal “a quo”, para além de especificar cada meio de prova em que se estribou para formar a sua convicção, fez ainda a alusão circunstanciada da matéria factual para que o mesmo foi essencial.
É que, quer no que atende à prova por declarações como testemunhal, aquele Tribunal especificou o modo como cada um dos intervenientes explicitou o respectivo conhecimento dos factos, deixando lavrado tudo quanto cada um desses intervenientes transmitiu ao Tribunal, tanto quanto a sua razão de ciência, para além de não ter omitido a correlação de tais declarações e depoimentos com a demais prova carreada para os autos, qual seja a prova documental.

Não olvida, ainda, a apreciação do manancial probatório adquirido para os autos e a respectiva conjugação com os outros meios probatórios produzidos e valorados para a formação da sua convicção.

Nestes termos impõe-se, à saciedade, a conclusão que o Tribunal recorrido explicitou de forma clara, circunstanciada e explicativa quais os meios de prova em que fundou a sua convicção, mencionando-os e explicando o seu raciocínio logico-dedutivo, sem deixar de efectuar o exame critico dessa prova achada crível, raciocínio esse compreensível para todos quanto se destinava tal decisão, capaz, por isso, de se impor aos sujeitos do processo, seus directos destinatários, tanto quanto a toda a comunidade.

Tal prática estendeu-se aos demais momentos decisórios, como sejam os da aplicação das penas e indemnização cível, onde ficou patente o cumprimento do dever de fundamentação por bando daquele Tribunal.
Sendo, também, de concluir que em todo o seu labor aquele Tribunal cumpriu com rigor os direitos e garantias constitucional e legalmente garantidos aos arguidos.

Como salienta Germano Marques da Silva (33) “as decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz” não sem que antes deixe de firmar que “a fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.”
Esta garantia (a da fundamentação) decorre do princípio da legalidade, princípio estruturante do processo penal, uma vez que apenas o seu respeito concorre para a garantia da imparcialidade da decisão posto que apenas um juiz independente e imparcial só o é se a decisão fluir de um apuramento objectivo dos factos e da interpretação válida da norma jurídica.
O mais Alto Tribunal vai no mesmo sentido ao firmar que “O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (34).
Sem que deixe, ainda, de sublinhar que “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte”. (35)

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa julgar pela improcedência da nulidade arguida na lide recursal pelo arguido J. C..

Veio, ainda, o recorrente R. V. impugnar a decisão recorrida por discordar da medida concreta da pena que lhe foi aplicada, peticionando que a mesma seja reduzida para 1 ano de prisão, a ser substituída nos termos do disposto no artigo 45º, nº 1 do Código Penal.

Norteando-nos pelo disposto no artigo 40º do Código Penal, ali achamos estipulado que “A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ficando consagrado nº 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

Corolário do princípio vertido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, o que consagra o princípio da proporcionalidade – posto que ao Direito Penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se, por um lado, na necessidade de subtrair à disponibilidade da pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdade e garantias e, por outro, a preservação dos bens jurídicos essenciais da comunidade, a pena está subordinada a verificação dos seguintes parâmetros;

a) Tem de ser a adequada face aos fins visados pela lei;
b) Tem que ser a necessária posto que os fins visados pela lei têm que ser obtidos pelos meios menos onerosos para os direitos;
c) Tem que ser justa, por não ser a restritiva, desproporcionada e excessiva face aos fins visados na lei. (36)

Como vimos os fins da pena são apenas de natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa – razão por que devem combinar-se tais ditames no propósito comum de cumprir tal desiderato, sem certo que a mesma tem que ser, em concreto, limitada pela medida da culpa.

Firmado esse limite máximo a pena há-de encontrar-se “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.” (37)

Isso mesmo afirmou o Tribunal da Relação de Coimbra (38) ao ditar que “I. Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. II. A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada - [prevenção geral positiva ou de integração] - temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena (…)”

Revertendo ao caso dos autos, e no que atende à estipulação da medida da pena, considerou o Tribunal “a quo” que havia a considerar:

“- As elevadas necessidades de prevenção geral que importa acautelar.
- A intensidade do dolo, com dolo directo, pois que os arguidos representaram o facto e actuaram com intenção de o realizar (art.º 13º, nº 1, do Código Penal).
- O valor do prejuízo (consideravelmente elevado), que não se mostra, total ou parcialmente, reparado, apesar do tempo decorrido.
- Não se verificaram nem a confissão nem arrependimento dos arguidos.
- Em favor do arguido C. A. releva a ausência de antecedentes criminais e de o mesmo se encontram socialmente bem inserido.
- Quanto aos demais arguidos cumpre sopesar os seus antecedentes criminais.”

Tendo presente tal circunstancialismo, que bem espelha o acervo factual dado como provado tal qual como os princípios a que se alude nos artigos 40º, nº 1 e 2 do Código Penal, os presentes no artigo 71º do mesmo Código tanto quanto a moldura penal abstracta do crime de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, alínea a) e 104º, nº 2, alínea a) do RGIT – a pena de 1 a 5 anos de prisão – havemos de concluir que a pena de 2 anos de prisão que foi aplicada se mostra ajustada em obediência aos princípios da culpa, da necessidade e da adequação.
Efectivamente ao ter optado por dosimetria da pena concreta o Tribunal “a quo” seguiu em observância estrita e justificativamente os parâmetros previstos no artigo 71º do Código Penal; sendo certo, outrossim que, esta pena não ultrapassa a medida da culpa do arguido, tendo, ainda, a virtualidade de ressalvar as necessidades de prevenção especial e satisfazer as de prevenção geral.

Importa, agora, decidir, à luz do disposto no artigo 50º do Código Penal se há lugar à aplicação de pena de substituição.

Estabelece o artigo 50º do Código Penal, sob a epigrafe “Pressupostos e duração” que:

1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Pode ler-se em Eduardo Correia (39) que o instituto da suspensão da execução da pena que corresponde a uma individualização nascida contra as curtas penas de prisão e que viu luz no projecto francês de Bérenger, datado de 1884, que se viu consagrada na lei, pela primeira vez, na Bélgica, a 31 de Maio de 1888, depois em França, a 26 de Março de 1891 e, posteriormente vindo a ser adoptado por vários países da Europa, nomeadamente em Portugal, aqui no ano de 1893.

A ideia dominante deste tal instituto era, nas palavras de então, subtrair os criminosos às penas curtas de prisão, que, por um lado, envolvem um grande perigo de contágio com maus elementos e, de qualquer modo, fazem sofrer a quem são infligidas uma degradação social irreparável, sem a compensação de uma possibilidade séria - justamente pela sua curta duração - de reeducação dos criminosos.
Foi precisamente este o pensamento que presidiu ao espírito do legislador português de 1893, que na respectiva proposta de lei às Cortes, fez a seguinte menção: “Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.”
É, ainda, Eduardo Correia, na citada obra quem afirma que, a condenação condicional não deixa de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena, dizendo mesmo que “efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação”, citando a propósito Beleza dos Santos e a posição já firmada nesse sentido (40).
A condenação condicional de tipo franco-belga contava com o poder intimidativo da ameaça da pena já fixada, considerando a ameaça da execução da pena de prisão, fixada como suficiente para afastar os delinquentes da prática do crime, não se ordenando ou prevendo qualquer espécie de direcção, apoio, orientação, supervisão ou de assistência externas a dar ao condenado. Todavia muitos dos sistemas que adoptaram a condenação condicional de tipo franco-belga procuraram completar a suspensão da pena com uma orientação/vigilância levadas a cabo por entidades particulares ou oficiais, passando a condenação a ser integrada por um conjunto de condições visando planificar a vida dos delinquentes e dar-lhes apoio e vigilância, nisto se verificando a influência do instituto da “Probation”, surgido em Boston, Estado do Massachussetts, nos Estados Unidos da América e que veio, igualmente, a ser desenvolvido em Inglaterra.
Em Portugal, a suspensão condicional da pena de prisão foi regulada pela primeira vez, através da Lei de 6 de Julho de 1893, completada depois pelo artigo 633.º do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939 e, posteriormente integrada, com algumas modificações, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na redacção que lhe foi dada pela reforma de 1954, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954.
O pressuposto inicial de aplicação do instituto, no ano de 1893, era que a condenação tivesse sido em pena de prisão, procedendo-se mais tarde a um alargamento, previsto em 1939 no Decreto-Lei n.º 29 636, segundo o qual a suspensão passou a poder aplicar-se à pena de multa, incluindo aquela em que fosse convertida a prisão e, posteriormente a prisão e multa, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na versão de 1954.
Beleza dos Santos defendia que o instituto podia considerar-se uma verdadeira pena, afirmando que “a suspensão da pena implica a substituição desta pela coacção constituída pela ameaça de se executar aquela pena quando não se cumprirem as condições impostas, o que é ainda uma pena», acrescentando que “a medida da suspensão condicional da pena é uma verdadeira sanção penal. Suspender uma pena é afinal aplicar outra pena.”
Já no Código Penal de 1852/1886, a substituição das penas estava sujeita ao princípio da legalidade, previsto no artigo 85.º, estando previstas duas modalidades - a substituição da prisão por multa - artigo 86.º e a suspensão da execução da pena, quer de prisão quer de multa - artigo 88.º, face à redacção introduzida pela reforma de 1954.

Estabelecia aquele artigo 88.º que “Em caso de condenação a pena de prisão, ou de multa, ou de prisão e multa, o juiz, tendo ponderado o grau de culpabilidade e comportamento moral do delinquente e as circunstâncias da infracção, poderá declarar suspensa a execução da pena, se o réu não tiver ainda sofrido condenação em pena de prisão. A sentença indicará os motivos da suspensão da pena.
§ 1.º O tempo de suspensão não será inferior a dois anos, nem superior a cinco, e contar-se-á desde a data da sentença em que tiver sido consignada.
§ 2.º A suspensão pode ser subordinada ao cumprimento de obrigações similares às que acompanham a concessão da liberdade condicional.”
As obrigações do libertado condicionalmente estavam previstas no artigo 121.º do mesmo Código, em que se incluía, logo à partida, no n.º 1.º: «A reparação, por uma só vez ou em prestações, do dano causado às vítimas do crime.”
No caso de infracção das obrigações impostas poderia o juiz revogar a suspensão, ordenando a execução da pena, alterar ou manter o condicionamento da condenação.
A impossibilidade legal de suspensão da execução da pena estava prevista para o comércio de estupefacientes - artigo 13.º, g), do Decreto n.º 12 210, de 27 de Agosto de 1926; falsificação de géneros alimentícios e seu comércio - artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957; sendo que o referido Decreto-Lei n.º 619/76, de 27 de Julho - artigo 6.º, estipulava que “não há suspensão condicional da pena aplicada a qualquer infracção tributária”, e o Decreto-Lei n.º 625/76, de 28 de Julho, quanto ao crime do artigo 411.º do Código Penal.

Prescrevendo sobre “requisitos da sentença de condenação em pena suspensa”, dizia o artigo 451.º do Código do Processo Penal que, se a sentença suspender a execução da pena, assim o declarará, indicando as razões desta medida e o prazo da suspensão.
Estabelecia o § 1.º que a suspensão da pena pode tornar-se dependente do pagamento da respectiva indemnização por perdas e danos, dentro de um prazo fixado na sentença.
No Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, pode ler-se no respectivo preâmbulo que “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão do delinquente ao regime da prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos. É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova [...].
Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena, que embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. A possibilidade de imposição de certas obrigações ao arguido destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código.
O instituto que figura no Capítulo I, dedicado a “Penas Principais”, passa a ter o seguinte conteúdo: “1 - O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, bem como a da pena de multa imposta a condenado que não tenha possibilidade de a pagar. 2 - A suspensão será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. 3 - A decisão condenatória especificará sempre os fundamentos da sua suspensão. 4 - O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado.”; sendo que no artigo 49º estavam especificados os deveres que podiam condicionar tal suspensão.
Com a alteração introduzida nesta diploma pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, a suspensão da pena ganhou maior amplitude, posto que o regime de prova foi encarado em novo enquadramento, perdendo autonomia e foi descaracterizado como pena autónoma de substituição, passando a ser configurado como uma modalidade da suspensão da execução da pena, ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão da execução da pena de prisão.
Na sequência, o artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa proibiam ou restringiam a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da pena de prisão; sendo que, por outro lado, a pena de multa deixou de ser abrangida pela suspensão, determinando o artigo 7.º do citado Decreto-Lei que “enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal não abrange a pena de multa”.
Com a reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, foi modificado o pressuposto formal, alargando o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos, e alterando o período de suspensão, fazendo-o coincidir com a duração da pena.
Nesta medida ficou alargado o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos; sendo certo, ainda, que a aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como refere Maia Gonçalves (41) “este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos”.

O mais Alto Tribunal (42) determina qual o procedimento a levar a efeito pelo Tribunal a propósito da aplicação da suspensão da pena de prisão ao afirmar que “(…) é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição”.

Tida esta como uma verdadeira pena e não como uma forma de execução de uma pena de prisão pela maioria da doutrina penal portuguesa (43) deve sempre deixar de ser decretada “se a ela não se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) visto que não estão aqui em causa quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrecusáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto”.
Como vimos o novo ordenamento jurídico-penal, hoje em vigor, consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição, posto que, em contraponto com as penas principais – estas que são as que que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras as penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal – as penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Nessa medida a suspensão de execução da pena assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como «[...] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (44)

Vale tudo por dizer que este instituto correspondente, em termos gerais, a uma pena que embora sendo efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, suspendendo-se a sua execução por se entender que a mera censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para arredar o agente da criminalidade e satisfazer, simultaneamente, as necessidades punitivas, mas tendo em si a inegável virtualidade de permitir em liberdade a ressocialização, ao ser dada ao condenado a oportunidade de se reabilitar em liberdade (45), sem com isso desconsiderar as exigências preventivas. (46)
Apresenta-se, assim, como uma medida de cariz essencialmente pedagógico e reeducativo, e que nas palavras de Hans-Heinrich Jescheck (47) surge como “um meio multifacetado de reacção ao crime, conjugando várias dimensões ao encarnar, concomitantemente, uma pena – pressupondo uma condenação a uma pena cuja execução é suspensa –, um meio de correcção – especialmente quando escoltado por certos deveres –, uma medida de apoio social – quando acompanhado de regras de conduta que afectam o comportamento futuro do agente – e oferecendo ainda uma faceta sociopedagógica activa – enquanto estímulo para que o agente se concentre na sua recuperação.”
Apresentando-se, pois, como “a ideia de preservação dos condenados relativamente aos efeitos deletérios e criminógenos das penas (essencialmente curtas, mas também médias) de prisão enquanto baluarte histórico e político-criminal do mecanismo da suspensão, tornando-se agora inequívoco e manifesto o intuito político-criminal que domina o instituto da suspensão da execução da pena: o afastamento dos agentes da criminalidade. (48)
Fazendo presentes as normas dos artigos 50º a 57º do Código Penal importa concluir que a suspensão da execução da pena privativa da liberdade, para além de servir a tutela da sociedade e visar a prevenção da prática de crimes, se orienta, fundamentalmente, no sentido da reintegração social do arguido e da sua reinserção na vida comunitária (49).
Desde logo, o primeiro traço que resulta da disciplina da suspensão da execução da pena de prisão prende-se com o seu âmbito de aplicação, susceptível de abarcar todas e quaisquer penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos, havendo, igualmente, um poder-dever do tribunal (50) – um poder vinculado do julgador - que lhe imporá decretar a suspensão da execução das penas enquadradas nesse limite, quando “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, [se] concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, o pressuposto formal da aplicação da suspensão é a condenação do agente em pena de prisão até 5 anos, ao passo que para satisfação do pressuposto material é necessário que o Tribunal, após a analise do conjunto das circunstancias adequadas para o efeito emita um juízo de prognose favorável em relação à conduta do agente, no sentido de serem a mera censura e a ameaça da prisão, suficientes para acautelarem as finalidades das penas, podendo ser acompanhadas ou não pela prescrição de deveres e/ou regras de conduta ou mesmo de regime de prova, caso sejam entendidas fundamentais para que tal desiderato seja alcançado.

Isto é, para que seja decretada tal medida suspensiva, para além da verificação do pressuposto formal, é necessário que seja formulado um juízo que conclua pela adequação entre a ameaça da prisão e a simples censura do facto originadas pela suspensão e as necessidades preventivas, especiais e gerais, que no caso concreto subsistam, razão da indispensabilidade de, após uma ponderação global conjunta acerca da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias do facto, o Tribunal julgue conveniente a opção pela suspensão, de modo a afastar o agente da criminalidade e a permitir-lhe a obtenção de uma ressocialização extramuros, sendo certo que tal juízo de prognose favorável tem necessariamente de decorrer da imagem do autor no momento da avaliação, isto é, na altura da decisão, e já não aquando da prática do crime, pelo que será possível que outros factos puníveis cometidos posteriormente pelo mesmo agente sejam tidos em conta, podendo influenciar desfavoravelmente esta apreciação.
Não podem, contudo, nunca serem obliteradas as necessidades de prevenção geral, no sentido de reiteração na validade das normas, de sedimentar a confiança da comunidade na sua existência e ponderação em concordância com as finalidades do Direito e da Justiça, não podendo ser colocada em crise a crença nos valores e bens constitucionalmente protegidos e guarnecidos com a tutela penal.
Vale tudo por dizer que, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando à mesma obstem as finalidades da punição, nomeadamente as de consideração de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto. (51)

Descendo ao caso dos autos e, por um lado analisando o certificado de registo criminal do recorrente R. V. constata-se que o mesmo foi já alvo de condenações anteriores.

Com efeito este recorrente foi condenado:

- Processo Sumário nº 238/07.0PAVCD, TJ Vila do Conde, 1º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 292º, nº 1, do CP, praticado em 21-04-2007, decisão de 23-04-2007, pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €8, extinta pelo cumprimento em 20-07-2007 e pena acessória de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
- Processo Comum (Singular) nº 282/05.1GTBRG, 2º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 348º do CP, praticado em 25-06-2005, decisão de 01-10-2007, trânsito em julgado em 02-11-2007, pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €3,50, extinta em 04-12-2007.
- Processo Sumaríssimo nº 274/07.6GTBRG, TJ Guimarães, 3º Juízo Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 353º do CP, praticado em 14-06-2007, decisão de 11-04-2008, trânsito em 11-04-2008, pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €10, extinta em 09-07-2008.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 1116/09.3TAGMR, Varas Comp. Mista, 1ª Vara, 2 crimes p. p. art.º 261º, nº 1, do CP 1 crime p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. a), b), c) e nº 3, do CP 1 crime p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), todos do CP 1 crime p. e p. pelo art.º 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do CP, praticados em 08-2007, decisão de 17-05-2011, trânsito em julgado em 06-06-2100, pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 2 meses, extinta em 06-08-2014.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 439/09.6PBCBR, Coimbra, Vara Comp. Mista, 1ª Secção, 1 crime p. e p. pelo art.º 205º, nº 1 e nº 4, al. b), com referência ao art.º 202º, al. b), do CP, praticado em 26-02-2009, decisão de 20-07-2011, trânsito em julgado em 20-09-2011, pena de 3 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sujeita a deveres, extinta em 15-12-2015.
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 24/08.0JAAVR, Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo-Juízo de Média Instância Criminal, 1 crime p. e p. pelo art.º 199 da Lei nº 1/2001, de 14-08, 1 crime p. e p. pelo art.º 218º do CP, praticados em 10-03-2005, decisão de 09-05-2013, trânsito em julgado em 11-06-2013, pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €9, substituída por 166 dias de prisão, suspensa por 12 meses, extinta em 15-07-2017.
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 89/12.0IDPRT, TJ Porto Este- P. Ferreira- JL Criminal, 3º Juízo, 1 crime p. e p. pelo art.º 87º, nº 1, do RGIT, praticado em 26-05-2010, decisão em 03-04-2014, trânsito em julgado em 13-05-2014, pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €6, extinta em 08-05-2015.
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 473/10.3IDPRT, TJ Vila Nova de Gaia, 4ª Secção, 1 crime p. e p. pelos artigos 103º, nº 1, al. c) e 104º, nº 2, do RGIT, praticado em 2007, decisão de 22-04-2014, trânsito em julgado em 22-05-2014, pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por 400 horas de trabalho.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 378/03.4TASTS, TJC Porto-V. Conde-JC Criminal, Juiz 4, 1 crime p. e p. pelos arts. 103º, nº 1 e 140, do RGIT, praticado em 2001, decisão de 10-07-2013, trânsito em 19-06-2015, pena de 2 anos e 10 meses de prisão e pena acessória de publicidade da decisão condenatória.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 7087/13.4TDLSB, Penafiel-JC Criminal-Juiz 1, 1 crime p. e p. pelos artigos 217º e 218º, nº 1, do CP, 2 crimes p. e p. art.º 256º, nº 1, al. e), do CP, decisão de 17-09-2015, trânsito em julgado em 19-10-2015, pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 10 meses, mediante regime de prova.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 864/05.1TAPNF, Penafiel, 1º Juízo, 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção p. e p. pelo art.º 30º, nº 2, do CP e art.º 36º, nº 1, al. c), nº 2 e nº 5, al. a), do DL nº 28/84, de 20-01, praticado em 01-01-2003, decisão em 18-03-2016, trânsito em julgado em 26-05-2016, pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 4 anos e 6 meses, mediante plano individual de readaptação social e pena acessória de publicidade da decisão condenatória.
- Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 211/14.1TAPFR, Penafiel-JC Criminal-Juiz 1, 1 crime de falsificação de boletins, ata ou documentos p. e p. pelo art.º 199º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14-08, praticado em 27-01-2011, decisão de 25-01-2017, trânsito em julgado em 24-02-2017, pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
- Processo de Cúmulo Jurídico nº 211/14.1TAPFR.1, TJCPorto Este-Penafiel-JC-Juiz 1, decisão de 21-09-2017, Trânsito em julgado em 25-10-2017, pena única de 6 anos de prisão efectiva.
- Processo Comum (Tribunal Singular) nº 134/10.3IDBRG, TJC Braga, Guimarães- JL Criminal-Juiz 2, 1 crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º, nº 1, 103º, nº 1, alíneas a) e c), 104º, nº 1, alíneas d) e e) e nº 2, do RGIT, praticado em 09-2006, 20 meses de prisão, suspensa por 20 meses, acompanhada de regime de prova e de deveres.

Mais ficou demonstrado que, aquando da audiência de julgamento em 1ª instância, o mesmo se encontrava recluído no Estabelecimento Prisional do Porto, desde o dia 26-02-2016, à ordem do processo nº 378/03.4TASTS para cumprir a pena de dois anos e dez meses de prisão, estando o respectivo termo previsto ocorrer a 26/12/2018.

Além disso não ficou patenteado qualquer sinal de arrependimento ou auto-censura.
Na análise conjunta dos factos antes vertidos, que se centram na conduta delituosa perpetrada pelo ora recorrente que se conhece nos presentes autos, na sua conduta pregressa que já havia sido merecedora de censura penal, mas ainda a ausência de qualquer sinal de arrependimento ou auto-censura ao Tribunal “ad quem” não é possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena, ainda que acompanhados de um regime de prova, sejam o suficiente e o adequado para que se atinjam as finalidades da punição, a que se alude no artigo 40º do Código Penal.
Isto posto teremos, pois, de concluir que são avultadas as exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido, ora recorrente, já mostrou não ser capaz de alinhar a sua conduta pelas normas sociais vigentes.
Prementes são, ainda, as necessidades de prevenção geral posto que a comunidade exige a reposição das normas jurídicas violadas face à conduta do arguido de molde a ser reposta a necessária e imprescindível garantir da tutela do ordenamento jurídico, tanto mais quando se trata da problemática relativa aos crimes fiscais que campeiam numa sociedade onde o sucesso e o lucro fáceis são a modo de vida de muitos à custa do esforço fiscal de uma minoria, situação que importa reverter.

Nesta medida bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela efectivação da pena de prisão de 2 anos aplicada ao recorrente R. V..

No que tange ao pedido formulado pelo mesmo recorrente quanto à substituição da pena de prisão à luz do disposto no artigo 45º, nº 1 do Código Penal, terá o mesmo de improceder por falta de fundamento legal.


O recorrente R. V. ultima a sua lide recursal veio suscitar a inconstitucionalidade material da norma do artigo 103º, nº 2 e 3 do RGIT.
Para tanto alega, em síntese, que estando em causa impostos de obrigação única, como sucede com o IVA, as declarações apresentadas pelo sujeito passivo, podem ser mensais ou trimestrais, consoante o tipo de contabilidade e organização contabilística que o mesmo possua, outrossim consoante a opção que o sujeito passivo/contribuinte opte como mais benéfica para o seu caso.
Além disso refere que o patamar dos 15.000,00€ (quinze mil euros) referidos no artigo 103.º dirá respeito tanto ao tipo de crime-base, como ao seu tipo qualificado, não obstante, se considerar que este patamar mínimo se refere ao tipo de ilícito ou apenas a uma condição de punibilidade.
Aludindo à jurisprudência que cita como maioritária, que diz sufragar, e considerando que aquele será sempre o mínimo para que possa ser punido o crime, tanto na fraude simples, como na qualificada, torna-se de todo relevante enquadrar este preceito com o propugnado no número seguinte, designadamente, se os 15.000,00€ (quinze mil euros), enquanto condição de punibilidade deverão ser considerados consoante a declaração apresentada pelo utilizador.
Não sem que deixe de salientar que subjacente a esta condição de punibilidade a apresentação da declaração perante a Autoridade Tributária – neste caso a de IVA – importa questionar se, não ferirá os princípios constitucionais a punição dos sujeitos que, trimestralmente, apresentem a declaração do IVA, e na qual, se encontrem inseridas facturas dos diversos meses, computando assim o montante de 15.000,00€, relativamente aqueles que a apresentam mensalmente mas em valor inferior, mas que, em condições de igualdade, se atendidos os valores apresentados no computo dos três meses, atingem de igual modo que os primeiros, o valor de 15.000,00€, não sendo, todavia punidos, pelo simples facto da sua declaração de IVA ser mensal e não trimestral.

Estabelece o artigo 103º do RGIT, sob a epigrafe de “Fraude”, que:

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Da leitura da mencionada norma é de concluir que o referido crime de fraude fiscal é cometido por acção na previsão das alíneas a) e c) do nº 1 e é realizado por quem alterar factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especialmente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável (alínea a) e, ainda, por quem celebre negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas (alínea c).
Já o mesmo ilícito se acha por omissão nas condições previstas nas alíneas a)
e b) do referido nº 1, isto é por quem oculte factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável (alínea a), tal como por quem oculte factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à Autoridade Tributaria (alínea b).
Todavia tais comportamentos não são alvo de punição se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15.000,00, de acordo com o consignado no nº 2 da citada norma.
Vemos, pois, que o legislador entendeu curial fixar um limite mínimo de incriminação, o que segundo o Germano Marques da Silva (52) faz transparecer “duas as exigências politico – criminais subjacentes nestas previsões normativas: a) punir apenas as condutas que acarretem ou possam acarretar dano quantitativamente grave ao erário; b) evitar os efeitos paralisantes para as estruturas judiciárias de múltiplos processos criminais de pouca monta.”
Se vem sendo discutida a natureza desta cláusula, no sentido de averiguar se o montante pecuniário mínimo constitui um dos elementos do tipo ou, ao invés, se se numa traduz numa condição objectiva de punibilidade, certo é que a diversa opção se situa ao nível da exigência, ou não, de uma actuação dolosa que integre, ainda, o montante indevido.
Contudo, e no que atende à questão sob sufrágio, importa afirmar que a mencionada norma não viola o princípio da igualdade, a que alude o artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa.

Naquele dispositivo, sob a epigrafe de “Principio da igualdade”, fica estabelecido que:

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Tal princípio, nos termos consignados no acórdão do Tribunal Constitucional nº 266/2015 (53) “desdobra-se em duas «vertentes» ou «dimensões»: uma, a que se refere especificamente o n.º 1 do artigo 13.º tem sido identificada pelo Tribunal como proibição do arbítrio legislativo; outra, a referida especialmente no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, tem sido identificada como proibição da discriminação.

Em ambas as situações está em causa a dimensão negativa do princípio da igualdade.

Do que se trata - tanto na proibição do arbítrio quanto na proibição de discriminação - é da determinação dos casos em que merece censura constitucional o estabelecimento, por parte do legislador, de diferenças de tratamento entre as pessoas. Mas enquanto, na proibição do arbítrio, tal censura ocorre sempre que (e só quando) se provar que a diferença de tratamento não tem a justificá-la um qualquer fundamento racional bastante, na proibição de discriminação a censura ocorre sempre que as diferenças de tratamento introduzidas pelo legislador tiverem por fundamento algumas das características pessoais a que alude - em elenco não fechado - o n.º 2 do artigo 13.º. É que a Constituição entende que tais características, pela sua natureza, não poderão ser á partida fundamento idóneo das diferenças de tratamento legislativamente instituídas. (…).

Volvendo ao caso dos autos, e fazendo presente a letra do artigo 103º do RGIT, é certo que a sua consumação apenas ocorre perante o preenchimento de qualquer das condutas típicas descritas, quer por acção ou por omissão, praticada com dolo e caso a vantagem patrimonial for igual ou superior a €15.000,00.
Mas uma outra condição se exige no caso do Imposto de Valor Acrescentado, qual seja a da entrega da declaração periódica perante a Autoridade Tributaria, entrega esta que pode ser mensal ou trimestral.
E é indiferente à dita consumação criminosa o prazo estipulado para a entrega da falada declaração periódica, desde que estejam reunidos os elementos do tipo, na sua vertente objectiva e objectiva e a vantagem patrimonial atinja o valor cifrado na lei, não ocorrendo a quebra do princípio da igualdade entre os contribuintes, consoante o respectivo regime.
É que comum à conduta de qualquer deles, independentemente da periodicidade da entrega da declaração periódica, está a violação dos deveres primordiais que se impõem ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária, quais sejam os deveres de colaboração, verdade, lealdade e transparência.
A. T. (54) a isso mesmo alude quando defende que ao ser analisada a norma incriminadora somos levados a concluir que o crime tem subjacente uma relação jurídico-tributária entre o sujeito passivo e o estado fiscal em que a obrigação principal consiste na prestação tributária e existem obrigações e deveres de colaboração, como o direito de informar, destinados a apurar e a tornar efectiva aquela.
Não deixando de afirmar que alguns desses deveres de colaboração constituem condutas típicas assumindo um papel determinante para a sobrevivência de todo o sistema fiscal.

Vale tudo por dizer que não se acha, nos termos consignados, qualquer rasura ao mencionado princípio da igualdade no versado artigo 103º, nº 3 e 4 do RGIT, pelo que se indefere à lide recursal do recorrente R. V..
*
. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação Criminal de Guimarães em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente R. V. e, em consequência, mantêm integralmente a decisão recorrida;
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente J. C. e, em consequência, mantêm integralmente a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes R. V. e J. C. que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do gozo de eventual benefício de apoio judiciário.


O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela sua relatora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal.

Guimarães, 11 de Junho de 2019

Maria José dos Santos de Matos
Armando da Rocha Azevedo



1. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1239.
2. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo nº 1164/09.3JDLAB.L2.S1/3ª Secção de 09 de Julho de 2014, publicado em www.dgsi.pt.
3. Acórdão firmado no Processo nº 370/15.6JALRA.C1, em 08/02/2017, publicado em www.dgsi.pt.
4. Vide, por todos, os acórdãos datados de 15/12/2005, 09/03/2006 e 04/01/2007que foram prolatados, respectivamente, nos Processos nºs 05P2951, 06P461 e 4093/06, publicados em www.dgsi.pt.
5. Acórdão datado de 10/01/2007, proferido no Processo nº 06P3518, publicado em www.dgsi.pt.
6. Acórdão proferido no Processo 9/13.4PATVR.E1.S1, com data de 18/02/2016, publicado em www.dgsi.pt.
7. Código de Processo Penal Comentado de António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, Coimbra, 2014, 1389 e seguintes.
8. Acórdão datado de 08/02/2017, prolatado no Processo nº 370/15.6JALRA.C1, publicado em www.dgsi.pt.
9. Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999.
10. Acórdão da Relação de Évora, de 08/11/2011, publicado no sítio daquele tribunal.
11. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/06/2008, publicado em www.dgsi.pt.
12. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/09/2008, publicado em www.dgsi.pt.
13. O Conhecimento Probatório do co-arguido, Coimbra, 1999.
14. Respectivamente em “Curso de Processo Penal”, vol. II, reimp. Lisboa, 1981 e “Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II”.
15. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325.
16. Código do Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274.
17. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325 e Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274 e 1275.
18. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 1074.
19. No Acórdão proferido no Processo nº 662/09.3TALRS.L1-5, disponível em dgsi.pt.
20. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo, 326.
21. Acórdão proferido no processo nº 87/14.9YFLSB/3ª Secção de 20/11/2004, disponível na dgsi.pt.
22. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1275.
23. Acórdão proferido a 18/07/2013 no Processo nº 1/05.2JFLSB.L1-3, publicado em www.dgsi.pt
24. Código do Processo Penal Anotado, Volume II, página 140.
25. Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 111.
26. Direito Processual Penal, Vol. I., 1974, Coimbra, pág. 202.
27. Acórdão do STJ, 21/10/1999, proc. nº 1191/98, 33, SASTJ, nº 27.
28. Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 50.
29. Acórdão do TC nº 542/97, publicado no sítio daquele tribunal.
30. Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, 1988, pp. 227 e ss.
31. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4ª edição, Vol. I, 519.
32. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2013, publicado em www.itij.pt.
33. Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo Editora, 289
34. Acórdão do STJ, de 30 de Dezembro de 2002, proferido no Processo 3063/01, publicado no sítio daquele tribunal.
35. Acórdãos do STJ de 17 de Março de 2004, proferido no Processo nº 4026/03; de 7 de Fevereiro de 2002, proferido no Processo nº 3998/00 e de 12 de Abril de 2000, proferido no Processo nº 141/00, todos publicados no sítio daquele tribunal.
36. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 4ª edição, 392 e 393.
37. Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os fundamentos da doutrina Penal/Sobre a doutrina geral do crime, Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 104 e seguintes.
38. Acórdão de 04/03/2015, proferido no processo nº 30/14.5PAACB.C1, publicado na dgsi.pt.
39. Direito Criminal, II, Almedina, 1965, «§ 21. Substituição da Pena. A reacção contra as penas curtas de prisão», pp. 392 e segs.
40. «A suspensão condicional da execução da pena e os efeitos do não cumprimento das condições», Revista de Legislação e Jurisprudência, 74º, pág. 119.
41. Código Penal Anotado, 14ª edição, 191.
42. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/1995, publicado no sítio daquele tribunal.
43. Neste sentido vide por todos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 3/2006/T publicado no D.R. de 07/02/2006 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90 e 344.
44. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90.
45. Karl, Lackner, Die Strafaussetzung zur Bewährung und die bedingte Entlassung”, in JZ, 1953, 428.
46. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, I Vol., Lisboa, Rei dos Livros, 2002, 639.
47. Tratado de Derecho Penal, Parte General, Granada: Editorial Comares, 1993, 72.
48. Jorge de Figueiredo Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 124.º, número 3804, 1991, 68.
49. Fausto Giunta, Sospensione condizionale della pena, Enciclopedia del Diritto, Vol. XLIII, Sospensione – Sviluppo, Milano, Giuffrè, 1990, 91 ss.
50. Manuel Mais Gonçalves, Código Penal Português, 14ª edição. 215; Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação conexa e complementar, Lisboa, Quid Juris, 2008, 178.
51. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, 344.
52. Direito Penal Tributário, 2009, Lisboa, Universidade Católica Editora, 78.
53. Decisão proferida no Processo nº 842/14, publicado no sítio daquele Tribunal.
54. O Crime de Fraude Fiscal : Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico, Coimbra Editora, 92.