Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1166/14.8TBGMR-B.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
DEVER DE COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A negação de factos verdadeiros - ainda que subjetivamente a parte, por falta de cumprimento dos cuidados elementares de pré-indagação, os considere falsos - integra litigância de má-fé;

II - Declarar desconhecer a realidade de um facto não é, porém, a mesma coisa que negá-lo - com a consequente necessidade de sobre ele se produzir prova -, distintas sendo as consequências processuais de uma e outra atitude e a possibilidade de uma e outra conduzirem à “alteração da verdade dos factos”;

III - Uma declaração de desconhecimento sobre a realidade de factos pessoais equivale a confissão nos termos do art. 574º, nº 3, do CPC, não tendo, pois, por força da lei processual, potencialidade para obstaculizar à descoberta da verdade e, consequentemente, para impedir a “justa decisão do caso”;

IV - O art. 417º do CPC cuida dos casos de violação do princípio da cooperação com menor gravidade, em que os prejuízos causados à administração da justiça e os danos à contraparte se encontrem acautelados pelas consequências probatórias que se retirem da recusa e pela condenação em multa de menor montante, enquanto a aplicação do instituto de litigância de má-fé deve ficar reservada para aqueles casos em que tais medidas, em atenção à especial gravidade da conduta, não se afigurem suficientes para fazer face aos prejuízos, beneficiando ainda o infrator com a violação do dever de cooperação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Inconformada com a decisão que a condenou como litigante de má-fé em multa de 3 UC, veio a Ré recorrer desta decisão apresentando as seguintes conclusões:

- O despacho recorrido é nulo, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 615° n.º 1 aI. b) do CPC pois, no caso concreto, o despacho recorrido limita-se a condenar a ré em 3 UC sem justificar, em concreto, tal opção. Isto é, não se enxerga a razão pela qual o tribunal a quo optou condenar a ré em multa de 3 UC e não 1 ou 2 Ue.
- Olhada a fundamentação do despacho em recurso, vemos que o mesmo é totalmente omisso na motivação/ análise crítica da prova, pois
- Nada se diz na motivação da decisão, designadamente a razão por que se optou pela multa de 3 UC e não outra, sendo que o julgador terá de ponderar e valorar todos os factos alegados e os meios de prova produzidas, dando nota de qual a relevância atribuída a cada um deles, quais os motivos, do "porquê" de ter julgado os factos num ou noutro sentido (análise crítica da prova).
- Verifica-se que, no caso, a convicção do Tribunal se reduz a nada, pois que se fica pela mera aplicação da multa de 3 UC sem se explicarem as razões pelas quais assim se optou.
- O momento da fundamentação é, pode dizer-se, o momento mais crucial de toda a ação judicial, pois deve evidenciar, para todos os efeitos, as razões que alicerçam a decisão, tomando-a transparente e reveladora da imparcialidade e independência de quem julga.
- Por isso, um despacho condenatório não fundamentado é o mesmo que um despacho caprichoso, pois é segredo para os outros e apenas está (estará) fundamentada na mente do seu autor.
- Mas mais que nulo, o despacho recorrido está afetado de inconstitucionalidade, porquanto nada fundamenta, como o exige o artº 205°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, cujo princípio entronca naquele mais geral que é o direito de defesa previsto no artº 32°, nº 1, com a força jurídica estabelecida no artº 18º e cujo conhecimento se impõe ao Tribunal de recurso, ao abrigo do artº 204° do mesmo diploma.
- Mesmo que assim senão entenda, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre a recorrida pugna o entendimento de que, in casu, não estão reunidos os pressupostos para a condenação como litigante de má-fé, conforme o disposto nas alíneas a) a d) do artigo 542.° do CPC.
- A sanção por litigância de má-fé apenas deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes. A condenação por litigância de má-fé só deve ser proferida quando não haja dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Daí que, para que se conclua que uma parte litigou de má-fé não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal - veja-se, neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 12/05/2005 e 06/10/2005 in vvvvvv.dgsi.pt/jtrp.
10ª - Ora, da análise do comportamento processual da ré não pode concluir-se pela sua litigância de má-fé, pois até os Autores desistiram do pedido de indemnização de litigância de má-fé que haviam formulado.
Com efeito, deve ter-se em boa linha de conta que a ré é uma associação, composta por uma Direção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal, sendo que estes órgãos são ocupados por pessoas mandatadas por um determinado período de tempo (no caso, 2 anos) para gerir a dita associação.
11ª - No caso em apreço, a Direção da Ré presidida pelo Autor marido e da qual eram diretores as testemunhas C. M. e E. F. administraram a ré nos anos de 2009 a finais de 2012 (cfr. ponto 2 dos factos provados e os depoimentos do Autor marido e das testemunhas gravados).
12ª - Ora, os diretores da Ré que assumiram a Direção após a demissão do Autor marido e restantes diretores (em 2012) não faziam parte dos órgãos sociais dos mandatos do Autor marido - cfr. as procurações de fIs. 83 e 100 e as atas de fIs. 76-77; 81 - daí desconhecerem o contrato de mútuo em causa nos autos ou os empréstimos do Autor.
13ª - Aliás, foi esse desconhecimento que levou a própria ré a requerer a notificação do Banco X para esta juntar aos autos o aludido contrato de mútuo ¬cfr. fIs. 120-122 e fIs. 141 a 146.
14ª - Por outro lado, são os Autores quem alegam na PI a celebração do contrato de mútuo (cfr. artigos 70° a 73°) e, por isso, considerando o ónus da prova, impendia sobre eles a junção aos autos de tal documento (cfr. artigo 342° do CC e fIs. 110), pois aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
I5ª - Não pode a ré ser «castigada» por um comportamento omissivo ou negligente dos Autores, nem pode ser «punida» por um facto que competia aos Autores provar.
16ª - Note-se que, como se alcança dos depoimentos gravados das testemunhas, foi o Autor marido e as restantes 2 testemunhas, os diretores C. M. e E. F., que fizeram o que muito bem entenderam junto da entidade bancária Banco X, decidindo contratar o empréstimo, vinculando a ré, sem darem sequer o mínimo conhecimento desse negócio aos sócios/associados da ré a quem deviam prestar contas da sua gestão. Está provado que a Assembleia Geral da Ré não autorizou previamente a contratação do empréstimo junto da Banco X (dr. ponto 13 dos factos provados).
17ª - Acresce que não constam dos relatórios anuais de contas da ré os empréstimos do Autor. Se estes lá não constam, não se pode concluir que a ré negou tais empréstimos. Além do mais, tais relatórios anuais de contas foram elaborados pela Direção do Autor marido e das citadas testemunhas, e não consta dos autos que tenham sido aprovados pelo Conselho Fiscal, pois nem sequer está junto o respetivo Parecer.
18ª - A ré limitou-se pois a alegar desconhecimento, competindo aos Autores provarem tal facto. Aliás, por referência aos documentos dos autos - não se sustenta quais são os relatórios anuais de contas da ré onde alegadamente constam tais empréstimos.
19ª - Por outro lado, foram patentes nos autos as dificuldades da ré em juntar as atas solicitadas, como se alcança dos requerimentos de fIs. 120 e 139, mas que acabou por juntar as que possuía com o requerimento de fIs. 196 a 201.
20ª - Aliás, as dificuldades na obtenção das atas foram justificadas sempre desde o inicio do processo e reiteradas no requerimento de fIs. 232 a 234, que aqui se reproduz, motivadas pelo facto dos atuais membros da Direção da Ré (que, repete-se, não fizeram parte das anteriores Direções) nunca terem localizado os livros das reuniões da Direção e da Assembleia Geral respeitantes aos mandatos anteriores, apurando, a final, que tais livros nunca existiram, sendo tais atas elaboradas em documentos avulsos, sem registo e de forma avulsa, para o caso concreto a tratar.
Os Autores sempre foram disso conhecedores, pois a própria ata da Direção, presidida pelo Autor marido, que serviu ou foi utilizada para celebrar o contrato de mútuo em causa com o Banco X foi em documento avulso, como se alcança de fIs. 200V.
21ª - A atuação da ré não desrespeitou pois o tribunal ou a parte contrária, pois, de outro modo, os Autores não teriam desistido do pedido de litigância de má¬fé formulado.
22ª - Aliás, como resulta dos depoimentos gravados do Autor marido e das testemunhas, a parte contrária conhecia bem a realidade da ré, que é uma associação totalmente amadora, gerida por pessoas que, de modo voluntário, sem qualquer remuneração, se dedicam a procurar fazer bem aos associados que a procuram, sobretudo jovens, para a prática do desporto, nomeadamente andebol e outros desportos tradicionais, como damas e xadrez.
23ª - É uma associação de pequena dimensão, que não visa o lucro, e, na qual, as questões formais e documentais são, muitas vezes, deixadas para “segundo plano”.
24ª - Deve também dizer-se que as questões formais de elaboração de atas, de relatórios e contas e pareceres, têm um cunho marcadamente jurídico, não sendo exigível aos legais representantes da ré que tivessem conhecimento das implicações processuais da falta de livros de atas.
25ª - Daí que não possa imputar-se à ré e ao seu legal representante um comportamento consciente e reprovável com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.
26ª - Nenhum dos comportamentos imputados à ré, pode pois considerar-se de má-fé no sentido do desrespeito do tribunal ou da parte contrária, eivado de um comportamento doloso ou gravemente negligente.
27ª - Não existem pois nos autos elementos que levem à conclusão da litigância de má-fé no sentido de que ela só deve ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, não se levantando quaisquer dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
28ª - O montante da multa aplicada de 3UC é, assim, desajustada e indevida.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, nos termos das articuladas conclusões,
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).
Assim sendo, no caso, são as seguintes as questões a decidir:
- Saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação;
- Saber se, no caso, se verificam os pressupostos da condenação por litigância de má-fé.
***
III. Factos a considerar

1. Na sequência de acórdão desta Relação proferido em 05.01.2017, que anulou sentença anterior no tocante à condenação da Ré como litigante de má-fé, determinando que as partes fossem notificadas para se pronunciarem sobre essa matéria, e depois de a Ré ter vindo salientar o facto de a atual Direção da mesma ser distinta da que a administrou nos anos de 2009 a finais de 2012 e daí desconhecerem o contrato de mútuo em causa nos autos ou os empréstimos do Autor, o que a levou a requerer a notificação do Banco X para esta juntar aos autos o aludido contrato de mútuo, estando, por outro lado, provado que a Assembleia Geral da Ré não autorizou previamente a contratação do empréstimo junto do Banco X (cfr. ponto 13 dos factos provados) e não constando dos relatórios anuais de contas da Ré os empréstimos ao Autor, foi proferida a seguinte decisão:
No seguimento do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação, e após contraditório das partes, vieram os Autores desistir do pedido de condenação como litigante de má fé; a Ré veio alegar que não estão reunidos os pressupostos para a condenação. Dão-se aqui como reproduzidos todos factos alegados, provados e motivação da sentença.
Como aí é referido, a Ré invocou em sede de contestação, fundamentos inexistentes ou que sabia não serem verdade.
A Ré é uma pessoa coletiva, não se podendo escudar em ter mudado de órgãos, sendo que resultou provado que conhecia o contrato celebrado pela Direção com o Banco X desde, pelo menos, janeiro de 2013 e que existiam relatórios anuais desde 2010, juntos aos autos, onde constam empréstimos do Autor. As atas da assembleia deveriam ter sido juntas e se não as tem a Ré, como associação de interesse coletivo e com órgãos fiscalizadores, deveria garantir que existiam – não tendo sido oportunamente provado o desconhecimento, pelo que só se pode concluir, como antes, que a Ré atua de má fé, com uma alteração consciente da verdade dos factos, deduzindo uma oposição cuja falta de fundamento não ignorava e impedindo a descoberta da verdade, com a falta de colaboração, atitudes que não podem deixar de ser punidas.
Na base da má-fé está este requisito essencial: “a consciência de não ter razão” (Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, vol. 2º, pág. 263).
Estabelece o artigo 452.º do Código Civil, que a parte é condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, quando houver litigado de má-fé.
Uma vez que a Autora desistiu do pedido de condenação, condeno a Ré como litigante de má-fé em multa de 3 UC.
Notifique.
2. Na sentença a que alude o referido despacho, no que para o caso releva, consta o seguinte:

I. Relatório

A. F. e E. E., casados, contribuintes fiscais, respetivamente, … e …, residentes na rua da …, n.º …, concelho de Vizela, vieram intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CLUBE A, pessoa coletiva n.º …, associação sem fins lucrativos, com sede na rua …, concelho de Vizela, pedindo, a final a condenação da Ré a devolver aos Autores a quantia de € 11.854,82, correspondente às quantias pagas e as que vierem a pagar até ao término do contrato de mútuo, a liquidar em execução de sentença; se assim não se entender, a pagar aos Autores as referidas quantias.
Para tanto alegam, em síntese, que têm vindo, na qualidade de fiadores, a proceder ao pagamento das prestações mensais devidas ao Banco X, referentes a um contrato de empréstimo no montante de € 35.000 celebrado pela Ré, representado pela direção, que à altura era presidida pelo Autor marido e que esta deixou de pagar, depois de aquele apresentar a demissão.
Foi citada a Ré para CONTESTAR a presente ação, nos termos legais, o que fez, concluindo pela improcedência do pedido, alegando, em síntese, que desconhecem a existência do referido contrato e que a existir não obteve a aprovação em Assembleia geral, como exigem os Estatutos e Regulamento Interno e era do conhecimento da direção, pelo que é nulo.
Foi proferido saneador e designado dia para Audiência de Discussão e Julgamento, a qual se realizou perante o tribunal singular, segundo o formalismo legal.
Para solucionar fica, deste modo, a questão de se saber se se verificam os pressupostos da obrigação de obrigação de restituir a quantia peticionada, havendo que, em sede de audiência final, apurar, se o contrato foi celebrado e em que termos, qual a quantia entregue à Ré e a quantia que os Autores suportaram e se tal é devida pela Ré.
Haverá ainda de apurar a condenação em litigância de má-fé da Ré peticionada pela Autora pela não junção devida das atas.

II. Fundamentação

Mantêm-se os pressupostos da instância verificados no momento da prolação do despacho saneador, não tendo ocorrido quaisquer circunstâncias com virtualidade para obstar ao conhecimento do mérito da causa (artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Factos Provados
Dos autos e do julgamento da causa resultaram assentes os seguintes factos principais:

1. A Ré é uma associação sem fins lucrativos, que tem por objeto desenvolver a educação física e o desporto, promovendo a sua prática especialmente entre os associados, proporcionar aos associados realizações de caráter cultural e recreativo e participar em campeonatos locais ou regionais de acordo com o aspeto competitivo das suas modalidades desportivas, nos termos dos Estatutos e Regulamento Interno juntos aos autos, e que aqui se dão como reproduzidos.
2. Em Julho de 2009, o Autor marido foi eleito para presidir à direção da Ré durante dois anos e reeleito para o mandato de 2011/2013.
3. O Autor, com o conhecimento dos órgãos sociais, injetou capitais próprios na Ré, para que esta pudesse fazer face às suas necessidades financeiras imediatas, até ao recebimento do subsídio atribuído pela Câmara Municipal, no início do ano de 2010.
4. O que acabou por não suceder durante esse ano e levou a que o Autor tivesse tido necessidade de voltar a injetar mais dinheiro.
5. Em 2011 o subsídio atribuído pela Câmara Municipal ascendeu a € 17.500 mas atribuído de forma faseada.
6. No início da época desportiva 2011/2012, o Autor, juntamente com os restantes órgãos sociais, conhecedores das dificuldades em que a Ré se encontrava, decidiram efetuar uma restruturação das suas equipas, terminando com a equipa sénior de andebol.
7. Tal medida não se revelou suficiente, o que levou a que, o Autor tivesse tido necessidade de injetar mais dinheiro.
8. No início de Janeiro de 2012, em reunião da direção, o Autor propôs a obtenção de um empréstimo por parte da Ré com o intuito de reforçar a sua capacidade financeira, mormente, com vista à liquidação de vários pagamentos em atraso (incluindo os empréstimos efetuados pelo Autor), proposta esta aceite por todos os elementos da direção.
9. O Autor diligenciou junto do Banco X no sentido desta conceder à Ré um empréstimo no montante de € 35.000,00, tendo aquela, no decurso das negociações, referido que, o concederia, caso os Autores figurassem no contrato de mútuo como fiadores, o que os Autores acederam, acreditando que a Ré iria proceder ao pagamento das respetivas prestações, com as quantias advindas, entre outras, do arrendamento do espaço comercial de café/bar denominado Clube A.
10. A 23/02/2012, a Ré e a referida instituição financeira celebraram um contrato de mútuo, no valor de € 35.000,00, pelo prazo de 72 meses, com penhor de crédito emergente de depósito a prazo dos Autores e sendo fiador solidário o Autor.
11. No ano de 2012, a Câmara Municipal não concedeu à Ré qualquer subsídio e, face à reprovação do plano da direção de reestruturação das atividades em Assembleia Geral, o Autor apresentou demissão.
12. Alguns meses após o Autor apresentar a sua demissão, a Ré deixou de proceder ao pagamento das prestações mensais devidas ao Banco X, o que levou a que, os Autores tivessem no decorrer do mês de Novembro de 2012, procedido ao pagamento parcial da 9.ª prestação, no montante de € 496,62 e assim sucessivamente, até aos dias de hoje.
13. A Assembleia Geral não autorizou previamente a contratação do empréstimo junto da Banco X, não tendo sido sujeito a qualquer deliberação depois de dele ter conhecimento, pelo menos desde janeiro de 2013.
14. A Ré alegou factos que sabia não serem verdade, referindo na contestação que desconhece o contrato com ao BANCO X e que o Autor injetou dinheiro na associação, não tendo juntado as atas que tinha em seu poder e que demonstravam o contrário.

Factos não provados

Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa.

MOTIVAÇÃO:

O tribunal formou a sua livre convicção na ponderação crítica e confronto entre os meios de prova produzidos, as regras da experiência e o senso comum, tendo em conta as regras próprias da repartição do ónus da prova.
Os factos supra descritos sob os números 1 e 2 foram admitidos em sede de contestação, sustentados nos documentos juntos de fls. 56 a 75 (constituição, estatutos e regulamento).
O Autor, em depoimento de parte, esclareceu as circunstâncias que levaram à celebração do empréstimo bancário, e que foi celebrado pela Direção, nos termos que pensavam ser legais e exigidos pelo Banco, nomeadamente a ata da direção junta (fls. 200 v.). Acrescenta que o empréstimo visava liquidar os empréstimos que o próprio já tinha feito à Ré e que tinha vindo a ser aprovados pelo Conselho Fiscal e pela Assembleia, nomeadamente o relatório de contas de 2009/2010 e 2010/2011, e que só depois da demissão é que surgiram problemas com a assunção de empréstimos pela Direção, com a alegação da existência de um regulamento interno que não conhecia, não tendo sido pagas as prestações pela Ré, mesmo depois de interpelada pelo Banco, tendo assumido pessoalmente tais pagamentos (juntando comprovativos aos autos).
Os relatórios de foram juntos em sede de audiência de julgamento pelos Autores (fls. 247 a 250), não o tendo sido pela Ré, mesmo depois de interpelada para tal (fls. 216) e confirmam a existência de empréstimos realizados pelo Autor à Ré e que ascenderam, pelo menos a € 28.968,79 (fls. 249) e que foram sendo sujeitos a parecer favorável do Conselho Fiscal e aprovados em Assembleia, não tendo aprovado o empréstimo bancário, quando, pelo menos, em janeiro de 2013, foi discutido, por não ter sido autorizado por Assembleia.
Estes factos foram corroborados pelos elementos da Direção, C. M., E. F., que também assinaram o contrato com o BANCO X, e que, de forma apenas determinada pelo conhecimento dos factos, descreveram as dificuldades financeiras, os empréstimos realizados pelo Autor e a celebração do contrato, com as garantias prestadas pelos Autores e a assunção do pagamento das prestações por estes.
A testemunha D. F., membro do Conselho Fiscal de 2009 a 2013, esclareceu que os relatórios de contas referidos foram aprovados e em março de 2011 até mereceram voto de louvor, constando dos mesmos o dinheiro emprestado pelo Autor, na qualidade de presidente.
3. Face à nulidade suscitada pela Recorrente, a Sr.ª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
Arguida a nulidade, como determinado e nos termos do artigo 617.º, n.º 1 alínea a) e n.º 5 do Código de Processo Civil, venho por aqui reiterar o despacho recorrido, sendo de indeferir a nulidade invocada.
De facto, o fundamento da condenação naquela multa em concreto retira-se das próprias circunstâncias invocadas para a condenação da Ré como litigante de má-fé, suas variantes e grau elevado, sendo que, mesmo assim e atendendo que se trata de uma pessoa coletiva, se situou perto do limite mínimo.
4. Nos termos do art. 662º, nº 1, e nº 2 , c), “a contrario”, do CPC, é ainda de considerar que:
a) Nos art.´s 17º e 19º da contestação apresentada pela Ré no processo principal pode ler-se, respetivamente: “ao que julga saber a atual Direção da Ré, terão sido apenas três os elementos da Direção presidida pelo Autor marido (este inclusive) que se juntaram e, em nome da Ré, decidiram unilateralmente celebrar o citado contrato de mútuo, sem previamente obter, como se disse, autorização da Assembleia Geral” e “os sócios da Ré foram apanhados de surpresa com a alegada contração de empréstimo pela Direção presidida pelo Autor marido, quando esta, na Assembleia Geral de 18 de janeiro de 2013, faz-lhe referência no Relatório e Contas de 2011/2012 em apreciação na dita Assembleia”.
b) Com a contestação a Ré juntou aos autos documento (doc. 3) que atesta o momento em que, segundo a motivação da decisão da matéria de facto, passou a ter conhecimento do dito empréstimo.
c) Em 08.05.2015, na sequência de notificação para juntar aos autos o contrato de mútuo em causa, a Ré, em consonância com a anterior alegação, veio dizer não estar na posse de tal documento, requerendo fosse ao Banco X notificada para proceder à junção do aludido contrato.
d) Na sequência da notificação para esse efeito realizada, em 11.06.2015, o Banco X juntou aos autos o contrato de mútuo em referência, não tendo a Ré impugnado o referido documento, reafirmando apenas em 09.07.2015 a sua posição quanto à invocada nulidade do dito contrato.
e) Em 17.11.2015, na sequência da não junção pela Ré da totalidade das atas requeridas pelos Autores, foi proferido despacho com o seguinte teor:
A existência e não junção por vontade da Ré será apreciada em sede de audiência de julgamento, podendo originar a condenação da Ré como litigante de má fé. Sem prejuízo, a falta de junção das referidas datas implicarão os efeitos probatórios previstos no artigo 417.º, n.º 2, por força do artigo 430.º, ambos do Código de Processo Civil.
f) O julgamento realizou-se em 11.12.2015.
***
O Direito.

- Da nulidade da decisão recorrida

Será a decisão em apreço nula nos termos do artigo 615º, nº 1, b), do Código do Processo Civil, ser omisso na motivação/análise crítica da prova e se limitar a condenar a Ré em 3 UC sem justificar, em concreto, tal opção?
A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º do CPC, que dispõe:
(…)
“2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Como todos sabemos, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art.º 615º.
Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - cfr. alínea b).
O referido vício determinante da nulidade da sentença corresponde à ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do citado art. 607º, nº 3, do CPC que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
A nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente (cfr. Acórdão desta Relação de 14.05.2015 e Acórdão do STJ de 04.05.2010 ali indicado).
“A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. (Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 06.11.2012).
Isso mesmo ensina Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140)
Deste entendimento não se tem desviado a Doutrina mais recente (Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág. 297; Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", III, pág.194).
Assim sendo, considerando que, no caso em apreço, a decisão recorrida remete para o teor do relatório, matéria de facto e motivação constantes da sentença proferida nos autos, relativamente à qual a mesma se apresenta como acessória e complementar, não se pode dizer que a dita decisão seja omissa quanto aos factos em que assenta e ao percurso racional que à decisão quanto àqueles conduziu, vendo-se, por outro lado, que, no que respeita ao direito desenvolveu considerações a propósito da questão da má-fé a decidir, considerações essas que - é de aceitar -, implicitamente, como veio dizer a Sr.ª Juíza no despacho em que se pronunciou sobre a invocada nulidade, fundamentam a opção pela multa concretamente aplicada.
Face ao exposto, cremos que não se pode concluir pela nulidade da decisão recorrida.

- Do erro na apreciação da má-fé processual

O princípio da boa-fé, vigente ao nível do direito substantivo, não pode ser transposto de forma automática para a realidade processual, que, por natureza, reclama no campo deixado aberto pela lei, uma liberdade especial dos litigantes (Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, pág. 377).
“Se no âmbito contratual, os interesses das partes se apresentam convergentes, pelo contrário, no âmbito processual, os interesses dos litigantes divergem, procurando cada um deles ganhar a causa. Ora, é exatamente em face desta dimensão conflitual ineliminável que surgem as mais complexas questões processuais: até que ponto se poderá exigir a lealdade no procedimento? Qual o limite que separa a conduta processual lícita da conduta processual ilícita”? (Marta Alexandra Frias Borges, in “Algumas reflexões em matéria de litigância de má fé”, pág. 24)
Tendo como ponto de partida estas interrogações, para avaliar se se mostra ou não ajustada a subsunção das atitudes da Ré à litigância de má-fé efetuada pela decisão recorrida, começará por se recordar que as condutas que integram aquela figura estão legalmente tipificadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 542º do CPC, impondo-se, por outro lado, ter presente que, como refere Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, pág. 196-197, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”.
Não se poderá, porém, esquecer que, como se enfatiza no Acórdão desta Relação de 11.05.2010, “a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística”, não se deduzindo mecanicamente da previsão legal e que, como se recorda no Acórdão, também desta Relação, de 15.10.2015, “de acordo com a interpretação que se vem fazendo do estatuído pelo artigo 456.º do Código de Processo Civil, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça”.
Isto dito.
A subsunção questionada prende-se com as hipóteses previstas nas alíneas b) e c) e, na perspetiva da decisão recorrida, também com a prevista na alínea a).
Segundo a primeira das referidas alíneas, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.
Em causa está, pois, o dever processual de verdade que vincula as partes nas suas alegações fácticas imposto pelo princípio da boa-fé processual que impõe aos litigantes um dever de verdade (havendo, porém, quem o qualifique como “proibição de falsas alegações” - Paulo Cunha, Simulação Processual e Anulação do Caso Julgado, pág. 31, nota 1).
Mas quais os contornos em que a “falta à verdade”, nas alegações de facto, poderá ser configurada como conduta que integre verdadeira litigância de má-fé?
Face ao que já se referiu, a partir da reforma operada pelo supra aludido diploma deixou de se poder dizer que apenas litiga de má-fé a parte que alega factos que sabe falsos, ou que nega factos consabidamente verdadeiros, passando, antes, “a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa-fé, não apenas que declarem aquilo que subjetivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares deveres de prudência e cuidado, impostos pelo princípio da boa-fé processual” (Cf. Paula Costa e Silva, Litigância de Má Fé, pág. 403).
Como se sublinha no estudo “Algumas reflexões em matéria de litigância de má fé”, de Marta Alexandra Frias Borges, “se antes desta data se podia considerar que sobre as partes não recaía qualquer dever de pré-indagação, após a mesma tem de admitir-se que sobre os litigantes passa a recair um dever de indagar a realidade em que fundam a sua pretensão ou defesa. Tal dever não se apresenta, porém, como um dever de indagação total, um dever de escrutínio absoluto, de modo que uma simples desconformidade com a verdade real dos factos fosse considerada ilícita. Ao invés, deverá apresentar-se como uma indagação que tome em conta os mais elementares deveres de cuidado, isto é, aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que atue de modo gravemente negligente, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo. Desta feita, atualmente poderá ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjetivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjetivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo. Com efeito, se uma certa incerteza é característica do próprio processo, essa incerteza não poderá ser tal que resulte apenas de uma atuação gravemente negligente na recolha do material fáctico da causa.” (obra citada, pág. 51).
Nesse sentido, para além dos casos de litigância de má-fé do réu por alteração da verdade, através da negação de factos consabidamente verdadeiros, que a jurisprudência vinha confirmando, sobretudo nas ações de estado dado os interesses em jogo, tais como o do investigado que nega as relações com a mãe da investiganda, que vieram a provar-se, ou, numa separação judicial de bens, a negação de certas ofensas que vieram a provar-se (exemplos citados por Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 382), mesmo a negação de factos que subjetivamente a parte considere falsos pode integrar litigância de má-fé se ocorrer violação do dever de pré-indagação em função dos mais elementares deveres de cuidado, numa atuação que se revele gravemente negligente.
Distinta afigura-se, porém, a questão da mera declaração de desconhecimento sobre a realidade de um facto quando esse desconhecimento não corresponde à verdade, situação que é a configurada nos autos.
Desde logo, declarar desconhecer a realidade de um facto não é a mesma coisa que negá-lo - com a consequente necessidade de sobre ele se produzir prova -, distintas sendo as consequências processuais de uma e outra atitude e a possibilidade de uma e outra conduzirem à “alteração da verdade dos factos”.
Na realidade, não se deve olvidar que o legislador encontrou outras vias de obstar a determinados efeitos resultantes de condutas processuais das partes não conformes com o dever de verdade no processo, como é o caso do ónus de impugnação consagrado no art. 574º do CPC que “constitui o incentivo mais poderoso para elas coadjuvarem a descoberta da verdade sobre a matéria de facto”, com esse mesmo propósito de clarificar a posição do réu sobre os factos articulados na petição atribuindo a lei “um sentido decisivo à declaração de desconhecimento sobre a realidade de qualquer desses factos emitida pelo réu: se o facto é pessoal (ou daqueles de que o réu deva ter conhecimento), a declaração do réu de que não sabe se ele é real equivale a confissão” (Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 316/317 - cfr. atual art. 574º, nº 3, do CPC).
Deste modo, uma mera declaração de desconhecimento sobre a realidade de factos pessoais - como é o caso da celebração, pelo próprio réu, de um qualquer contrato -, não tem, por força da lei processual, potencialidade para obstaculizar à descoberta da verdade e, consequentemente, para impedir a “justa decisão do caso”, bastando ao julgador, não obstante tal declaração de desconhecimento, considerá-lo provado por força de confissão (exceto se a lei exigir prova documental, impedimento que em nada se relaciona com a declaração efetuada pelo réu), consequência automaticamente decorrente da dita declaração.
Ora, se a condenação por litigância de má-fé da parte que se desvia da verdade tem por fim garantir o interesse primordial da justa resolução dos litígios e se tal fim se alcança pela via processual acabada de referir, a condenação do réu como litigante de má-fé por declarar desconhecer determinados factos de caráter pessoal alegados pelo autor, afigura-se desajustada, na medida em que aquela conduta não tem tão pouco, como se demonstrou, virtualidade para impedir ou entorpecer a ação da justiça, ultrapassando, pois, uma condenação assente em tal posição do réu, a finalidade que subjaz à previsão da responsabilidade no caso de má-fé.
Por outro lado, no caso concreto, a aludida declaração de desconhecimento quanto à celebração do contrato visou, essencialmente, como resulta da leitura dos demais artigos da contestação acima reproduzidos, sublinhar que o empréstimo foi contraído sem prévio conhecimento dos sócios e sem autorização da Assembleia Geral, requisito que, não se mostrando respeitado, determinaria, na perspetiva da defesa apresentada pela Ré, a nulidade da decisão de contração do empréstimo e, portanto, do próprio empréstimo, com a consequente não vinculação da Ré a tal contrato, sendo certo que, independentemente da bondade jurídica desta posição - que, como se sabe, não obteve vencimento -, a sentença proferida nos autos considerou efetivamente provado que a Assembleia Geral não autorizou previamente a contratação do empréstimo junto do Banco X, isto é, considerou provado o substrato factual essencial da defesa da Ré.
Acresce que, como refere a Ré na sua alegação, ela própria requereu a notificação do Banco X para esta juntar aos autos o aludido contrato de mútuo, contrato esse que foi junto aos autos em 11.06.2015, ou seja, em data anterior ao julgamento, sem que a Ré o tivesse impugnado, o que redundou no bastante para considerar provada a celebração do dito contrato, facto essencial (ao lado da prova do pagamento das prestações pelos Autores) para a procedência da ação, certo que, relativamente à causa de pedir invocada na petição - correspondente ao pagamento pelos Autores efetuado, na qualidade de fiadores e em substituição da Ré, de prestações relativas ao contrato de mútuo por esta contraído junto do Banco X -, o facto de o Autor ter injetado dinheiro na associação era meramente instrumental.
Através do referido comportamento deu, pois, a Ré autorização para a junção do aludido contrato, contribuindo para a produção da prova documental verdadeiramente determinante para a procedência da ação, em momento prévio ao julgamento.
A este propósito veja-se, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18.01.2011, onde, estando em causa a negação e não a mera declaração de desconhecimento de um facto, mesmo assim se decidiu que “não deve ser condenada como litigante da má-fé a parte que, negando na contestação um facto pessoal alegado na petição, vem posteriormente a admiti-lo, na sequência da junção do documento que o atesta, assim viabilizando, por via dessa admissão, que o mesmo integre, na fase condensatória, o elenco dos factos considerados assentes”.
Por último, a própria Ré juntou aos autos, com a contestação, o documento que, pelo seu conteúdo, atesta o momento em que, segundo a motivação da decisão da matéria de facto, aquela passou a ter conhecimento do dito contrato de empréstimo, assim revelando, não obstante a posição assumida de não se considerar a ele vinculada, o que sabia sobre o mesmo.
Concluindo, no que a este aspeto concerne, apesar de o comportamento da Ré não ter sido o mais linear, não vemos que se possa afirmar que a mesma alterou a verdade de factos relevantes com vista (ou com a consciência) de impedir ou entorpecer a ação da justiça.
Por fim, considerou a decisão recorrida ter a Ré incorrido em litigância de má-fé por não ter junto as atas que tinha em seu poder e que demonstravam a existência dos factos alegados pelos Autores.
Relativamente a este aspeto, estaria aparentemente em causa, de acordo com a decisão recorrida, a omissão grave do dever de cooperação prevista na alínea c) do art. 542º.
Será assim?
O princípio da cooperação, decorrendo da boa-fé processual, impõe a todos os intervenientes no processo um dever de colaboração intersubjetiva para que se alcance a justa resolução do litígio em tempo útil.
“Assim, os sujeitos processuais têm não apenas a obrigação de se abster da prática de atos que prejudiquem o normal decorrer do processo, como ainda o dever de colaborar para que o mesmo alcance o seu objetivo final, prestando os esclarecimentos necessários e comparecendo sempre que lhes seja solicitado. Desta forma se operou uma significativa mudança de paradigma processual que passa a impor às partes, e ao próprio magistrado, que colaborem entre si. Em face do reforço do dever de cooperação como princípio orientador do processo, operado pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, a omissão grave deste dever passou a figurar como um dos casos de litigância de má-fé”. (Marta Frias Borges, estudo citado, pág. 51).
No entanto, como sublinha a referida Autora, olhando ao teor da alínea c) do nº 2, do art. 542º, podemos “verificar uma certa repetição do legislador que, além de exigir dolo ou culpa grave para a verificação do ilícito, exige ainda que a omissão do dever de cooperação seja particularmente gravosa, aparentando não ser este elemento subjetivo suficiente para que tal omissão seja considerada grave e, consequentemente, má-fé processual. Todavia, esta “dupla gravidade” exigida poderá justificar-se pelo facto de já o art. 417º se ocupar da aplicação de sanções àquele que desrespeite o dever de cooperação em sede de instrução, potenciando a aplicação de multa e livre apreciação da recusa para efeitos probatórios. Contudo, sempre que, face à especial gravidade da omissão do dever de cooperação, a aplicação da multa prevista no art. 417º – compreendida entre 0,5 e 5 UC110 – e as consequências em matéria instrutória não se afigurarem suficientes para repor os prejuízos causados à administração da justiça e à parte contrária, será a parte sancionada por litigância de má-fé que, além de potenciar a aplicação de multa de montante mais avultado – entre as 2 e as 100 UC111 –, permite ainda o ressarcimento dos danos causados à parte contrária. Assim sendo, estamos em crer que o art. 417º cuida dos casos de violação do princípio da cooperação com menor gravidade, em que os prejuízos causados à administração da justiça e os danos à contraparte se encontrem acautelados pelas consequências probatórias que se retirem da recusa e pela condenação em multa de menor montante. A aplicação do instituto de litigância de má-fé ficará reservada para aqueles casos em que tais medidas, em atenção à especial gravidade da conduta, não se afigurem suficientes para fazer face aos prejuízos, beneficiando ainda o infrator com a violação do dever de cooperação” (obra citada, pág.´s 51 a 53).
Também nós cremos que, mais uma vez, se está perante uma situação sintomática de que o legislador processual pretendeu guardar a condenação por litigância de má-fé para os casos em que as restantes regras processuais se revelam inadequadas ou incapazes de garantir que o processo civil tenha por fim a realização efetiva do direito material ou substantivo, originando prejuízos particularmente significativos.
Ora, nas circunstâncias em apreço, não vemos que as sanções previstas no art. 417º do CPC - e, nomeadamente, as consequências em matéria instrutória, que o julgador “a quo” extraiu - fossem insuficientes para repor eventuais prejuízos suscetíveis de serem causados à administração da justiça pela conduta da Ré ao não ter junto as atas que, de acordo com a factualidade considerada provada, tinha em seu poder e que demonstravam a existência dos factos alegados pelos Autores.
Acresce que, numa outra perspetiva, a omissão sob censura - que só se pode ter por consumada no termo do prazo concedido para o efeito - sucedeu num momento em que o contrato de mútuo já se encontrava junto aos autos, não se vendo, pois, de novo, em que medida a não junção das ditas atas pudesse ter potencialidade para entorpecer o funcionamento da justiça ou causar danos à outra parte (tanto assim é que os Autores desistiram do pedido de indemnização com fundamento em litigância de má-fé, assente na aludida omissão).
Por último, quanto à hipótese de se configurar no caso uma “oposição cuja falta de fundamento (a ré) não ignorava”, na esteira do que se crê ser uma constante na jurisprudência, basta recordar que a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º do Código de Processo Civil, sendo ainda certo que, como se pode ler no Acórdão do STJ de 11.12.2003, “a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor e réu”, o que, transposto para o caso em apreço, significa não poder afirmar-se indiciada pela mera opção de defesa assumida pela Ré - assente na nulidade da decisão de contração do empréstimo em causa por falta de autorização da Assembleia Geral - a consciência, por parte daquela, de estar a litigar sem razão.
Em conclusão, “se o direito de ação judicial, não pode legitimar todo o tipo de comportamento processual praticado pelo seu titular, certo é que a peculiaridade de tal direito requer uma especial ponderação quanto à antijuridicidade da conduta, subjacente à aplicação de qualquer sanção” (Marta Frias Borges, obra citada, pág. 9), decorrendo dessa especial ponderação a não verificação, no caso concreto, dos pressupostos da condenação por litigância de má-fé.
Procede, pois, a apelação.

Sumário:

I - A negação de factos verdadeiros - ainda que subjetivamente a parte, por falta de cumprimento dos cuidados elementares de pré-indagação, os considere falsos - integra litigância de má-fé;
II - Declarar desconhecer a realidade de um facto não é, porém, a mesma coisa que negá-lo - com a consequente necessidade de sobre ele se produzir prova -, distintas sendo as consequências processuais de uma e outra atitude e a possibilidade de uma e outra conduzirem à “alteração da verdade dos factos”;
III - Uma declaração de desconhecimento sobre a realidade de factos pessoais equivale a confissão nos termos do art. 574º, nº 3, do CPC, não tendo, pois, por força da lei processual, potencialidade para obstaculizar à descoberta da verdade e, consequentemente, para impedir a “justa decisão do caso”;
IV - O art. 417º do CPC cuida dos casos de violação do princípio da cooperação com menor gravidade, em que os prejuízos causados à administração da justiça e os danos à contraparte se encontrem acautelados pelas consequências probatórias que se retirem da recusa e pela condenação em multa de menor montante, enquanto a aplicação do instituto de litigância de má-fé deve ficar reservada para aqueles casos em que tais medidas, em atenção à especial gravidade da conduta, não se afigurem suficientes para fazer face aos prejuízos, beneficiando ainda o infrator com a violação do dever de cooperação.

V. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Guimarães, 07.12.2017


Relator
1º Adjunto
2º Adjunto