Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
64259/21.9YPRT.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: PROCESSO DE INJUNÇÃO
CONTRATO DE MANDATO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A assunção de dívida pode ser liberatória ou cumulativa, consoante o novo devedor se substitua ou acresça à posição do primitivo devedor.
2. Para que seja liberatória é necessária expressa declaração do credor nesse sentido.
3. No caso sub judicio, apesar da assunção de dívida por parte da irmã do réu a respeito do pagamento dos honorários do advogado mandatado pelo réu para prestação de serviços jurídicos no âmbito de um processo judicial, na verdade, como o autor (advogado) não liberou o réu-primitivo devedor-, pode exigir do mesmo o cumprimento da obrigação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório (que se transcreve):

M. C., Advogado, veio intentar procedimento especial de injunção, contra a J. P., ambos melhor identificadas nos autos, peticionando a condenação deste a pagar-lhe o montante total de 13.529,59€, correspondendo 12.955,00€ a capital, 272,59€ a juros, 102,00€ a taxa de justiça paga e 200,00€ a outras quantias.
Alegou, para tanto, em síntese, que, no âmbito da sua actividade como advogado, o R. a 1.1.2013., procurou os seus serviços para que o patrocinasse no âmbito de processo de execução fiscal nº 1239/13.4BEBRG, que pendeu no TAF de Braga, aceitando o A patrocinar a causa, tendo deduzido a competente posição.
Mais alega que aceitou o R pagar os honorários apresentados pelo A., sendo que após proferida a sentença no processo a 22.12.2020, remeteu ao R nota de honorários no valor de 12.955,00€, que o R. não pagou.
Citado o R. invocou a prescrição, mais invocando que nada contratou com o A. relativo ao pagamento de honorários, outrossim, foi a sua irmã que assumiu perante o A. esse pagamento, que, de todo modo, jamais ascenderia aos valores aqui em causa, uma vez que foi acordado o valor de 5% sobre o vencimento da causa, que neste caso foi de 49.653,63€, pelo que os honorários devidos ao A. se cifram, conforme o acordado, em 2.482,65€
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a acção improcedente por não provada, absolvendo o R. do pedido.
Custas pelo A.
Fixo o valor da acção em 13.427,59€.
Registe e notifique.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
I. O autor intentou a presente Ação Especial para Cumprimento das Obrigações - ao abrigo do Decreto-Lei n.º 269/98, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de EUR 13529,59, correspondendo EUR 12955 a capital, EUR 279,59 a juros, EUR 102 a título de taxa de justiça paga e EUR 200 relativos a outras quantias.
II. A sentença veio a ser proferida a 22 de Dezembro de 2020, tendo o réu, aqui recorrido, obtido um vencimento de EUR 49653,63. tendo o seu teor sido devidamente comunicado àquele. A 1 de Fevereiro de 2021 o autor remeteu ao réu a nota de honorários no valor de EUR 12955. O réu, até ao momento, nada pagou.
III. O Tribunal a quo entendeu que sobre si não impendia qualquer obrigação de pagamento uma vez que ((não resultou provado que o réu tenha acordado com o autor o pagamento dos serviços prestados no âmbito do processo 1239/13.48EBRGJJ e que ((produzida a prova resultou claro para este Tribunal que o pagamento dos honorários devidos pelo autor pelos serviços no referido processo foi acordado com pessoa distinta do réu», que aquele «se limitou a assinar a procuração para que o autor o pudesse representar, nunca acordando com o autor o pagamento de qualquer quantia pelos serviços a prestar, aliás, a escolha do autor foi feita por essa pessoa - a irmã do réu, M. A.».
IV. Assim, entendeu o Tribunal o quo que quem assumiu o pagamento dos honorários devidos ao autor pelos serviços do processo 1239/13.4BEBRG não foi o réu, mas sim a sua irmã, improcedendo a pretensão do autor a suo totalidade.
V. De entre as questões oficiosamente cognoscíveis, avulta, designadamente, no caso em apreço, o abuso de direito ¬sobre o qual a 1.° Instância não se debruçou - mas que aqui e no presente se invoca como exceção perentória, de conhecimento oficioso, mesmo em sede de recurso de apelação. Não pretendendo liquidar o valor a título de honorários, invoca, ainda, a sub-rogação da sua irmã. M. A..
VI. Pese embora, sido dado como provado, no ponto 10.0 que a 1 de Fevereiro de 2021, o autor remeteu ao réu a nota de honorários no valor de EUR 12955 que o réu não pagou.
VII. Ora o instituto do abuso do direito, bem como os princípios da boa-fé e da lealdade negocial. são meios de que, os tribunais, devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém. a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da ação, o faz de uma maneira que - objetivamente - e atenta a especificidade do caso. conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento. que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.
VIII. Atender-se à matéria assente e provada na sede própria, atrás veiculada, de onde resulta o perfeito conhecimento do réu, da situação da constituição do mandatário para os processos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal como do seu sucesso, lhe acarreta em sede de valor de honorários, a obrigação imposta pelo contrato.
IX. E, que, se a senhora M. A. irmã do réu não pagar, o réu tem essa obrigação. Pelo que, aquele, não se desonera perante o não cumprimento da irmã. aqui terceira. Com tal conduta agiu o réu em claro abuso de direito e a sentença ora recorrida, em violação do disposto no artigo 334.° do Código Civil, por erro de aplicação.
X. Não concedendo e no que agora à sub-rogação respeita. traduz-se a mesma numa forma de transferência de créditos. correspondentemente regulada no Código Civil no capítulo relativo à "transmissão de créditos e dívidas" e em que o pressuposto necessário e essencial é o cumprimento duma obrigação por terceiro. oferindo-se os direitos do sub-rogado pelo âmbito do cumprimento, ou seja. o sub-rogado adquire os direitos que competiam ao credor na medida da satisfação dos interesses deste - de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 593.° do Código Civil.
XI. Por via desta figura. a lei investe o terceiro cumpridor nos direitos do credor sub-rogado, quando se verifique que aquele pagou pelo devedor por deter um interesse direto na satisfação do crédito.
XII. Todavia. não se pode confundir o interesse próprio no ressarcimento daquilo que o terceiro pagou e tem toda a conveniência em ver-se compensado daquilo que teve de entregar ao credor para pagamento da dívida, situação que cai manifestamente fora da previsão legal em análise, com a situação de interesse próprio no cumprimento.
XIII. Assim e solvo melhor opinião, no caso concreto não será razoável admitir-se a sub-rogação. porquanto não se vislumbra a existência, no que respeita à terceira (irmã do devedor réu) cujo valor assumiu, mas não pagou como ainda, ela, dos seus processos ao aqui credor e recorrente.
XIV. Em verdade e bom rigor, o autor, em respeito do mandato que lhe foi conferido pelo réu, ao não receber da irmã alegadamente sub-rogada nas dividas destes não pode o douto tribunal extinguir a responsabilidade daqueles. Daí, que não haja qualquer sub-rogação.
XV. No caso em apreço, verifica-se que o pagamento não efetuado pela garante que não se realizou, configura situação bem diferente daquela outra prevista no n.o 1 do artigo 592. o do Código Civil, fugindo, assim, ao seu âmbito de aplicação. Mais, acresce não ser razoável admitir-se a sub-rogação, porquanto não se vislumbra a existência de qualquer pagamento, no que respeita à terceira no cumprimento da obrigação de pagamento da dívida do réu para com o autor, aqui recorrente.
XVI. A decisão recorrida é, pois, suscetível do reparo devido, mostrando-se violadora por erro de aplicação do artigo 334.° do Código Civil e por erro de interpretação do regime legal da sub-rogação, vertida no n.º 1 do artigo 592.° e seguintes do mesmo diploma.
XVII. Assim, é que só fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia quando tiver garantido – previamente! - o cumprimento, isto é, quando o cumprimento tenha em vista evitar a execução de garantia que prestou.
XVIII. É o que se passa quando o terceiro tenha garantido o cumprimento do devedor, por exemplo, constituindo hipoteca ou penhor sobre coisa sua. Fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando "por outra causa estiver diretamente interessado na satisfação do crédito".
XIX. Exige-se um interesse direto, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo-se «os casos em que o cumprimento se realize no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse «moral» ou «afectivo» do «solvens». XX. Mas, sendo assim, não estão reunidos os requisitos do sub-rogação, desde logo porque o cumprimento da obrigação alheio não partiu da iniciativa do autor, antes sim da irmã do réu. Não ocorreu, pois, cumprimento efetuado pela terceira com a finalidade de evitar a ação declarativa. Ora, como se disse, é exatamente o interesse direto na satisfação do crédito alheio, que justifica o tratamento do favor que a lei dá ao terceiro, através do instituto da sub-rogação, daí que, inexistindo tal interesse, não possa o réu e os intervenientes beneficiar de tal direito.
XXI. Mas, salvo o devido respeito, não pode ser assim, sob pena de se desvirtuar completamente o instituto da sub-rogação.
XXII. Como se deixou referido, o "favor subrogationis" que a lei quis conceder ao terceiro que cumpra obrigação alheia. funda-se, exclusivamente, no seu interesse direto e próprio no cumprimento. É só em função dele que ocorre a transmissão do crédito nas condições específicas da sub-rogação.
Neste caso nem o obrigado nem terceiro realizaram a prestação coativa.
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Foram apresentadas contra-alegações, sustentando a manutenção da sentença.

O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Após os vistos, cumpre apreciar.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrentes (artigos 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões, e segundo a sua sequência lógica:

-em face da matéria factual fixada, decidir sobre o mérito e enquadramento jurídico da causa e, caso se mantenha, se existe abuso de direito da parte do réu ao negar o pagamento dos honorários, questão suscitada apenas em recurso pelo recorrente.
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III- Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

Factos provados
1.º A O A exerce a atividade de Advogado.
2.º A irmã do R., M. A., solicitou os serviços do R. para deduzir oposição em processos de execução fiscal envolvendo a própria, o aqui R, os pais de ambos e um outro irmão.
3.º Tais processos correram junto do TAF de Braga (processo1244/13.0BEBRG, Processo nº 1247/13.5BEBRG, Processo nº 1241/13.6BEBRG, Processo nº 1239/13.4BEBRG, Processo nº 1240/13.8BEBRG)
4.º O A. aceitou patrocinar tais causas.
5.º Tendo acordado com a referida M. A. por documento escrito de 19.4.2011, assinado por ambos, denominado de Acordo de Pagamento que aquela lhe pagaria pelos serviços prestados no âmbito daqueles processos a quantia de 1250,00€ com a entrega das oposições e 5% sobre o vencimento do valor de cada causa após as decisões das mesmas.
6.º O R assinou a procuração com vista a que o A. o representasse no Processo nº 1239/13.4BEBRG.
7º Tendo o A deduzido a oposição.
8º Que veio a ser decidida a 22.12.2020.
9º Tendo obtido vencimento de 49.653,63€
10º A 1.2.2021, o A. remeteu ao R nota de honorários no valor de 12.955,00€, que o R. não pagou.

Factos não provados, os demais alegados, designadamente
- que tenha o R acordado com o A o pagamento dos serviços prestados no âmbito do processo 1239/13.4BEBRG. “
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IV. Do objeto do recurso:

Tal como resulta da decisão recorrida e, em rigor, não foi colocado em crise, entre o aqui réu e o autor, advogado, foi celebrado um contrato de mandato com vista ao patrocínio do Réu no âmbito do processo nº 1239/13.4BEBRG (de impugnação judicial no contexto tributário) que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Com efeito, não sobram dúvidas de que o autor atuou no âmbito do referido processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ao abrigo de procuração forense emitida a seu favor pelo Réu – cf. pontos 6 a 9 da matéria de facto provada.
Ou seja, ainda que conforme se provou no ponto 2., a irmã do réu tivesse solicitado os serviços do autor (e não como ali se lê R) para deduzir oposição, entre outros, naquele processo de execução fiscal, na verdade, e conforme igualmente se provou o Réu ao assinar a procuração com vista a que o A o representasse em tal processo, conferiu-lhe um mandato judicial, tendo o autor ali deduzido oposição e obtido vencimento na ação.
Tal relação jurídica consubstanciou-se, pois, no essencial, num contrato de mandato forense celebrado entre o autor e o Réu, no que respeita àquela intervenção e representação no processo 1239/13.4BEBRG.

A esta figura alude o art. 67º do EOA nos seguintes termos:

1— Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, considera-se mandato forense:
a)- O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;
b)- O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;
c)- O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.
2— O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”

Por outro lado, também é consabido que o mandato forense é um mandato especial, que se rege pelas normas que lhe são próprias e, subsidiariamente, pelas regras gerais sobre o mandato, desde logo os arts. 1157º e segs. do CC.
Tratando-se de um mandato exercido por quem faz de tal exercício a sua profissão, o mandato forense presume-se oneroso – art. 1158º, nº 1, 2ª parte do CC.
A remuneração devida ao advogado pelo exercício do mandato forense, originariamente a cargo do mandante, designa-se honorários.
Nos termos do disposto no nº 2 do último preceito citado, a quantificação da remuneração do mandato oneroso faz-se recorrendo sucessivamente aos seguintes critérios: acordo das partes; tarifas profissionais; usos; equidade.
Assim sendo, por vezes, pode ocorrer acordo de fixação de honorários.
No caso sub judicio provou-se-ponto 5º- que “Tendo acordado com a referida M. A. por documento escrito de 19.4.2011, assinado por ambos, denominado de Acordo de Pagamento que aquela lhe pagaria pelos serviços prestados no âmbito daqueles processos a quantia de 1250,00€ com a entrega das oposições e 5% sobre o vencimento do valor de cada causa após as decisões das mesmas.”.
Ora, em face de tal factualidade, provou-se que houve um acordo prévio de pagamento de honorários pela intervenção do autor, entre outros, naquele processo, acordo esse realizado entre o credor-advogado (mandatário judicial) e a irmã do Réu- o devedor originário (o mandante), ou seja, entre o credor e um novo devedor.
Repare-se que não se discute sequer se o mandato forense não é oneroso: todos admitem que é, de tal modo que até foi feito um acordo de fixação de honorários, factualidade suscitada pelo próprio réu.
Agora, a sentença entendeu que como a irmã do réu assumiu o seu pagamento, já não assiste ao autor o direito de exigir ao réu o pagamento de qualquer quantia a título de honorários e por via daqueles serviços que desenvolveu, ainda que a irmã os não tenha pago.
O Recorrente entende que uma vez que não ocorreu o cumprimento da obrigação (de pagamento dos honorários) e cumprimento da assunção da dívida pela irmã, o réu continua obrigado àquela prestação.
Para o efeito invoca, além do mais, o instituto da sub-rogação.
Cremos, salvo o devido respeito, que assiste razão ao recorrente, se bem que não através da sub-rogação (cujos contornos não vislumbramos servirem para o aso vertente), mas, outrossim, através do instituto da assunção de dívida.
Vejamos.
Desde já, como vimos a dívida em causa é a da remuneração do mandato forense, ou melhor, dos honorários do advogado pela prestação de serviços pelo autor ao réu no âmbito do processo de execução fiscal nº 1239/13.4BEBRG.
Com efeito, de tais serviços prestados ao mandante e como contrapartida tem o mandatário direito à remuneração e o mandante é quem tem a obrigação de pagamento da remuneração ou dos honorários.
Sem embargo, também se provou que a irmã do Réu fez um acordo, por escrito, com o credor (advogado), nos termos do qual “denominado de Acordo de Pagamento que aquela lhe pagaria pelos serviços prestados no âmbito daqueles processos a quantia de 1250,00€ com a entrega das oposições e 5% sobre o vencimento do valor de cada causa após as decisões das mesmas.”.
Estar-se-á assim perante a transmissão a título singular de uma dívida ou, por outras palavras, perante assunção de dívida (do pagamento dos honorários de advogado), prevista no nosso CC no art. 595º e acordada entre o credor (advogado) e um novo devedor (irmã do réu).
«O termo transmissão (transmissão da dívida), que figura na epígrafe da secção em que o novo Código regula a matéria, inculca desde logo a ideia de que a obrigação se transfere, sem perda da sua identidade, do primitivo devedor para o assuntor, ficando aquele exonerado a partir do momento em que este se vincula perante o credor.
E assim sucede, com efeito, num largo sector dos casos de assunção da dívida, nos quais a intervenção do terceiro tem precisamente por fim exonerar o primitivo devedor.
Mas há situações com uma fisionomia diferente, como expressamente se afirma no artigo 595.º, n.º 2: são aquelas em que a assunção da dívida coloca o assuntor ao lado do primitivo devedor, mas sem exonerar este, dando assim ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com os devedores solidários.
(…)
A doutrina, quer nacional, quer estrangeira, procura realçar a profunda diferença existente entre as duas variantes da transmissão, crismando-se com designações diferentes.
Aos casos em que o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou primitiva de dívida (acollo privativo; befreiende Schuldübernahme). Àqueles em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele, dão os autores a designação de assunção cumulativa de dívida, co-assunção de dívida, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida (acollo cumulativo; Schuldbeitritt).» (1) ( sublinhado nosso).
Ora, de um modo simplista diríamos que como tecnicamente a assunção de dívida mais não é do que um contrato translativo, a confusão que pode ocorrer é a assunção surgir confundida com outros negócios jurídicos que dela andam muito próximos. A confusão é tão frequente que nem mesmo o legislador se lhe conseguiu subtrair por completo, de tal modo que o Prof. Januário Gomes realça que: “ Na regulamentação da assunção de dívida, o legislador teve fundamentalmente presente a situação típica, reverso da cessão de créditos – a assunção liberatória – só se encontrando no citado art. 595/2 uma referência à assunção cumulativa que tem sido entendida como uma remissão para a regulamentação das obrigações solidárias” (2).
Em suma, a assunção de dívida pode ser liberatória ou cumulativa, consoante o novo devedor se substitua ou acresça à posição do primitivo devedor.
Para que seja liberatória é necessária expressa declaração do credor nesse sentido.
Pelo que nada sendo dito, estaremos em presença de uma assunção cumulativa e, nesse caso, o crédito pode ser exigido quer ao antigo devedor quer ao novo ( assuntor), sendo certo que “ as quotas de responsabilidade de cada um dos devedores decorrerão nos termos dos negócios de assunção de dívida” (3).
Revertendo para o caso sub judicio, uma vez que aquele acordo entre o novo devedor e o credor não contemplou expressamente a liberação do primitivo devedor, diz o nº2 do art. 595º do CC, in fine, “o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado”.
Ou seja, o credor pode indistintamente demandar qualquer um deles e exigir de qualquer um deles o cumprimento integral da obrigação.
Assim sendo, apesar daquela assunção de dívida por parte da irmã do réu a respeito do pagamento dos honorários do advogado, na verdade, como o autor não liberou o réu-primitivo devedor-, pode exigir do mesmo o cumprimento da obrigação.
No caso vertente, estamos perante uma obrigação de remunerar os serviços do advogado prestados no âmbito do processo de execução fiscal.
Sem embargo, pergunta-se se aquele acordo de fixação de honorários celebrado entre a irmã do Réu (novo devedor) e o credor vincula o primitivo devedor, uma vez que não teve qualquer intervenção no mesmo?
Cremos que não.
Com efeito, e como já dissemos, as relações internas entre o primitivo devedor e o novo devedor são definidas pelo contrato que serve de base à assunção e não por qualquer presunção de corresponsabilidade, pelo que não havendo qualquer contrato a respeito em que que o réu tivesse intervenção, porquanto a assunção no caso apenas ocorreu entre o credor e o novo devedor, em coerência com o princípio do contrato, nada tendo sido acordado com o réu, neste particular, e nas relações com o credor, é como se não houvesse qualquer fixação prévia de honorários.
Então, nas relações entre credor e primitivo devedor, no caso em apreço, não resultou provado qualquer acordo de fixação de honorários.
Também não foi invocado, nem se apurou que existam quaisquer tarifas profissionais ou usos que permitam quantificar os honorários devidos pelos serviços prestados pelo autor ao réu.
Nesta conformidade, a determinação do valor a que o autor tem direito a título de honorários pelos serviços prestados ao réu deverá ser feita de acordo com o critério da equidade – art. 1158º, nº 2 do CC.
Na concretização da aplicação deste critério deve atender-se ao disposto nos arts. 100º EOA 2005 e 105º do EOA, verdadeiras balizas para os advogados fixarem os seus honorários.
Nos termos do disposto no nº 1 destes preceitos, os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços prestados, devendo ser fixada em dinheiro.
Por outro lado, estabelece o nº 3 dos mesmos preceitos que na quantificação do montante dos honorários se deve atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades assumidas e aos demais usos profissionais.
Sem embargo, sempre se dirá que tendo o autor o direito a exigir judicialmente do réu o pagamento dos honorários pela prestação de tais serviços e despesas por si efetuadas na prestação dos serviços, certo é que não existem nos autos elementos de facto que permitam quantificar o seu exato montante, não valendo de per si o valor constante da nota de honorários enviada pelo autor ao réu e não aceite por este.
Assim sendo, logrou o autor provar ter prestado os serviços jurídicos e efetuado despesas inerentes àqueles, mas não provou já o montante de cada um deles e devidamente peticionado.
Impõe-se, assim, quanto ao montante dos honorários respetivos e despesas, condenar o réu no que a esse propósito se liquidar ulteriormente, nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.C.. (4).
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IV – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar:
- procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por outra em que condena o Réu no pagamento dos honorários e despesas pelos serviços jurídicos prestados pelo autor no âmbito do processo nº de execução fiscal nº 1239/13.4BEBRG, a liquidar ulteriormente, nos termos do art. 609º, nº 2 do C.P.

Custas pelo R, parte vencida (cfr. art. 527º do CPC).

Notifique.
Guimarães, 13 de julho de 2022


Assinado eletronicamente por:
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Jorge dos Santos e
Margarida Gomes


1. Das Obrigações em Geral, vol. II, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, pp. 359 e 360.
2. Assunção Fidejussória de Dívida Sobre o Sentido e o Âmbito da Vinculação como Fiador, Coimbra, Almedina, 2000, p. 104.
3. CC Anotado, Coord. Ana Prata e outros, 2ª ed. (2021) (Tiago Azevedo Ramalho, anotação ao art. 595º).
4. Vide a propósito dos danos, a relatora já consignou em AC desta RG de 06-05-2021 (Proc. nº 6913/18.6T8BRG.G1não publicado): “Só é possível deixar para liquidação de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.”