Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
51/20.9T8VNF-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: SIGILO COMERCIAL
SEGREDO DA ESCRITURAÇÃO COMERCIAL
DEVER DE CONFIDENCIALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sendo solicitada a “exibição” de elementos da escrituração comercial de um terceiro, no âmbito de um processo, não é lícita a recusa com fundamento no disposto no artigo 42.º do CCom, que se aplica apenas à exibição judicial por inteiro, conforme artigo 435.º do CPC, caindo-se na alçada do artigo 417.º do CPC.
Na apreciação de qualquer pedido de “exibição” parcial, devem conjugar-se os interesses em jogo, limitando-se a pretensão ao que for necessário e imprescindível para a prova pretendida, de acordo com critérios de adequação e proporcionalidade.
Quem aceda a elementos relativos a segredo profissional (artigo 352.º do CPI) ou elementos sujeitos a confidencialidade (artigo 164.º do CPC), fica sujeito a ao dever de sigilo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

J. C., intentou ação declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho,
Contra "X-COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE MÓVEIS, S.A. e "Y-ESTOFOS, LDA.", referindo tratar-se de grupo empresarial e invocando justa causa de resolução do contrato de trabalho que o ligava àquelas. Alega que exerceu as funções de coordenação direta das lojas do Grupo WDESIGN, pertencentes às Rés, sitas em Aveiro, Leiria, Viseu, Castelo Branco e Algarve (Quinta …).
As rés contestaram invocando que o autor manteve reuniões e outros contactos com uma outra empresa concorrente da 1ª R., denominada Alfaiate …, reuniões e contactos que já ocorreriam há algum tempo e que se destinavam a preparar a contratação dos serviços do A., para as mesmas funções que exercia na 1ª R.
Ao fazer cessar o contrato de trabalho da forma abrupta como o fez, o A., não mais voltou à empresa, tendo mantido na sua posse, toda a informação da 1ª R., tal como nomes, moradas, contactos telefónicos e de mail, encomendas, etc, de clientes, funcionários, fornecedores, colaboradores externos, etc. Aliciou e levou trabalhadores da 1ª ré e iniciou uma campanha intensa junto dos principais clientes da 1ª R., a qual não seria possível sem recorrer às informações constantes das bases de dados que obteve enquanto funcionário desta.
*
No apenso a ré X COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE MÓVEIS, SA, intentou ação sob forma comum contra o autor, pedindo designadamente:

- ser declarada a inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho que vinculou o R. à A., condenando-se o R. na correspondente indemnização à A. prevista no art. 399º do CT.
- ser o R. condenado a restituir à A. todos os contactos e demais informações, utilizados e obtidas na sua atividade ao serviço da A., e na sua maioria, contendo informação confidencial de natureza técnica, contactos com clientes e oportunidades de negócio.
- ser o R. condenado a pagar à A. a quantia que vier a ser liquidada em incidente próprio, como indemnização de todos os prejuízos sofridos pela A. e que esta vier a sofrer, por força do comportamento ilícito do R., em violação do dever de confidencialidade e não concorrência, enquanto seu funcionário e após a resolução unilateral do contrato de trabalho;
Invoca os comportamentos lesivos do autor, entre outros os acima aludidos, referindo que o autor tem vindo a desviar clientela, contra os usos honestos da prática comercial, continuando a servir-se dos ficheiros a que teve acesso no tempo em que era empregado da A.
*
- A 20/10/2020 a referida ré solicitou:
c) Ao abrigo do disposto no art. 432º do CPC, e ainda para prova do alegado em 58º e 59º da contestação e 30º e 31º da PI do apenso, requer a notificação da atual entidade patronal do A., para juntar aos autos:
- Tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019.
- Ficheiros SAFT enviados à AT, relativos à sua faturação de 2018 e 2019.
- Ficheiros das vendas dos anos de 2018 e 2019.
- Por despacho foi ordenada a notificação nos termos requeridos, tendo a mesma sido efetuada por carta remetida com registo de 26/10/2020 a Alfaiate ... Mobiliário, Ldª, nos seguintes termos:
Assunto: Despacho
Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, para juntar aos autos:
- Tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019.
- Ficheiros SAFT enviados à AT, relativos à sua faturação de 2018 e 2019.
- Ficheiros das vendas dos anos de 2018 e 2019.
- A 30/11/2020 a referida ré veio solicitar fosse reiterada a notificação, indicando-se prazo.
-Por carta registada de 9/12/2020 foi notificada de novo a Alfaiate ... Mobiliário, Ldª, nos seguintes termos:
Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado para, no prazo de 10 dias,
juntar aos autos:
- Tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019.
- Ficheiros SAFT enviados à AT, relativos à sua faturação de 2018 e 2019.
- Ficheiros das vendas dos anos de 2018 e 2019.
A este assunto diz respeito o nosso ofício com a referência 170225033 datado de 26/10/2020, que até ao momento não teve qualquer resposta.
- A requerida veio escusar-se invocando a proteção da escrituração comercial, referenciando os artigos 453º do CPC, 42 e 43 do C. Com.
- A requerente pronunciou-se nos termos do requerimento de 8/1/2021, invocando a extemporaneidade e referindo a obrigação de apresentação, referindo o artigo 434º o CPC.
- Por despacho de 22/2/2021 foi apreciado o requerimento da notificada, e ordenada de novo a junção. Consta do despacho:
Notificada para juntar documentos, veio a interveniente Alfaiate … Mobiliário, Lda. recusar a junção dos mesmos, invocando que tal viola o segredo da escrituração mercantil previsto nos arts. 42.º e 43.º do Código Comercial e o disposto no Regulamento Geral de Proteção de Dados quanto à identidade dos seus clientes e produtos que adquiriram.
Vieram as rés reiterar o pedido de junção de documentos, defendendo a improcedência da argumentação avançada pela notificada.
A notificação feita à sociedade interveniente foi no sentido da junção de tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019, ficheiros SAFT enviados à AT, relativos à sua faturação de 2018 e 2019, e ficheiros das vendas dos anos de 2018 e 2019.
Conforme decidiu a Relação de Guimarães no acórdão de 10/07/2019 (disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de processo: 7729/13.1TBBRG-C.G1) – com o qual aqui se concorda integralmente e para cuja fundamentação se remete – “em face do disposto no atual art. 435º, do C. P. Civil, apenas quando é pedida a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos é que será de atender à legislação comercial aplicável – o mesmo é dizer ao disposto no art. 42º, do C. Comercial, que se refere expressamente a esta mesma “exibição judicial da escrituração mercantil.”. Sendo assim, a mera exibição ou exame de excertos ou partes ou de meros documentos avulsos dessa realidade (que se mostram abarcados pelo disposto no art. 43.º do C. Comercial) acham-se regulados já e apenas pelo regime processual civil comum, sendo que o sigilo mercantil ou comercial não se mostra hoje abrangido (ao menos em todas as suas vertentes) pelo disposto no art. 417.º do C. P. Civil.”. Ora, por aqui se vê que não assiste razão à notificada quando invoca a citada legislação comercial para se escusar à junção dos documentos solicitados – que na ótica das rés são essenciais para a boa decisão da causa – documentos esses que são perfeitamente delimitados e não coincidem com a totalidade da “escrituração mercantil” da notificada.
Quanto ao alegado sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados, as informações pretendidas visam precisamente confrontar a identidade dos clientes da interveniente (para quem se alega que o autor passou a trabalhar após ter cessado o contrato de trabalho aqui em apreço) com os das aqui rés, tendo em conta o que alegam estas quanto a ter o autor utilizado os dados que obteve quando para elas trabalhava (arts. 58.º e 59.º da contestação destes autos e 30 e 31.º do apenso). Assim, estando aqui em causa a correta realização da justiça, não se mostra minimamente justificada a escusa alegada.”
Inconformada a interveniente acidental apresentou recurso com as seguintes conclusões:

I.
O presente recurso vem interposto da decisão proferida por despacho do Tribunal a quo que ordena, sob pena de multa e apreensão, a junção aos autos pela aqui Recorrente da totalidade da sua escrituração mercantil relativa aos anos de 2018 e 2019 (tabelas de preços, ficheiros SAFT relativos à sua faturação e ficheiros de vendas);
II.
Decisão com a qual a aqui recorrente nunca se poderia conformar, uma vez que considera a solução adotada completamente desajustada, injusta, desproporcional e desconsideradora dos mais elementares princípios e normas jurídicas de direito civil e comercial;
III.
Nos presentes autos, a Recorrente não é interveniente nem tão pouco parte, sendo-lhe absolutamente estranho e alheio o objeto dos mesmos, desconhecendo por completo a questão controvertida nos autos;
IV.
Uma das Rés requereu os ofícios do Tribunal a quo no sentido de notificar a aqui requerente para junção aos autos da escrituração mercantil da mesma relativa aos anos de 2018 e 2019;
V.
Por despacho datado de 23-10-2020 ordenou o digníssimo tribunal a quo se procedesse à notificação, sem mais, da aqui Recorrente, estranha até então a todo o processado;
VI.
Após ser notificada para tal em 26-10-2020 e 09/12/2020 a aqui recorrente constituiu mandatário nos autos que até aí desconhecia por absoluto, e exerceu o seu contraditório, alegando o sigilo da sua escrituração mercantil e a faculdade de recusar a junção aos autos da documentação pretendida nos termos conjugados dos artigos 435º do CPC e 42º e 43º do CCom.;
VII.
Após exercício do contraditório pela Ré, o digníssimo magistrado do tribunal a quo despachou no sentido de não atribuir razão à Recorrente e ordenando a junção dos documentos em falta sob pena de condenação em multa e eventual apreensão;
VIII.
Alegou em suma que apenas existe cobertura do sigilo da escrituração comercial quando é pedida a exibição, por inteiro, dos livros de escrituração comercial;
IX.
E que a exibição ou exame de excertos ou partes de meros documentos avulsos dessa realidade (que se mostram abarcados pelo disposto no art. 43.º do C. Comercial) acham-se regulados já e apenas pelo regime processual civil comum;
X.
A Recorrente foi, assim, notificada nos termos despacho em crise para juntar, a totalidade da sua escrituração mercantil relativa aos anos de 2018 e 2019;
XI.
O Tribunal a quo assentou a decisão no facto dos documentos solicitados estarem perfeitamente delimitados e a essencialidade dos documentos para a boa decisão da causa e a correta realização da justiça nos termos do 417º do CPC;
XII.
Nunca poderia a recorrente conformar-se com o despacho recorrido já que o dever de colaboração, consagrado no artigo 417º do CPC, não é um dever irrestrito, antes se encontrando subordinado à Lei e aos demais princípios gerais de direito.
XIII.
Existem na lei processual civil outras exceções ao dever de colaboração como seja aquela prevista no artigo 435º do CPC por remissão aos artigos 42º e 43º do CCom.;
XIV.
A Recorrente é uma empresa, sob a forma de sociedade por quotas, que se dedica à venda de mobiliário e artigos de decoração, bem como à elaboração de projetos concretos realizados pela sua equipa de designers e decoradores personalizados para cada cliente.
XV.
Todos os documentos solicitados fazem parte da escrituração mercantil da Recorrente, na medida em que consubstanciam o registo de factos relativos à sua vida contabilística, fiscal, de relações comerciais e de vendas que podem influir na sua situação patrimonial;
XVI.
Os ficheiros SAFT e os ficheiros de vendas são escrituração mercantil da Recorrente, com informações sobre clientes, fornecedores, compras vendas, margens de comercialização, etc.;
XVII.
Os documentos cuja junção foi ordenada pelo despacho em crise, não se tratam de documentos perfeitamente delimitados e que não coincidem com a totalidade da escrituração mercantil da recorrente;
XVIII.
Correspondem, antes à totalidade da escrituração mercantil da Recorrente relativamente aos anos de 2018 e 2019;
XIX.
Os ficheiros SAFT são um ficheiro digital que agrega toda a informação fiscal e contabilística de determinada empresa, num determinado período;
XX.
A documentação em questão corresponde à totalidade da escrituração mercantil da aqui Recorrente desses dois anos pelo que se aplica a estatuição do artigo 435º do CPC remetendo a regulação relativa à mesma para a legislação comercial;
XXI.
Para além disso sempre será de entender que a mesma se encontra a coberto do sigilo profissional plasmado como exceção ao dever de colaboração da 1ª parte da alínea c) do número 3 do artigo 417º;
XXII.
Nos termos da legislação comercial o dever ínsito no artigo 417º do CPC não obriga as sociedades comerciais a fornecer a sua escrituração mercantil sigilosa exceto nos casos especificamente plasmados nas prerrogativas dos artigos 42º e 43º do CCom.;
XXIII.
Os presentes autos não versam sobre questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade ou insolvência;
XXIV.
Nos termos do artigo 42º do CCom. não está a Recorrente obrigada a exibir a sua escrituração mercantil, uma vez que os presentes autos se caracterizam como uma ação laboral relativa à cessação do contrato de trabalho;
XXV.
Para além disso a Recorrente não é parte ou interveniente (principal ou acessória) nos autos em causa;
XXVI.
De acordo com o artigo 43º do CCom, excetuadas as questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade ou insolvência, poderá existir exame, e apenas exame, da escrituração mercantil, única e exclusivamente quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
XXVII.
A aqui recorrente não tem interesse ou qualquer responsabilidade na questão discutida nestes autos que lhe são completamente alheios, não é parte legítima na demanda, não intervém na mesma como terceira seja a título principal ou acessório e desconhece a questão controvertida dos autos;
XXVIII.
Assim, não assiste razão ao Tribunal a quo quando ordena a junção aos autos da totalidade da escrituração mercantil da Recorrente relativa aos anos de 2018 e 2019 já que a mesma não tem qualquer interesse ou responsabilidade na demanda;
XXIX.
É desproporcional a exigência de junção da totalidade da documentação fiscal e comercialmente relevante da Recorrente aos autos em epígrafe que lhe são completamente estranhos;
XXX.
Para além disso os autos são públicos e nos mesmos são parte empresas que são concorrentes diretas da Recorrente;
XXXI.
No mais, mesmo nas especificas circunstâncias em que a legislação comercial permite o levantamento do sigilo sobre a escrituração comercial, a lei nunca permite que a documentação possa ser junta aos autos, apenas permitindo a sua exibição (artigo 42º) ou o seu exame (artigo 43º);
XXXII.
Mesmo que pudesse ser levantado o sigilo da escrituração mercantil da aqui Recorrente então, a mesma apenas pode ser alvo de exame nos exatos termos do nº 2 do artigo 42º CCom., ou seja, exame por inspeção judicial, na sede da aqui Recorrente, em sua presença, e limitado à averiguação e extração dos elementos que tenham relação exclusiva com a questão;
XXXIII.
Por toda a matéria supra exposta é manifestamente infundada a ordem para a aqui recorrente juntar a sua escrituração comercial, nomeadamente os seus ficheiros SAFT e os ficheiros de vendas relativos aos anos de 2018 e 2019 aos autos;
XXXIV.
Não só porque a mesma se encontra a coberto do sigilo da escrituração mercantil, mas também na medida em que, apenas é permitido por lei o seu exame e nunca a sua junção aos autos.

Termos em que se requer V. Exas. se dignem revogar o despacho ora em crise e manter o sigilo da escrituração mercantil da Recorrente nos termos conjugados da legislação civil e comercial;
Subsidiariamente, se assim não se entender, revogar o despacho ora em crise e ordenar o exame da escrituração mercantil da Recorrente nos termos do nº 2 do artigo 43º do CCom. (no domicílio profissional ou sede desta, em sua presença, e limitado à averiguação e extração dos elementos que tenham exclusiva relação com a questão.)
*
Sem contra-alegações.
O Exºmo PGA deu parecer no sentido da improcedência.
*
Além da factualidade que resulta do precedente relatório importa à decisão:
Artigos da contestação do PP:
58º
Não satisfeito, na mesma altura, o A. iniciou uma campanha intensa junto dos principais clientes da 1ª R., a qual não seria possível sem recorrer às informações constantes das bases de dados que obteve enquanto funcionário desta.
59º
Como está bem de ver, o A., em violação das obrigações por ele assumidas, divulgou dados que obteve na 1ª R. e que ilegitimamente mantém em seu poder, utilizando-os para seu benefício, enquanto ao serviço de empresa concorrente da 1ª R.
Artigos da petição do apenso:
30º
Além disso, o R. conhece também as margens de preços praticados pela A., relativamente, fazendo então preços concorrenciais.
31º
Foi o que sucedeu com alguns clientes que após terem confirmado encomendas com a A., vieram a desistir desses negócios, sendo do conhecimento desta que compraram posteriormente à dita concorrente para quem o R. passou a trabalhar.
***
As questões colocadas prendem-se com saber se os elementos solicitados correspondem à totalidade da escrituração comercial; se assiste à notificada o direito de recusa de junção dos elementos solicitados; se existe sigilo profissional nos termos da al. c) do nº 3 do artigo 417º do CPC; se ocorre desproporcionalidade da exigência - eventual limitação a exibição nos termos do nº 2 do artigo 42º do CCom, limitada à averiguação e extração dos elementos que tenham relação exclusiva com a questão -.
***
A recorrente defende que os elementos solicitados correspondem a toda a escrituração mercantil dos anos a que se reporta a ordem.
A escrituração mercantil corresponde à totalidade dos registos dos factos relativos aos “comerciantes”, contabilísticos e não contabilísticos (Inclui atas, contratos, troca de correspondência, documentos avulsos relativos à vida da empresa). Nos termos do artigo 29º e 31º, as sociedades devem obrigatoriamente ter determinados “livros”, e podem ter outros facultativamente – No CCom obrigatoriamente mantém-se o registo decorrentes do artigo 31º, e os que resultem de outras diplomas legais. Vejam-se o Decreto-Lei n.º 8/2007 – IES, ( com alterações, tais como, Decretos-Leis n.os 116/2008, 292/2009, 209/2012, 10/2015, Lei n.º 89/2017, e Decreto-Lei n.º 87/2018) - a Portaria n.º 31/2019 aprova os termos a que deve obedecer o envio da Informação Empresarial Simplificada; Portaria 321-A/2007, de 26/03 – I Série n.º 60, cria o ficheiro modelo de auditoria tributária prevista no n.º 8 do artigo 115.º do CIRC, com a redação dada pelo D.L. n.º 238/2006, de 20/12 – SAF-T (alterada pelas portarias nº 1192/2009; 160/2013; 274/2013; e portaria 302/2016). Os elementos solicitados não correspondem à totalidade da escrituração.
Vejamos então da possibilidade e dos termos em que a prova poderá ser produzida.
Sobre a relação entre as normas do CCom e do CPC referiu-se no Ac. RG de 21/10/2021, processo nº 892/20.7T8BGC-A.G1:
“Refere o C. Com:
Artigo 42.º
Exibição judicial da escrituração mercantil (Redação do DL 76-A/2006, de 29/3)
A exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
Art.º 43.º -
Exame da escrituração e documentos (Redação do DL 76-A/2006, de 29/3)
1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extração dos elementos que tenham relação com a questão.

Importa ainda conjugar a disposição do artigo 435 do CPC, anterior 534º.
Nos termos do artigo 435º do CPC a exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial. A norma remete para os normativos do C. Com no que respeita à exibição da escrituração comercial, por inteiro. A redação da norma não parece obstar à exibição parcial, quando com interesse para a causa.
Na apreciação de qualquer pedido de exibição (em sentido lato – exibição, cópia de elementos, peritagem…) parcial, devem conjugar-se os interesses sem jogo, designadamente os interesses na confidencialidade dos elementos de escrita comercial, e de outro os interesses relacionados com a descoberta da verdade material, em relação com o direito à prova – artº 20 da CRP.
As normas não encerram comandos cristalizados e com atributos mágicos. Visam determinados objetivos, têm a sua razão de ser, a sua “ratio”, devendo ser interpretadas tendo em atenção essas as razões que as determinam, no quadro da dinâmica social onde se atuam, e no confronto com outros valores que nessa dinâmica intercorram.
Tratam os artigos do C.Com. da tutela da confidencialidade das informações utilizadas no giro comercial das empresas, constantes da sua escrituração, tendo em atenção não apenas, nem sobretudo a reserva relativa à vida da sociedade, mas essencialmente a valia que tais informações encerram para a empresa, com rebate económico. Informações cujo conhecimento geral pode prejudicar a empresa, colocando nas mãos de terceiros saberes valiosos da empresa, Know-how, métodos de produção, de distribuição, redes de contatos, fornecedores, compradores etc…
Tal tutela não é absoluta, apenas se aplicando nos termos que resultam das normas. Para efeitos probatórios regem os artigos referenciados do C.Com. e ainda a norma citada do CPC.
O artigo 43º, … permite nos termos que aí se prescrevem, o acesso a tais elementos. A exibição por inteiro apenas é possível nos casos previstos no artigo 42º, já a exibição, máxime, a solicitação de cópia de partes dos elementos da escrituração comercial, na medida em que tenham relação com a questão, é possível nos termos do artigo 43º do C. Com., e diga-se… também parece atualmente possível ao abrigo das normas do CPC.

A este propósito deixa-se este extrato do Ac. RP de 7/2/2012, processo nº 615/10.9TBESP-F.P1:
“O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 2/98, de 22 de Abril de 1997, publicado no DR, I Série-A, n.º 6, de 8/1/1998, págs. 119 a 122, no BMJ n.º 466, págs. 86 a 92 e em www.dgsi.pt, decidiu que “O artigo 43.º do Código Comercial não foi revogado pelo artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só poderá proceder-se a exame dos livros e documentos dos comerciantes quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.”
No entanto, a doutrina deste acórdão tem de ser interpretada à luz da atual redação dos citados art.ºs 519.º e 534.º, conjugada com o disposto na legislação comercial, já que estes sofreram alterações após a sua prolação.
De facto, o DL n.º 329-A/95, de 12/12, fundiu o anterior art.º 519.º, n.º 4, com o anterior art.º 534.º, cuja redação estipulava “O disposto nos artigos anteriores não é aplicável aos livros de escrituração comercial, nem aos documentos relativos a ela”, daí resultando o art.º 534.º com a atual redação acima transcrita. Deste modo, a sua previsão ficou circunscrita à “exibição judicial por inteiro dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos, deixando de referir a exclusão da aplicação dos preceitos dos artigos anteriores e remetendo, pura e simplesmente, para o regime da legislação comercial” (cfr. Lebre de Freitas e outros, obra citada, 2.º vol., pág. 469) [obra citada - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 2.ª ed.].
Assim sendo, o sigilo comercial passou a abranger apenas a exibição, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos. Mas não a exibição parcial, nos termos permitidos pelos artºs 42.º e 43.º do Código Comercial, ainda que os livros e documentos respeitem a escrituração comercial de terceiro, que não tenha interesse ou responsabilidade nos autos.
Neste sentido, decidiram alguns acórdãos, designadamente desta Relação, de 17/11/2008, proferido no processo n.º 0855318, publicado em www.dgsi.pt, e de 28/11/2011, cuja cópia foi junta pela recorrente e consta de fls. 93 a 104 destes autos.
E, ao que parece, já havia sido sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 25/11/97, proferido no processo n.º 97A826, relatado pelo Exmo Sr. Conselheiro Aragão Seia, cujo sumário se mostra disponível em www.dgsi.pt e que, pela sua pertinência aqui se transcreve:

“I - A escrituração comercial não é mais secreta que quaisquer outros assentos ou escritos particulares, pelo contrário, e precisamente porque é imposta por lei para permitir conhecer em cada momento o estado do negócio e fortuna do comerciante, isto é, porque se destina a constituir essencialmente um meio de prova, a escrita pode ser objeto de exame, até, embora em casos especiais, contra a vontade e os interesses daquele a quem pertence.
II - Tanto na imposição aos comerciantes da obrigação da escrita, como na determinação do modo por que deve ser organizada, também se atendeu ao interesse geral e mal se explicaria que, representando uma prova pré-constituída, quando essa prova se tornasse necessária e oportuna, se impedisse a sua prestação, com o fundamento de que os lançamentos a examinar podiam ser... prejudiciais ao que os fizera, por dever legal.
III - É, pois, em princípio, admissível exame à escrita de comerciante que não é parte na ação onde o dito exame foi pedido.”…” – obra citada - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 2.ª ed..”
(…)”

No caso é evidente que não é solicitada a exibição da escrituração comercial por inteiro, pelo que, sendo o notificado terceiro em relação ao pleito, a questão deve ser abordada ao abrigo dos comandos do CPC, designadamente artigo 417º. Refira-se que a al. c) do nº 3 do normativo não tem aplicação ao caso, pois se reporta a sigilo profissional, de funcionário ou segredo de Estado. Trata-se de sigilo imposto a pessoas singulares determinadas por virtude das suas funções, ou de que tiveram conhecimento por causa delas.
O direito à prova não é um direito absoluto, podendo ser sujeito a limites e restrições, que não impliquem a eliminação do direito, tendo em conta outros interesses e valores que reclamem tutela. Deve proceder-se a uma análise dos interesses em jogo, procurando aquietar as tensões numa solução que seja socialmente e em termos de justiça, aceitável, que maximize a satisfação de uns e outros valores, podendo no limite soçobrar os interesses em confronto com o direito à prova. Estas tensões são normalmente resolvidas pelo legislador, com normas limitativas ou proibitivas da prova. Tal não obsta, no entanto, a que o julgador, em cada caso concreto, não deva fazer a ponderação, limitando a pretensão probatória quando ela toca outros interesses, máxime, nos casos em que a pretensão vai além do necessário para o fim pretendido. As diligências probatórias devem desde logo ser necessárias – artigo 411º do CPC -, devendo o juiz recusar as que foram impertinentes ou dilatórias-. Artigo 6º, nº 1 do CPC-.
Voltando ao caso, conquanto os elementos solicitados não correspondam à totalidade da escrituração mercantil, confrontando-se os elementos constantes do ficheiro SAF-T, conforme Portaria 321-A/2007, resulta que o grosso dos elementos da escrituração mercantil constam do ficheiro, incluindo os importantes elementos que de forma relevante reclamam a proteção que se visou com o segredo mercantil, ou dito de outro modo, incluindo os elementos que levaram o legislador comercial a estabelecer a proteção do segredo mercantil, a título de exemplo a indicação de fornecedores, com todos os elementos necessários à localização destes, e elementos relativos a (muitos) clientes, bem como outros dados que fornecem importante informação sobre o modo de funcionamento da empresa, designadamente preços, formação de preços, margens etc… ainda que necessitados de uma análise.
Desconsiderar esta realidade equivale a desconsiderar interesses que o legislador pretendeu proteger. Assim, e, não obstante não resultar do nº 3 do artigo 417º do CPC o segredo mercantil como motivo de recusa, impõe-se uma adequada ponderação do solicitado, devendo limitar-se o acesso aos elementos efetivamente necessários e imprescindíveis para a demonstrações dos factos que se visa provar, tendo em consideração os princípios da adequação e proporcionalidade; e sem prejuízo do dever de guardar segredo por parte dos intervenientes que acedam às informações.
A preservação do segredo comercial é uma preocupação da União Europeia, relevando para o bom funcionamento do mercado interno – considerando 36 da Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais.

Nos considerandos da Diretiva (UE) 2016/943 consta:
(1) As empresas e as instituições não comerciais de investigação investem na aquisição, no desenvolvimento e na aplicação de know-how e de informações que são a moeda de troca da economia do conhecimento e proporcionam uma vantagem competitiva. Este investimento na criação e na aplicação de capital intelectual é um fator determinante no que diz respeito à sua competitividade e ao seu desempenho … Outro meio de apropriação dos resultados da inovação é a proteção do acesso e da exploração de conhecimentos valiosos para a entidade que não sejam do conhecimento geral. Esse valioso know-how e essas valiosas informações empresariais, que são confidenciais e que se pretende que permaneçam confidenciais, são designados como segredos comerciais.
(2) As empresas, independentemente da sua dimensão, valorizam os segredos comerciais tanto como as patentes e outras modalidades de direitos de propriedade intelectual. Utilizam a confidencialidade como um instrumento de gestão da competitividade empresarial e da inovação na investigação, em relação a um conjunto variado de informações que vão para além dos conhecimentos tecnológicos e abarcam dados comerciais tais como informações sobre os clientes e os fornecedores, planos de negócios e estudos e estratégias de mercado. As pequenas e médias empresas (PME) valorizam ainda mais os segredos comerciais e são ainda mais dependentes deles…
(…)
(11) A presente diretiva não deverá afetar a aplicação de regras da União ou nacionais que requeiram a divulgação de informações, incluindo segredos comerciais, ao público ou às autoridades públicas…
(14) É importante adotar uma definição homogénea de segredo comercial, sem restringir o objeto a proteger contra apropriação indevida. Essa definição deverá ser formulada de forma a abranger o know-how, as informações empresariais e as informações tecnológicas sempre que exista um interesse legítimo em mantê-los confidenciais e uma expectativa legítima de preservação dessa confidencialidade. Além disso, esse know-how ou essas informações deverão ter um valor comercial real ou potencial. Deverá considerar-se que esse know-how ou essas informações têm valor comercial, por exemplo, caso a sua aquisição, utilização ou divulgação não autorizadas sejam suscetíveis de lesar os interesses da pessoa que exerce o controlo legal das informações ou do know-how em causa, pelo facto de comprometerem o potencial científico e técnico, os interesses comerciais ou financeiros, as posições estratégicas ou a capacidade concorrencial dessa pessoa. A definição de segredo comercial exclui informações triviais e a experiência e as competências adquiridas pelos trabalhadores no decurso normal do seu trabalho, bem como as informações que são geralmente conhecidas pelas pessoas dentro dos círculos que lidam habitualmente com o tipo de informações em questão, ou que são facilmente acessíveis a essas pessoas.
(15) É igualmente importante identificar as circunstâncias em que se justifica a proteção jurídica dos segredos comerciais. Por este motivo, é necessário definir a conduta e as práticas que devem ser consideradas como aquisição, utilização ou divulgação ilegais de um segredo comercial.

(18) Além disso, deverá ser considerada legal para efeitos da presente diretiva a aquisição, utilização ou divulgação de segredos comerciais imposta ou permitida por lei… No entanto, tratar como legal a aquisição de um segredo comercial não deverá prejudicar as obrigações de confidencialidade no que respeita ao segredo comercial nem as limitações da sua utilização eventualmente impostas ao recetor ou adquirente das informações pelo direito da União ou pelo direito nacional. Em particular, a presente diretiva não deverá dispensar as autoridades públicas das obrigações de confidencialidade a que estão sujeitas em relação às informações transmitidas pelos titulares dos segredos comerciais, quer essas obrigações sejam estabelecidas no direito da União ou no direito nacional…

Conquanto a diretiva pareça ter visado essencialmente criar condições para o titular do segredo não se inibir de recorrer a tribunal com receio de o revelar, conforme considerando 24 e artigo 4º, 1 (os Estados-Membros asseguram que os titulares de um segredo comercial estejam habilitados a requerer a aplicação das medidas, dos procedimentos e das vias de reparação previstos na presente diretiva a fim de impedir a aquisição, utilização ou divulgação ilegais do seu segredo comercial ou de obter reparação por essa aquisição, utilização ou divulgação ilegais), deu fundamento ao artigo 352º do Código de Propriedade Industrial, que estabelece uma proteção no âmbito de um processo judicial.
Refere-se no preâmbulo do D.L. n.º 110/2018, de 10 de dezembro que aprova o novo Código da Propriedade Industrial, transpondo as Diretivas (UE) 2015/2436 e (UE) 2016/943.
A Diretiva dos Segredos Comerciais procura harmonizar entre os vários Estados-Membros os níveis de proteção de que deve beneficiar um conjunto diversificado de know-how ou informações de natureza confidencial que hoje assumem uma importância crescente no quadro de uma economia do conhecimento, que faz assentar nas atividades de inovação e investigação um dos motores para o crescimento económico, para o progresso científico e tecnológico, para o emprego e para a competitividade das empresas…. Esta importância que o recurso aos segredos comerciais hoje assume para as empresas de perfil inovador, em particular para as pequenas e médias empresas, contrasta, porém, com um quadro jurídico ainda insuficiente ao nível da União Europeia para proteção do acesso e da exploração desses segredos contra a sua obtenção, utilização ou divulgação ilegal por terceiros, deixando muitas vezes os agentes económicos expostos à utilização indevida do seu capital intelectual… A Diretiva dos Segredos Comerciais procura dar resposta a esta insuficiência do ordenamento jurídico em vigor, instituindo um conjunto de mecanismos de natureza civil que, sem pôr em causa os direitos e as liberdades fundamentais ou o interesse público, permita prevenir e reprimir práticas ilícitas neste domínio. Seguramente que um quadro legal reforçado, dotado de mecanismos jurídicos equilibrados e eficazes, servirá como um incentivo para que as empresas continuem a utilizar e a explorar com maior segurança os segredos comerciais, encorajando-as a prosseguir as suas atividades de inovação tão necessárias ao bom desempenho das economias e ao progresso social…. Nesta matéria adapta-se aos segredos comerciais a secção já existente no Código da Propriedade Industrial relativa às medidas e procedimentos que visam garantir o respeito pelos direitos de propriedade industrial. Esta opção vai além das obrigações que decorrem do regime mínimo imposto pela Diretiva, instituindo-se um quadro legal verdadeiramente mais robusto para os titulares de segredos comerciais….

E consta do artigo 352º do CPI:
Preservação da confidencialidade dos segredos comerciais em processos judiciais
1 - Qualquer pessoa que participe em processo judicial ou que tenha acesso aos documentos que dele fazem parte, não está autorizada a utilizar ou divulgar qualquer segredo comercial ou alegado segredo comercial que o tribunal, em resposta a um pedido devidamente fundamentado da parte interessada, tenha identificado como confidencial e do qual tenha tomado conhecimento em resultado dessa participação ou acesso.
2 - A obrigação de confidencialidade não se extingue com o termo do processo judicial, salvo quando se constate, por decisão transitada em julgado, que o alegado segredo comercial não preenche os requisitos previstos no artigo 313.º ou que as informações em causa tenham passado a ser do conhecimento das pessoas nos círculos que normalmente lidam com esse tipo de informações ou se tenham tornado facilmente acessíveis a essas pessoas.
3 - A pedido devidamente fundamentado de uma das partes ou por iniciativa do tribunal e tendo sempre em conta a necessidade de salvaguardar o direito à ação e a um tribunal imparcial, bem como os interesses das partes ou de terceiros, podem ser tomadas medidas específicas e proporcionais para preservar a confidencialidade de qualquer segredo comercial ou alegado segredo comercial utilizado ou mencionado no decurso de um processo judicial, nomeadamente as seguintes:
a) Limitação do acesso a documentos que contenham segredos comerciais ou alegados segredos comerciais e que tenham sido apresentados pelas partes ou por terceiros, na sua totalidade ou em parte, a um número restrito de pessoas;
b) Limitação a um número restrito de pessoas do acesso a audiências, assim como aos respetivos registos e transcrições, quando existir a possibilidade de divulgação de segredos comerciais ou alegados segredos comerciais;
c) Disponibilização a pessoas não incluídas no número restrito a que se referem as alíneas anteriores de uma versão não confidencial de decisões judiciais das quais tenham sido removidas ou ocultadas as passagens que contêm os segredos comerciais.
4 - O número de pessoas a que se referem as alíneas a) e b) do número anterior não deve exceder o necessário para assegurar o respeito do direito das partes à ação e a um julgamento imparcial e deve incluir, pelo menos, uma pessoa singular de cada uma das partes e os respetivos mandatários ou outros representantes.

Quanto aos dados pessoais, (conforme os define RGPD) a que a recorrente alude, designadamente de clientes, deve ser aplicado o regime do artigo 164º 1 e 3 do CPC, a verificar caso a caso.
Retomando, confrontando a factualidade que se pretende demonstrar, verifica-se que esta peca por alguma indefinição, circunstância que não deve levar à desvalorização dos interesses do terceiro notificado.
Relativamente às tabelas de preços, tendo em conta o alegado em 30º da PI do apenso, e tratando-se de elementos naturalmente público, nada obsta à sua junção nos termos requeridos.
Já quanto à solicitação no sentido de serem juntos os ficheiros SAFT enviados à AT, relativos à sua faturação de 2018 e 2019 e os ficheiros de vendas dos anos de 2018 e 2019, completos, assim sem mais, mostra-se excessiva, interferindo com os interesses do notificado relativamente à reserva dos elementos alusivos ao seu giro, sem vantagens equivalentes para a prova, dada a imensidão de informações que do ficheiro constam, incluindo matérias protegidas por segredo comercial.
A requerente pretende demonstrar que o réu divulgou dados relativos a clientes seus junto da notificada, e que perdeu clientes. Ora para tanto basta indicar quais são esses clientes, limitando-se a solicitação à faturação e vendas efetuadas pela notificada a tais clientes nos períodos em causa.
Tal pode ser efetuado por junção dos elementos por esta, ou mediante “inspeção” com requisição dos elementos necessários.

Assim a decisão só parcialmente deve manter-se, devendo a notificada juntar:
- Tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019.
- Elementos relativos a vendas, e faturação, relativos aos “clientes” a identificar previamente pela requerente e relativamente aos anos de 2018 e 2019.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, devendo ser juntos pela recorrente, as tabelas de preços dos anos de 2018 e 2019 e os elementos relativos a vendas, e faturação, relativos aos “clientes” a identificar previamente pela requerente e relativamente aos anos de 2018 e 2019.
Custas na proporção de metade.
3/02/2022

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor