Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1734/13.5TBBRG-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ININTELIGIBILIDADE DOS FUNDAMENTOS
REMESSA DAS PARTES PARA OS MEIOS COMUNS
ARTIGO 119º Nº 4
DO CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL
VALOR DO DESPACHO SANEADOR TABELAR
VALOR DO DESPACHO QUE DEFINE O OBJECTO DO LITÍGIO E ENUNCIA OS TEMAS DE PROVA
CASO JULGADO FORMAL
EMBARGOS DE TERCEIRO
PROPRIEDADE DE BEM PENHORADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. É nulo - por ininteligibilidade dos respectivos fundamentos, e por omissão de pronúncia - o despacho proferido no início da audiência de julgamento de embargos de terceiro que, remetendo então as partes para os meios comuns, nos termos do art. 119º, nº 4 do C.R.P., não se pronuncie sobre o destino daquela instância, nem sobre a sua eventual causa de extinção (art. 615º,nº 1, al. c), II parte, e al. d), I parte, do C.P.C.).

II. O despacho de recebimento de embargos de terceiro, o despacho saneador tabelar, e o despacho que defina o objecto do litígio e enuncie os temas da prova, não fazem caso julgado formal, atenta a natureza eminentemente provisória do primeiro, o disposto no art. 595º,nº 3, I parte, do C.P.C. quanto ao segundo, e o constituir o terceiro mero instrumento de trabalho face às ulteriores fases do processo e às verdadeiras decisões que aí deverão ser tomadas (arts. 345º, 346º, 596º e 620º, todos do C.P.C.).

III. Os embargos de terceiro são um adequado «meio comum» para se apreciar e discutir a propriedade de um bem penhorado e inscrito a favor de pessoa diversa do executado - nomeadamente, quando na sua contestação seja invocada a verificação dos pressupostos da impugnação pauliana, e da simulação do acto de aquisição da propriedade pelo embargante - , inexistindo por isso fundamento legal para a sua posterior extinção, por alegada e superveniente aplicação do art. 119º, nº 4 do C.R.P. (art. 119º, nº 1 e nº 4 do C.R..).

(Maria João Marques Pinto de Matos)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. D. P. (aqui Recorrida), residente na Rua …, em Braga, propôs os presentes embargos de terceiro (por apenso à acção executiva movida por Banco A, S.A., com sede na Avenida …, em Lisboa, contra J. F., residente na Rua …, em Braga, e contra M. G., residente na Rua da …, em Braga, que com o nº 1734/13.5TBBRG corre termos pelo Juiz 1, da então 2ª Secção de Execução, da Instância Central de Vila Nova de Famalicão, comarca de Braga, para cobrança coerciva da quantia de € 126.361,82), contra Banco A, S.A. (aqui Recorrente), contra J. F., e contra M. G., pedindo que:
· fossem os mesmos recebidos, sendo ordenado o imediato levantamento/cancelamento da penhora que incidiu sobre o prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e andar, sito na freguesia de …, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, Nogueira, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. …º, do qual é exclusiva dona e legítima proprietária e possuidora.
· Alegou para o efeito, em síntese, ter sido notificada no dia 15 de Dezembro de 2014, por Agente de Execução, da dita penhora - realizada na referida acção executiva - , a qual foi registada como provisória por natureza no dia 18 de Novembro de 2014.
Mais alegou que, sendo de todo estranha aqueles autos, ou à dívida que ali se executa, é porém proprietária exclusiva, desde 25 de Janeiro de 2011, do imóvel ali penhorado, pelo que a sua apreensão judicial poderá resultar de um lapso, constituindo um abuso de direito.

1.1.2. Foi proferido despacho, recebendo os embargos de terceiro deduzidos, ordenando a notificação da Exequente (Banco A, S.A.) e dos Executados (J. F. e M. G.) para, querendo, os contestarem, e declarando a suspensão da execução relativamente ao imóvel a que os embargos dizem respeito.

1.1.3. Notificados os Embargados (Banco A, S.A., J. F. e M. G.), apenas a Exequente (Recorrente) os contestou, pedindo que fossem julgados improcedentes, nomeadamente por procedência da excepção de impugnação pauliana que deduziu; ou, subsidiariamente, da excepção de nulidade da partilha pela qual teria vindo à Embargante a propriedade do imóvel penhorado, que também invocou.
Alegou para o efeito, e em síntese, ter sido a Embargante (D. P.) casada com o 1º co-Executado (J. F.), de quem se divorciou em 07 de Dezembro de 2010, sendo que a partilha do único bem comum do casal - o imóvel penhorado -, realizada em 25 de Janeiro de 2011, visou precisamente obstacular ao pagamento das dívidas que aquele avalizara, num propósito conjunto de ambos.
Mais alegou que, não obstante o divórcio referido, a Embargante (D. P.) e o 1º co-Executado (J. F.) continuaram a viver maritalmente, nunca tendo tido intenção, nem de se divorciarem, nem de efectuaram qualquer partilha, sendo ambos os actos simulados.

1.1.4. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador, certificando a validade e a regularidade da instância («O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. / O processo é próprio. / As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e encontram-se devidamente representadas»); definindo o objecto do litígio («Embargante, opondo-se à penhora efectuada no âmbito do processo principal que coincidiu sobre o prédio urbano melhor identificado sob o artº 3º da petição inicial deduziu os presentes embargos de terceiro, tendo em vista o levantamento dessa mesma penhora e cancelamento do registo»); e enunciando os temas da prova («- Os factos relativos à exceção peremptória da impugnação pauliana invocada na contestação» / «- Os factos elativos à exceção peremptória da nulidade da partilha por simulação invocada também ela na contestação»).

1.1.5. Apreciados os requerimentos probatórios das partes, foi designado dia para julgamento; e, no início da respectiva audiência, foi proferido despacho, remetendo as partes para os meios comuns e condenando a Embargante nas custas do processo, lendo-se nomeadamente no mesmo
«(…)
A penhora que incidiu sobre o bem imóvel objecto dos presentes embargos de terceiro, ficou, por esse bem se encontrar registado, na competente C.R.P., em pessoa diversa da dos executados, registada como “provisória por natureza”. Na sequência e em consequência da notificação desse facto, o Exmo. AE providenciou pela citação da titular inscrita, neste caso, a ora embargante, para os fins melhor consignados no artº119º, nº1 do C.R.P., conforme melhor se alcança pelo teor do escrito junto aos autos principais, a fls.34.
A embargante, pessoal e regularmente citada, não obstante não ter dirigido declaração em conformidade à entidade competente – AE, veio, no entanto, através da dedução destes embargos de terceiro, declarar, na respectiva petição inicial e dentro do prazo consignado no nº1 do artº119º do C.R.P., que o referido bem lhe pertence.
Assim sendo, como é, e face ao que se preceitua no artº119º, nº4 do C.R.P., não é através dos presentes embargos de executado que se deverá discutir a questão da titularidade do direito, mas, antes, como é inequívoca e expressa intenção legislativa, mediante o recurso aos meios processuais comuns.
Pelo exposto e nos termos do disposto no nº4 do artº119º do C.R.P., decide-se remeter os interessados para os meios processuais comuns, ordenando se expeça certidão do facto, com a data da notificação da declaração (petição inicial de embargos de executado), para ser anotada ao registo.
As custas do processo ficam a cargo da embargante, uma vez que, sem embargo de ter feito a declaração prevista no artº119º, nº4 do C.R.P., a fez, contudo, de forma inapropriada.
Registe e notifique
(…)»
*
1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformada com esta decisão, a Embargada (Banco A, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas, sem repetições de processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter o despacho recorrido violado o caso julgado formal, constituído quer sobre o despacho inicial que recebeu os embargos de terceiro, quer sobre o subsequente despacho saneador (que julgou verificada a validade e a regularidade da instância).

1. Nos autos foi proferido despacho a admitir os embargos de terceiro e a ordenar a notificação do Recorrente para os contestar, bem como despacho saneador a considerar ser o Tribunal competente em razão de matéria, hierarquia e território, julgando o processo próprio e as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, confirmando a inexistência de quaisquer exceções que obstassem ao julgamento dos autos,

2. Tendo os referidos despachos judiciais transitado em julgado, constituindo-se caso julgado formal nos termos do disposto no artigo 620º do CPC, tendo-se esgotado o poder jurisdicional do Mmo. Juiz a quo quanto à questão da admissibilidade dos embargos e da possibilidade de no âmbito dos mesmos se discutirem as exceções da impugnação pauliana e da nulidade por simulação relativamente à partilha que serve de causa de pedir aos embargos (art. 613º, nº1, CPC).

3. Face ao exposto, a decisão recorrida viola caso julgado formal.

2ª - Ter o despacho recorrido aplicado indevidamente o art. 119º, nº 4 do C.R.P., uma vez que o mesmo não impede, ou inutiliza, o prosseguimento de embargos de terceiro que tenham sido oportunamente deduzidos (e onde se poderá discutir, quer a excepção peremptória de impugnação pauliana, quer a excepção peremptória da nulidade do acto invocado pelo embargante como aquisitivo da propriedade registada a sue favor, deduzidas na contestação àqueles autos).

4. Sem prescindir, o disposto no artigo 119º n.º 4 do C.R. Predial não constitui um impeditivo legal ao prosseguimento dos presentes embargos de terceiro para apreciação dos factos descritos na petição inicial e das exceções aduzidas pelo Recorrente na sua contestação nem implica a extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide.

5. Não sendo aceitável, por legalmente infundado, que, uma vez feita a declaração a que alude o n.º 1 do artigo 119º do C.R.Predial, com a consequente remessa dos interessados para os meios processuais comuns nos termos do n.º 4 daquele normativo, se possa justificar a extinção dos embargos de terceiro por impossibilidade ou inutilidade superveniente.

6. Tanto mais que, não é de excluir que a exceção de impugnação pauliana possa ser invocada sob a forma de ação ou sob a forma de exceção, designadamente através de contestação a embargos de terceiro, atendendo ao disposto nos artigos 610º a 618º do C.C..

7. Nesta conformidade, é inegável que inexiste qualquer causa de extinção dos embargos de terceiro, pois que nunca ocorreu qualquer facto gerenciador da sua inutilidade, nem tal resulta do disposto no n.º 4 do artigo 119º do C.R. Predial.

8. Por outro lado, verifica-se que nos presentes embargos de terceiro são parte todos os interessados a que alude o disposto no mencionado artigo 119º n.º 4 do C.R. Predial,

9. Razão pela qual, face ao pedido dos embargos de terceiro e à exceção invocada na correspondente contestação, estão presentes as partes e elencados os factos atinentes à discussão sobre o alegado reconhecimento do direito de propriedade do imóvel penhorado, bem como, o de saber se, não obstante o reconhecimento desse direito, o imóvel pode ainda assim ser penhorado no património da adquirente.

10. Os embargos de terceiro são assim um meio adequado para resolver a questão que a remessa para os meios processuais comuns prevista no art. 119º n.º 4 do C.R. Predial visa conhecer,

11. Sendo que a referida remessa dos interessados para os meios processuais comuns inclui os próprios embargos de terceiro, meio unanimemente reconhecido na jurisprudência como apto a solucionar a questão.

3ª - Ser o despacho recorrido nulo, por omissão de pronúncia, ou por padecer de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (já que não se pronunciou sobre a eventual extinção da instância de embargos de executado, e causa da mesma).

15. Só com a decisão de absolvição da instância poderia o Recorrente invocar o artigo 327 n.º 3 do C.C (ex vi art. 332º n.º 1) para instaurar nova ação de impugnação pauliana nos 2 meses subsequentes ao trânsito de tal decisão.

16. O que não resulta claro da decisão impugnada.

17. Pelo que, nesta medida, o despacho recorrido é nulo, por omissão de pronúncia ou, quando muito, por obscuridade,

18. Nulidade que se invoca e argui atendendo ao disposto nos artigos 154º, 195º n.º 1, 197º n.º 1, 615º n.º 1, als. c) e d) e nº4, todos do CPC.

19. Assim, e salvo o devido respeito, que é muito, ao decidir como decidiu o douto despacho recorrido padece dos vícios de violação de caso julgado formal, obscuridade, omissão de pronúncia e de violação da lei processual aplicável, justificando o presente recurso de apelação.

20. Razão pela qual, o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento da instância, uma vez que o despacho recorrido viola caso julgado formal (art. 620º, CPC) e não se verifica qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide nos termos estabelecidos no artigo 277º, alínea e), ou sequer de suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 269º, n.º 1, al. c) ou d), todos do CPC.

21. Caso assim não se entenda, sempre se deve julgar a nulidade deste despacho por obscuridade e omissão de pronúncia, substituindo-o por outro que decrete a absolvição dos embargados da instância, atendendo ao disposto nos artigos 154º, 195º n.º 1, 197º n.º 1, 615º n.º 1, al. c) e d) e nº4, todos do CPC.
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1.3. Recurso (contra-alegações)
A Embargante (D. P.) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, e se confirmasse o despacho recorrido.

Alegou para o efeito, e em síntese:

1 - Não existir qualquer impedimento legal que inibisse o Tribunal a quo de cumprir o art. 119º, nº 4 do C.R.P. (remessa das partes para os meios comuns) no início da audiência de julgamento dos embargos de terceiro deduzidos.

2 - Encontrar-se precisamente reservada para os meios comuns a discussão das questões deduzidas pela Embargada na sua contestação (de impugnação pauliana, e de simulação do acto translativo da propriedade a favor da Embargante).

3 - Não padecer o despacho recorrido de qualquer uma das nulidades invocadas pela Recorrente.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, por ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615º, nº 1, al. c), II parte, do C.P.C.), e por o Tribunal a quo ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C.) ?

- Violou o Tribunal a quo com a sua decisão o caso julgado formal (nomeadamente, o eventualmente formado sobre os prévios despachos que receberam os embargos de terceiro, e certificaram a validade e a regularidade da instância) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do art. 119º, nº 4 do C.R.P. (nomeadamente, por não se justificar a remessa das partes para os meios comuns quando já tenham sido intentados e contestados embargos de terceiro, discutindo-se precisamente nestes a questão da propriedade do bem penhorado e inscrito em nome de terceiro não executado) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença

3.1. Conhecimento de nulidades da sentença - Momento
3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».
Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C. que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Recorrente (Banco A, S.A.) a nulidade do despacho recorrido - por alegadas obscuridade e ininteligibilidade, e omissão de pronúncia -,deverá ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem outra indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Ininteligibilidade - Art. 615º, nº 1, al. c), in fine, do C.P.C.
Lê-se no art. 615º, nº 1, al. c), in fine, do C.P.C., e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. Ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo C.P.C., face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula).
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pg. 151, com bold apócrifo).
Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto.
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3.2.1.3. Omissão de pronúncia - Art. 615º, nº 1, al. d), in limine, do C.P.C.
Lê-se no art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C. (como já antes se lia no anterior art. 668º, nº 1, alínea d), I parte, do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608º, nº 2 do C.P.C. (art. 660º, nº 2 do anterior C.P.C.), que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., p. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo nº 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ nº 439, pg. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, p. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira).
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo nº 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo nº 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo nº 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.1.4. Consequência (da verificação de nulidade)
Por fim, lê-se no art. 665º, nº 1 do C.P.C. que, ainda «que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação».
Por outras palavras, «ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.
Deste modo, a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários», uma vez que só «nessa eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, p. 261).
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3.2.2. Concretizando, compulsado o despacho recorrido verifica-se que, tal como o denunciou a Recorrente (Banco A, S.A.), o mesmo, remetendo «os interessados para os meios comuns», e ordenando que «se expeça certidão do facto, com a data da notificação da declaração (petição inicial de embargos de executado), para ser anotada no registo», nada esclareceu relativamente ao concreto destino da instância de embargos, não obstante se pressupor na dita decisão que se teria extinto; nem, assim sendo, quanto a concreta causa de extinção da mesma (v.g. erro na forma de processo, inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, verificação de uma excepção dilatória inominada ?).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária (que parece ser a da Embargante, quando afirma que as «cominações legais resultantes do disposto no nº 4 do artº 119º do CRP, operam automaticamente - ope legis - o que, desde logo, liberta o meritíssimo Juiz do tribunal à Quo de se pronunciar sobre as mesmas»), impunha-se que o Tribunal a quo se pronunciasse expressamente sobre o destino da instância de embargos de terceiro, e sobre a concreta causa da sua eventual extinção, de acordo com o elenco legal taxativo previsto nos arts. 277º e 278º, ambos do C.P.C..
Não o tendo feito, ocorre efectivamente uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão assim afectada.

Dir-se-á ainda que, não obstante se retirar da condenação da Embargante em «custas do processo (…), uma vez que, sem embargo de ter feito a declaração prevista no artº 119º, nº 4 do C.R.P., a fez, contudo, de forma inapropriada», bem como do ulterior processamento (ou ausência de) dos autos, que o Tribunal a quo considerou a instância de embargos de terceiro efectivamente extinta, se continua a desconhecer a causa dessa extinção (até porque não viria a apreciar a nulidade da sua decisão, no despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso, conforme imposto pelo art. 617º, nº 1 do C.P.C., o que talvez se explique por ser então outro o concreto Magistrado titular do processo).
Considera-se, por isso, padecer o mesmo despacho de insuprível ambiguidade ou obscuridade, que tornam a decisão - no caso, os seus fundamentos - ininteligível, restrição inaceitável do direito das partes que, querendo recorrer do mesmo, nem sequer sabem em que concretos termos o deverão fazer, por desconhecerem qual o exacto fundamento da aparente extinção da instância, e cuja não verificação nos autos deverão sustentar.

Logo, e tal como defendido pela Embargada (Recorrente), o despacho recorrido é nulo, por falta de pronúncia sobre o destino da instância de embargos de terceiro em causa, bem como sobre a eventual causa da sua extinção, pelo menos em termos que permitissem conhecer um e outra, de forma inteligível.
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Procede assim, e nesta parte, o recurso de apelação interposto pela Embargada (Banco A, S.A.), devendo reconhecer-se a nulidade do despacho recorrido (por omissão de pronúncia, e por ambiguidade ou obscuridade que o tornam ininteligível); e prosseguir este Tribunal da Relação na apreciação da apelação (conforme imposto pelo art. 665º, nº 2 do C.P.C.), por dever a mesma proceder, como desde já se adianta.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das demais questões enunciadas (violação de caso julgado formal, e errada aplicação do art. 119º, nº 4 do C.R.P.), encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Caso julgado formal
5.1.1.1. Caso julgado formal - Definição
Lê-se no art. 613º, nº 1 do C.P.C. que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» (disciplina que o nº 3 do mesmo preceito estende aos próprios despachos).
Quer isto significar que, tendo o juiz proferido decisão, não a pode em regra, e por sua iniciativa, rever, alterando a decisão da causa, ou modificando os seus fundamentos (que com ela formam um todo incindível), ficando esta susceptibilidade de modificação reservada para a sede própria, nomeadamente de recursos.
Com efeito, ainda «que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível».
Compreende-se que assim seja, quer «por uma razão doutrinal», quer «por uma razão pragmática».
Precisando a primeira (razão doutrinal): «o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se».
Precisando a segunda (razão pragmática): «consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra 1984, p. 126-127).

Contudo, se a decisão proferida não for objecto de oportuna e adequada impugnação (por reclamação, ou recurso), tornar-se-á definitiva, por transitar então em julgado, isto é, será doravante obrigatória para os respectivos destinatários.
Com efeito, lê-se no art. 628º do C.P.C. que a «decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação»; e, de acordo com o art. 619º,nº 1 e 620º, nº 1, ambos do C.P.C., terá então força obrigatória, dentro do processo e fora dele, se for sentença ou despacho saneador que decida do mérito da causa (caso julgado material), ou apenas dentro do processo, se for sentença ou despacho que haja recaído unicamente sobre a relação processual (caso julgado formal).
Logo, seja «qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (…). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)» (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, 713 e 714).

Precisando agora unicamente o caso julgado formal (formado exclusivamente sobre decisão que se pronuncie sobre uma questão processual, que não foi oportunamente impugnada - por meio de reclamação ou de recurso ordinário), a eficácia da sua força obrigatória fica limitada ao próprio processo onde a decisão em causa tenha sido proferida.
Logo, se no mesmo vem posteriormente a ser proferida uma nova - e contraditória - decisão sobre a mesma concreta questão da relação processual, que igualmente transite em julgado, cumprir-se-á apenas e exclusivamente a primeira, conforme art. 625º, nº 1 e nº 2 do C.P.C.: havendo duas decisões contraditórias «que, dentro o mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual», «cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar».
Contudo, tendo «o caso julgado formal (…) força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o Juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida», não impedirá «que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo Tribunal ou por outro entretanto chamado a apreciar a causa» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 703-4).
Por outras palavas, «o caso julgado formal só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida (…), obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição Coimbra Editora, 209, p. 644).
Logo, «as decisões de forma desfrutam de força vinculativa de caso julgado apenas dentro do processo», excepto no especialíssimo caso previsto no art. 101º, nº 1 do C.P.C. (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição Coimbra Editora, 209, p. 645-6).
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5.1.1.2. Embargos de Terceiro - Despacho inicial de recebimento
Lê-se no art. 342º, nº 1 do C.P.C. que, se «a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
O que seja, então, «direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência», será apurado em função da finalidade desta, que no caso de uma acção executiva para pagamento de quantia certa se traduz na venda do bem penhorado no processo de execução.
Logo, a invocação, por parte de um Terceiro, que nela não é parte, de um direito de propriedade sobre o dito bem penhorado, é necessariamente incompatível com o prévio acto judicial de penhora, por o mesmo ser lesivo daquele direito (permitindo, por isso, o recurso aos embargos de terceiro para o defender, sem o necessário - e demorado - recurso à acção de reivindicação).

Mais se lê, no art. 344º, nº 1 e nº 2 do C.P.C. que os «embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante»; e terão de ser deduzidos, «mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados».
Lê-se ainda, no art. 345º do C.P.C., que, sendo «apresentados em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante».
Logo, no despacho liminar, o juiz pode - e deve - rejeitar os embargos de terceiro se, pelo requerimento inicial e pelos documentos que o instruírem, verificar que foram deduzidos extemporaneamente, ou que o embargante não é terceiro, ou que não possui o direito que se arroga; e no subsequente despacho - proferido após produção de prova - pode ainda rejeitá-los por não ter adquirido a convicção, face à mesma, da probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
«Mas o tribunal não deve ser muito rigoroso, não deve apreciar as provas através de critério exigente e severo. Trata-se de prova meramente informatória, destinada a evitar que se recebam embargos inteiramente infundados, suspendendo-se assim o efeito da diligência judicial».
O juízo que se lhe pede «nesta altura do processo não é um juízo definitivo, um juízo de certeza, sobre que assente uma decisão final; é um juízo de simples probabilidade ou verosimilhança, destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina». Logo, deve «jugular à nascença, e portanto rejeitar, os embargos que manifestamente não oferecem condições de viabilidade; deve receber os que apresentem probabilidades de sucesso» (Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 442, com bold apócrifo).
Compreende-se, assim, que, contrariamente «à sentença de mérito (art. 349), o despacho de recebimento ou rejeição dos embargos não forma caso julgado: a prova que o permite é sumária e o juízo emitido é um juízo de probabilidade, mesmo quando de rejeição (não é seriamente provável a existência do direito ou da posse). Acontece assim como o despacho de recebimento ou rejeição dos embargos algo de semelhante ao que acontece com a decisão proferida no procedimento cautelar (art. 364-4)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 672).
Por outras palavras, do «que já dissemos infere-se que o despacho de recebimento, mesmo quando transite em jugado, não constitui solução definitiva da questão; só assegura o seguimento do processo, nos termos do art. 1038º [do C.P.C. de 1961, na redacção então em vigor]. O juiz emite esse despacho sobre elementos fornecidos unicamente pelo embargante; tais elementos podem, no curso do processo, ser destruídos ou infirmados pelas alegações e provas do embargado. Compreende-se, pois, que os embargos, apesar de recebidos, venham afinal a ser julgados improcedentes».
Logo, o «juízo expresso no despacho tem carácter provisório; o juízo definitivo há-de o tribunal enunciá-lo na sentença final, depois de instruída completamente a causa» (Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 446. No mesmo sentido, também a propósito do anterior C.P.C. - de 1961, e na sua versão original - Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição - reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra 1992, p. 358-359, onde se lê que, como «hoje se diz, expressamente, o nº 2 do artigo 1041º, o recebimento dos embargos “apenas assegura o seguimento deles”, o que significa não produzir caso julgado sobre as questões decididas: nem sobre a qualidade de terceiro, por parte do embargante, nem sobre a posse deste nos bens embargados»).
Compreende-se que assim seja: não seria «compreensível que o juiz tivesse menos poderes na fase final, com toda a prova já produzida por ambas as partes, do que na fase inicial, onde só tinha uma mera prova informatória produzida unicamente por uma das partes - o próprio requerente» (Baptista Lopes, citado por Jorge Duarte Pinheiro, Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, Livraria Almedina, Coimbra 1982, p. 62).
Lê-se, portanto, no art. 346º do C.P.C. que a «rejeição dos embargos, nos termos do disposto no artigo anterior, não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa apreendida».
Idêntica solução resultava já do art. 355º do C.P.C. de 1961, depois da revisão operada pelo Dec-Lei nº 329-a/95, de 12 de Dezembro, uma vez que também então se defendia que, sendo «os embargos rejeitados na fase introdutória, pode o embargante propor acção, pedindo a declaração da titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindicando a coisa apreendida ou penhorada» (Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, p. 309, citando Lebre de Freitas).

Prosseguindo, porém, os embargos, o despacho que os receba «determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, bem como a restituição provisória da posse, se o embargante a houver requerido» (art. 347º do C.P.C.); e, uma vez contestados pelas partes primitivas da acção executiva, seguir-se-ão «os termos do processo comum» (art. 348º, nº 1 do C.P.C.).
Por fim, a sentença de mérito que venha a ser proferida «constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados» (art. 349º do C.P.C.).
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5.1.1.3. Despacho saneador - Identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova

Lê-se no art. 595º, nº 1, al. a) do C.P.C. que o «despacho saneador destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente».
Mais se lê, no nº 3 do art. 595º do mesmo diploma (como já antes se lia no nº 3 do art. 510º do anterior C.P.C.), que «o despacho saneador constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas».
Logo, no caso do comumente chamado «saneador tabelar» (isto é, aquele em que o juiz afirma genericamente que «o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legitimas, e não há excepções nem nulidades a apreciar», sem que qualquer uma destas questões tenha sido suscitada por elas), o mesmo não faz caso julgado, nem mesmo dentro do processo.
(Neste sentido: Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 393 e 394; J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição Coimbra Editora, 209, p. 521; António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição revista e ampliada, Almedina, Coimbra 1999, p. 125, nota 192; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, Junho de 2014, p. 242, nota 546; ou José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 399 e 400).
Só assim se compreenderia, de resto, o disposto no art. 608º, nº 1 do C.P.C., que impõe que a sentença verifique a validade e a regularidade da instância, nomeadamente a existência de excepções dilatórias ou de nulidades que impeçam a prolação da decisão de mérito.

Relativamente ao trabalho preparatório do objecto da audiência de julgamento que se realize após o despacho saneador - antes relativo aos factos assentes (especificação ou matéria de facto assente) e aos controvertidos (questionário ou base instrutória), e hoje relativo à definição do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova - , a nova redacção da lei reforça o entendimento anterior, de que os despachos que os corporizem não dão lugar à formação de caso julgado formal.
Lê-se hoje, singelamente e a propósito, no art 596º, nº 1 do C.P.C. que, proferido «despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova».
Ora, tais despachos devem ser tidos como meros instrumentos de organização do trabalho a realizar nas fases ulteriores (instrução, alegação e sentença), nem mesmo tendo a natureza de decisão, mas sim de peças preparatórias de ulterior decisão, de peças intrinsecamente provisórias. Admite-se, por isso, que ainda possam vir a ser alterados, nomeadamente quando - justificada e de forma processualmente idónea - se verifique que um facto tido como assente afinal não está provado, ou se verifique que um tido como controvertido afinal se encontra assente, ou seja ampliado o seu elenco (por forma a que a decisão final de mérito reproduza o mais fielmente possível a realidade histórica ocorrida, e se permita uma justa composição do litígio, conforme arts. 6º, nº 1 e 7º, nº 1, ambos do C.P.C.).
(Neste sentido: Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 393 e 394; António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição revista e ampliada, Almedina, Coimbra 1999, p. 154 e 155; José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 192-193, e Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 412 e 413; ou Rui Pinto, Notas Ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, p. 62 e 63).
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5.1.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, tendo D. P. deduzido os presentes embargos de terceiro, foi proferido despacho, onde o Juiz então titular, de «acordo com a prova documental junta aos autos», se convenceu «de que existe uma probabilidade séria de que a embargante seja a proprietária do bem imóvel melhor descrito a fls. 6 do presente apenso», pelo que, «recebendo como recebo os presentes embargos, ordeno que se proceda à notificação da exequente e dos executados para, querendo, no prazo de 30 dias, contestarem».
Mais se verifica que, cumprido o dito despacho, a Exequente (Banco A, S.A.), contestou efectivamente os embargos de terceiro em causa, realizando-se depois uma audiência prévia, presidida pelo mesmo Juiz então titular, em que: se proferiu despacho saneador, meramente tabelar («O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. / O processo é próprio. / As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e encontram-se devidamente representadas»); se definiu o objecto do litígio («Embargante, opondo-se à penhora efectuada no âmbito do processo principal que coincidiu sobre o prédio urbano melhor identificado sob o artº 3º da petição inicial deduziu os presentes embargos de terceiro, tendo em vista o levantamento dessa mesma penhora e cancelamento do registo»); e se enunciaram os temas da prova («- Os factos relativos à exceção peremptória da impugnação pauliana invocada na contestação» / «- Os factos elativos à exceção peremptória da nulidade da partilha por simulação invocada também ela na contestação»).
Por fim, verifica-se que, não obstante a coerência e reiteração do entendimento até então enunciado nos autos, no início da audiência e julgamento, o mesmo Juiz ainda então titular dos autos, proferiu um distinto (e, salvo o devido respeito, contraditório) despacho, considerando que, «face ao que se preceitua no artº119º, nº4 do C.R.P., não é através dos presentes embargos de executado que se deverá discutir a questão da titularidade do direito, mas, antes, como é inequívoca e expressa intenção legislativa, mediante o recurso aos meios processuais comuns», pelo que «decide-se remeter os interessados para os meios processuais comuns, ordenando se expeça certidão do facto, com a data da notificação da declaração (petição inicial de embargos de executado), para ser anotada ao registo», cometendo ainda as «custas do processo (…)a cargo da embargante, uma vez que, sem embargo de ter feito a declaração prevista no artº119º, nº4 do C.R.P., a fez, contudo, de forma inapropriada».
Ora, e de forma absolutamente independente da sindicância à correcção da interpretação e aplicação feita pelo Tribunal a quo do art. 119º, nº 4 do C.R.P., certo é que o mesmo não estava impedido por qualquer caso julgado formal, constituído sobre as suas duas anteriores decisões, de prolatar o despacho em causa, uma vez que - atenta a especial natureza das mesmas - aquele não se chegara a formar.
Com efeito, quer o despacho de recebimento dos embargos de terceiro deduzidos, quer o despacho saneador tabelar proferido em audiência prévia, quer o despacho de definição do objecto do litigio e de enunciação dos temas da prova, não são susceptíveis de revestir a obrigatoriedade de uma decisão judicial transitada em julgado, uma vez que: quanto ao primeiro, é por natureza necessariamente provisório, isto é, enuncia um mero juízo perfunctório de probabilidade ou verosimilhança, sobre as realidades que pressupõe verificadas à data (nomeadamente, a dedução tempestiva dos embargos, a qualidade de terceiro do seu autor, e a provável existência do direito por ele invocado como incompatível com a penhora realizada nos autos principais); quanto ao segundo, e por expressa imposição legal, só permite a formação de caso julgado formal se concretamente tiver apreciado uma questão pertinente a pressupostos processuais ou nulidades principais suscitada pelas partes nos autos, ou oficiosamente conhecida pelo Tribunal; e, quanto aos demais, nem mesmo consubstanciam verdadeiras decisões, sendo antes meros instrumentos de trabalho preparatórios de ulteriores fases processuais, e das decisões que aí deverão ser proferidas.

Improcede assim, e nesta parte, o recurso de apelação interposto pela Embargante (não se julgando verificada qualquer violação de caso julgado formal, que recaísse sobre o despacho inicial de recebimento de embargos de terceiro, sobre despacho saneador tabelar, ou sobre despacho definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova).
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5.2. Penhora de imóvel registado em nome de terceiro - Art. 119º, nº 1 e nº 4 do C.R.P.
5.2.1. Lê-se no art. 119º, nº 1 do C.R.P. que, havendo «registo provisório de (…) penhora (…) sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do (…) executado (…), deve efectuar-se no respectivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio lhe pertence.
Com efeito, e de acordo com o art. 92º, nº 2, al. a) do C.R.P., em tais circunstâncias (bem inscrito a favor de pessoa diversa do executado) o registo da penhora que haja sido realizada terá de ser lavrado como provisório por natureza, depois da análise feita pelo conservador dos registos anteriormente efectuados.
Precisa-se, que esta inscrição provisória por natureza - tal como as demais previstas nas outras alíneas do nº 2 do art. 92º citado - corresponde «a factos nos quais concorrem circunstâncias pré-determinadas na lei que impedem o seu ingresso no registo com carácter definitivo» (Maria Ema A. Bacelar A. Guerra, Código do Registo Predial Anotado, 2000, Ediforum - Edições Jurídicas, Limitada, Março de 2000, p. 152).
Um vez lavrado o registo em causa, e atenta a sua natureza, beneficiará de um prazo de caducidade alargado (face aos registos provisórios por dúvidas), no caso, de um ano, conforme nº 5 do art. 92º citado.
Mais se lê, no nº 3 e no nº 4 do art. 119º referido, que: «se o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo», como definitivo (nº 3); e se, pelo contrário, «declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo».
«Este art. 119º visa assegurar o princípio fundamental do trato sucessivo, definido e regulamentado nos art. 34º e 35º, CRP. Se o titular inscrito se não opõe, ou, o que é o mesmo, nada diz, o registo da penhora, de meramente provisório, passa a definitivo e a venda judicial pode ser feita com legitimidade» (Ac. da RP, de 21.09.2010, João Proença, Processo nº 1941/03.9TJVNF-F.P1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 25.11.2003, Arnaldo Silva, Processo nº 8057/2003-7).
Compreende-se ainda que, beneficiando o terceiro da presunção de titularidade do direito já registado a título definitivo em seu nome (conforme art. 7º do C.R.P.), o ónus de intentar acção destinada a esclarecer a questão da titularidade do direito recaia no exequente (interessado no irrestrito prosseguimento da execução quanto ao bem em causa, já que, de acordo com o art. 755º, nº 4 do C.P.C., se o «registo provisório da penhora não obsta a que a execução prossiga» quanto a ele, não se fará porém «a adjudicação dos bens penhorados, a consignação judicial dos seus rendimentos ou a respectiva venda sem que o registo se haja convertido em definitivo», podendo ainda «o juiz da execução, ponderados o motivos a provisoriedade, decidir que a execução não prossiga, se perante ele a questão for suscitada»).
Terá, assim, de instaurar contra o titular inscrito uma acção declarativa em que procure demonstrar que a propriedade do bem não lhe pertence, e sim ao executado (acção àquela autónoma em relação à acção executiva, que permanecerá entretanto suspensa na sua fase final, e quanto ao dito bem).
Fazendo-o, o «registo da acção declarativa na vigência do registo provisório é anotado neste e prorroga o respectivo prazo até que seja cancelado o registo da acção» (nº 5 do art. 92º do C.R.P.); e, no «caso de procedência da acção, pode o interessado pedir a conversão do registo no prazo de oito dias a contar do trânsito em julgado» (nº 6 do mesmo art. 92º citado).
Logo, a execução que ficou parcialmente suspensa (mantendo-se, porém, a penhora realizada), só prosseguirá até final em face de uma sentença que declare o executado titular do direito penhorado.
Reitera-se, a propósito, que nada «na letra daquele art. 119º estabelece a extinção da penhora, aí se prevendo coisa diversa: o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns, expedindo-se igualmente certidão do facto (…). Ou seja, ficam suspensos os efeitos da penhora (…), até que o respectivo registo caduque ou, inversamente, venha a ser convertido em definitivo» (Ac. da RP, de 21.09.2010, João Proença, Processo nº 1941/03.9TJVNF-F.P1, com bold apócrifo).
Já se o exequente (impulsionador e beneficiário da penhora inscrita como provisória por natureza) não propuser e registar a referida acção dentro dos trinta dias a contar da declaração prevista no nº 4 do art. 119º do C.R.P., o registo provisório em causa caduca (art. 92º, nº 5 do C.R.P.).

Contudo, poderá igualmente o dito terceiro beneficiado com o registo definitivo do bem penhorado a seu favor, vir deduzir embargos de terceiro, tendentes a demonstrar ser efectivamente sua a respectiva propriedade.
Poderá, então, o exequente (aí embargado), na «fase contraditória dos embargos, com sujeitação aos requisitos gerais da impugnação pauliana (…), pôr em causa a alienação que o executado tenha feito, tal como, aliás, pode fazer com qualquer outro fundamento de impugnação do ato ou causa da sua nulidade» (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, p. 338-339).
Precisando, e no que à impugnação pauliana diz respeito, começa-se por reconhecer que é unânime e pacifico que a mesma «apenas pode ser exercida através da intervenção do tribunal»: considerando «a perturbação que os efeitos da impugnação pauliana produzem em relações jurídicas estabelecidas, tem-se entendido que os credores só poderão impugnar os actos que afectam a garantia geral dos seus créditos através dos meios judiciários. Garante-se assim que a estabilidade das relações jurídicas só pode ser afectada por iniciativa de terceiros, após o tribunal ter verificado que estão reunidos os requisitos que justifiquem essa intervenção» (João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição - Revista e aumentada, Almedina, Abril de 2008, 279,com bold apócrifo).
Contudo, os meio judiciários susceptíveis de utilização para este efeito são os mais variados, indo desde a proposição da acção própria (em que se pede que o tribunal declare a ineficácia relativa do ato impugnado e os consequentes efeitos práticos dessa declaração), até à sua dedução como excepção, como contra-excepção, o como pedido reconvencional.
Logo, os «credores poderão usá-la não só para atacar o acto que prejudicou a garantia patrimonial dos seus créditos, mas também para se defender desse acto, quando é invocado contra os seus interesses. Tem-se verificado este último tipo de utilização na contestação os embargos de terceiro (…), em que se pretende neutralizar os efeitos da transmissão do direito em jogo para o embargante ou terceiro» (João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição - Revista e aumentada, Almedina, Abril de 2008, p. 280-281)
Por outras palavras, os «embargos de terceiro podem ser contestados pelo exequente-embargado com fundamento na impugnação pauliana, não sendo necessária, nem reconvenção nem acção comum prévia em que alegue e prove os requisitos deste instituto. (…)
Aliás, da experiência comum, resulta que a invocação de simulação contratual ou do circunstancialismo subjacente à pauliana são os únicos meios eficazes de contestação a embargos de terceiro, em que este exibe registo inscrito a seu favor» (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª edição, Almedina, Maio de 2003, p. 39. No mesmo sentido, Professor Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 452, onde se lê que, se «o embargado pode contestar os embargos com o fundamento de simulação do acto translativo invocado pelo embargante, pode igualmente contestá-los com o fundamento de o acto, embora verdadeiro, ter sido celebrado pelo executado em prejuízo do exequente. Caímos enão na esfera da acção pauliana»).
Compreende-se que assim seja, uma vez que, não obstante os embargos de terceiro tenham passado no actual C.P.C. a ser classificados como incidentes da instância - e já não com uma acção especial (conforme versão original do C.P.C. de 1961) -, essa alteração não correspondeu a qualquer alteração de regime.
Com efeito, debalde «se procurará, no capítulo dos incidentes da instância, outro incidente com tramitação tão pesada. Na realidade, a estrutura dos embargos de terceiro é a de uma acção, cuja finalidade é verificar a existência dum direito ou duma posse. A formação, nessa acção, de caso julgado material [após a prolação da sentença de mérito], como claramente diz a lei de processo, acentua inequivocamente a natureza de acção declarativa (de mera apreciação) que os embargos de terceiro constituem, não obstante o enquadramento sistémico que hoje têm» (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, p. 341, com bold apócrifo).
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5.2.2. Caso concreto
Concretizando, verifica-se que, tendo a Exequente dos autos principais (aqui Embargada e Recorrente) promovido nos mesmos a realização da penhora de um imóvel, alegadamente pertença do 1º co-Executado (J. F.), veio-se a verificar encontrar-se o bem inscrito definitivamente a favor de D. P..
Mais se verifica que, citada então esta pelo Agente de Execução, nos termos e para os efeitos previstos no art. 119º, nº 1 do C.P.C., veio deduzir os presentes embargos de terceiro, nos mesmos inequivocamente fazendo a declaração de que o imóvel penhorado lhe pertencia, por ter adquirido a sua propriedade por partilha conjugal de 25 de Janeiro de 2011, tendo-o no mesmo dia registado a seu favor.
Por fim, verifica-se que, recebidos os embargos de terceiro deduzidos, e notificadas as partes primitivas da acção executiva de que são apenso, a ali Exequente veio contestá-los, consubstanciando a sua defesa, grosso modo, na invocação de se verificarem nos autos os pressupostos da impugnação pauliana e, subsidiariamente, da simulação do acto de partilha conjugal, defesa que deduziu por meio de excepção.
Ora, desde esse momento, e «enquanto a penhora dos bens em questão se mantiver, os embargos de terceiro mantêm a sua utilidade com vista a obter o levantamento com base da existência de direito com ela incompatível (direito de propriedade da embargante), e correlativamente a exceção perentória de impugnação pauliana continua a ter utilidade para o exequente/embargado, com vista a impedir que, em relação ao exequente/embargado, a invocada compra e venda, entre a embargante e os executados, tenha realmente existido», obstando deste modo a qualquer extinção da instância por eventual inutilidade superveniente nos termos do art. 277º, al. e) do C.P.C. (Ac. da RL, de 25.11.2003, Arnaldo Silva, Processo n.º 8057/2003-7. No mesmo sentido, Ac. da RP, de 21.09.2010, João Proença, Processo nº 1941/03.9TJVNF-F.P1, onde se lê que «o despacho que remeteu os interessados para os meios comuns, nos termos do n.º 4 do art. 119º do C.R. Predial, não tornou os embargos de terceiro supervenientemente impossíveis ou inúteis, porquanto não se extinguiu nenhum dos sujeitos (partes dos embargos de terceiro), nem o pedido ou a causa de pedir»).

Contudo, e mais do que a afirmação de uma inexistente inutilidade superveniente da presente lide, afirma-se aqui a sua idoneidade processual, face ao propósito ínsito no art. 119º, nº 4 d C.R.P..
Com efeito, e conforme detalhadamente explicitado supra, as partes (Embargante e Embargada contestante), ao agirem da forma documentada nos autos, concretizaram-no devidamente, isto é, formalizaram em juízo, por meio de autos de natureza declarativa, a discussão da efectiva titularidade - em termos de direito de propriedade - do imóvel penhorado na acção executiva que constitui os autos principais.
Logo, nem então (liminarmente), ou em momento posterior (à contestação apresentada pela Embargada, e - muito menos - no início da audiência de julgamento), faria qualquer sentido remetê-las para os meios comuns, despacho que não só se pressupõe ser proferido nos autos da acção executiva, como por já então as partes se encontraram…nos meios comuns !
Com efeito, através «da fórmula “o juiz remeterá os interessados para os meios processuais comuns” deverá entender-se qualquer ação com processo comum ou especial em que se debatam as questões da posse ou da propriedade, de tal sorte que, no caso de procedência da ação, deva o interessado pedir a conversão do registo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado, conforme previsto no n.º 6 daquele art. 119º»; e aí «estão compreendidos os embargos de terceiro» (Ac. da RP, de 21.09.2010, João Proença, Processo nº 1941/03.9TJVNF-F.P1. No mesmo sentido, Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na acção executiva, 2010, Coimbra Editora, p. 368).
O que concretamente se passou nestes autos foi o ter-se a Embargante adiantado (pela dedução dos mesmos) à iniciativa que igualmente poderia ter sido tomada pela aqui Embargada contestante (então, de instauração em juízo de uma prévia e autónoma acção de impugnação pauliana, ou de declaração de nulidade do acto translativo da propriedade invocado por aquela). Contudo, tendo-o a Embargante feito, e estando precisamente a ser apreciadas com propriedade nestes autos todas as questões que, naqueles outros - não intentados pela aqui Embargada contestante - seriam discutidas, não existe qualquer fundamento legal, nem sequer aparente utilidade (muito pelo contrário !) no pretender obrigar-se as partes a, extinta esta instância, irem-na repetir noutra, em que apenas a respectiva posição de autora e ré se encontraria invertida.
Concluindo, os embargos de terceiro são «um adequado meio comum para resolver a questão que a remessa para os meios processuais comuns prevista no art. 119º n.º 4 do C.R. Predial visa», devendo os presentes autos «prosseguir os seus termos para, como já se referiu, se apurar da propriedade do prédio penhorado e para se saber se a execução pode prosseguir sobre este» (Ac. da RP, de 09.05.2011, Mendes Coelho, Processo nº 1743/06.0TBVRL.P1).
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Mostra-se, assim, nesta parte fundado o recurso de apelação interposto pela Embargada contestante, devendo em conformidade ser revogado o despacho recorrido, sendo substituído por outro, que determine a realização da audiência de julgamento dos presentes embargos de terceiro.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por Banco A, S.A. e, em consequência:

· Declaram nulo - por omissão de pronúncia, e por ambiguidade e obscuridade que o tornam ininteligível - o despacho recorrido;.

· Revogam integralmente o despacho recorrido, substituindo-o por um outro, determinando a imediata realização da audiência final devida nos autos (de julgamento, dos embargos de terceiro a que dizem respeito).
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Custas da apelação pela Recorrida, que lhe deduziu oposição e ficou vencida (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 19 de Outubro de 2017.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)