Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4/18.7T8PNF.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I. A imputação, ao empregador, da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho por violação de regras de segurança pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; (ii) que aquele não as haja, efectivamente, observado; (iii) que se verifique uma demonstrada relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
II. Não se tendo provado que a sinistrada estivesse a executar a tarefa durante a qual se sinistrou de forma contrária ao imposto por alguma norma de segurança, designadamente por não ser aplicável naquela situação a regra da paragem geral da máquina que vigora em matéria de operações de manutenção, nos termos do art. 19.º do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, é indiferente ou irrelevante para a solução do caso que a empregadora não tivesse informado a sinistrada sobre a forma como deveria proceder àquela tarefa, em violação do disposto no art. 8.º do mesmo diploma, pois não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a omissão verificada e a produção do acidente de trabalho.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que M. H. move a X- Companhia de Seguros, S.A. e Y Unipessoal, Lda., foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
A) Condeno a R. seguradora “X, Companhia de Seguros, SA” a pagar à A:
- Com o início no dia 22/12/2017, o capital de remição de uma pensão anual de €595,40 (quinhentos e noventa e cinco euros e quarenta cêntimos);
- A quantia de € 961,29 (novecentos e sessenta e um euros e vinte e nove cêntimos), a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
- A quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros) despendida em transportes nas deslocações a tribunal e ao GML;
- A prestar-lhe assistência clínica e respectivo transporte dentro do condicionalismo da Lei nº 98/2009, de 04/09 e desde que, consideradas necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e à sua recuperação para a vida activa.
B) Absolvo a R. Entidade empregadora “Y Unipessoal, Ldª” do pedido.
Custas pela R. seguradora.
Fixo à ação o valor de € 8150,61.
Oportunamente proceda ao cálculo do capital da remição, atendendo à Tabela Pensionistas de ambos os sexos da Portaria nº. 11/2000, de 13 de Janeiro - tendo por referência a data de 22 de Dezembro de 2017.»

A R. seguradora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«I. A sentença recorrida não pode manter-se, uma vez que não efectuou uma correcta avaliação dos meios de prova, tendo incorrido em erro de julgamento da matéria de facto, nem uma correcta aplicação do direito aos factos provados, dado que a mesma viola o disposto nos artigos 18.º e 79.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e 281.º do Código de Trabalho.
II. É manifesta a violação das normas de segurança por parte da entidade empregadora, na medida em que a Entidade Empregadora não alertou a sinistrada para a necessidade de realizar a tarega de limpeza com a máquina desligada, impondo concluir-se pela violação das normas de segurança e que o acidente de trabalho em causa foi consequência dessa violação.
III. O Tribunal a quo julgou – incorrectamente – como não provado, com interesse para o presente recurso, o ponto 3 da matéria de facto não provada, onde consta que “A R. entidade empregadora não tenha informado a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos nºs 7 a 10 de forma a evitar o risco de contacto com a prensa (nº 21, parte, da base instrutória)”.
IV. Da análise da prova carreada para os autos, designadamente o depoimento das testemunhas F. V. e R. Q., e, bem assim, com a prova documental existente nos autos, e em contraposição com a matéria de facto dada como provada, é manifesto que o Tribunal a quo julgou mal quando considerou não provado o ponto 3), impondo-se, necessariamente, a reapreciação da prova produzida e gravada.
V. A trabalhadora sinistrada encontrava-se a colar topos/testeiras em sapatos, encontrando-se a desempenhar as aludidas funções de acordo com as instruções do Empregador, transmitidas através do seu superior hierárquico.
VI. Não foram dadas as instruções à sinistrada sobre como proceder à operação de limpeza descrita nos pontos 7 a 10 da matéria de facto dada como provada, nem existia qualquer indicação do risco de contacto mecânico.
VII. Ora, atento o circunstancialismo descrito e a prova produzida nos presentes autos, ter-se-á que concluir, necessariamente, de concluir que à Sinistrada não foram dadas instruções de como deveria proceder à limpeza da máquina e que a mesma não foi alertada para o risco de contacto mecânico.
VIII. A Meritíssima Juiz a quo ter valorizado, como vimos, de forma diferente a prova, designadamente os depoimentos de R. Q. e F. V., e, bem assim da prova documental junta aos autos, designadamente, o documento n.º 1 junto aos autos com a Contestação da Recorrente a fls..
IX. Caso o tivesse feito, teria concluído de forma diversa, designadamente, no que concerne aos factos não provados no ponto 3.
X. Pelo que, atento o exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o constante do facto não provado 3), passando este a constar da matéria de facto provado, e, em consequência, deveria ter proferido decisão diversa daquela que proferiu.
XI. A questão fulcral em apreço nos presentes autos reconduz- se a dois pontos que a Recorrente entende essenciais: saber se ocorreu a violação das regras de segurança e saúde no trabalho e, em caso afirmativo, saber se essa violação foi causal do acidente em apreço.
XII. Dos elementos constantes dos autos, é indiscutível que o acidente de trabalho ocorreu no tempo de trabalho, constituindo, por isso, um acidente de trabalho.
XIII. Resultou provado que a Entidade Empregadora não informou a sinistrada sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos factos provados n.ºs 7 a 10, bem como que a Entidade Empregadora não afixou na máquina os procedimentos a adoptar na limpeza da máquina.
XIV. Caso tivesse sido dadas instruções à sinistrada para esta proceder a tal operação de limpeza com a máquina desligada, o acidente em causa não teria ocorrido.
XV. Para que se possa atribuir a culpa pela produção do sinistro à entidade empregadora é necessário que se verifique o cumprimento de determinados requisitos, como sejam a demonstração de culpa da entidade empregadora, imputar-lhe a inobservância das regras de segurança a título de culpa, assumindo esta a forma de dolo ou negligência, e demonstrar o nexo de causalidade.
XVI. Conforme refere Carlos Alegre, in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª Edição, pág. 104, “a culpa do agente não existe, apenas, quando actua com dolo, mas também quando não age com o cuidado ou a diligência que as circunstâncias do trabalho exigem, e a que está obrigado e é capaz. Em direito criminal chama-se a este comportamento de negligência, a lei dos acidentes de trabalho chama-o de culpa”.
XVII. No caso em apreço, consideram-se verificados os referidos requisitos, pois, a entidade empregadora não informou a trabalhadora da forma adequada como deveria proceder à operação de limpeza da máquina.
XVIII. Ainda que não se possa considerar esse grau de culpa como sendo doloso, não subsiste margem para qualquer dúvida que, a título de negligência, essa responsabilidade lhe é assacada, pela falta de cuidado manifesta.
XIX. E existe um nexo causal entre o evento que provoca o acidente e os danos causados, estando intimamente ligado com o comportamento censurável da entidade empregadora.
XX. Sendo certo que esta, através do superior hierárquico da Sinistrada, até admitiu que, efectivamente, por lapso, não foram dadas instruções nesse sentido.
XXI. O acidente em causa nos presentes autos foi consequência directa da omissão, por parte da Entidade Empregadora, de medidas de protecção adequadas e avaliação das mais elementares regras de segurança.
XXII. Sendo certo que não se pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo, na parte em que conclui que o acidente ocorreu por descuido da própria sinistrada, dado que, se a máquina estivesse desligada, como deveria estar e deveria ter sido comunicado à sinistrada, o acidente nunca teria ocorrido.
XXIII. A entidade empregadora violou as normas previstas no artigo 281.º do Código de Trabalho e o artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, que estabelecem que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, designadamente ao nível da avaliação dos riscos corridos pelo trabalhador sinistrado, como na concepção de instalações que garantam a segurança dos trabalhadores.
XXIV. A inexistência de uma avaliação rigorosa dos riscos profissionais relativos aquele posto de trabalho e ao equipamento em concreto e, em particular, à possibilidade de contacto dos membros superiores com as prensas, os riscos relativos à sua utilização e as situações anormais previsíveis, terão concorrido para a ocorrência do acidente de trabalho que vitimou a trabalhadora.
XXV. Incumbia à Entidade Empregadora implementar as medidas necessárias a assegurar o desempenho da tarefa exercida pela trabalhadora em condições de segurança, tal como dispõem os artigos 8.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro e o Regulamento Geral de Segurança e Higiene nos Estabelecimentos Industriais.
XXVI. É manifesto que o acidente em apreço ocorreu por única e exclusiva responsabilidade da Entidade Empregadora, ora Recorrida, que violou, sem causa justificativa, as condições de segurança cuja implementação lhe incumbia.
XXVII. A produção do acidente se deveu, única e exclusivamente, à culpa da Entidade Empregadora, uma vez que não cumpriu as mais elementares regras de segurança no trabalho.
XXVIII. Razão pela qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido ou, ser julgada em conformidade, sem prejuízo do direito de regresso que assiste à ora Recorrente, por se reconhecer a verificação dos pressupostos legais nos termos do disposto dos artigos 18.º e 79.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, com todas as consequências legais.»
Não foi apresentada resposta ao recurso da R. seguradora.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a violação de regras de segurança por parte da R. empregadora, com as legais consequências.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
1- A A., em Janeiro de 2016, através de contrato de trabalho, foi admitida ao serviço da sociedade 2.ª R. Y (al. A. da matéria de facto assente).
2- A A. tinha o horário de trabalho entre as 08.00 e as 18.00 horas, com intervalo das 12.00 às 13.30 horas, de segunda a quinta-feira, e das 07.00 às 13.00 horas, à sexta-feira (al. B. da matéria de facto assente).
3- A A. tinha a categoria profissional de Operária na Indústria de Calçado (al. C) da matéria de facto assente).
4- E, entre outras funções, colava “topos” ou “testeiras” nos sapatos (al. D). da matéria de facto assente).
5- E auferia a retribuição mensal de € 557,00 (x 14), acrescida de € 150,26 (x 11) de subsídio de alimentação (al. E) da matéria de facto assente).
6- No dia 23 de Maio de 2017, cerca das 11.00 horas, durante o seu referido horário de trabalho, a A. estava a colar “topos” e/ou “testeiras” em sapatos (al. F) da matéria de facto assente).
7- E, nessa altura, apercebeu-se que na prensa superior estavam a ficar acumulados restos de cola (al. G) da matéria de facto assente).
8- Que levavam a que os topos/testeiras aí ficassem colados (al. H) da matéria de facto assente).
9- E, nesse momento, começou a remover os restos de cola (al. I) da matéria de facto assente).
10- E, nessa altura, tocou no botão que acciona a peça que faz o aperto e colagem dos referidos materiais nos sapatos (al. J) da matéria de facto assente).
11- A mesma peça atingiu a mão direita da A. (al. L) da matéria de facto assente).
12- E provocou-lhe um esmagamento a quente e queimaduras de 2.º e 3.º graus ao nível do bordo radial do 1.º raio e eminência tenar (al. M) da matéria de facto assente).
13- Logo após, a A. foi socorrida no Hospital Agostinho Ribeiro, em Felgueiras, e, de seguida, no Hospital de S. João, na cidade do Porto (al. N) da matéria de facto assente).
14- Nesses hospitais foi observada, e no último daqueles foi efectuado exame radiológico à mão direita, foi medicada e, posteriormente, teve alta hospitalar (al. O) da matéria de facto assente).
15- E, posteriormente, passou, por conta da R. e nos Serviços Clínicos desta, a sujeitar-se a tratamentos ambulatórios, a ser acompanhada em consulta de cirurgia plástica e de fisioterapia (al. P) da matéria de facto assente).
16- Em consequência dos factos descritos nos números anteriores, a A. sofreu as lesões e sequelas referidas no relatório médico junto a fls. 53 a 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e, designadamente, traumatismo da região tenar e polegar direito e queimadura de 3.º grau (al. Q) da matéria de facto assente).
17- Em consequência das lesões sofridas, a A. esteve afectada de incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho nos períodos compreendidos entre 24/05/2017 e 27/11/2017 (n.º 1.º da base instrutória).
18- E temporária parcial (ITP de 30%) no período entre 28/11/2017 e 21/12/2017 (n.º 2.º da base instrutória).
19- A A. teve alta clínica no dia 21/12/2017 (n.º 3.º da base instrutória).
20- A A., a partir dessa data, ficou afectada de uma IPP de 9,00% (0,06 x 1.5 - cfr. decisão de fls. 20 do incidente de fixação de incapacidade).
21- A 2.ª R. Y transferiu para a R. seguradora X, por meio de acordo de seguro titulado pela apólice N.º 8154740, a respectiva responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente à mesma, sendo a da A. por 89% da remuneração por ela auferida e referida no n.º 5 dos factos supra (na al. E) da matéria de facto assente) - (al. R) da matéria de facto assente e n.º 6.º da base instrutória).
22- A R. seguradora pagou à A. pelos períodos de incapacidade temporária a quantia de € 3.537,01 (al. S) da matéria de facto assente).
23- A A. estava a efectuar a operação mencionada nos n.ºs 7 a 10 supra com uma máquina de colar testeiras (prensa, monoposto, de calor) marca Termacal BC 120/1, número de série … (resposta ao n.º 7.º da base instrutória).
24- A referida máquina é utilizada para colar topos/testeiras em sapatos, com o recurso a pressão e cola quente (resposta ao n.º 8.º da base instrutória).
25- A mesma máquina é composta por uma bancada ou mesa, com uma máquina pneumática (resposta ao n.º 9.º da base instrutória).
26- E possui um botão on/off (resposta ao n.º 10.º da base instrutória).
27- E botões laterais de accionamento dos movimentos (resposta ao n.º 11.º da base instrutória).
28- E botão de emergência (resposta ao n.º 12.º da base instrutória).
29- E um botão temporizador (resposta ao n.º 13.º da base instrutória).
30- E um botão de regulação da temperatura (n.º 14.º da base instrutória).
31- Esses botões estão na parte fontal da máquina (n.º 15.º da base instrutória).
32- E são accionados pelo operador (n.º 16.º da base instrutória).
33- Após a ocorrência dos factos descritos no n.º 11 (na al. L)), foi accionado o botão de emergência da máquina (n.º 17.º da base instrutória).
34- E a sinistrada libertou a mão (n.º 18.º da base instrutória).
35- A A. desempenhava as aludidas funções de acordo com instruções da 2.ª R., transmitidas através do seu superior hierárquico (n.º 19.º da base instrutória).
36- Quando ocorreram os factos descritos nos n.ºs 6 a 12 supra (nas alíneas F) a M)), a máquina estava ligada (n.º 20.º da base instrutória).
37- A 2.ª R. não informou a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos n.ºs 7 a 10 supra (n.º 21.º, parte, da base instrutória).
38- A 2.ª R. não afixou na máquina os procedimentos a adoptar na limpeza da máquina, designadamente da prensa superior e da prensa base (n.º 22.º da base instrutória).
39- A máquina em causa não dispunha de certificação CE nem de manual de instruções (n.ºs 23.º e 24.º da base instrutória).
40- A A. despendeu a quantia de € 25,00 em transportes nas deslocações ao GML e a este Tribunal (n.º 25.º da base instrutória).
41- Frustrou-se a tentativa de conciliação pelos fundamentos constantes do auto de conciliação de fls. 58 a 60, cujo teor dou aqui por integralmente reproduzido (al. T) da matéria de facto assente).

4. Apreciação do recurso

4.1. Vejamos em 1.º lugar a pretensão da Recorrente de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, mais precisamente de que seja dado como provado o facto considerado não provado sob o n.º 3, invocando para tanto os depoimentos de F. V. e R. Q. e o documento n.º 1 junto com a sua contestação.

Está em causa o quesito 21.º da base instrutória, que tinha a seguinte redacção:
«A 2ª R. não informou a A. sobre a forma como deveria proceder à limpeza, evitando o risco de contacto com a prensa?»
Como se alcança da factualidade acima descrita, o tribunal a quo deu como provado:
37- A 2.ª R. não informou a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos n.ºs 7 a 10 supra (n.º 21.º, parte, da base instrutória).
Acrescentando na sentença recorrida:
«Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os restantes factos, nomeadamente que:
(…)
3- A R. entidade empregadora não tenha informado a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos nºs 7 a 10 de forma a evitar o risco de contacto com a prensa (nº 21º, parte, da base instrutória).»
Os factos constantes dos n.ºs 7 a 10 já estavam dados como assentes no despacho saneador e, quanto ao mais em questão, a sentença esclarece que, «[n]o que concerne aos factos insertos nos nºs 23 a 39 o tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada dos depoimentos lógicos, coerentes e convincentes da testemunha F. V., que, como já foi referido, exerce as funções de encarregado na R., que no momento em que correu o acidente estava no mesmo espaço físico da A., a uma distância de cerca de 4 a 5 metros e, embora não tenha assistido ao acidente, foi o primeiro a socorrê-la, tendo-a ainda visto com a mão presa, tendo referido que esta lhe descreveu o acidente de forma consonante com a descrita nos factos nos nºs 7 a 12, e que o mesmo só correu por descuido da A., que inadvertidamente terá accionado com o cotovelo o botão de funcionamento do lado direito enquanto retirava com a mesma mão os vestígios de cola que estavam na prensa superior e ao mesmo tempo que tinha o botão do lado esquerdo premido. Esclareceu também que a operação efectuada pela A. se repete com alguma regularidade e é incompatível com o desligar prévio da máquina, uma vez implicava o seu arrefecimento, por trabalhar a altas temperaturas, por esse motivo e por considerarem que não ocorria qualquer perigo para A., por a máquina apenas funcionar com comando bi-manual, que necessita de ser accionado simultaneamente com as duas mãos, não informaram a A. para desligar previamente a máquina antes dessa operação, o mesmo já não ocorrendo com a efectiva operação de limpeza, que acontece apenas ao final do dia e com a máquina sempre desligada. Este depoimento foi, no essencial, também convergente com o depoimento da testemunha R. Q., perito averiguador que presta serviços para a R., que elaborou o relatório junto a fls. 94 v. a 108, que, no essencial, confirmou em audiência, e que concretizou também que a operação que a A. estava a efectuar é um procedimento normal, não consiste numa efectiva operação de limpeza da máquina, e o acidente ocorreu apenas pelo facto da sinistrada ter accionado inadvertidamente a máquina quando efectuava a referida operação. Acrescentou também que, embora a máquina não tivesse a marcação CE e manual de instruções, motivado pelo facto de ser uma máquina antiga e ter sido adquirida em 2ª mão, em termos de procedimentos e funcionamento cumpria as normas de segurança exigíveis, por designadamente dispor de botão de emergência, comando bi-manual e funcionamento simples.
Relativamente à resposta restritiva e negativa aos restantes factos o tribunal atendeu a que não foi produzida prova convincente que os confirmasse. (…)
Por seu turno os factos contidos no nº 3 também não foram sustentados pela prova produzida, como resulta da fundamentação dos factos contidos no nº36 dos factos provados, remetendo-se nesta parte para a mesma fundamentação, acrescentando-se ainda que apenas foi referido pelas duas últimas testemunhas referidas, que a R. empregadora apenas não informou a A. que deveria desligar previamente a máquina antes de proceder à operação de limpeza referida nos nºs 7 a 10, nada tendo sido mencionado sobre o específico risco de contacto.»
Ora, ao dar como provado que a 2.ª R. não informou a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza mencionada nos n.ºs 7 a 10 supra, ficou assente que a empregadora omitiu o dever de informação nessa matéria, mas, não estando nem devendo estar resolvida, como questão de facto, qual era a forma de proceder a tal operação de limpeza em conformidade com as regras de segurança aplicáveis, não pode concluir-se que o cumprimento em falta seria «de forma a evitar o risco de contacto com a prensa», como a Apelante sustenta.
Na verdade, a Recorrente suporta a mencionada conclusão na premissa de que a operação de limpeza em apreço passava por desligar a máquina, por imposição legal, pelo que o que está em causa não é uma conclusão de facto mas sim de direito, a tratar em sede própria.
De qualquer modo, o que resulta do depoimento da testemunha F. V. (encarregado da A.) é que o desligar da máquina era imposto pela operação de limpeza de que a mesma era alvo no final de cada dia (referindo que a máquina levava cerca de 45 minutos para arrefecer ou voltar a aquecer), mas que tal não era preciso para responder à regular necessidade de retirada de resíduos de cola da prensa, ao longo do dia de laboração, bastando que essa tarefa fosse efectuada com a prensa imobilizada, isto é, sem a pressão simultânea de dois botões que era necessária para pô-la em movimento. Acresce que o depoimento de R. Q. (perito da R. seguradora) e o relatório por si elaborado, junto aos autos, em que se baseou para prestá-lo, também não são peremptórios no sentido de que a máquina tinha de ser previamente desligada, limitando-se a referir que podia sê-lo sem que se verificassem os impedimentos ou desvantagens mencionados pela testemunha anterior.
Não obstante, sublinha-se de novo que a questão de saber qual a forma de limpeza imposta pelas regras de segurança na situação em apreço não pode ser resolvida através da apreciação de meios de prova, nomeadamente testemunhais e documentais, devendo sê-lo através da indagação, interpretação e aplicação do direito. E, assim sendo, não pode também dar-se como provada a conclusão de que a omissão de informação sobre a mesma seria «de forma a evitar o risco de contacto com a prensa», por se tratar de conclusão a retirar da subsunção da factualidade provada ao referido direito aplicável, a indagar e interpretar em sede própria.
Improcede, pois, a pretensão da Recorrente nesta parte.

4.2. Importa, então, apreciar a 2.ª questão acima enunciada, isto é, se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, se verifica nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a violação de regras de segurança por parte da R. empregadora, com as legais consequências.
Na verdade, estabelece o n.º 1 do art. 18.º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (doravante RRATDP), aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, sob a epígrafe «Actuação culposa do empregador», que, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Por seu turno, dispondo o n.º 1 do art. 79.º que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista naquela lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro (cfr. ainda o art. 283.º, n.º 5 do Código do Trabalho), o n.º 3 esclarece que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

Sobre os princípios gerais que norteiam este regime, veja-se, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 92/16.0T8BGC.G1.S2 (Relator Gonçalves Rocha) (1), com o seguinte sumário:

“I - O agravamento da responsabilidade acidentária sucede quando o acidente se deve à culpa do empregador ou quando seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
II - A diferença entre os dois fundamentos reside na prova da culpa, que tem que ser necessariamente feita no primeiro caso e que é desnecessária no segundo.
III - A responsabilidade prevista no artigo 18º da Lei 98/2009 de 04.09, pressupõe a verificação cumulativa do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho e de uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente.
IV - O ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação.”

Isto é, a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho, em termos agravados, por inobservância de regras de segurança no trabalho, supõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que ao empregador incumba o dever de observância de determinadas normas de segurança;
- que o empregador não haja, efectivamente, observado tais normas de segurança;
- que se demonstre o nexo de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.

No caso em apreço, provou-se que, no dia 23 de Maio de 2017, cerca das 11.00 horas, durante o seu horário de trabalho, a A. estava a colar “topos” e/ou “testeiras” em sapatos, e, apercebendo-se que na prensa superior estavam a ficar acumulados restos de cola, que levavam a que os “topos”/“testeiras” aí ficassem colados, começou a remover os restos de cola, altura em que tocou no botão que acciona a peça que faz o aperto e colagem dos referidos materiais nos sapatos, a qual atingiu a mão direita da A., provocando-lhe um esmagamento a quente e queimaduras de 2.º e 3.º graus ao nível do bordo radial do 1.º raio e eminência tenar.

Mais se provou que:
- a A. desempenhava as aludidas funções de acordo com instruções da 2.ª R., transmitidas através do seu superior hierárquico;
- quando ocorreu o acidente descrito a máquina estava ligada;
- a 2.ª R. não informou a A. sobre a forma como deveria proceder à operação de limpeza no decurso da qual se acidentou;
- a 2.ª R. não afixou na máquina os procedimentos a adoptar na limpeza da máquina, designadamente da prensa superior e da prensa base;
- a máquina em causa não dispunha de certificação CE nem de manual de instruções.

Ora, não se questionando que a A. foi vítima dum acidente de trabalho indemnizável, importa simplesmente apreciar se a responsabilidade pelo mesmo deve ser fixada nos termos das acima citadas normas constantes dos arts. 18.º e 79.º do RRATDP.
A Apelante sustenta que a tarefa que a sinistrada estava a executar quando se acidentou devia ser realizada com a máquina desligada e que a A. devia estar informada pela R. empregadora dessa circunstância, pelo que, estando provado que a máquina se encontrava ligada e a empregadora não prestara à A. a mencionada informação, se impõe concluir que o acidente de trabalho resultou de falta de observação, pela R. empregadora, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Com efeito, a Recorrente evidencia aceitar pacificamente o que resulta do citado art. 18.º, n.º 1, do RRATDP, nos termos unanimemente entendidos pela doutrina e jurisprudência, acima explicitados, isto é, que a imputação da responsabilidade pelo acidente de trabalho ao empregador não se basta com a falta de observação, pelo mesmo, de regras sobre segurança e saúde no trabalho, exigindo-se ainda um nexo de causalidade entre a omissão e a produção do acidente de trabalho.
Vejamos, então.
Estabelece o art. 281.º do Código do Trabalho, sob o título «Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho», além do mais, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (n.º 2), e que, na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (n.º 3).
Acrescenta o n.º 1 do art. 282.º que o empregador deve informar os trabalhadores sobre os aspectos relevantes para a protecção da sua segurança e saúde e a de terceiros.
A R. seguradora fundamenta a sua pretensão na violação pela R. empregadora do disposto nos arts. 8.º e 19.º do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Estabelece o art. 8.º do diploma mencionado, com a epígrafe «Informação dos trabalhadores»:

1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.

Por seu turno, prescreve o art. 19.º, intitulado «Manutenção do equipamento»:
1 - As operações de manutenção devem poder efectuar-se com o equipamento de trabalho parado ou, não sendo possível, devem poder ser tomadas medidas de protecção adequadas à execução dessas operações ou estas devem poder ser efectuadas fora das áreas perigosas.
2 - Se o equipamento de trabalho dispuser de livrete de manutenção, este deve estar actualizado.
3 - Para efectuar as operações de produção, regulação e manutenção dos equipamentos de trabalho, os trabalhadores devem ter acesso a todos os locais necessários e permanecer neles em segurança.

Ora, no caso em apreço, não estavam em causa operações de manutenção da máquina, em sentido próprio, na medida em que estas são autónomas relativamente às operações de utilização da máquina para a finalidade a que se destina e por isso é que, em regra, aquelas operações de manutenção devem ter lugar com a máquina parada, ou seja, com interrupção do processo produtivo.
O diploma em apreço não define o que sejam operações de manutenção de um equipamento de trabalho, mas autonomiza-as de outras, nomeadamente da sua colocação em serviço ou fora dele e do seu uso (cfr. al. b) do art. 2.º), e considera-as também autonomamente enquanto objecto das obrigações gerais do empregador estabelecidas no art. 3.º, ao dispor na al. e) que, para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve assegurar a manutenção adequada dos mesmos durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.
Assim, deve entender-se que o art. 19.º utiliza a expressão «operações de manutenção» no sentido corrente de acções necessárias a manter, conservar ou preservar as condições de funcionamento normal, designadamente em matéria de requisitos mínimos de segurança, dum equipamento de trabalho (2).
Ora, o que resulta da factualidade provada é que a tarefa executada pela A., de mera remoção de restos de cola acumulados na prensa superior em resultado do trabalho que estava a executar, e que levavam a que os “topos” e/ou “testeiras” aí ficassem colados, se torna necessária com carácter de normalidade durante o processo de colagem dos “topos” e/ou “testeiras”, sendo inerente à própria operação de fabrico de sapatos nesta fase.
Não se trata duma limpeza necessária a manter, conservar ou preservar as condições de funcionamento normal da máquina, designadamente em matéria de requisitos mínimos de segurança, mas duma “limpeza” necessária a impedir que os “topos” e/ou “testeiras” fiquem colados na prensa superior, impossibilitando o avanço do processo de fabrico dos sapatos.
Em face do exposto, entende-se que na tarefa que a sinistrava estava a executar não era aplicável o disposto no supra citado art. 19.º, ou seja, não era exigível a paragem geral da máquina, no sentido de a desligar através do botão on/off a que se refere o ponto 26 da factualidade provada, bastando, como para as restantes tarefas inerentes ao processo produtivo, a utilização adequada dos botões laterais de accionamento dos movimentos a que se refere o ponto 27.

Ora, como resulta dos pontos 9, 10 e 11 da factualidade provada, a A. começou a remover os restos de cola e foi nessa altura que tocou no botão que acciona a peça que faz o aperto e colagem dos aludidos materiais nos sapatos, a qual atingiu a mão direita da trabalhadora, o que significa que aquela peça estava devidamente imobilizada e só foi accionada porque a A. tocou no botão respectivo antes de a tarefa estar finalizada, não tendo ficado consignada a razão de tal ter sucedido (embora os depoimentos e documento acima mencionados refiram que tal se deveu a toque fortuito do cotovelo direito da sinistrada, por descuido da mesma).
Conclui-se, assim, que, não sendo exigível legalmente que a sinistrada desligasse a máquina nas circunstâncias em apreço, a mesma estava a executar a tarefa em causa dum modo que não se vislumbra que viole outras normas, tendo o sinistro se despoletado apenas porque, subitamente, ainda antes de ter finalizado a tarefa, a A. tocou indevidamente no botão que repôs a peça de apertar e colar em movimento.
Ora, como se disse acima, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte do empregador para a sua responsabilização de forma agravada pelas consequências do acidente, tornando-se ainda necessária a prova do nexo de causalidade entre a inobservância das regras e a produção do acidente, por força do citado art. 18.º, n.º 1 do RRATDP.
O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «Nexo de causalidade», ao estatuir que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, fundamentando a responsabilidade na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, tem sido visto como expressão do acolhimento no sistema jurídico português da teoria da causalidade adequada, segundo a qual só deve considerar-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar, pelo que, no juízo de prognose a realizar, se deve ponderar se, em condições regulares, o resultado lesivo é uma consequência normal, típica, provável da conduta ou omissão concretamente verificada. Isto é, como sintetiza Pessoa Jorge (3), a “orientação hoje dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo”, traduzindo-se essa adequação “em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre eles” (4).
Assim sendo, como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 16 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 63/14.1TTGMR.G1 (5), relatado pela ora 1.ª Adjunta e em que a ora Relatora interveio como 2.ª Adjunta, “[o] dano haverá que se apresentar como consequência normal típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, é todavia necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que numa cadeia reacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso.”
Ora, no caso em apreço, não se provou que a A. estivesse a executar a tarefa durante a qual se sinistrou de forma contrária ao imposto por alguma norma de segurança, designadamente por não ser aplicável naquela situação a regra da paragem geral da máquina que vigora em matéria de operações de manutenção, pelo que se afigura indiferente ou irrelevante para a solução do caso que a R. empregadora tivesse violado regras de segurança atinentes à factualidade constante dos pontos 37, 38 e 39, nomeadamente que não tivesse informado a A. sobre a forma como deveria proceder àquela operação.
Isto é, não obstante a omissão pela 2.ª R. do dever de informação, e sem prejuízo de eventual responsabilidade contra-ordenacional que daí decorra, o certo é que não se pode considerar que o cumprimento do dever omitido importaria a determinação de que a A. desligasse a máquina antes de proceder à remoção dos restos de cola que normalmente se acumulam na prensa durante o processo de colagem dos “topos” e/ou “testeiras” nos sapatos, pelo que, consequentemente, não se pode concluir que tal seria adequado à prevenção do risco que causou o acidente dos autos.
Por todo o exposto, não sendo possível estabelecer o nexo de causalidade entre a omissão verificada e a produção do acidente, não se descortina fundamento para a responsabilização da R. empregadora por violação de regras de segurança, apenas sendo responsável a R. seguradora, nos termos gerais.
Improcede, pois, o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Em 24 de Setembro de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


Alda Martins


1. Disponível em www.dgsi.pt.
2. Cfr. a definição in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/manutenção.
3. “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, p. 392.
4. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 43/08.6TTVRL.1.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5. Disponível em www.dgsi.pt.