Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1107/04-1
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. À luz do novo conceito (art. 146ºCPCivil), basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.

II. O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, dispõe o art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio programático.

III. Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado.

IV. A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção Cível no Tribunal da Relação de Guimarães:



I. A Causa:


A Senhora Doutora "A", advogada, patrona dos RR., "B" e "C", nos autos à margem identificados, não se conformando com a Decisão Judicial proferida, no incidente de Justo Impedimento requerido, veio dela interpor recurso, de apelação, com efeito suspensivo, a subir imediatamente nos presentes autos.
Configura, como alegações ( fls. 126 – 131 ):

1-Em 19 de Junho de 2003, os representados da recorrente foram notificados da instauração da acção em referência, terminando o prazo para contestação em 20 de Setembro de 2003.
2-Sucede que a requerente esteve doente a partir de 03 de Setembro de 2003 até 03 de Novembro de 2003, e , tal doença teve necessários reflexos nas suas capacidades de gestão dos processos e na vida pessoal.
3-Em 05 de Novembro de 2003, a requerente apresentou a seguinte justificação:
- A Advogada, ora recorrente, foi contactada em 18 Julho de 2003 por todos os Réus nos autos de acção para contestar a acção ordinária que lhes era movida por Manuel J....
- Que a recorrente teve uma recaída da enfermidade de que padece, e, em 03 de Setembro de 2003 ficou impossibilitada para trabalhar, por impossibilidade de se locomover por origem neurológica.
- Pelo que a sua doença obstou a que a recorrente pudesse atempadamente cumprir o prazo da Contestação da presente acção
- Sendo certo que tal incumprimento não se deveu a facto imputável às partes nem à sua mandatária, por se tratar de justo impedimento da mesma.
- Requerendo que fosse deferido a verificação do justo impedimento e, em consequência, admitida a praticar o acto fora de prazo, no prazo não inferior a oito dias.
4-A este requerimento foram juntos os seguintes documentos:
1.º Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Setembro de 2003, declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho , por se encontrar doente a partir do dia 03 de Setembro de 2003 e com duração provável de trinta dias;
2.° Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Outubro de 2003 declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho por continuar doente, a partir de 03 de Outubro de 2003, com duração provável de trinta dias, isto é, até 03 de Novembro de 2003.
3º Relatório Clínico/Informação Clínica do seu médico especialista, que exerce actividade da “Clínica da D...”, emitido em 03 de Novembro de 2003, a pedido da Recorrente e recibos médicos.
5 -Sobre tal requerimento recaiu a seguinte decisão:
Nos presentes autos encontram-se juntos documentos comprovativos de que a requerente sofre determinados padecimentos No entanto, não se encontra comprovado de que num período de tempo alongado como é o prazo da contestação a requerente esteve sempre impossibilitada de praticar o acto. Acresce, ainda, que se a Requerente já tinha conhecimento dos seus padecimentos deveria ter diligenciado no sentido de outro colega praticar o acto.
6 -É desta decisão que se interpõe o presente recurso.
7 -Uma vez que o único fundamento expresso da decisão recorrida é o de que a requerente poderia ter substabelecido a prática do acto em falta, é apenas esse que a requerente pode atacar.
8-E fá-lo salientando, desde logo, que aquele fundamento inverte o sentido das coisas, pois o que a requerente pretende justificar é a falta de capacidades para controlar um prazo processual concreto, por doença específica, imprevisível e incontrolável e que atingiria, naturalmente, também a sua capacidade de substabelecimento para aquele acto.
9-A seguir-se o raciocínio da decisão recorrida, com o devido respeito, tal significava que a requerente não estava incapacitada . . .mas estava
10-Ou então, a conclusão seria a de que a requerente não estava incapacitada . Mas estava.
Ali, a requerente não estava incapacitada para substabelecer, mas estava, de facto doente e incapacitada.
Aqui, a requerente adivinhava que ia estar incapacitada ... e substabelecia!
11-Como parece evidente, há nítido vício de raciocínio da Meritíssima Juíza, o qual importa corrigir, analisando os documentos juntos e concedendo provimento ao requerido.
12-Poderia, eventualmente, a Meritíssima Juíza carecer de outras provas, de ouvir os médicos subscritores dos documentos juntos ou, até, exigir esclarecimentos sobre o âmbito temporal e qualidade da doença da requerente, o que tudo seria legítimo e pertinente.
13-Assim, indeferindo o requerido com o sobredito fundamento, a questão não foi devidamente apreciada e espera-se, aliás, que seja agora reparada.
14-Se assim for, deve proceder o presente recurso, concedendo o justo impedimento requerido ou ordenando-se que o Tribunal recorrido reclame novas provas ou esclarecimentos.
Neste sentido a n/Jurisprudência:
Ac. S.T.J, de 17-07-02, P°1.088, 3ª Secção
É certo que actualmente, à luz do Art.° 146º, n.° 1, do CPC — a considerar, tendo em atenção que o CPC é omisso quanto à definição do justo impedimento — o que releva decisivamente para a sua verificação, mais do que a ocorrência de um evento totalmente imprevisível ou em absoluto impeditivo, é que o evento que impediu a prática atempada do acto não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, ou seja, que inexista culpa do sujeito requerente do acto, ou de seu representante ou mandatário, culpa essa a valorar “em consonância com o critério geral estabelecido no n.° 2 do Art.° 487.° do CC, e sem prejuízo do especial dever de diligencia e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas.
Ac S. T.J, de 21-02-01, Pº nº 3.847, 4ª Secção.
II. Verifica-se uma situação de justo impedimento, quando nos dois dias úteis dos três que se seguiram ao termo normal do prazo para a interposição do recurso de revista o mandatário da parte se encontrava doente “com sindroma febril grave e dispneia, pelo que estava proibido de sair do leito”, segundo atestado do médico que o assistiu, que aliás, no mesmo atestado afirma que aquele sindroma febril e dispneia impossibilitam o “doente de desenvolver o seu trabalho” e “ter consciência das diligências a tomar relativamente à sua profissão”.
III - Não obsta a tal entendimento o facto de a parte ter constituído no processo dois advogados como seus mandatários judiciais, uma vez que a notificação foi enviada para o advogado que adoeceu, não resultando dos autos que o outro mandatário tivesse tido conhecimento da situação processual gerada pela referida notificação, nem sendo de presumir tal conhecimento pelo facto de ambos os advogados terem o seu escritório no mesmo local.”.
Neste sentido a n/ doutrina:
-Prof. Alberto dos Reis, Comentário, Vol. 2 , pág. 78 : “ O que deve exigir-se às partes é que procedam com a diligência normal; não é razoável exigir-se que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais. Tudo aquilo que aceder os limites das revisões normais, tudo aquilo com que não pode razoavelmente contar - se, deve considerar-se evento imprevisto”
-Prof. Vaz Serra , in RLJ., 109/267 citado no Ac. R.F de 23.09.93, CJ, IV, pág. 212:... deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não sendo de exigir-lhes que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.”
15- Por outro lado, o direito à livre escolha do advogado é um direito básico de um qualquer cidadão, fazendo parte da sua esfera de liberdade pessoal.
16-O art° 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados determina que”o mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante”
17- No caso em apreço, é manifesto que as procurações e o pedido de patrocínio para praticar o acto consistente na Contestação foi pedido à recorrente .
18-Pelo que o tribunal não pode impor as partes , como o fez, que a prática do acto processual fosse realizado por outro advogado, pois essa escolha cabe as partes fazê-la de forma insindicável e indiscutível
19- Pelo que tal decisão viola o disposto no n° 2 do Art° 54° do Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda a indiscutível liberdade que a recorrente tem para exercer o direito que lhe é conferido pelo n°2 do Art 20º da Constituição Portuguesa.

Não foram produzidas contra-alegações.

A fls. 135, o Senhor Juiz sustentou o despacho em causa.

II. Os Fundamentos:
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa que:

1-Em 19 de Junho de 2003, os representados da recorrente foram notificados da instauração da acção em referência, terminando o prazo para contestação em 20 de Setembro de 2003.
2-Sucede que a requerente esteve doente a partir de 03 de Setembro de 2003 até 03 de Novembro de 2003, e ,tal doença teve necessários reflexos nas suas capacidades de gestão dos processos e na vida pessoal.
3-Em 05 de Novembro de 2003, a requerente apresentou a seguinte justificação:
- A Advogada, ora recorrente, foi contactada em 18 Julho de 2003 por todos os Réus nos autos de acção para contestar a acção ordinária que lhes era movida por Manuel J....
- Que a recorrente teve uma recaída da enfermidade de que padece, e, em 03 de Setembro de 2003 ficou impossibilitada para trabalhar, por impossibilidade de se locomover por origem neurológica.
- Pelo que a sua doença obstou a que a recorrente pudesse atempadamente cumprir o prazo da Contestação da presente acção.
- Sendo certo que tal incumprimento não se deveu a facto imputável às partes nem à sua mandatária, por se tratar de justo impedimento da mesma.
- Requerendo que fosse deferido a verificação do justo impedimento e, em consequência, admitida a praticar o acto fora de prazo, no prazo não inferior a oito dias.
4-A este requerimento foram juntos os seguintes documentos:
1.0 Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Setembro de 2003, declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho , por se encontrar doente a partir do dia 03 de Setembro de 2003 e com duração provável de trinta dias;
2.° Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Outubro de 2003 declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho por continuar doente, a partir de 03 de Outubro de 2003, com duração provável de trinta dias, isto é, até 03 de Novembro de 2003.
3º Relatório Clínico/Informação Clínica do seu médico especialista, que exerce actividade da “Clínica da D..." emitido em 03 de Novembro de 2003, a pedido da Recorrente e recibos médicos.
5-Sobre tal requerimento recaiu a seguinte decisão:

Nos presentes autos encontram-se juntos documentos comprovativos de que a requerente sofre determinados padecimentos No entanto, não se encontra comprovado de que num período de tempo alongado como é o prazo da contestação a requerente esteve sempre impossibilitada de praticar o acto. Acresce, ainda, que se a Requerente já tinha conhecimento dos seus padecimentos deveria ter diligenciado no sentido de outro colega praticar o acto.

Nos termos do art. 684º, nº3 e 690º, nº1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do nº2 do art. 660º, do mesmo Código.

As questões suscitadas consistem em apreciar se:


1. O tribunal não pode impor às partes , como o fez, que a prática do acto processual seja realizado por outro advogado, pois essa escolha cabe as partes fazê-la de forma insindicável e indiscutível?

2. Pelo que tal decisão viola o disposto no n° 2 do Art° 54° do Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda a indiscutível liberdade que a recorrente tem para exercer o direito que lhe é conferido pelo n°2 do Art. 20º da Constituição Portuguesa?

Respondendo, pela ordem indicada, com estes elementos, aprecia-se que:

Na redacção anterior à Reforma de 1995/96, o n.° 1 do art. 146ºCPC, definia o justo impedimento como «o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário», definição essa que levava a doutrina a restringir a respectiva previsão legal àquelas hipóteses em que «a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever» (RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, 1°-321).
A esta quase responsabilidade pelo risco, a Reforma de 1995 contrapôs uma definição conceitual de justo impedimento muito mais flexível do que a anterior, «em termos de permitir — como se refere no Relatório — a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia da culpa, que se afastou da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam»
O novo conceito de justo impedimento faz apelo, em derradeira análise, ao «meio termo» de que falava Vaz Serra (RLJ, 109.°-267): deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.
O disposto no nº 1 deste art. 146º é imediatamente aplicável aos actos processuais praticados após 1 de Janeiro de 1997, mesmo em relação a acções já pendentes (art. 18º- 4 do DL nº329-A195, de 12-12).

O anterior conceito de justo impedimento, que quer o Anteprojecto (art. 118-2), quer o Projecto (art. 119-1) da comissão Varela não alterava, foi posto em causa, pela rigidez que implicava, no ponto I.2.3.a das Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil, Ministério da Justiça, sem data, p. 13 (também na revista Sub Judice, 1992, IV, p. 38), em que se advogou “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria” (veja-se também LEBRE DE FREITAS, Inconstitucionalidades cit., p. 34, Parecer cit., p. 751, em nome da Ordem dos Advogados, e Em torno da revisão do direito processual civil, ROA, 1995, 1, p. 14). Em consequência, o Projecto de 1995 propunha que o justo impedimento fosse “o evento não imputável a negligência da parte nem dos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”. Desta proposta diverge a versão final apenas em que, suprimindo a referência à negligência, tornou dispensável um raciocínio interpretativo de maioria de razão para abranger as situações dolosas.
À luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.

Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cf. art. 800-1 CC). Um evento previsí-vel pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a obser vância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos.

As situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garan tia do exercício do direito em causa ( José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1º, pág.257 – 259 ).

A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (Ac. STJ, de 26.2.1960: BMJ, 294.°-271).

O processo é uma concatenação de actos com vista à realização do direito material, assumindo-se pela instrumentalidade que aquele caracteriza.
Os actos processuais, com vista à consecução daquele fim, têm de praticar-se dentro de certo prazo, sob pena de o postergar desta regra dar lugar à mais completa anarquia processual.
E mais do que deverem os actos processuais praticar-se dentro de certo prazo, só devem admitir-se os necessários à ponderação do efeito legal visado, devendo, aliás, o juiz remover todos os obstáculos à realização da justiça, praticando, para tanto, os actos necessários a que o processo se aproxime do fim desejado pelo legislador — arts. 137ºe 153.° do Cód. Proc. Civil.
O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, dispõe o art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio programático.
O justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto.
Funciona como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de certos actos, assegurando, pelos limites em que funciona, a realização do princípio do art. 20.° supracitado.
Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado.
Não se vê como — a senhora advogada não avança razões para a afirmação — a instalação de limites ao funcionamento do justo impedimento prejudica o direito de defesa do arguido.
O direito de defesa do arguido não é elasticamente fixado na lei. Deve obedecer a parâmetros e a prazos preestabelecidos, até por uma questão de certeza e segurança do direito.
Ponto é que esse direito exista. O exercício de um direito de defesa a todo o momento lesaria o andamento normal do processo, conduziria à desordem e ao caos processual, tornando o arguido vítima, ele próprio, desse desmando” (do despacho de 15.7.1993 proferido pelo Relator em recurso pendente no TRL, referenciado no Ac. nº 132/95 do Trib. Const., de 15.3.1995: D II série, de 19.6.95, pág. 6691).

O Ac. STJ de 27.9.1994, ao analisar a relevância da doença do mandatário para efeito de enquadramento na previsão do n.° 1 (antiga redacção) deste art. 146°, estabeleceu as seguintes distinções:
a)A doença de um advogado que lhe não permite sair de casa no decurso do prazo para praticar um acto processual constitui justo impedimento, se ele esteve impossibilitado de esforço mental que lhe permitisse comunicar com o constituinte ou com outra pessoa;
b) Essa mesma doença constitui igualmente justo impedimento se, embora não o impedindo de estabelecer tal comunicação, se prova que o acto (no caso, uma alegação) não podia ser praticado por outro advogado;
c) Tal doença já não constitui justo impedimento quando não impede o advogado de utilizar meios alternativos equivalentes para praticar o acto; designadamente quando o não impede de comunicar com o seu constituinte ou com outro advogado que a parte tenha constituído seu mandatário no processo que o possa praticar.
No Ac. n.° 380/96 do Trib. Const., de 6.3.1996 (DR, II, de 15.7.1996, págs. 9593 e ss.), foi analisada a questão de saber se o n.° 1 (anterior redacção) do art. 146°, interpretado no sentido de que a doença de um advogado que lhe não permite sair de casa no decurso do prazo para praticar um acto processual, mas que o não impede de comunicar com o seu constituinte ou com qualquer outro advogado que este tenha também constituído seu mandatário no processo e que possa praticar o acto em causa, viola, ou não, o art. 20.° da Constituição, tendo-se concluído pela não inconstitucionalidade daquela interpretação.
«Entender - lê-se no cit. Acórdão - que não há justo impedimento, quando o advogado constituído, que adoeceu no decurso do prazo para apresentar uma alegação e que, por via disso, fica impedido de sair de casa, mas não de comunicar com o seu constituinte ou com qualquer outro dos advogados também por este constituídos para o representarem no processo que esteja em condições de fazer a alegação, não conduz, de facto, a privar a parte da assistência de advogado de sua escolha, não tão-pouco a tomar particularmente onerosa a defesa dos seus direitos, Até porque, sendo o direito de acesso aos tribunais um direito a uma decisão judicial, ditada por um tribunal imparcial e independente num processo justo e leal, que decorra sem dilações indevidas, uma tal interpretação do artigo 146°, n.° 1, do Código de Processo Civil mostra-se adequada ao desiderato da obtenção de uma tutela judicial efectiva em prazo razoável».

A verificação do justo impedimento previsto no art. 146º, n.° 1, do Cód. Proc. Civil supõe os seguintes requisitos: um evento normalmente imprevisível, isto é, não susceptível de ser previsto pela generalidade das pessoas; evento estranho à vontade das partes, entendendo-se como «parte» tanto o sujeito da relação processual como o seu mandatário; impossibilidade de praticar o acto, directamente ou por mandatário, mesmo usando da devida diligência. Dado que o mandatário se pode servir de auxiliares na execução do mandato (art. 264º, nº4, do Cód. Civil), a doença desde que não seja súbita e grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto ou avisar o mandatário, não pode constituir justo impedimento (Ac. STJ de 7.3.1995:BMJ, 445.°-390).

Ora, a doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (Ac. STJ, de 26.2.1960: BMJ, 294.°-271).
A parte, que agir sem a diligência normal, não pode depois alegar justo impedimento. Não pode admitir-se prova de justo impedimento, posteriormente ao requerimento em que ele é invocado (Ac. RL, de 2.5.1980:Col. Jur., 1980, 3º-155).

Não são hipóteses de negligência, descuido ou esquecimento dos advogados ou de empregados seus incumbidos da prática de certos actos que constituem motivos ou causas de justo impedimento, contemplados no artigo 146º, n.° 1, do Código de Processo Civil. Os advogados são responsáveis pelas omissões, confusões, esquecimentos, desleixos ou negligências praticados no exercício da sua profissão ou praticados pelos empregados por si incumbidos de tais tarefas (Ac. RP, de 6.11.1985: BMJ, 351.°-463).

Só ocorre justo impedimento quando alguém que devia praticar certo acto foi colocado na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligência normais não faziam prever (Ac. RC, de 11.6.1989: BTE, 2.” série, nº 10-11-12/92, pág. 1834).

Para que de dê por verificado o justo impedimento impõe a lei —nº1 do art. 146.” do Cód. Proc. Civil — que o evento que obstaculizou à prática do acto seja normalmente imprevisível e estranho à vontade da parte, isto é, que não resulte de conduta negligente do mandatário do recorrente, deste ou de empregados do mandatário judicial. (Ac. STA, de 6.2.1990: BMJ, 394.°-507).

O desleixo de advogado, estando em causa um acto — a dedução de contestação — que por ele tinha de ser necessariamente praticado, de modo algum se configura como um facto estranho à vontade dele e, por isso, não constitui caso de justo impedimento, previsto no n.° 1 do art. 146.° do Cód. Proc. Civil (Ac. RE, de 3.5.1990: BMJ, 397.°-590).

Tanto mais que, circunstancialmente, concede a impetrante que

Em 05 de Novembro de 2003, a requerente apresentou a seguinte justificação:
- A Advogada, ora recorrente, foi contactada em 18 Julho de 2003 por todos os Réus nos autos de acção para contestar a acção ordinária que lhes era movida por Manuel J....
- Que a recorrente teve uma recaída da enfermidade de que padece, e, em 03 de Setembro de 2003 ficou impossibilitada para trabalhar, por impossibilidade de se locomover por origem neurológica.

Do mesmo modo, os documentos apresentados enunciam, tão só, que existem:

1.º Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Setembro de 2003, declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho , por se encontrar doente a partir do dia 03 de Setembro de 2003 e com duração provável de trinta dias;
2.° Atestado médico do seu médico assistente, com data de 03 de Outubro de 2003 declarando que a recorrente não pode comparecer no seu posto de trabalho por continuar doente, a partir de 03 de Outubro de 2003, com duração provável de trinta dias, isto é, até 03 de Novembro de 2003.
3º Relatório Clínico/Informação Clínica do seu médico especialista, que exerce actividade da “Clínica da D...”, emitido em 03 de Novembro de 2003, a pedido da Recorrente e recibos médicos.

O mesmo é dizer que não possuem virtualidade suficiente para retirar razoabilidade apreciativa e adequação legal ao despacho proferido, segundo o qual

Nos presentes autos encontram-se juntos documentos comprovativos de que a requerente sofre determinados padecimentos No entanto, não se encontra comprovado de que num período de tempo alongado como é o prazo da contestação a requerente esteve sempre impossibilitada de praticar o acto. Acresce, ainda, que se a Requerente já tinha conhecimento dos seus padecimentos deveria ter diligenciado no sentido de outro colega praticar o acto.
A temporalidade em causa, de resto, evidenciadamente, por si só, a tal obstaria, de forma explícita.

No mais, e pelas razões indicadas, permanece incólume o alcance do disposto no art.54º do Estatuto da Ordem dos Advogados bem como a indiscutível liberdade que a recorrente tem para exercer o direito que lhe é conferido pelo n°2 do Art. 20º da Constituição Portuguesa, a cujo texto e emissão conceitual se não pode acobertar a parte, ou mandatário/a, que agir sem a diligência normal, não podendo, do mesmo modo, depois, alegar justo impedimento.

Ou, como já se apreciou, a outra válvula de escape do sistema que emerge do art° 146° (justo impedimento) depende da alegação e prova de determinados requisitos aí referidos( António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume ( 2ª ed. revista e ampliada),pag.86. O que ficou por fazer. Não conseguindo, nos termos gerais, tal afastar o envolvimento de um juízo de censurabilidade.

Colhem, assim, resposta negativa todas as questões que se perfilaram em recurso.

Pode, assim, concluir-se que:

1. À luz do novo conceito (art. 146ºCPCivil), basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.

2. Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cf. art. 800-1 CC). Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos. O que a recorrente não satisfez.

3. A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.

4. O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, dispõe o art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio programático.

5. Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento introduziria a mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado.

6. O direito de defesa do arguido não é elasticamente fixado na lei. Deve obedecer a parâmetros e a prazos preestabelecidos, até por uma questão de certeza e segurança do direito.

7. A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato. O que nos Autos ficou por demonstrar.

8. A parte, que agir sem a diligência normal, não pode, depois, alegar justo impedimento.

9. Permanece incólume o alcance do disposto no art.54º do Estatuto da Ordem dos Advogados bem como a indiscutível liberdade que a recorrente tem para exercer o direito que lhe é conferido pelo n°2 do Art. 20º da Constituição Portuguesa, a cujo texto e emissão conceitual se não pode acobertar a parte, ou mandatário/a, que agir sem a diligência normal, não podendo, do mesmo modo, depois, alegar justo impedimento.

10. A outra válvula de escape do sistema que emerge do art° 146°CPC (justo impedimento) depende da alegação e prova de determinados requisitos aí referidos. O que ficou por fazer. Não conseguindo, nos termos gerais, tal afastar o envolvimento de um juízo de censurabilidade.



II. A Decisão:



Pelas razões expostas, nega-se provimento ao agravo interposto, consequentemente se mantendo na ordem jurídica, o despacho recorrido, tal como nos Autos referenciado.



Custas pela recorrente.