Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
973/11.8GAFAF.G2
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: REENVIO PARCIAL
NOVA SENTENÇA FERIDA DE NULIDADE
JUÍZA COM FALTA DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) Tendo sido anulado o julgamento e determinado o reenvio [ainda que parcial] para novo julgamento, com fundamento no vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, não pode intervir no segundo julgamento a mesma magistrada que interveio no primeiro e que proferiu a decisão anulada.
II) Foi o que sucedeu no caso dos autos e, por isso, a sentença recorrida está ferida de nulidade insanável, de harmonia com o preceituado no artigo 119º, alínea a), do Código de Processo Penal, senão mesmo do vício de inexistência jurídica, porquanto proferida por quem, no caso, carecia de jurisdição, o que determina a invalidade do julgamento realizado e da sentença proferida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:


I – RELATÓRIO
Na Instância Local de Fafe - Secção Criminal (J1) – da Comarca de Braga, no processo comum singular nº 973/11.8GAFAF foram submetidos a julgamento os arguidos Albino C. e José A., tendo sido proferida decisão absolutória.
Inconformado, o assistente José A. recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência do que veio a ser proferido acórdão, datado de 9 de Março de 2015, com o seguinte dispositivo:
“Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente José A. e em consequência decide-se:
A) Modificar os Factos Não Provados pela forma supra descrita em 2-a, 3-a-b-c.
B) Declarar o arguido Albino C. autor de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
C) Julgando verificado o vício da al. a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito às questões da escolha e medida da pena a aplicar ao arguido e apreciação do pedido cível formulado pelo aqui assistente José A., nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426º-A do Código de Processo Penal.
2. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
3. Não é devida tributação”.
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Remetidos os autos à 1ª instância, foi reaberta a audiência, efetuadas as diligências pertinentes e, proferida nova sentença, datada de 29.06.2015 com o seguinte dispositivo:
IV – DECISÃO
Parte Criminal
Por todo o exposto e em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães condenasse o arguido Albino C. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples do artigo 143º, nº1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano na condição de, em idêntico período, proceder ao pagamento da indemnização a José A., no montante de 3.000,00€ (três mil euros), acrescida de juros contados à taxa legal prevista para os juros civis desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.
Mais se condena o arguido Albino C. no pagamento das custas que se fixam em 3 (três) UCs nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais.
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Parte Civil
Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado por José A., julga-se o mesmo parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o arguido/demandado Albino C. a pagar ao demandante a quantia de 3.000,00€ (três mil euros).
Custas no pedido civil a cargo do demandante e do demandado na proporção do respetivo decaimento, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º doCódigo de Processo Civil.
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Registe e notifique e comunique com cópia à DGRS.
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Proceda ao depósito da presente sentença após a sua leitura (artigo 372º, nº5 e 373º,
nº2 do Código do Processo Penal).
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Boletim à D.S.I.C., após trânsito.
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Inconformado com a sentença, o arguido veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. A matéria de facto constante do ponto 29 não deve constar dos factos provados mesmo que só apreciada para a determinação da pena, por se tratar de matéria sujeita á apreciação do tribunal no âmbito da confissão, que não se verificou, e por isso deve ser considerada como não escrita;
2. Não tendo a primitiva sentença sido anulada pelo Tribunal da Relação, a mesma mantém-se, em parte, designadamente, quanto à matéria de facto que não foi revogada e quanto aos fundamentos pelos quais o tribunal considerou ou não provados;
3. A meritíssima juiz do tribunal a quo não pode fazer tábua rasa de tudo quanto analisou e ponderou na decisão anterior, e vir, agora, à revelia de tudo, proferir a decisão de que ora se recorre, como se de uma decisão independente se tratasse;
4. O Tribunal da Relação de Guimarães ao ter alterado, na primeira decisão, a matéria factual em prol do arguido José A., criou uma injustiça processual, que só pode ser corrigida através do instituto da dispensa da pena.
5. Nos termos do artigo 143.º do Código Penal, o crime de ofensas à integridade física é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias, podendo, nos termos do n.º 3 na sua al. a), o tribunal dispensar da pena quando tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro”;
6. Atenta a matéria de facto dos pontos 1, 2 e 6 da matéria provada, não restam dúvidas de que foi o ofendido José A. quem infligiu as lesões que o Albino C. sofreu, pois, como resulta no ponto 2 os arguidos envolveram-se em agressões mútuas, sem, contudo, se ter provado quem agrediu em primeiro lugar;
7. Nos termos do artigo 74º nº 1 do Código Penal, exceptuado o requisito atinente aos limites da pena aplicável ao crime, pode haver dispensa de pena, quando a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas; e quando o dano tenha sido reparado; e, ainda, que à dispensa de pena se não oponham razões de prevenção;
8. Atendendo às circunstâncias em que decorreram as agressões, e ao facto de o arguido estar bem inserido social e familiarmente, bem como ao facto de ser primário, pode-se concluir que estão preenchidos o primeiro e terceiro requisitos;
9. De igual modo, no que concerne à reparação do dano, pagamento da indemnização devida pelos danos causados ao “ofendido” ou compensação, que o arguido não demonstrou ter pago àquele, no caso em apreço, não obsta à aplicação do instituto de dispensa de pena ao arguido/recorrente;
10. Pois, tendo havido agressões mútuas, e não se sabendo quem começou, sempre poderia ter havido uma causa de exclusão da responsabilidade, tal como culpa do lesado (art. 570º, acção directa (artigo 336.º), legitima defesa (artigo 337.º), todos do Código Civil, e, por isso, os danos reclamados pelo lesado não merecem qualquer tipo de tutela cível, devendo assim ser excluída a obrigação do arguido/demandado em indemnizar aquele, improcedendo, pois, o seu pedido;
11. Não havendo obrigação do arguido em indemnizar o demandante, também não existe por parte do mesmo nenhuma reparação a fazer àquele, não existindo por isso qualquer obstáculo a que o recorrente possa ser dispensado da pena, verificando-se, assim, os requisitos a que alude o nº 1 do artigo 74º do Código Penal;
12. O tribunal a quo, ao ter decidido que não estavam preenchidos os pressupostos, errou na aplicação do direito, violando assim o instituto da dispensa de pena previsto no artigo 143.º, n.º 3 e 74.º do Código Penal.
13. Nos termos artigo 70.º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidade da punição;
14. Nos presentes autos o tribunal limitou-se a optar pela pena de prisão, sem fundamentar minimamente a sua opção, o que, consubstancia nulidade da sentença por falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente;
15. Pois, atento o disposto nos artigos 379°, n.ºs 1, al. a), e 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, a falta de fundamentação constitui nulidade, de conhecimento oficioso, sendo que à falta de fundamentação, isto é, à total e absoluta ausência de fundamentação se deve equiparar a fundamentação insuficiente, posto que uma decisão parcialmente fundamentada tem de ser entendida como não fundamentada, consabido que inexiste meia fundamentação, tal como inexiste meia comunicação.
16. Nulidade que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos;
17. O certo é que, na escolha da pena, o julgador terá sempre que ter em conta que a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena, mas, por outro lado que esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, pelo que a moldura penal aplicável ao caso concreto há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente;
18. O tribunal devia ter aplicado ao arguido uma pena de multa e não uma pena de prisão, pois o simples facto de ser submetido a julgamento e condenado é suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição;
19. Pelo que, tendo o douto tribunal a quo optado pela aplicação ao arguido de uma pena de privativa da liberdade em detrimento da pena não privativa da liberdade, violou, nessa parte, o disposto nos artigos 40.º, n.º 1 e 2 e 70.º do Código Penal;
20. Optando o tribunal pela aplicação de uma pena de multa em detrimento da pena privativa da liberdade, como se impõe, a mesma deve ser fixada em 75 dias de multa, à taxa diária de 6,00€ atentas as condições económicas do arguido;
21. Tanto mais que, atenta a matéria de facto dado como provada, designadamente a circunstância de ter havido ofensas mútuas e de não se ter provado em que circunstâncias as mesmas ocorreram, sempre o arguido beneficiaria da atenuação especial da pena, nos termos e para os efeitos do artigo 72.º e 73.º do Código Penal.
22. Depois de aferir da verificação dos elementos típicos do crime, ao tribunal compete encontrar a moldura penal abstracta aplicável ao tipo de ilícito e, posteriormente, proceder à determinação da medida concreta da pena, devendo atender-se às finalidades da punição, previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, levando-se em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor e contra o agente, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, pelo que, mesmo optando o tribunal por uma pena privativa da liberdade, a pena de dois meses de prisão seria mais do que suficiente para cumprir as finalidades da punição;
23. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal, “ a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”;
24. Assim, por regra, o tribunal deverá, sempre que aplique uma pena de prisão inferior a um ano, substituí-la por pena de multa ou pena não privativa da liberdade;
25. Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal, “Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”;
26. O tribunal a quo não apreciou a possibilidade da aplicação do trabalho a favor da comunidade e, por isso, violou mais uma vez um dever vinculativo a que estava sujeito, o que consubstancia nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
27. Pois a apreciação com vista a aplicação desta pena é um poder dever que vincula o tribunal sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão. (cfr. Ac. STJ de 21 de Junho de 2007, in CJ, AC STJ tomo II, pg. 228);
28. Assim sendo, o tribunal a quo, ao não ter substituído a pena de prisão por uma pena não privativa da liberdade, pena de multa ou pena de trabalho a favor da comunidade, violou os termos do disposto nos artigos 43.º e 58.º do Código Penal;
29. No que se refere ao pedido de indemnização civil, atento tudo quanto se disse quanto à decisão penal, o demandado deve ser dispensado da pena e, por conseguinte, da condenação civil, atenta a culpa do lesado e o facto de ter havido agressões mútuas, o que levaria a uma compensação de indemnizações;
30. Havendo culpa do lesado e compensação de responsabilidades, deve o pedido formulado ser julgado improcedente.
31. Caso assim não se entenda, sempre se diga que o quantum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo é manifestamente exagerado.
32. Os danos não patrimoniais devem ser fixados tendo em conta o artigo 496.º e o princípio da equidade previsto no 566.º do Código Civil, considerando as capacidades financeiras do lesante, que o tribunal não teve em conta, pois sobre as mesmas não se pronunciou ao fixar a indemnização a indemnização, pelo que a indemnização a fixar ao lesado não deve ultrapassar a quantia de 1.000,00€;
33. Por fim, tendo em conta que se trata da fixação de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, os juros devidos devem ser contabilizado apenas e tão só a contar da data da sentença e não da data da notificação ao lesado do pedido civil;
34. Pelo que, o tribunal ao fixar a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de 3.000,00€,violou o princípio da equidade previsto no artigo 566.º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência deve a douta sentença do tribunal a quo ser revogada, quer quanto à parte criminal quer quanto à parte civil, substituindo-se a mesma, nos termos das conclusões supra.
PELO QUE V. EX. AS, REVOGANDO A DECISÃO RECORRIDA, FARÃO INTEIRA JUSTIÇA

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O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 424).
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Em resposta ao recurso, o assistente José A. Ministério Público pugnou que lhe seja negado provimento e confirmada a sentença proferida.
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Também o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando que lhe seja negado provimento, confirmando-se a decisão recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, pronunciando-se quanto ao mérito do recurso, invocou uma circunstância de natureza processual que obsta ao seu conhecimento, defendendo verificar-se uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no art.º 119, al. a) do Código de Processo Penal, ou então, uma invalidade que determina a inexistência jurídica da sentença por via da falta de jurisdição do decisor.
Para tanto alega que a Sra. Juíza que elaborou a sentença agora em crise é a mesma que anteriormente havia elaborado a sentença relativamente à qual este Tribunal da Relação havia determinado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito às questões da escolha e medida da pena aplicar ao Arguido e apreciação do pedido cível formulado pelo assistente José A., nos termos dos artigos 426, n. º1 e 426-A, do Código de Processo Penal.
E conclui que se deverá declarar a verificação daquela concreta nulidade processual, insanável, determinando-se a realização de novo julgamento, por virtude do reenvio ordenado, observando-se o disposto no artigo 426-A do Código de Processo Penal.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir as seguintes questões:
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada/erro de julgamento/vícios decisórios/violação do princípio in dubio pro reo;
- Qualificação jurídica dos factos: erro na aplicação do direito aos factos;
- Dispensa da pena;
- Escolha e dosimetria da pena/penas de substituição;
- Pressupostos da responsabilidade civil e quantum indemnizatório.
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Questão prévia:
O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação arguiu uma nulidade que configurou insanável, de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no art.º 119, al. a) do Código de Processo Penal.
Invocando que a Sra. Juíza que elaborou a sentença agora em crise é a mesma que anteriormente havia elaborado a sentença relativamente à qual este Tribunal da Relação havia determinado o reenvio do processo para novo julgamento, parcial, restrito às questões da escolha e medida da pena aplicar ao Arguido e apreciação do pedido cível formulado pelo assistente José A., nos termos dos artigos 426, n. º1 e 426-A, do Código de Processo Penal.
Esta questão impõe prévio esclarecimento e apreciação por poder obviar ao conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente.
Em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade, podendo ser invocadas e declaradas caso estejam previstas nos arts. 119º e 120º, do Código de Processo Penal, ou noutras disposições legais relativas ao processo penal, conforme estatui o art. 118º n.º 1, do referido diploma legal.
Os atos que se entendeu afetarem de forma grave e irreversível os fundamentos e princípios do sistema processual penal ou os direitos liberdades e garantias, foram classificados de “nulidades insanáveis”, invalidando o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e que aquelas puderem afetar, devendo ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento – cfr. artigos 119º e 122º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
Revertendo para o caso dos autos.
Conforme ressalta do já exposto, no âmbito do recurso inicialmente interposto pelo assistente José A., foi proferido acórdão neste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 09.03.2015, onde se decidiu pelo reenvio (parcial) do processo, nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426º-A, do Cód. Proc. Penal.
Tal decisão foi determinada pelo facto de se ter considerado existir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, previsto no art. 410º n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, sendo necessária a realização de novo julgamento restrito às questões da escolha e medida da pena a aplicar ao arguido e apreciação do pedido cível formulado pelo aqui assistente José A..
Dispõe o artigo 426º n.º 1, do Código de Processo Penal que: “Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 410º, não for possível decidir a causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
A competência para o novo julgamento foi consagrada no artigo 426º- A, do mesmo diploma legal, nos seguintes termos: “1 – Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no art. 40º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas à do tribunal que proferiu a decisão recorrida. 2 – Quando na mesma comarca existir mais de um juízo da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição.
Por seu turno, estatui o referido artigo 40º na sua alínea c) do Código de Processo Penal que nenhum juiz pode intervir em julgamento em que tiver participado em julgamento anterior.
Nesta conformidade, seria competente para realizar o novo julgamento:
a) o mesmo tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior desde que não se verifique nenhum dos impedimentos previstos no artigo 40.º do Código de Processo Penal;
b) não sendo possível a intervenção do mesmo tribunal, designadamente em função de o respetivo titular ter participado no anterior julgamento [artigo 40.º, al. c)], será competente o tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, sendo que, se na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, é competente o tribunal que resultar da distribuição.
No caso dos autos, a Senhora Juiz que presidiu ao primeiro julgamento presidiu ao segundo, conforme resulta claro quer das atas quer das sentenças proferidas – [cf. fls. 222, 224 a 228, 230, 369, 383 e 398 a 412].
Na verdade, tendo sido anulado o julgamento e determinado o reenvio [ainda que parcial] para novo julgamento, com fundamento no vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, decorrendo dos autos que o processo foi remetido ao Tribunal Judicial de Fafe, tribunal no qual havia tido lugar o primeiro julgamento, tudo levando a crer que no mesmo exercia funções magistrado judicial diferente do que presidiu àquele, acabou por intervir no segundo julgamento a mesma magistrada que interveio no primeiro e proferiu a decisão anulada.
Isto apesar de o despacho de fls. 357 – de marcação da audiência de julgamento - ter sido proferido por uma magistrada diferente (Dra. Ana Ribeiro de Sousa), que conforme resulta do despacho proferido pela mesma a fls. 362, veio posteriormente a entender que deveria “ser o Magistrado subscritor da sentença ora parcialmente revogada que deverá presidir à realização do novo julgamento…”.
Na sequência do que a Sra. Magistrada (Dra. Cecília Peixoto) que presidiu ao primeiro julgamento e elaborou a “primeira” sentença, proferiu o despacho de fls. 369 (a designar data para a realização da audiência de julgamento e a ordenar a elaboração de relatório social) e presidiu ao segundo julgamento, elaborando a sentença de que ora se recorre.
Quer dizer, numa situação em que, em princípio, nada impedia que o novo julgamento fosse realizado pelo mesmo tribunal, porquanto com composição [humana] diferente daquela que havia presidido ao primeiro julgamento [anulado] – cfr. artigo 426.º A, n.º 1, primeira parte do Código de Processo Penal – surge a efetuá-lo e, naturalmente, a proferir a nova sentença, ora em recurso, uma magistrada que, desde logo, carecia de jurisdição para o efeito.
Consequentemente, a sentença recorrida está ferida de nulidade insanável, de harmonia com o preceituado no artigo 119º, alínea a), do Código de Processo Penal, senão mesmo do vício de inexistência jurídica, porquanto proferida por quem, no caso, carecia de jurisdição, o que determina a invalidade do julgamento realizado e da sentença proferida - vide, neste sentido, Ac. STJ de 26.05.2004, Ac. da RE de 27.04.2010, Proc. 293/04.4GBCCH.E1 e Ac. da RP de 23.06.2010, Proc. 586/04.0TAVRL.P1, disponíveis em www.dgsi.pt – devendo ser repetidos, conforme estatui o art. 122º nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.
E assim sendo, mostra-se prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente.
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III – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em declarar nulo o julgamento, por violação das regras da alínea a) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 426.º-A, n.º 1 do mesmo diploma legal e, em consequência, invalidar esse ato e os atos subsequentes dele dependentes, incluindo a sentença recorrida, cabendo o novo julgamento ao tribunal que vier a ser o competente nos precisos termos previstos no artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.
Sem tributação.
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Guimarães, 26 de setembro de 2016