Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1300/13.5TBBCL-AN.G1
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
GARANTIA BANCÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O recurso improcede, visto que o acordado entre a recorrente e a insolvente, no âmbito do contrato de penhor financeiro que celebraram, não prejudica o direito de apreensão, para a massa insolvente, do depósito bancário em questão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – No processo de insolvência de Ib – Construção e Obras Públicas, S.A., a credora Ba, S.A. recorre do douto despacho que lhe ordenou que procedesse à transferência do saldo da conta de um depósito a prazo, da insolvente, para a conta da massa insolvente, firmando conclusões que, por brevidade aqui se têm por reproduzidas.
Respondeu a massa insolvente, a pugnar pela manutenção do julgado.

O recurso foi iniciado decidido, em decisão sumária, pelo relator, no sentido da sua improcedência, vindo agora a recorrente, com exposição de motivos e a oposição da massa insolvente, requerer que, em conferência, seja prolatado acórdão sobre a matéria.

II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.

III – Fundamentação:
i) O mérito do recurso:
A recorrente entende não dever ser obrigada a efectuar a dita transferência, que lhe havia sido exigida pela administração da insolvência, porque o depósito em questão lhe foi dado em penhor, pela ora insolvente, como garantia do cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de garantia bancária que celebrara com ela (recorrente).
A recorrida, por seu turno, enfatiza a natureza de execução universal que o processo de insolvência assume, e o facto de a recorrente ter reclamado, no processo de insolvência, o crédito relacionado com aquele penhor, e o de o ter visto, pela administradora da insolvência, reconhecido nos termos requeridos.
Vejamos:
Estamos, sem discussão, face a contrato de garantia financeira, previsto no DL 105/2004, de 08-05, que, segundo o respectivo artº1.º, “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/47/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Junho, relativa aos acordos de garantia financeira.”.
No preâmbulo do diploma, pode ler-se, por exemplo, o seguinte:
“São ainda de assinalar como objectivos deste regime a simplificação do processo de celebração deste tipo de contratos, a celeridade a conferir à execução da garantia, bem como o alargamento do leque de situações em que a validade e eficácia dos mesmos contratos é ressalvada em prol da segurança jurídica. Estas preocupações são legítimas, mesmo em situações que envolvam a possibilidade de insolvência de uma das partes no contrato, caso em que o diploma consagra um conjunto de disposições de carácter excepcional face ao regime comum estabelecido no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas que, nos aspectos que poderiam constituir um entrave à execução da garantia, não são aplicáveis.”.
Em sintonia com o que, no artº18.º, n.º1, do diploma, se estabelece que:
“Em situação de abertura ou prossecução de um processo de liquidação ou de adopção de medidas de saneamento relativas ao prestador ou ao beneficiário da garantia, os contratos de garantia financeira produzem efeitos nas condições e segundo os termos convencionados pelas partes.”.
Em linha com o que, o artº16.º, n.º 2, do CIRE, preceitua que o nele disposto não prejudica o regime constante de legislação especial relativa a contratos de garantia financeira.
Seguir-se-á, daqui, que o dito depósito não pode ser apreendido para a massa insolvente?
Entendemos que não.
Sabe-se que a constituição de penhor sobre determinada coisa não equivale à alienação do direito de propriedade sobre esta, podendo ela, por exemplo, ser objecto de penhora em execução movida contra o obrigado – ver artº747.ºdo CPC.
Isso mesmo é reconhecido pela recorrente, na cláusula 6ª do contrato de penhor financeiro que celebrou com a insolvente (fls.19 e segs.), ao prever-se que, se o depósito a prazo, dado em penhor financeiro, for objecto de alguma forma de apreensão, a obrigação financeira garantida vencer-se-á, de imediato, tornando-se aquele penhor imediatamente exigível, nos termos do artº12.º do DL 105/2004.
Esta redacção suscita diversas dúvidas.
Ao falar-se em obrigação financeira garantida, estará a aludir-se à obrigação contraída pela insolvente, obrigação essa garantida pela garantia bancária contratada entre ela e a recorrente, ou à obrigação contraída pela insolvente perante a recorrente, ou seja, a de lhe restituir o valor que esta entregasse à Susana D, em cumprimento da garantia bancária?
Cremos que nem poderá ser uma coisa nem outra.
A obrigação de pagamento, à Susana D, por isso que depende da iniciativa, desta, de o reclamar, não tem prazo determinado, pelo que não poderá ser o acordado entre outras pessoas (ainda que uma delas seja a obrigada àquele pagamento) a determinar a fixação desse prazo, vinculando, desse modo, quem não interveio no contrato – artº406.º do CC.
E, porque é assim, também não poderá a obrigação da insolvente vencer-se de imediato. Este vencimento depende, como é evidente, do prévio cumprimento, pela recorrente, da obrigação de pagamento àquela Susana; até que este se verifique, a obrigação da insolvente não se vence.
Por outro lado, a referência ao artº12.º do citado DL -----------------------------
(Artigo 12.o
Vencimento antecipado e compensação
1 — As partes podem convencionar o vencimento antecipado da obrigação de restituição do beneficiário da garantia e o cumprimento da mesma por compensação, caso ocorra um facto que desencadeie a execução.
2 — Entende-se por facto que desencadeia a execução o não cumprimento do contrato ou qualquer facto a que as partes atribuam efeito análogo.) ---------------------------
apenas pode ser entendida como significando que a insolvência da Ib é um facto que desencadeia a execução, pois, como vimos, não se pode, ainda, falar de vencimento de qualquer das obrigações envolvidas.
É certo que, entretanto, sobreveio a informação de que a recorrente pagou já, ao sub-rogado daquela Susana D, a quantia garantida pela garantia financeira, mas tal facto não pode aqui relevar, visto que se está a sindicar a decisão da 1ª instância para outro circunstancialismo, que não o que tem a ver com esse pagamento.
Mas, sendo as coisas deste jeito, deverá o depósito em causa manter-se na disponibilidade da recorrente, como esta advoga na conclusão 22?
Cremos, novamente, que não.
A lei não o prevê, antes admite, como se viu, o contrário, ocorrendo que as partes, como também concluímos, não previram esta hipótese, caso em que, aí sim, por efeito da conjugação do que se afirma nos citados artigos 18.º, n.º1, e 16.º, n.º2, essa manutenção teria lugar.

O tribunal não se pronuncia sobre a dita exposição, por estar fora de questão que, com ela, se possa, de algum modo, alterar os termos do recurso.

Em suma, o recurso, sem mérito, deverá improceder.

Em síntese:
O recurso improcede, visto que o acordado entre a recorrente e a insolvente, no âmbito do contrato de penhor financeiro que celebraram, não prejudica o direito de apreensão, para a massa insolvente, do depósito bancário em questão.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação improcedente, se confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, que suportará também as da reclamação, cuja taxa de justiça se fixa em 200,00 €.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.