Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4142/15.0T8GMR.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

I- Nos termos do art. 2188º do CC, podem testar todos os indivíduos “que a lei não declare incapazes de o fazer”, sendo incapazes os “menores não emancipados e os interditos por anomalia psíquica” (art. 2189º do CC), sendo nulos os testamentos outorgados por estes (art. 2190º do CC); mas, além disso, nos termos do art. 2199º do CC, é anulável ainda o testamento feito por quem, no momento da sua outorga (art. 2191º do CC), se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

II- No caso da interdição por anomalia psíquica, a nulidade funda-se “na presunção de estado ou situação de incapacidade” que a sentença de interdição criou e que persiste “até ao momento em que a interdição é levantada”; no segundo caso, de anulabilidade, já se refere a qualquer causa de incapacidade (falta de aptidão para entender ou falta do livre exercício do poder de dispor) “verificada no momento em que a disposição é lavrada”, um tipo de deficiência “que o artigo 257º considera em relação aos actos entre vivos em geral” .

III. O artigo 257º do CC prevê a anulabilidade da declaração feita por quem se encontre em incapacidade acidental (quem, devido a qualquer causa, se encontre acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração ou não tenha o livre exercício da sua vontade), mas quanto falamos de testamento não se exige que o facto seja notório ou conhecido do beneficiário, porque agora não há que proteger substancialmente as expectativas de um declaratário, mas prioritariamente preservar a liberdade e a vontade real do testador (cfr. art. 2199º do CC).

IV. A afirmação feita pelo Notário no instrumento (escritura de testamento) de que este foi lido e explicado em voz alta à testadora, na presença simultânea de todos os intervenientes, não fornece qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar.

V. O valor probatório de um parecer médico solicitado pela própria parte a um Médico (art. 426º do CPC- prova documental) não tem a mesma força probatória que a prova pericial realizada nos autos e requisitada pelo Tribunal a um “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado”, mais especificadamente aos “serviços médico-legais” ou por “peritos médicos contratados (nº 1 e 3 do art. 467º do CPC) que, de uma forma independente, isenta e imparcial, formulam o respectivo juízo técnico-científico sobre o objecto da prova pericial que lhe é apresentado.

VI. Como decorre do art. 389º do CC a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”, mas no caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico-científico, este, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnico-científica e com sujeição aos mesmos métodos”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Hugo, representado pelo seu Tutor, Agostinho, intentou Acção Declarativa sob a forma de Processo Comum contra Maria, peticionando a declaração de nulidade do testamento outorgado por M. M. a favor da Ré.

Alega, em síntese, que a testadora, avó paterna do menor, não exprimiu claramente a vontade ao tempo do testamento, na data da celebração do acto, estando incapaz de compreender o sentido e alcance do testamento.

Que o estado de saúde e de consciência da testadora no momento da celebração do ato afectou a sua capacidade de entender e querer.

Que o testamento foi outorgado menos de 24 horas antes do seu falecimento, que sucedeu depois dum período de internamento hospitalar, em que os sinais vitais e consciência da testadora se foram degradando sobretudo no dia que precedeu o falecimento de modo inexorável, estando portanto a sua vontade viciada.
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A Ré contestou, por excepção, invocando ineptidão da petição inicial.
E por impugnação.
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Houve resposta.
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Foi dispensada a audiência prévia, conhecida da excepção invocada pela Ré, julgada improcedente, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Houve reclamação, parcialmente deferida.
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Foi designada data para audiência final, a qual decorreu com observância das formalidades legais.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“Julga-se procedente por provada a presente acção em função do que se declara anulado o testamento lavrado no dia 10 de Janeiro de 2013 no Hospital Senhora de Oliveira, freguesia de Creixomil, concelho de Guimarães, com cópia a fls. 50 e 51 destes autos com todas as legais consequências.
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É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

A) A recorrente não pode concordar com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe referenciados, porquanto, salvo o devido respeito, considera que houve errónea apreciação da matéria de facto, prejudicando a sua justiça, sendo simples e evidentes as razões de tal discordância, tendo a Meritíssima Juiz “a quo” valorado erradamente a prova produzida e constante dos autos.
B) Entende a Ré, salvo o devido respeito por opinião contrária, que sempre existirá erro entre a fundamentação e a decisão quando os fundamentos invocados pela Juíza conduziriam não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto, que, é o caso dos autos.
C) Assim como, existirá errónea apreciação da matéria de facto, porquanto, da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, não resultou provada a matéria de facto invocada peticionando a declaração de nulidade do testamento outorgado por M. M. a favor da Ré.
D) Destarte, considera a Recorrente que a douta sentença padeça de contradição entre a fundamentação e a decisão, assim como, fez errada apreciação da prova produzida, seja da prova pericial, documental junta aos autos, seja da prova testemunhal, impondo-se decisão diversa.
E) Salvo o devido respeito por opinião contrária, considera a Recorrente que a douta sentença padece do vício de nulidade apontado no artigo 615 nº 1, c) do C. P. C.
F) A sentença recorrida considerou provado que: 10 (tema de prova) A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do acto de testar no momento da outorga do testamento.
G) Não se provaram os demais factos concretizadores dos temas de prova a saber: V- A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré.
H) Não pode a recorrente concordar com esta apreciação da prova, tendo resultado demonstrado o inverso, como se demonstrará.
I) Atenta a insuficiência de prova, cujo ónus cabia ao Autor, assim como a errónea apreciação das provas pericial, documental e testemunhal: -Não se concebe como se pode dar como Provado o tema de prova 10 - “A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.” – quando se extrai do conjunto da prova, claramente o inverso, ou seja, a testadora estava no uso das suas capacidades mentais ao outorgar o referido testamento. - Todos os factos que foram considerados provados não poderiam conduzir à conclusão dada como provada no tema 10. - Existe, ainda contradição entre a fundamentação da sentença ao dar como provado o tema 10 e não provado o tema VI. - Não poderia também a sentença recorrida dar como NÃO PROVADO o tema de prova V – “A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré” – já que da prova produzida resultou o inverso.
J) Ora, o objecto da perícia efectuada pelo IML era “Se a outorga do testamento se deu em MOMENTO que a testadora estava no pleno gozo das suas faculdades mentais”
K) A RESPOSTA AO QUESITO OBJECTO DA PERÍCIA: “Da análise pormenorizada dos registos clínicos constantes de peças processuais, dos resultados dos exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente da TAC cerebral realizada e da avaliação clínica e do estado de consciência com discurso incoerente, estado hemorrágico generalizado com anemia gravíssima), é possível afirmar que a examinada não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais, bem pelo contrário, a examinada encontrava-se num estado físico e mental terminal, já que a alegada outorga do testamento ocorreu menos de 24 horas antes do óbito, estando a examinada em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade. O facto de ser analfabeta, supostamente não saber assinar e existir apenas no documento em causa, uma impressão digital aposta, esclarece-nos também que não foi necessário qualquer acto ou expressão voluntária motora, que pudesse ter exigido qualquer assomo de lucidez ou determinação.
L) Conclui tal relatório, dizendo que a testadora encontrava-se em estado de confusão mental.
M) Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. Nº 02A4271, de 25- 02-2003: O relatório pericial é um parecer de um técnico da especialidade que pode ser junto nos termos do artigo 525º do C. Processo Civil, mas que, como é evidente, é de livre apreciação. Os pareceres são opiniões doutrinárias, técnicas, dadas por especialistas a pedido da parte a quem interessam e que serão valorados de harmonia com o entendimento que o julgador tiver acerca da temática sobre que versam. Independentemente da sua valia e da sua utilidade (que frequentemente é grande) são livremente apreciados, como acontece, aliás, com as várias correntes doutrinárias que usualmente se formam no mundo jurídico. De todos os factos não é possível concluir que no momento em que a testadora emitiu as declarações negociais constantes do testamento não se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais. Se é matéria de direito saber se o testador estava ou não em perfeito juízo e se tinha ou não o livre exercício da sua vontade e capacidade de entender, já é pura factualidade os factos concretamente apurados nas instâncias e de que se partiu para tirar as conclusões.”
N) A confusão mental referida que poderia ter, 24h antes do óbito, pode não ter ocorrido no momento da outorga do testamento, podendo, por isso, ter capacidade de conhecimento da realidade, como se irá demonstrar.
O) Do facto de ser analfabeta, tendo aposto uma impressão digital, não pode concluir pela falta de vontade e lucidez.
P) Refere ainda a prova pericial: não padecendo a examinada de problemas do foro psíquico, é possível afirmar COM CERTEZA ABSOLUTA, que no momento da outorga do testamento não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais, estando a examinada em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade, mas refere que “a examinada não padecia de problemas do foro psíquico”.
Q) Aliás, é também questionável a possibilidade da realização da perícia requerida, já que não é do conhecimento comum, nem mesmo da comunidade psiquiátrica.
R) Refere, ainda, a perícia, quanto à análise pormenorizada dos registos clínicos: (…) dos resultados dos exames auxiliares de diagnóstico nomeadamente da TAC cerebral realizada e da avaliação clínica e do estado de consciência da examinada em fase terminal de leucemia (afundamento do estado de consciência com discurso incoerente, estado hemorrágico generalizado com anemia gravíssima) é possível afirmar que a examinada não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais.
S) É possível, não há certeza absoluta, existe uma manifesta contradição.
T) Segundo a interpretação (dita actual) seguida, será notória a demência quando geralmente conhecida. A parte que arguiu a nulidade só terá a provar que ao tempo, isto é, na época do testamento, já existia a demência, sendo também notória ou conhecida.
U) Estabelece-se uma simples presunção iuris tantum (refutável) da existência do estado demencial no momento do negócio; mas não uma presunção iuris et de iure (irrefutável), isto é, uma certeza legal nesse sentido.
V) No mesmo sentido opinava o Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 1973, a págs. 454/455, onde escreveu: “A anulabilidade (dos negócios jurídicos levados a cabo pelos interditos anteriormente à publicidade da acção) tem, como condições necessárias e suficientes, os seguintes requisitos: 1) que, no momento do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; 2) que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (contraparte nos contratos, destinatário da declaração nos negócios unilaterais receptícios)… O nº 2 do art. 257º esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar… Para a anulabilidade destes actos não basta a prova da incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade”.
W) Também o Prof. Galvão Telles opina no mesmo sentido – veja-se “Parecer” na RT, ano 72, pg. 268.
Y) Ainda a este propósito, o Prof. Castro Mendes, in “Teoria Geral”, 1978, vol. I, pg. 341/359, também defendia que “do art. 257º do C. Civ. Resulta que o acto é anulável se a incapacidade era notória – no sentido de manifesta a uma pessoa de normal inteligência.
X) Analisando a prova produzida, de toda a documentação junta aos autos e referida na sentença, resulta UMA ÚNICA consulta externa de psiquiatria a 13 de Outubro de 2013, e outra consulta, no internamento.
Z) De toda a informação clínica dos vários internamentos, NÃO RESULTA NENHUMA REFERÊNCIA a problemas do foro psíquico.
AA) Da consulta externa de Psiquiatria / Oncologia, realizada em 13-11-2013 resulta: “16-10-2013- Único filho suicidou-se há cerca de 15 dias com arma de fogo. Nora está internada no HB por neoplasia em estado terminal. Tem um neto de 10 anos. Vive com o marido e um tio. Pai suicidou-se, 1 irmão suicidou-se. APRESENTA-SE OBVIAMENTE TRISTE, MEDIANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS Sem a real percepção do seu problema de saúde. TEM ANDADO PSICOPATOLOGICAMENTE ESTÁVEL.”
AB) Dos diários médicos resulta: - Em 30/12/2013 a D. M. M. estava “CONSCIENTE, COLABORANTE, desorientada no tempo, mas orientada no espaço. COM DISCURSO COERENTE”. - Em 31/12/2013 refere “vígil, desorientada, pouco colaborante”. - Em 02/1/2014 o diário técnico refere “CONSCIENTE, COLABORANTE E ORIENTADA (APARENTEMENTE)”. - Em 03/01/2014 “doente NEGA queixas de novo, além de algum desconforto abdominal associado a trânsito intestinal”. - Em 06/01/14 “REFERE queixas difusas na região abdominal. - Em 08/01/2014 “REFERE náuseas e vómitos alimentares.” - Em 09/01/2014 “REFERE náuseas e cansaço. REFERE ainda dor abdominal difusa. - Em 10/01/2014, véspera do seu óbito, “DOENTE VIGIL, CONSCIENTE, POUCO COLABORANTE, ASTENIA. - Em 30 de Dezembro de 2013 no diário clínico do médico Dr. Filipe refere: “CONSCIENTE, COLABORANTE, ORIENTADA”. AC) De acordo com os boletins clínicos, no dia 09/01/2014 a doente teve ALTA, cujo boletim refere: - criado por Dr. Rafael - Motivo de admissão – Anemia Sintomática - História da doença actual - Doente trazida ao SU quadro de astenia e dificuldade na marcha, com agravamento progressivo. Adicionalmente com referência a náusea e anorexia, mas sem emese efectiva. Negavam outras queixas. - Ao exame objectivo-com palidez muco-cutânea e petéquias na mucosa oral, com uma bolha hemorrágica. - Transfundida com 3ugrs e 6 unidades de plaquetas. Estabilidade dos valores de hemoglobina posterior.
AD) Condições do doente a data da alta – A doente evoluiu favoravelmente ao longo do internamento, mantendo-se hemodinamicamente ESTÁVEL e apirética.
AE) TEM ALTA, POR NÃO APRESENTAR NECESSIDADE DE CUIDADOS DE INTERNAMENTO ADICIONAIS. - Mantém acompanhamento em C. Ext. de Oncologia e de Medicina Interna. - Doente renitente à alimentação, mas tem tolerado sob insistência. Sem náusea ou vómitos de novo. - Orientada para UCC para gestão de doença prolongada e cuidados alimentares. - Destino – médico assistente Dr. C. M..
AF) Ainda no dia 9/01/2014 às 2.30h, segundo o boletim clínico havia só indicações para: - vigiar ferida - vigiar penso de ferida - vigiar perda sanguínea - vigiar resposta / reacção hemoterapia - vigiar vómito. AG) Após esta alta, no dia 10 de Janeiro às 20.24h, após a feitura do testamento, por indicação da Drª Emília retira-se a SNG, com indicação de não reentubar. Doente com alta clínica anulada. Tem pedido de transfusão de plaquetas.
AH) De acordo também com os boletins clínicos e, concretamente, no dia 10-01- 2014 – às 13.30h, nas atitudes terapêuticas, houve a indicação para “remover sonda gástrica”, concluindo-se, assim, que a testadora não a tinha permanentemente.
AI) Analisando, ainda a história clínica, no resumo datado de 24/11/2013, a médica Drª Marta refere que “a desorientação teve resolução espontânea, sem repetição da mesma”.
AJ) Continua interpretado em contexto infeccioso.
AK) Tal constatação e informação técnica especializada, de que a desorientação tem resolução espontânea, também foi confirmada pelo depoimento do médico de família Dr. C. M..
AL) Resulta, assim, que a testadora nunca padeceu de problemas do foro psíquico. Nunca houve qualquer referência, nos vastos boletins clínicos, qualquer indicação de perturbação do foro psíquico.
AM) Os relatórios de 3, 6, 8 e 9 de Janeiro de 2014 ao afirmarem que “A DOENTE NEGA E REFERE”, permitem concluir que a examinada falava com “consciência do que dizia do seu estado de saúde”.
AN) Mesmo antes da celebração do testamento nunca esteve impossibilitada de se expressar e de entender o sentido e alcance das coisas.
AO) Todos estes documentos não evidenciam nada de novo, aos problemas de saúde da doente, e nomeadamente quanto AO SEU ESTADO DE CONSCIÊNCIA, não demonstrando, nenhum deles que quer em períodos antes, quer, nas vésperas, e véspera do seu falecimento, a falecida tenha tido PERTURBAÇÕES DE CONSCIÊNCIA OU DO CONHECIMENTO, COM CERTEZA ABSOLUTA. AP) O médico assistente da D. M. M., Dr. C. M., seu médico desde o ano de 1986, que sempre acompanhou a doente, inclusive durante a doença, refere na Informação Clínica. “Fui médico assistente da Dra. D. M. M., que faleceu a 11 de Janeiro de 2014, desde o ano de 1986. AS ÚLTIMAS CONSULTAS FORAM EM DEZEMBRO DE 2013, MÊS EM QUE SOFREU O ÚLTIMO INTERNAMENTO. Todas as situações clínicas foram orientadas por mim no ambulatório com o apoio de especialidades médicas diferenciadas no caso de patologias específicas. A NÍVEL DE AMBULATÓRIO NÃO CONSTAM QUAISQUER REFERÊNCIAS A PERTURBAÇÕES DE CONSCIÊNCIA OU DO CONHECIMENTO, NOMEADAMENTE PERTURBAÇÕES DE MEMÓRIA RELEVANTES OU QUADROS DEMENCIAIS, ATÉ À DATA DO INTERNAMENTO”.
AQ) Segundo o boletim clínico, onde estão plasmados os valores da escala de Glasgow: No dia 09/01/2014 a doente apresentava às 15:07h: a nível de consciência: resposta verbal: confusa; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 14 No mesmo dia às 21:24h apresentava: a nível de consciência: resposta verbal: confusa; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 14 No dia 10/01/2014 a doente apresentava às 02:28h: a nível de consciência: resposta verbal: confusa; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 14 No mesmo dia às 13:35h apresentava: a nível de consciência: resposta verbal: palavras ina…; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 13
AR) Ora, a análise desses valores da escala de Glasgow, foi feita pela Testemunha da Ré Dr. C. M., que foi médico de família da testadora e do marido falecido desde 1985/6, o qual declarou na audiência de julgamento de 06 de Fevereiro de 2018, tendo explicado que o valor final da escala de Glasgow, terá que ser conjugado com outros parâmetros, nomeadamente, a abertura ocular, a resposta verbal e a resposta motora. Explicou ainda, que o estado de confusão mental pode, ou não, impedir a consciência, e ainda, para dar o valor de 14, apesar de confusa, obedecia a comandos, tinha abertura ocular espontânea, tendo, assim, com estes valores, de estar orientada. Referiu também que no dia 10 de Janeiro de 2014, de manhã, quando se realizou o testamento, como se irá demonstrar, apresentava o valor de 14, na escala de Glasgow (…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…).
AS) Das declarações prestadas pela Testemunha da Ré, Drª Paula, Notária em Guimarães, na audiência de julgamento de 06 de Fevereiro de 2018, resulta… (…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…)
AT) Tendo o testamento sido lavrado na presença de Notária, que não mencionou a existência de qualquer deficiência de vontade da testadora, faz prova plena da ausência de qualquer perturbação volitiva.
AU) Conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. Nº 1267/06.6TBAMT.P2, de 19-12-2012: “Sem embargo de uma concludente prova contrária, devem em regra ser considerados como provados os factos que sejam percepcionados pelo notário e, como tal, atestados no acto público notarial (artigos 371º, nº 1, 372º, nºs 1 e 2, e 347º, do Código Civil).”
AV) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. Nº 7110/10.4TBBRG.G1, de 24-04-2014: “Alguma jurisprudência, fala mesmo de uma presunção da capacidade de querer e entender. Assim Ac. RC de 29/5/2012, www.dgsi.pt, processo nº 37/11.4TBMDR.C1; do qual consta: “…o facto de o testamento posto em crise ser público mitiga as dúvidas do autor pois que a própria notária que o redigiu não verificou qualquer incapacidade que impedisse a testadora de conhecer o alcance do seu ato, tendo a mesma procedido à sua leitura e à explicação do seu conteúdo, como é de lei e consta do respectivo documento (cfr. artigos 46.º, n.º 1, al. l), e 50.º do Código do Notariado). Aliás, se tivesse tido dúvidas sobre a capacidade da testadora de querer e de entender, não teria lavrado o testamento ou poderia fazer intervir no ato um perito médico que abonasse a sanidade mental da outorgante (cfr. art. 67º, n.º 4, do mesmo código). Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. VI, pág. 336, a simples presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das testemunhas que, segundo o art. 67.º, n.º 1, al. a), e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o ato, é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade (cfr., no mesmo sentido, Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, vol. I, 4.ª ed., pág. 188, e Guilherme de Oliveira, in “O Testamento”, págs. 33 e 34). Por conseguinte, não pode deixar de se entender que, tendo o testamento sido exarado perante notário, existe uma forte presunção de que o testador tem aptidão para entender o que declara. ….”
AW) Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. Nº 469/2000.C1, de 10-03-2009: “Por outro lado, não bastará demonstrar um estado habitual de insanidade de espírito na ÉPOCA do negócio, tornando-se antes necessário provar a existência de uma perturbação psíquica NO MOMENTO EM QUE A DECLARAÇÃO DE VONTADE FOI EMITIDA. O que importa saber é se a testadora, à data da outorga do testamento, se encontrava ou não incapacitada de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida, e se tal incapacidade era notória ou conhecida da notária, devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar. O nº 2 do art5. 257º do Código Civil esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar… Para a anulabilidade destes actos não basta a prova da incapacidade natural, exige-se igualmente, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade.”
AY) Perante tal prova, não se concebe como se pode dar como Provado o tema de prova 10 - “A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.” – quando se extrai do conjunto da prova, claramente o inverso, ou seja, a testadora estava no uso das suas capacidades mentais ao outorgar o referido testamento.
AX) Poder-se-á também dizer que não existe prova de que no momento da outorga do testamento “não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.”
AZ) Sobre o estado de saúde mental da testadora, também resultou das declarações prestadas pela Testemunha da Ré, Rosa, na audiência de julgamento de 26 de Fevereiro de 2018, que a mesma estava consciente e no seu “juízo perfeito” (…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…)
BA) A fim de serem interpretados os boletins clínicos, assim como a análise da escala de Glasgow, e apesar da Notária não se recordar da HORA a que foi outorgado o testamento, as testemunhas que presenciaram o mesmo, confirmam que foi às 10h da manhã.
BB) E conforme o depoimento das testemunhas do testamento, Fernando e B. R., o testamento foi elaborado às 10h da manhã, constando tais depoimentos da prova sumariada da sentença recorrida. “Fernando Por fim e no que respeita ao dia 10 de Janeiro, disse que o testamento foi às dez da manhã e que a D. Maria estava muito bem, não tinha sonda colocada, que falou com a testemunha, com quem manteve uma conversa e percebeu tudo o que ali se passou e que foi ao encontro da sua vontade”. “B. R. Disse que o testamento foi às 10 da manhã e que quando chegou ao hospital estabeleceu uma conversa com a D. Maria que logo o reconheceu e que sabia que tinha tido alta no dia anterior, tendo ficado surpreendido com o falecimento no dia seguinte”.
BC) Portanto, no dia 10 de Janeiro de 2014, às 10.00h da manhã, a testadora estava nas seguintes condições: “No dia 10/01/2014 a doente apresentava às 02:28h: a nível de consciência: resposta verbal: confusa; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 14” - Não existe qualquer registo às 10h da manhã, hora em que foi lavrado o testamento, havendo registo só às 13:35h: “No mesmo dia às 13:35h apresentava: a nível de consciência: resposta verbal: palavras ina…; abertura olhos: espontânea; resposta motora: obedece a or… Escala Glasgow: 13” - conjugado com o depoimento do Dr. C. M.: “- Testemunha: 45m42s. – Numa escala de 14. Portanto, ela obedecia a comandos, tinha uma abertura ocular espontânea e estaria confusa, eventualmente. - Mandatária da Ré: 45m52s – Mas o estado de confusão, pode ou não pode impedir a consciência?” - RESULTA PROVADO O SEU ESTADO DE CONSCIÊNCIA ÀS 10H DA MANHÃ.

BD) Não poderia também a sentença recorrida dar como NÃO PROVADO o tema de prova V – “A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré” – já que da prova produzida resultou o inverso.
BE) A testadora, assim como seu marido falecido, há muito tempo que tinham a intenção, a vontade e a decisão de deixar em testamento a favor da Ré, alguns bens, concretamente os que pertenciam a M. M., que lhe foi doado por seus padrinhos, com que foi criada.
BF) Por isso, não foi tomada essa decisão no dia da outorga do testamento.
BG) Essa intenção, vontade e decisão foram provadas através das várias testemunhas apresentadas pela Ré.
BH) E se algumas dúvidas pudessem existir, quanto á última vontade da testadora, em instituir a Recorrente como beneficiária, elas poder-se-iam desfazer com o que foi proclamado pela testadora durante a sua vida normal, antes até de qualquer doença.
BI) O testamento sendo um acto unilateral, pessoal, relevante para interpretação da vontade do testador é a consideração da sua intenção, que expressou solenemente no testamento.
BJ) Pedro Pais Vasconcelos, in “Teoria Geral de Direito Civil” ensina: “O testamento é um negócio de cariz muito peculiar. O respeito pela última vontade das pessoas é uma exigência de Direito Natural que implica, na interpretação do testamento, o respeito escrupuloso pela vontade real do testador em tudo aquilo que não seja contrário à Lei imperativa e à Moral, ou não seja impossível. Nesta perspectiva, a interpretação dos testamentos deve ser subjectiva”.
BK) Nunca existiu na testadora um estado demencial, quer antes da data do testamento, quer no momento da sua outorga.
BL) A testadora não foi alvo de processo de interdição por anomalia psíquica. Por outro lado, não é tanto uma questão de discernimento, que se supõe existir, mas mais de hesitação (algum tipo de dúvida ou indecisão) que indiciado por uma falta de explicitação segura do desejo, da intenção, do outorgar, é o suficiente para contaminar a genuinidade e a valia do acto.
BM) Em boa verdade, o que importava mostrar, e com a certeza devida, era que na data do testamento a testadora estava atingida de alguma afectação que lhe limitava o uso adequado da mente, em termos de poder ajustadamente exercer aquela que era a sua vontade, o seu querer.
BN) Aliás, foi com essa intenção que a testadora contratou a actual mandatária da Ré, através da testemunha Fernanda, a qual referiu, conforme consta na sentença recorrida: “Que conhece a D. Maria há 40 anos, dos convívios em casa da ré e nas festas. Disse espontaneamente que também lá estavam o Sr. B. R. e o Sr. Fernando e que a ré ia sempre de férias para a Póvoa com o casal, que a tratavam como filha disse que “A Maria não entrava em casa, sem passar pela casa da M.”. Disse que foi quem indicou a Dra. Helena para advogada da D. Maria a pedido desta, para tratar do assunto do testamento por querer deixar umas casas à ré, e que tal aconteceu logo depois do falecimento do Sr. Arnaldo”.
BO) Assim como se concluiu do depoimento de Fernando, testemunha do testamento, o qual referiu, conforme consta na sentença recorrida: “Depôs que conhecia a ré por ser convidada de casa do Sr. Arnaldo, com quem manteve contacto nos últimos cinco anos e que a ré sempre cuidou do casal desde pequena. Que a D Maria lhe disse em vida que queria deixar aquelas casas à Maria, vontade que o Sr. Arnaldo também lhe tinha manifestado um ano antes de morrer, mas que não chegou a concretizar, disse a testemunha, “porque morreu de repente de desgosto”. Disse que, depois da morte do Sr. Arnaldo a D. Maria esteve bem de saúde e ainda ia ao campo, dizendo para sustentar a sua afirmação, que inclusive lhe chegou a “oferecer pencas”. Por fim e no que respeita ao dia 10 de Janeiro, disse que o testamento foi às dez da manhã e que a D. Maria estava muito bem, não tinha sonda colocada, que falou com a testemunha, com quem manteve uma conversa e percebeu tudo o que ali se passou e que foi ao encontro da sua vontade, tendo ficado surpreendido com o seu falecimento no dia seguinte, até porque, segundo disse, era do seu conhecimento que tinha tido alta mas não tinha ido para casa porque faltava uma cama articulada”.
BP) Do depoimento da Notária, Dra. Paula, resultou provada também essa intenção DOIS MESES ANTES do seu falecimento, que a testadora se deslocou presencialmente no seu Cartório no dia 11 de Novembro de 104 2013, a fim de outorgar duas procurações, uma a favor da mandatária da ré, outra a favor da ré e uma escritura de habilitação de herdeiros. (…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…).
BQ) Do depoimento do Dr. C. M., médico de família da testamentária, também resultou a prova da intenção e vontade da testadora em outorgar tal testamento:
(…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…)
BR) O depoimento da testemunha Rosa confirma também que tal tema de prova V deveria ter sido dado como provado na sentença, assim como prova a intenção da testadora em outorgar o referido testamento a favor da Ré.
(…reprodução do teor do depoimento da testemunha que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…)
BS) Deveria, assim, a sentença recorrida ter dado como PROVADO o tema de prova V – A M. M. demonstrava ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré.
BT) Não deixa de ser estranho que o Tribunal tenha considerado que o depoimento das testemunhas arroladas pelo Autor tenha sido isento, objectivo, credível, coerente, não contraditório, e não tenha visto isso nos depoimentos de nenhuma testemunha arrolada pela Ré.
BU) Nenhuma dúvida teve o Tribunal quanto a essa discrepância, com a qual não se concorda.
BV) Quer os boletins clínicos, quer a prova testemunhal através dos depoimentos do Dr. C. M., Notária Dra. Paula, Rosa e Fernando, contrariaram as conclusões da prova pericial.
BW) Assim como contrariaram os depoimentos das testemunhas Nuno, Enfermeira Elsa, auxiliar Carla, M. F. e médica Dra. Emília.
BY) Considera a recorrente que os depoimentos das testemunhas da Ré contrariaram de uma forma firme, segura, coerente, isenta, todos os depoimentos das testemunhas do Autor acima referidas.
BX) Do depoimento das testemunhas M. F., Conceição, Olívia e R. F., arroladas pelo autor, não resulta nada de relevante para a decisão da causa.
BZ) Do depoimento da auxiliar de acção médica Carla, resultou que: “Referiu que ficaram mais intimas e que a D. Maria lhe chegou a propor cuidar dela em troca de 1000 euros que durante o internamento de Dezembro esteve em repouso absoluto no leito (RAL). Referiu que esteve de serviço no dia 10 de Janeiro, na sexta-feira antes da D. Maria morrer entre as 14 até às 22h, teve de a mudar várias vezes de posição porque tinha coágulos de sangue na boca e já não conseguia terminar frases, muito menos manter conversa.”
CA) No entanto, apesar deste depoimento, o Tribunal deu como não provado o Tema IV: “A M. M. fez uma proposta de trabalho que reiterou nos internamentos hospitalares a que esteve sujeita e enquanto tinha autonomia psíquica para que substituísse a Ré na sua função de cuidadora a uma das auxiliares que a acompanhava no Hospital”.
CB) Sendo incoerente a apreciação da prova, uma vez que credibilizou o restante depoimento, quanto ao estado de saúde da falecida, e não credibilizou o acima referido.
CC) Também credibilizou o depoimento da enfermeira Elsa, tendo a mesma referido que: “Disse que esteve dois dias de serviço durante o ultimo internamento da M. M. nos dias 5 e 10 de Janeiro, e que o seu estado de saúde se foi agravando, que esteve sempre consciente, mas desorientada e com fala confusa, acabando no dia 9 por ser entubada com a sonda naso gástrica e assim ser alimentada e medicada.”
CD) Apesar de não ter estado de serviço no dia 9 de Janeiro, refere, no entanto que “acabou por ser entubada com a sonda naso gástrica”.
CE) Mas, referiu que, durante os dias que esteve de serviço, inclusive o dia 10, que a M. M. “esteve sempre consciente”.
CF) O restante depoimento contradiz os boletins clínicos, assim como os valores da escala de Glasgow, assim como o depoimento do médico de família Dr. C. M..
CG) A testemunha Nuno V., professor catedrático da Universidade de Coimbra, no seu depoimento refere, com base nos boletins clínicos: “Estado “confuso” que manteve ao longo do internamento e a evolução negativa das últimas 24 horas são indicadores de que a mesma não tinha capacidade de perceber o que se passava, ainda que respondesse a perguntas simples e o seu estado fosse consciente e vígil.”
CH) Tal depoimento não é demonstrativo, no entanto, do estado de saúde mental no momento da outorga do testamento.
CI) Assim como é inconclusivo o depoimento da médica Emília, “Referiu, que um paciente que apresente valores na escala de Glasgow 14 – palavras confusas e 13 – palavras inapropriadas não tem capacidade, pelo menos nos momentos dos registos, para fazer um testamento, uma vez que a escala é já em resultado de questões “elementares” perguntas tais como o “nome” e a “morada”.
Que o registo das 13,35 do dia 10.01 corresponderá à evolução do estado do doente durante a manhã como é habitual fazer-se. Esclareceu que a M. M. no momento do testamento não estaria em condições de fazer o testamento que atento o final – falecimento da M. M. na madrugada do dia 11, seria muito difícil a partir do registo conhecido feito às 2h35 do dia 10 e sequente evolução.
A respeito da alta clínica no dia 9 esclareceu que tal não significa a ida para casa do paciente, antes, que a situação que justificou o internamento agudo estabilizou, mantendo-se em casos como estes o internamento.”
CJ) Este depoimento é, mais uma vez, contrariado, pelos depoimentos das testemunhas da Ré, assim como dos boletins clínicos.
CK) O tema de prova 5.C dado como provado na sentença recorrida é o seguinte: “No dia 2.01.2014 tinha anemia sintomática, astenia com cefaleias, consciente colaborante e orientada; apresentava resposta confusa (14 na escala de Glasgow) que se manteve inalterada até (07.01 às 21,00 hora a que apresentou 15 na escala de Glasgow) regressando ao estado de confusa às 03.04” do dia 8 estado que manteve até 8.01.2014 às 15,25h (hora a que se apresentou orientada). Nesse dia 8.01.2014, pelas 18,20h apresentava-se confusa (14 na escala de Glasgow).”
CL) Ora, no dia 2.1.2014 a falecida apresentava na escala de Glasgow 14 que se manteve inalterada até 7.1 às 21.00h a que respondeu 15 na escala de Glasgow.
CM) Resulta, assim, provado que, o “estado de confusão, assim como os valores de 14 ou 15 na escala de Glasgow, e como explicou o Dr. C. M. no seu depoimento, podem-se alter(n)ar, não se tendo demonstrado que “às 10h do dia 10/1/2014”, a M. M. “não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.” – Tema de prova 10.
CN) Devendo este tema de prova ser dado como NÃO PROVADO.
CO) Relativamente à prova sumariada na sentença recorrida, o Tribunal seleccionou só aquela que descontextualizada, conduziria, eventualmente, à decisão proferida.
CP) Mas, nem assim, poderia conduzir à decisão de julgar procedente por provada a presente acção.
CQ) Tendo a sentença recorrida mostrado ter IGNORADO grande parte da prova produzida pela Ré.
CR) Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. Nº 7110/10.4TBBRG.G1, de 24-04-2014:

“Assim, cremos que pelos elementos constantes dos autos impõem uma decisão sobre a matéria de facto diversa da considerada pelo Tribunal a quo no tema de prova 10 dado como provado e o tema de prova V dado como não provado. Assim e face à factualidade outra decisão deveria ser tomada, devendo ser declarado válido o testamento, uma vez que a testadora tinha capacidade para querer e entender o seu alcance aquando da sua outorga.

Decidiu assim mal, em nosso entender, o Tribunal “a quo”, como aliás o demonstra a profusão da prova produzida nestes autos (documental e testemunhal), porquanto a correcta análise e ponderação dos elementos de prova já identificados e devidamente realçados e chamados à colação neste articulado permitiria ao julgador ter decidido, de maneira diferente, por ter sido recolhida suficiente matéria probatória e apurada suficiente factualidade que demonstrou que M. M. estava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.

A douta sentença recorrida fez, assim, uma errada apreciação e valoração da prova produzida, violando-se o disposto nos artigos 640º e 662º do C. P. C.

Mas ainda que se considere que não se verifica erro de julgamento, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se diz que, padece a douta sentença de insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada.”

CS) Também conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. nº 7306711.1TBMAI.P1, de 16-06-2014: (…reprodução do teor do Acórdão que aqui se retira do presente relatório dada a sua extensão) (…)
CT) A nível de internamento e no momento da outorga do testamento, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. Nº 7110/10.4TBBRG.G1, de 24-04- 2014: Para avaliar as capacidades da testadora, deveria ser um psiquiatra, um psicólogo, nem os médicos que a acompanharam nos vários internamentos tinham capacidade para avaliar da competência de um doente, se estamos a lidar com coisas sérias, se estamos a tentar averiguar se uma pessoa está capaz de decidir por si, isso é uma coisa muito séria, normalmente acontece às vezes no hospital. Importa ter atenção toda a prova produzida, designadamente das testemunhas da Ré, cujo depoimento foi transcrito.

Da factualidade não resulta que a testadora se encontrava incapacitado, ainda que temporariamente, de entender o sentido da sua declaração ou não se encontrasse no livre exercício da sua vontade –. Art. 2199º, do C.C. O ónus da prova sobre tal matéria impendia sobre o interessado na anulação – artigo 342º, nº 1 do CC., sendo relevante o estado no momento da feitura do testamento. Saliente-se que para efeitos deste normativo, considera-se estar em condições de testar aquele que embora afectado de deficiência cerebral ou mental mostre claramente possuir a capacidade para entender o alcance do seu ato, e para o querer.

Assim, a diminuição das faculdades da pessoa por si só não justifica uma incapacidade para testar. Importa em tais casos demonstrar que o mesmo está incapacitado de entender o ato e incapacitado na sua capacidade de querer. Vd. Acórdão uniformizador do STJ de 26/5/1964, www.dgsi.pt, processo nº 059307, onde se conclui; “ Para o efeito de poder testar, entende-se que está em perfeito juízo aquele que, embora afectado de deficiência cerebral ou mental, mostre claramente possuir a necessária capacidade para querer e entender o alcance do seu ato.” STJ de 24/5/2011, www.dgsi.pt, processo nº 4936/04.1TCLRS.L1.S1. CU) Mesmo nas situações de incapacidade decretado judicialmente, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. Nº 13/15.8T8VCT.G1, de 29-06- 2017: 2ª Com efeito, a declaração na sentença da data do começo da incapacidade assume um valor meramente indiciário (…) não de uma presunção judicial (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do acto – ónus que impende sobre quem pede a anulação (vide os Acórdãos atrás citados); 4ª A anulabilidade do testamento por incapacidade de facto do testador, exige a demonstração que essa incapacidade existia no momento da outorga do acto, prova que incumbia à A. e que não o logrou demonstrar. 8ª A sentença proferida viola, entre mais, na parte aqui sob recurso, o disposto no nº 1 do art. 149º e no nº 1 do art. 342º, ambos do Cód. Civil, incorrendo em erro de julgamento na aplicação do direito.

Todavia, “não é qualquer psicopatia que tira ao indivíduo a possibilidade de dispor dos seus bens: a doença mental há-de obnubilar-lhe a inteligência ou enfraquecer-lhe de tal jeito a vontade, que possa afirmar-se que não entendeu o que disse ou, em condições normais, não quereria o que declarou” (Acórdão da Relação do Porto, de 14-03-1973, in BMJ 226, pág. 279. Com efeito, embora reconhecendo que “Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados”, ou seja, se ele “se encontrava ou não privado de uma vontade sã”, reconhece, igualmente, que o ónus da prova dos factos demonstrativos de tal estado recai sobre o interessado na anulação.

E acrescenta-se em tal aresto, a propósito do artº 2199º: “Estamos perante uma questão de direito: que o testador se encontrava, ou não, incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade, é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados.”

E acrescenta: “A capacidade de testar é dos problemas mais difíceis de apreciar e muito em particular se, como acontece muitas vezes, o testador já morreu”, devendo aplicar, neste caso, o princípio “in dúbio pro reo”.

A Ré provou que, apesar de tais problemas e da sua idade, a testadora estava perfeitamente consciente e capaz, de compreender o sentido daquilo que neles declarou e de livremente exprimir e fazer prevalecer a sua vontade ou, pelo menos, conseguiu contraprovar, nos termos do artº 346º, CC, os factos objecto da prova produzida pela autora de modo a torná-los duvidosos.

Ora, cremos, e salvo o devido respeito, estar-se aqui não só perante insuficiência de fundamentação como também de falta de pronúncia sobre factualidade relevante. A sentença recorrida, além da vaga indicação dos diversos meios de prova, nenhuma referência é feita aos concretos elementos deles colhidos nem ao modo como e à medida com que foram valorados por si ou conjugadamente.

Tal sucede quanto aos diversos documentos sujeitos a livre apreciação, não se mencionando as razões por que foram valorizados ou desvalorizados em ordem à convicção formada. Relativamente à matéria dada como não provada, embora se diga que a convicção do tribunal assentou nos “elementos probatórios já indicados” (indicação que se cinge praticamente à sua nomeação), e “no facto de as testemunhas que a tal propósito depuseram apresentarem uma versão inverosímil face às regras da experiência comum”, não se aborda que versão foi essa nem as razões por que foi considerada não plausível nem, ainda, quais as regras da experiência que teriam baseado tal juízo. A experiência comum à generalidade das pessoas – adquirida em circunstâncias similares às tidas por certas no presente caso – manifesta-se em diversas regras decantadas empiricamente.

Todavia, nada se diz sobre as concretas regras com que o tribunal operou e com que “depurou” todos os demais meios de prova que refere ter conjugado e valorado.

Havendo múltiplos e diversos meios de prova produzidos não se justifica, para tal efeito, como se concluiu pela “falta de prova credível” e “total ausência de prova”.

Apesar, portanto, do notório esforço de concisão, mas face às insuficiências apontadas, cremos que em matéria de prova tão complexa e difícil, de efeitos tão importantes e de elevada sensibilidade para as partes (evidentemente protagonistas de acirrada controvérsia) e a comunidade, as falhas apontadas levam-nos a considerar não estar devidamente fundamentada a decisão da matéria de facto.

Os padrões constitucionais e legais da fundamentação, não sendo evidentemente os de outrora, não se bastam com a indicação do rol dos meios de prova e a afirmação genérica de que foram conjugados, valorados e depurados segundo as regras da experiência, antes exigem a explanação do processo lógico-racional conducente à formação da convicção do julgador de modo a que a mesma possa ser entendida pelos destinatários e pela comunidade em geral e também para que possa ser cabalmente sindicada em sede de recurso e analisada e reapreciada pelo tribunal ad quem em ordem a afirmar-se a sua correcção ou a remediar-se o eventual erro.

Hoje, a fundamentação das decisões judiciais é porventura – à parte a decisão em si – a tarefa mais nobre e mais importante do julgador, maxime, em 1ª instância, a respeitante à matéria de facto. Além de exigência constitucional e legal, é na fundamentação das decisões judiciais que o tribunal colhe a legitimidade e a autoridade para dirimir qualquer pedido controverso ou dúvida suscitada no processo, maxime o conflito entre as partes, e lhes impor soberanamente a sua decisão, por mais que à mesma resistam.

Ora, não nos convencemos, que estes parâmetros tenham sido completa e cabalmente observados e esgotados na sentença recorrida, tornando, assim, insuficiente a sua fundamentação, segundo o critério estabelecido na alínea d), do nº 2, do artº 662º, em conjugação com o disposto no artº 607º, do CPC. Também o Supremo Tribunal de Justiça referiu:

1. O que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto; é a descrição do raciocínio lógico seu condutor, o qual tem a ver, na sua base, com os elementos probatórios produzidos.
2 – Esta norma não obriga o tribunal a descrever “de modo minucioso”, de uma forma exaustiva, perfeita, o processo de raciocínio ou o “iter” lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo raciocínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para, através da sua análise crítica, fixar os factos.”

CV) Assim, atenta a insuficiência de prova, cujo ónus cabia ao Autor, assim como a errónea apreciação das provas pericial, documental e testemunhal:

-Não se concebe como se pode dar como Provado o tema de prova 10 - “A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.”
– quando se extrai do conjunto da prova, claramente o inverso, ou seja, a testadora estava no uso das suas capacidades mentais ao outorgar o referido testamento.
- Todos os factos que foram considerados provados não poderiam conduzir à conclusão dada como provada no tema 10.
- Existe, ainda contradição entre a fundamentação da sentença ao dar como provado o tema 10 e não provado o tema VI.
- Não poderia também a sentença recorrida dar como NÃO PROVADO o tema de prova V
– “A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré”
– já que da prova produzida resultou o inverso.

Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com mui douto suprimento, deverá ser concedido provimento ao recurso nos termos expostos, tudo com as legais consequências, revogando a douta sentença recorrida...”.
*
O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do Recurso.

Apresenta as seguintes conclusões:

As conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado, devendo ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação, equivalendo a falta de conclusões à falta de motivação;
Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado. Infelizmente aquilo que a Recorrente denomina como “conclusões” dificulta de sobremaneira o exercício do contraditório da parte do Apelado. Na justa medida em que a peça processual não delimita, nem circunscreve o objecto do recurso.
A Ré não impugnou a matéria de facto dada como provada sob os artigos 1 a 7, sendo que essa mesma matéria é, por si só e conjugada com a matéria assente sob as alíneas E, G, I, N e O, suficiente para que se dê como provado que, independentemente das capacidades mentais, a testadora não estava em condições físicas e clínicas para outorgar o testamento pelo menos nas 24 horas que antecederam a respectiva celebração, nomeadamente considerando os factos 5, 5ª, 5b, 5c, 6, 6ª e 7.
A Ré não impugnou a matéria de facto dada como provada sob os artigos 1, 2, 8 e 9, sendo que essa mesma matéria é, por si só e conjugada com a matéria assente sob as alíneas A, B, C, D, E, I, J, K, L, M, N, O, P suficiente para que se dê como provado que, independentemente das capacidades mentais, a testadora não estava em condições emocionais e psíquicas para outorgar o testamento pelo menos nas 24 horas que antecederam a respectiva celebração, para mais considerando os factos 5, 5ª, 5b, 5c, 6, 6ª e 7 que descrevem a sua condição física e clínica à data da outorga.
A perícia ordenada nos presentes autos e elaborada por Instituto Público procedeu à análise de todos os documentos, meios de diagnóstico, relatórios médicos e de enfermagem que constam do processo, seja trazidos pelo Autor, seja trazidos pela Ré, tendo concluído que “a examinada não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais, bem pelo contrário, a examinada encontrava-se num estado físico e mental terminal, já que a alegada outorga do testamento ocorreu menos de 24 horas antes do óbito, estando a examinada em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade”, sendo que “esta afirmação não reflecte uma probabilidade mas sim uma constatação: a constatação de que a examinada se encontrava em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade.”
A perícia afasta a hipótese, após análise clínico-psiquiátrica, de nas 24 horas anteriores à morte da examinada ter capacidade, nem que fosse acidental, para ter consciência do acto que estava a celebrar, sendo que “Nestas circunstâncias clínicas, o estado de confusão mental agrava-se exponencialmente até ao momento da morte”.
No período de tempo em apreço, a examinada padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava, com certeza absoluta, no pleno gozo das suas faculdades mentais”
Quando os relatórios médicos dos dias 3, 6, 8 e 9 de Janeiro de 2014 fazem constar que a doente “nega” ou “refere” isso não permite concluir que a testadora falava com consciência do que dizia do seu estado de saúde.
9 Pelo que nas 24 horas anteriores (que abrange o dia 10 de Janeiro) à sua morte (que ocorreu às 7h do dia 11 de Janeiro) “a testadora padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava, com certeza absoluta, no pleno gozo das suas faculdades mentais”, pelo que bem andou o tribunal ao dar como provado o tema de prova 10 alicerçado na prova pericial (Relatório Inicial e Esclarecimentos posteriores).
10 Nas consultas psiquiátricas a testadora evidenciou as suas grandes fontes de preocupação e que lhe motivaram o diagnóstico de síndrome depressivo: o suicídio do filho; o estado de saúde da nora, M. D., e o futuro incerto do neto que estaria, então com apenas 11 anos de idade, muito perto de ficar sozinho no mundo. Sem pais e sem avós.
11 Na véspera do seu falecimento e em ambiente hospitalar (no Hospitalar de Guimarães onde se encontrava uma vez mais internada desde 29 de Dezembro de 2013), foi outorgado pela Sr.ª D.ª M. M. testamento em favor da cuidadora, isto quando os avós do Hugo, para além da idade avançada, já há muito lidavam com problemas de saúde graves (conforme resulta do depoimento de C. M.), mas que, mesmo sabendo dessa condição, não celebraram, em devido tempo, qualquer testamento em favor da beneficiária.
12 A testadora era analfabeta e não tinha (muito particularmente no contexto complexo da situação emocional e de saúde que atravessava), como nunca teria tido (sendo tal reconhecido por todos), capacidade para, por si, exprimir a sua vontade de forma verdadeiramente autónoma. Porquanto passou toda a sua vida na sombra do marido, mesmo quando tinha saúde.
13 Entre os falecidos avós, M. M. e Arnaldo e o menor havia uma forte relação afectiva ”pelo que em virtude dessa forte relação afectiva com o seu único neto, o menor Hugo, é incompreensível que a testadora pudesse concretizar qualquer acto susceptível de prejudicar o seu único neto e descendente e entregando a um terceiro, “para aí um quarto do património dos falecidos”, ainda para mais no cenário de incerteza em que ficava o neto.
14 Constata-se pela leitura dos múltiplos documentos hospitalares relativos a sucessivas consultas, internamentos hospitalares, exames complementares de diagnóstico, que a Sr.ª D.ª M. M. se encontrava indiscutivelmente numa situação de saúde muito precária e de acentuada fraqueza, física e psíquica, registando um crescente e acelerado agravamento da sua situação clínica que culminou com a sua morte, porquanto para além de sofrer de doença oncológica particularmente grave e com rápida evolução, envolvendo Leucemia Mieloblástica Aguda por transformação leucémica de mielodisplasia, apresentava ainda diversos outros problemas de saúde (alguns deles consequência daquela doença, mas não menos relevantes), como sejam hipertensão arterial, colite ulcerosa, diabetes iatrogénica, retinopatia leucémica.
15 Uma TAC crânio-encefálica realizada em 05 de Setembro de 2013, havia revelado já “leucoencefalopatia microvascular isquémica crónica”, conforme resulta de fls._ e conforme é referenciado em sede de relatório pericial de fls._ que evidencia problemas ao nível cerebral que reduz as capacidades cognitivas da testadora.
16 Assinala-se, já em Setembro de 2013, num outro documento do Centro Hospitalar do Alto Ave (do Serviço de Imagiologia e datado do dia 10 deste mês) “períodos de desorientação e amaurose fugaz”, sendo ainda diagnosticada retinopatia leucémica com diminuição da acuidade visual cujo prognóstico depende da patologia subjacente (leucemia).
17 Acresce ainda que nos registos clínicos efectuados em 31.12.2013 (início do último internamento) e 11.01.2014 (data da morte) e no que se refere à avaliação do nível e consciência da testadora no âmbito da aplicação da Escala de Glasgow (destinada a proporcionar uma avaliação clínica do estado de inconsciência e, eventualmente, de coma) se assinala continuamente encontrar-se numa situação de “confusa”, o que clinicamente significa que a doente respondia a questões colocadas, mas que o fazia de forma desorientada e confusa a questões básicas.
18 Sendo que em anotação do dia 10.01.2014 (dia do testamento), se refere já explicitamente nos registos clínicos “palavras inapropriadas”, o que significa um inequívoco agravamento do nível de consciência.
19 Em 16 de Outubro de 2013, assinala-se em registo de consulta de psiquiatria que não tinha sequer “a real percepção do seu problema de saúde”
20 Também em documento prévio do Centro Hospitalar do Alto Ave, de 27 de Setembro de 2013, se refere o facto da Sr.ª D.ª M. M. apresentar “labilidade emocional marcada” e, nesta altura, ainda não tinha sucedido a morte do marido, que veio a ocorrer no mês seguinte... .
21 Constata-se pela análise da documentação médica, que a Sr.ª D.ª M. M., se encontrava também fortemente medicada tomando, entre outros, medicamentos anti-inflamatórios, antihipertensores e antidiabéticos, mas também antidepressivos e ansiolíticos (Alprazolam e Sertralina), os quais comprovam o estado de labilidade emocional em que se encontrava, acrescendo que toda esta medicação é também susceptível de interferir e condicionar a própria capacidade emocional, como resulta do próprio relatório pericial.
22 O relatório pericial é bem claro quando refere que a testadora, nas 24 horas anteriores à outorga do testamento, estava “medicada com corticosteroides” que “podem causar alterações do humor, insónia e agitação e outra sintomatologia psiquiátrica”.
23 No dia 9 de Janeiro de 2014 (véspera do testamento e antevéspera da morte), a testadora apresentava anemia sintomática, náuseas, cansaço, não tolera dieta, dor abdominal, está ansiosa, astenia marcada com dificuldade em completar frases, renitente à alimentação com ingestão, sob insistência vomita em náusea de novo; abdómen sem dor à descompressão, edemas, arritmia, com sopro sistólico; foi colocada sonda naso gástrica para alimentação, por volta das 18h e apresentou uma resposta confusa (14 na escala de Glasgow).
24 No dia 10 de Janeiro de 2014 (dia do testamento e véspera do óbito declarado às 7h15m do dia 11), mantém anemia sintomática, iniciou quadro de hematémeses (vómitos de sangue) e melenas (fezes com sangue digerido tipo borra de café), pouco colaborante (o que evidencia a inexistência do instinto básico de sobrevivência e a incompreensão do seu estado de saúde), astenia marcada com dificuldade em completar frases, descorada e pálida (o que desacredita o depoimento das testemunhas que chegam a dizer que estava “formidável”), apresentava coágulos na orofaringe e na boca, edemas maleolares (membros inferiores) e edemas nas mãos (mãos e dedos inchados o que releva até para a colocação do dedo no testamento), transfusão de três unidades de plaquetas (por estado hemorrágico sistémico), manteve ininterruptamente sonda nasogástrica.
25 Estes registos constam do diário médico de fls._ e resultam de avaliação efectuada pelos médicos pelas 8h da manhã, ou seja, os registos que constam no dia 10, são registos que resultam de avaliação efectuada logo na manhã desse mesmo dia 10 de Janeiro, pelo que na manhã do dia 10 (dia da outorga do testamento) já a falecida estava naquele dramático e terminal estado de saúde.
26 Neste dia – e nos anteriores - estava recomendado RAL, ou seja, repouso absoluto no leito (pelo que a própria outorga do testamento contraria esta recomendação e talvez explique porque o ato testamentário não foi percepcionado pelos profissionais de saúde envolvidos, como resultou do depoimento supra).
27 Nesse dia 10 regista-se ainda um afundamento progressivo do estado de consciência. Na verdade, a esse nível, encontram-se os seguintes registos: Hora do Registo Dia Avaliação Escala de Glasgow 2h28m 10.01.2014 Confusa 14 13h35m 10.01.2014 Palavras Inapropriadas 13 16h48m 10.01.2014 Conhecimento não demonstrado 01h37m 11.01.2014 Conhecimento não demonstrado
28 Resta ainda acrescentar que estes registos não são uma fotografia do estado do doente à data em que são inseridos no sistema, mas uma avaliação do período em que um determinado enfermeiro esteve a seguir a doente, no caso em concreto, a enfermeira Elsa ao registar que às 13h35m o paciente evidenciava “palavras inapropriadas” estava com isso a significar que durante o período que mediou a sua entrada no serviço (8h30m do dia 10 de Janeiro) e a hora do registo (13h35m) esteve naquele estado, ou seja, a falecida M. M. já nem conseguia responder a perguntas básicas, como nome, data de nascimento, onde estava, apenas acenava com a cabeça, não era capaz de contrariar, tinha um discurso confuso e inapropriado.
29 No dia 10 de Janeiro de 2014 em que foi outorgado o testamento, a testadora no período compreendido entre as 8h30m da manhã (data da entrada da enfermeira ao serviço) e as 13h35m foi avaliada como exprimindo “palavras inapropriadas” e com o grau 13 na escala de Glasgow; no período compreendido entre as 13h35 e as 01h37 foi avaliada como “conhecimento não demonstrado”.
30 O Testamento, acompanhado por Notária, foi outorgado durante o dia 10 de Janeiro de 2014, sempre depois das 10h da manhã, conforme depoimento prestado pela Sr.ª Notária.
31 As testemunhas Nuno V., Emília e Elsa confirmam que não é compatível a outorga de um testamento por alguém que esteja no grau 14 da Escala de Glasgow, dado o estado de confusão.
32 A testemunha C. M. tem reservas quanto à capacidade de outorgar testamento por alguém que esteja no grau 14 da Escala de Glasgow;
33 As testemunhas Nuno V., C. M., Emília e Elsa confirmam que não é compatível a outorga de um testamento por alguém que esteja no grau 13 da Escala de Glasgow.
34 A prova documental e testemunhal referidas supra reforçam a prova pericial, pelo que facilmente se evidencia que bem andou o Tribunal ao dar como provado o ponto 10 dos temas de prova, ou seja, que “M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se exprimir livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento”.
35 Durante os dias 9/10 de Janeiro de 2014 houve um “afundamento progressivo da consciência” (relatório pericial de fls._), que durante o dia da outorga do testamento oscilou entre palavras não apropriadas e não demonstração de conhecimento (conforme registos da Escala de Glasgow constante de fls.227), que “nestas circunstâncias clínicas o estado de confusão mental agrava-se exponencialmente até ao momento da morte o que afasta a hipótese de no momento da outorga do testamento a examinada ter capacidade, nem que fosse acidental, para ter consciência do ato” (relatório pericial de fls._).
36 Face ao exposto facilmente se compreende o motivo pelo qual o Tribunal deu como provado o tema de prova 10, ou seja, que “M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento”. Em conformidade bem andou a decidir como decidiu não ocorrendo qualquer erro de julgamento.
37 A Apelante pretende desacreditar a perícia com base em alegações por si produzidas e que lhe foram já esclarecidas em sede de instrução e em prova testemunhal que não poderá abalar a natureza da prova pericial e dos conhecimentos técnicos que se lhe exigem
38 A perícia contraria a Recorrente e esclarece que “no período de tempo em apreço, a examinada padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava, com certeza absoluta, no pleno gozo das suas faculdades mentais”, sendo que “Esta afirmação não reflecte uma probabilidade mas sim uma constatação: a constatação de que a examinada se encontrava em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade”.
39 O artigo 2199º do Código Civil regulamenta especificamente a determinação da anulabilidade do testamento feita por quem se encontrava incapacitado, motivo pelo que as exigências definidas pelo artigo 257º do CC não têm aplicação no caso concreto, desde logo pelo facto de o testamento constituir um negócio jurídico unilateral, como refere o acórdão que a Ré cita em seu favor.
40 A Ré confunde a prova por parecer pedido pelas partes, com a prova pericial que é efectuada por perito nomeado pelo Tribunal e que, no caso concreto, foi emitido por Instituto Público.
41 A Ré questiona a perícia, mas sem que se conheça quais as razões que levam a Ré a questionar a possibilidade da realização da perícia, isto quando a prova foi admitida por despacho de fls._ não houve reacção e foi a própria Ré que suscitou à Perita diversos e sucessivos pedidos de esclarecimento.
42 A Ré alega e questiona, mas não abala por um momento que seja o relatório pericial, nem refere um único argumento tecnicamente fundado que permita abalar, obnubilar ou ensombrar as conclusões periciais, pois querer abalar a perícia com prova testemunhal de pessoas que terão apenas “conhecimento comum” não se afigura como a metodologia adequada ao fim pretendido pela Ré.
43 Entende a Ré – sozinha e sem acompanhamento técnico – que da documentação constante nos autos não poderia o Tribunal ter dado como provado o ponto 10 dos temas de prova, sendo certo que toda a documentação que se encontra nos autos foi devidamente analisada por perita em psiquiatria forense nomeada pela Delegação do Norte do INMLCF I.P..
44 Não se percebe onde a sustenta a sua afirmação de que a testadora não padecia de problemas psíquicos quando lhe foi diagnosticada labilidade emocional, síndrome depressiva foi objecto de acompanhamento psiquiátrico no Hospital de Guimarães (sem que tivesse impugnado em recurso esta matéria) e quando o relatório pericial refere que nas 24 horas anteriores à data do falecimento “a examinada padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava, com certeza absoluta, no pleno gozo das suas faculdades mentais”.
45 Não se percebe onde a Ré sustenta a sua afirmação de que a testadora não estava no dia 10 de Janeiro com sonda nasogástrica quando os documentos evidenciam que a sonda nasogástrica não foi retirada, a enfermeira que assistiu na manhã do dia 10 confirma a sonda e que alimentou e medicou a testadora pela sonda e que a auxiliar de acção médica confirmou que a sonda permaneceu durante o período da tarde.
46 A Ré continua a sua batalha com recurso a argumentos imaginários. Para o efeito, recorre de forma insistente ao depoimento do Sr. Dr. C. M., mas nele vê o que mais ninguém viu pois esquece de referir que o mesmo manifestou reservas à capacidade de alguém outorgar testamento com um grau 14 na escala de Glasgow e disse mesmo que com um grau 13 era incompatível.
47 Resta acrescentar e relembrar o que disse a enfermeira Elsa (que efectuou o registo no dia do testamento): “a avaliação que colocou de acordo com a Escala de Glasgow às 13h35m reflecte não só aquele momento, mas sim todo o período da manhã”, pelo que facilmente se conclui na manhã daquele dia 10 a testadora já estava avaliada com 13 na escala de Glasgow e como apenas proferindo “palavras inapropriadas”, ou seja, como “já não conseguia responder a perguntas básicas, como nome, data de nascimento, onde estava, apenas acenava com a cabeça, não era capaz de contrariar, tinha um discurso confuso e inapropriado”
48 Face ao exposto e pegando nas palavras de C. M., é “incompatível” o grau 13 na escala com a outorga de um testamento. E, de forma clara, era nesse estado que a testadora estava na manhã do dia 10 de Janeiro, dia da outorga do testamento.
49 Entende a Ré que do depoimento da Sr.º Notária não poderia ser dado como provado o ponto 10 dos temas de prova, mas a falta de memória da Sra. Notária e até contradição do seu depoimento com o teor dos registos clínicos, não permitem valorizar o seu depoimento por modo a contraditar as conclusões do relatório pericial.
50 Não pode o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto dada como provada, por o recurso não constituir um novo julgamento, mas apenas um remédio para os erros de julgamento ou vícios da decisão que, no caso concreto, não se verificam, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum.
51 As provas indicadas não impõem sentido diverso da decisão do Tribunal e consentem na decisão tomada, para mais tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova que implica a total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o Tribunal livre de formar essa convicção, em conformidade com as regras da experiência, nada obstando a que a alicerce apenas nalguns deles, contanto que se lhes afigurem credíveis, em detrimento de outros.
52 A motivação da decisão de facto da sentença é linear, clara, crítica e compreensível relativamente às razões que levaram à selecção da matéria de facto provada e não provada, tendo o Tribunal de 1ª Instância feito uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram essa selecção, que revela uma análise crítica das provas que serviram para fundamentar a sua convicção em obediência aos mandamentos constitucionais, ou seja, uma prova totalmente reconduzível a critérios objectivos e susceptível de controlo.
53 É jurisprudência constante dos Tribunais superiores que a circunstância de constar do testamento, lavrado por Notária, que foi feita a sua leitura e a explicação do seu conteúdo à testadora não faz com que a capacidade desta esteja abrangida pela força probatória plena daquele documento autêntico, tanto porque apenas ficam plenamente provados os factos que nele se referem terem sido praticados pela entidade documentadora ou que nele são atestados com base nas suas percepções, mas já não os meros juízos pessoais do documentador (371 nº1 do CC)
54 Quer a Notária, quer as testemunhas que acompanharam a outorga, são pessoas sem formação para poderem avaliar cientificamente da capacidade de discernimento de alguém que se encontra em situação clínica e emocional tão instável, conforme resulta da matéria de facto provada.
55 No testamento os meros juízos pessoais do documentador ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador.
56 Do testamento de fls.70-71, consta tão só que “Foi feita a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo à testadora”, pelo que não apenas uma eventual atestação da capacidade da testadora não teria força probatória plena como, no caso concreto, tal atestação não integra sequer o documento autêntico.
57 Assim os factos cobertos pela força probatória plena do testamento outorgado a 10 de Janeiro de 2014 limitam-se a que no dia 10 a Notária deslocou-se ao Hospital de Guimarães; que a identidade da testadora foi verificada por bilhete de identidade (que depois, e por averbamento, se verificou que afinal a testadora até era portadora de cartão de cidadão); que declarou querer fazer o testamento pela forma que indicou; estiveram presentes duas testemunhas.
58 Para além disto, nada mais fica a coberto da força probatória plena, nomeadamente que a testadora estivesse com capacidade de entender o sentido da sua declaração e que tinha o livre exercício da sua vontade, pois essas circunstâncias são apenas o juízo pessoal do documentador a que se refere a parte final do nº 1 do artigo 371º do CC e que será de livre apreciação pelo julgador.
59 Sendo certo que que nenhuma referência se vislumbra do testamento em crise como tendo sido percepcionado pela Notária, sobre a capacidade de a testadora entender o sentido da sua declaração e sendo ainda mais certo que no decurso do seu depoimento a Sr.ª Notária sempre se refugiou no abstracto, não se lembrando ou recordando do concreto.
60 É absolutamente incompreensível, e sintomático do estado de confusão, que a Ré impugne a decisão do Tribunal quanto ao ponto V dos factos não provados tendo em conta a forma como estava configurado o tema de prova.
61 É absolutamente incompreensível que a Ré pretenda dar como provado que M. M. demonstrava ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré quando a enunciação dos temas da prova delimita o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria pertinente para a causa.

Termos em que deverá julgar-se improcedente o presente recurso, com as legais consequências”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões (tanto quanto é possível sintetizar, face às deficiências das conclusões que mais à frente se referirão), questões que aqui importará apreciar:

I- vício de nulidade apontado no artigo 615º, nº 1, c) do CPC:

- Existe contradição entre a fundamentação da sentença ao dar como provado o ponto 10 (tema de prova) e não provado o ponto VI da matéria de facto não provada.
*
II- Vicio de nulidade da sentença, em virtude de se verificar insuficiência de fundamentação, segundo o critério estabelecido na alínea d), do nº 2, do art. 662º, em conjugação com o disposto no art. 607º, do CPC.
*
II. Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem:

-considerar-se não provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como provados no ponto 10 (tema da prova) da sentença;
-considerar-se provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados no ponto V dos factos não provados da fundamentação de facto.
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III. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela(s) Recorrente(s), a presente acção tem de proceder.
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Questão colocada pelo Recorrido:

- saber se o recurso deve ser liminarmente rejeitado, por falta de apresentação de conclusões.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“Com interesse estão provados os seguintes factos:

a. No dia 9 de maio de 2003 nasceu Hugo, registado como filho de Manuel e de M. D.
b. São avós paternos do menor Hugo, Arnaldo e M. M..
c. No dia 23 de Setembro de 2013 faleceu Manuel, pai do menor, no estado de casado com M. D..
d. No dia 30 de Outubro de 2013 faleceu Arnaldo, avô paterno do menor, no estado de casado com M. M..
e. No dia 11 de Janeiro de 2014, pelas 7h15m faleceu M. M. avó do menor Hugo, no estado de viúva de Arnaldo
f. No dia 13 de Março de 2014 faleceu M. D., mãe do menor, no estado de viúva de Manuel
g. A causa da morte da M. M. foi “leucemia miebolástica aguda por síndrome miolodisplásico”
h. Por sentença de 17 de Novembro de 2014, proferida no Tribunal da Comarca de Braga, Instancia Central de Guimarães, 3ª secção Família e menores –J1 foi instituída tutela e nomeado tutor ao menor Hugo, Agostinho.
i. No dia 10 de Janeiro de 2013 em ambiente hospitalar foi outorgado o testamento pelo qual a testadora, M. M. “ Institui sua herdeira testamentaria, Maria, solteira, maior, nascida na freguesia de (...), deste concelho, onde reside na Rua da Escola (…) à qual deixa a parte da sua quota disponível necessária para que em partilha com o restante herdeiro da testadora, lhe sejam adjudicados os prédios sitos na União das freguesia de (...) e (...), concelho de Guimarães, inscritos na matriz urbana sob os artigos 495, 491 e 393, e na matriz rustica sob o artigo (...) (bens que, entre outros, se encontram em comunhão hereditária por óbito de seu marido Arnaldo).

Assim o outorgou.

À testadora fiz eu notária a leitura deste acto e a explicação do seu conteúdo, na sua presença e das testemunhas F. T., (…), e B. R. (…), pessoas cuja identidade verifiquei por exibição respectivamente dos (…) A testadora não assina por não o poder fazer como declarou.”
j. Ao tempo da celebração do testamento a Ré era a cuidadora da testadora.
k. A testadora esteve internada no hospital de Guimarães nos períodos compreendidos entre
- 2 de Setembro até 2 de Outubro de 2013,
- 13 a 26 de Outubro de 2013,
- 14 a 26 de Novembro de 2013
- 10 a 11 de Dezembro de 2013
- 29 de Dezembro de 2013 até 11de Janeiro de 2014
l. Em 12 de Setembro de 2013, durante o internamento ocorrido entre 2 de Setembro até 2 de Outubro de 2013, foi diagnosticado à testadora leucemia mieloide aguda.
m. Anotação clínica de 16.10.2013, no registo de consulta de psiquiatria na qual consta que M. M. não tinha a real percepção do seu problema de saúde.
n. Em 29 de Dezembro de 2013 a testadora foi internada com anemia sintomática
o. A M. M. padecia em 29.12.2013 de hipertensão arterial, colite ulcerosa, diabetes iatrogénica e retinopatia leucémica;
p. Luís, médico psiquiatra no Hospital do Alto Ave, EPE atestou no dia 4 de Novembro de 2015 que viu a M. M. nos dias 16 de Outubro num internamento de medicina interna e 13 de Novembro de 2013 em consulta “apresentava um síndrome depressiva em contexto de situação familiar complicada suicídio do filho e neoplasia da nora. À data da última observação encontrava-se psicopatologicamente estável. Estava medicada por psiquiatria com Sertalina 100mg/d e Alprazolam 25 mg/d.” – fls. 130/131-169
*
Da instrução da causa provaram-se os seguintes factos (por referência à numeração dos temas de prova):

1 (tema de prova) Em Setembro de 2013 os falecidos Arnaldo e M. M. contrataram a Ré para cuidadora de ambos.
2 (tema de prova) A falecida M. M. foi a duas consultas de psiquiatria no Hospital do Alto Ave, EPE respectivamente em 16 de Outubro num internamento de medicina interna e 13 de Novembro de 2013.
5 (tema de prova) A falecida M. M. no dia 29 de Dezembro foi trazida ao serviço de urgência para lá do referido em o) por quadro de astenia e dificuldade na marcha com agravamento progressivo, referência a náusea e anorexia mas sem emese efectiva.
5.a Apresentava cefaleias frontais e estava colaborante, desorientada no tempo, mas orientada no espaço com discurso coerente (15 na escala de Glasgow) foi (transfundida com 3 UGRs e 6 unidades de plaquetas).
5.b No dia 31.12. apresentava-se vígil, desorientada, pouco colaborante; 14 na escala de Glasgow, manteve-se confusa no dia 1.01.2014 (14 na escala de Glasgow)
5.c. No dia 2.01.2014 tinha anemia sintomática, astenia com cefaleias, consciente colaborante e orientada; apresentava resposta confusa (14 na escala de Glasgow) que se manteve inalterada até (07.01 às 21,00 hora a que apresentou 15 na escala de Glasgow) regressando ao estado de confusa às 03.04” do dia 8 estado que manteve até 8.01.2014 às 15,25h (hora a que se apresentou orientada). Nesse dia 8.01.2014 pelas 18,20h apresentava-se confusa (14 na escala de Glasgow).
6 (tema de prova) A 9.01.2014 a M. M. apresentava anemia sintomática, náuseas, cansaço, não tolera dieta, dor abdominal, está ansiosa, vígil, consciente e colaborante, com astenia marcada, com dificuldades em completar frases, renitente à alimentação com ingestão sob insistência vomita em náusea de novo. Teve alta orientada para UCC (unidade de cuidados continuados). Foi-lhe colocada SNG (sonda naso gástrica para alimentação) apresentou uma resposta confusa (14 na escala de Glasgow)
6a No dia 10.01.2014 anemia sintomática referindo-se que no dia anterior foi colocada a SNG (sonda naso gastrica), iniciou quadro de hematémeses (vómitos de sangue) e melenas (fezes com sangue digerido tipo borra de café). Apresentava-se vígil, consciente e pouco colaborante. Astenia marcada, com dificuldade em completar frases. Descorada, pele pálida. Apresentava pequenos coágulos na orafaringe e na boca. Ligeiros edemas maleolares e edemas nas mãos. Foi programada a remoção da SNG (sonda naso gástrica). Transfusão de três unidades de plaquetas (por estado hemorrágico sistémico). Afundamento progressivo do estado de consciência (pelas 02,28h do dia 10.01.2014: confusa, escala de Glasgow 14; pelas 13,35h do dia 10.01.2014 palavras inapropriadas, escala de Glasgow 13; pelas 16,48h do dia 10.01.2014 conhecimento não demonstrado; pelas 01:37h do dia 11.01.2014: conhecimento não demonstrado; pelas 07,00h do dia 11.01.2014: ausência de sinais vitais.
7 (tema de prova) A falecida M. M. era medicada com prednisolona 20mg/dia, pantoprazol 40mg/dia, calcium D 1 comprimido por dia, alprazolam 0,25mg à noite, hidroxizina 25mg 8/8h, metformina850mg antes do pequeno-almoço, calcitriol 0,25ug/dia, sertralina25mg+0+50mg, carvedilol 6,25mg, salfolak 500mg
8 (tema de prova) O Hugo residiu desde o seu nascimento com os falecidos pais.
Entre os falecidos avós, M. M. e Arnaldo e o menor havia uma forte relação afectiva.
9 (tema de prova) Foi a Ré quem contactou as testemunhas presenciais da outorga do testamento que são seus amigos e que o contacto para o exterior eram efectuados através da Ré.
10 (tema de prova) A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do acto de testar no momento da outorga do testamento.
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Não se provaram os demais factos concretizadores dos temas de prova a saber:

I. A Ré, após a morte do marido da M. M., de Arnaldo, em 30 de Outubro de 2013, passou a impedir ou dificultar os contactos da M. M. com familiares
II. A M. D., nora e mãe do Hugo a partir da morte de Arnaldo não conseguiu contactar em privado, e a sós, com M. M..
III. Nos primeiros internamentos e enquanto ainda demonstrava conhecimento e consciência, a M. M. lamentou-se por diversas vezes às auxiliares do Hospital referindo a falta de carinho e afecto que demonstrava para consigo, queixando-se da pouca ajuda que lhe prestava para as tarefas para que tinha sido contratada.
IV. A M. M. fez uma proposta de trabalho que reiterou nos internamentos hospitalares a que esteve sujeita e enquanto tinha autonomia psíquica para que substituísse a Ré na sua função de cuidadora a uma das auxiliares que a acompanhava no Hospital
V. A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré.
VI. Que a medicação tomada pela M. M. era considerada forte, com contra-indicações ao nível psíquico.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
Comecemos por analisar os vícios de nulidade de sentença que a Recorrente imputa à decisão recorrida.

Entende a Recorrente que a sentença sob recurso seria nula com os seguintes fundamentos:

I- vício de nulidade apontado no artigo 615º, nº 1, c) do CPC:

- Existe contradição entre a fundamentação da sentença ao dar como provado o ponto 10 (tema de prova) e não provado o ponto VI da matéria de facto não provada.
*
II- Vicio de nulidade da sentença, em virtude de se verificar insuficiência de fundamentação, segundo o critério estabelecido na alínea d), do nº 2, do art. 662º, em conjugação com o disposto no art. 607º, do CPC.
*
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 615º do CPC.
Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada (1).

Neste sentido, o Prof. Antunes Varela (2) salienta que “…não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário …”.
Estas distinções são importantes porque, no caso concreto, a Recorrente invoca, nos dois tipos de situações que fundamentam a sua pretensão recursiva (nesta parte da sua peça processual), argumentação que não contende com o vício de nulidade que invoca.

Comecemos por apreciar a primeira questão atrás enunciada:

Nesta situação, a Recorrente, embora faça apelo à existência de uma nulidade da sentença prevista na al. c), do art.615º do CPC, na verdade o que invoca é a existência de um “vício da decisão sobre a matéria de facto”, ou seja, a existência de uma alegada contradição entre os factos que refere serem alegadamente incompatíveis entre si.

Como já se referiu, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 615º do CPC.

Uma das causas de nulidade da sentença aí previstas decorre da constatação de que os fundamentos apresentados estão em oposição com a decisão (ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) (al. c)).

Esta (primeira) situação que vicia a sentença de nulidade bem se compreende que exista e que tenha o efeito legalmente previsto, pois os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão têm que funcionar, na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário.

Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo esta última consequência lógica daquelas.

Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.

Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pela Recorrente é patente, a nosso ver, que o sobredito vício não existe.

Com efeito, ponderados de forma conjugada todos e cada um dos fundamentos de facto e de direito invocados na sentença proferida alcança-se, de forma clara e linear, que a decisão proferida colhe perfeito apoio lógico na argumentação ali avançada.

Ora, sendo assim, como é, estamos em crer, e assim o julgamos, que não existe qualquer contradição na sentença proferida, pois que a sua decisão decorre logicamente das suas premissas argumentativas e da interpretação do quadro legal aplicável, sendo ela absolutamente clara quanto a essa interpretação e aplicação do regime legal, ainda que possa essa sua aplicação ser discutível.

Significa, portanto, que a decisão em apreço não sofre da alegada contradição entre os fundamentos nela expostos e a decisão final nela contida (bem pelo contrário), assim como não sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade, sendo ela clara e linear quanto à interpretação e aplicação do regime legal convocado e quanto ao seu sentido decisório.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais alongadas considerações, julga-se improcedente a arguida nulidade da sentença.

Julga-se, no entanto, que o que a Recorrente pretende invocar como fundamento do seu recurso não era a referida nulidade, mas sim como expressamente invoca “a existência de contradição entre os factos provados e os não provados” nos termos em que identifica nas suas alegações (e conclusões).

Nesta situação, como já decorre do exposto, estamos perante a invocação de um “vício da decisão sobre a matéria de facto” que não contende com a referida nulidade.

Além disso, essa invocação também não se confunde com o chamado “erro de julgamento”.

Ou seja, importa ter em atenção que, nesta parte, a impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente, não se funda na indicação de meios probatórios que conduziriam a uma decisão dos aludidos pontos no sentido propugnado (“erro de julgamento”), mas sim na invocação de que o citado ponto 10 dos factos provados seria contraditório com a matéria de facto considerada como não provada no ponto VI (“vicio da decisão sobre a matéria de facto”).
Importa verificar, pois, se se pode dar razão à Recorrente quanto a essa factualidade contestada.

Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:

10. A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do acto de testar no momento da outorga do testamento”
*
E como factos não provados:

VI. Que a medicação tomada pela M. M. era considerada forte, com contra-indicações ao nível psíquico.”
*
Entende a Recorrente que esta matéria de facto é contraditória, o que significará que entende que o Tribunal Recorrido não podia ter dado, ao mesmo tempo, como provados os factos referidos em 10, e, por outro lado, como não provados, os factos constantes do ponto VI da matéria de facto não provada.

Conforme se referiu, o Recurso da Ré, visando a impugnação da matéria de facto, não tem, neste ponto, por objecto a reapreciação da prova produzida em sede Audiência Final.

Na verdade, o que, no fundo, a Recorrente pretende é que seja reponderada a “resposta” positiva dada ao ponto 10 da matéria de facto, tendo em consideração que a mesma se encontraria em contradição com os factos dados como não provados no ponto VI (e vice-versa).

Importa ver se assim é.

Segundo o Prof. Alberto dos Reis (3) “…as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado …”.
Trata-se, como se disse, de patologias que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, consubstanciam antes vícios da decisão da matéria de facto.

Com efeito, a decisão sobre a matéria de facto pode conter em si deficiências ou incongruências que resultam da simples concatenação dos diversos pontos da matéria de facto, as quais podem ser, aliás, apreciadas oficiosamente pelo presente Tribunal nos termos do art. 662º do CPC.

De qualquer forma, “verificado algum dos referidos vícios, (…) esta (a Relação) poderá supri-los, desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos que o Tribunal a quo se fundou, situação que se revelará agora mais frequente, atenta a obrigatoriedade da gravação das Audiências.

Em concreto, a superação da contradição pode derivar da prevalência que deva ser dada, por exemplo, a certo elemento constante do processo dotado de força probatória plena (v.g. documento autêntico, acordo da parte, confissão) ou por via da conjugação com outros segmentos da decisão ou com a matéria de facto que já deveria considerar-se provada…” (4).

Como já referimos em cima, julga-se que, neste ponto, a pretensão da Recorrente dirige-se justamente a apontar este tipo de vício na decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido (5).

Importa, pois, ponderar a sua argumentação, tendo em conta, obviamente, a fundamentação aduzida pelo Tribunal Recorrido, no que concerne ao julgamento de facto que efectuou.

Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se constata existir qualquer contradição no julgamento da questionada matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância- designadamente, aquela que a Recorrente aponta como existente.

Na verdade, não existe qualquer incongruência entre os factos que o Tribunal Recorrido considerou como provados no ponto 10 da matéria de facto provada e os aludidos factos do ponto VI considerados como não provados.

Com efeito, não se constata que as “respostas” dadas a cada um dos pontos, que a Recorrente aponta como contraditórios, tenham esse vício.

Na verdade, a matéria de facto (provada e não provada) mostra-se plenamente congruente entre si, não existindo qualquer contradição entre a mesma.

Com efeito, o que ficou provado no ponto 10 (que a testadora não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do acto de testar no momento da outorga do testamento) não é contraditório com o ponto VI da matéria de facto não provada (não se provou que VI. a medicação tomada pela M. M. era considerada forte, com contra-indicações ao nível psíquico”.).

Na verdade, a factualidade que foi considerada não provada é apenas uma das alegações que haviam sido aduzidas pelo Autor como indiciárias (facto instrumental) da incapacidade da testadora.

Mas não se provando essa factualidade, nada impede que, por outras vias probatórias e factuais, se alcance aquela conclusão, sem que tal possa estar impedido pela não prova do aludido facto (que, como se disse, não é incompatível, só por si, com a conclusão a que se chegou no ponto 10 dos factos provados).

Não existe, assim, qualquer contradição entre os factos questionados, e, nessa medida, sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede o vício da decisão da matéria de facto invocado.
*
Avancemos para a segunda argumentação da Recorrente.

Trata-se de um fundamento que deduz de uma forma genérica, o que dificulta a compreensão do seu objecto.

Aponta a Recorrente à decisão proferida a “deficiência” de se verificar insuficiência de fundamentação, segundo o critério estabelecido na alínea d), do nº 2, do art. 662º, em conjugação com o disposto no art. 607º, do CPC.

Pretenderá, em última análise, invocar que a sentença será nula por falta ou insuficiência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente nos pontos questionados.

Nesta situação, o vício que a Recorrente aponta à decisão, não é, no entanto, a nulidade a que alude a al. b) do art. 615º do CPC, mas contende, sim, com a invocação da nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação de determinados pontos da matéria de facto.

Como é sabido, e decorre, aliás, do já exposto, uma coisa é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos, de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do citado artigo 615.º nº 1 do CPC).

A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607º, nº 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico da doutrina, nestes casos só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615.º. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (6).
Portanto, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão (7).

Nessa medida, trata-se de uma situação que não se verifica no caso concreto.
Já se a questão colocada é a da falta ou insuficiência da motivação da decisão sobre a matéria de facto, não estamos perante uma nulidade da sentença, mas sim de uma patologia ou vício da decisão da matéria de facto (que não corresponde também a erro de julgamento).

Vejamos, então, em que termos se deve entender como cumprido este dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que inclusivamente tem assento constitucional- art. 205º da CRP.

Como é sabido, o tribunal aprecia as provas sujeitas à livre apreciação do julgador, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

A decisão sobre a matéria de facto controvertida deve reflectir o resultado da conjugação dos vários elementos de prova produzidos na audiência ou em momento anterior.

A decisão da matéria de facto compõe-se de duas partes: na primeira, declaram-se quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados; na segunda, faz-se a análise crítica das provas e especificam-se os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (607º, nº 3 e 4 do CPC).

Por força desta segunda parte, o juiz tem, assim, o dever de indicar, de modo objectivo, as razões que o levaram a dar como provados determinados factos e como não provados outros. Ou seja, tem de analisar criticamente a prova, explicando por que motivo deu mais valor ao depoimento de certa testemunha, por que motivo considerou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, por que motivo achou satisfatória, ou não, a prova resultante de documentos (8).

Segundo o Prof. Teixeira de Sousa (9), “… o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente…”.

Destas considerações resulta, assim, que o tribunal não tem que ser exaustivo na indicação dos fundamentos que o levaram a decidir a matéria de facto em certo sentido.

Na verdade, “… não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da Audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do Tribunal, mas apontar selectivamente, entre as razões que “decidiram”, aquela ou aquelas que tiveram a maior força persuasiva…” (10).

Decorre, pois, do que se acaba de expor que a fundamentação não tem de ser exaustiva.
“Basta que nela se externem, de forma clara e suficiente, os motivos que levaram o julgador a decidir em determinado sentido e não noutro.” (11).

E por assim ser é que se entende que o n.º 4 do art. 607º do CPC não exige que a fundamentação das respostas aos quesitos (a cada um dos factos) tenha de ser indicada separadamente em relação a cada um deles, podendo essa fundamentação ser realizada de uma forma genérica (12).

Por outro lado, se um facto, dado, sem fundamentação, como provado ou não provado, não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência “a posteriori” da fundamentação, em via de recurso, é inútil (13).

Como já se referiu, no domínio do anterior CPC havia uma cisão entre o julgamento de facto e o julgamento de Direito.

E na fase do julgamento de facto, depois de o juiz proferir a decisão sobre a matéria de facto, as partes podiam reclamar contra ela por deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou, ainda, contra a falta da sua motivação (art. 653º, n.º 4 do anterior CPC).

Ora, entendia-se que a falta de fundamentação dava-se quando o tribunal não especificava as razões em que fundara as respostas, podendo dirigir-se à completa omissão de motivação da decisão sobre a matéria de facto, como à falta de motivação quanto a determinados pontos concretos da mesma.

A mera discordância quanto aos argumentos invocados para a formação da convicção não constituía motivo de reclamação (14).

Ora, embora no Novo CPC aqui aplicável, esta fase da reclamação tenha desaparecido, estas considerações não deixam de continuar a ser pertinentes para o que aqui se discute.

Aqui chegados, importa, então, verificar se, efectivamente, pode imputar-se este vício ou patologia à decisão aqui posta em crise- sendo certo que se assim for a consequência será “ (se se tratar de um facto essencial para a decisão da causa) determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Primeira Instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas, ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto…” (15) - art. 662º, nº 2, al. d) do CPC.

Ora, compulsada a decisão sobre a matéria de facto proferida, e a respectiva motivação, pode-se concluir que não existe manifestamente o vício apontado pelo Recorrente.

Na verdade, quanto aos concretos factos considerados como provados e não provados, o Tribunal Recorrido apresentou, de modo objectivo, as razões que o levaram a dar a respectiva resposta a esses factos, tendo apresentado selectivamente os meios de prova que o levaram a decidir nesse sentido.

Na verdade, conforme decorre do teor da decisão proferida o Tribunal fundou a sua convicção na prova produzida (que referenciou de uma forma extensa) e na análise crítica que efectuou da mesma, invocando, de uma forma concreta e lógica, as razões da sua convicção.
Nesta medida, fácil será de concluir que não se verifica o vício apontado.

Com efeito, não temos dúvidas em afirmar que a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido satisfaz integralmente os requisitos dos citados dispositivos legais, na medida em que indica, por vezes de uma forma exaustiva (quando a matéria de facto assim o exigia), não só os concretos meios probatórios, como ainda as razões ou motivos por que eles se tornaram credíveis e decisivos para a formação da convicção do julgador.

Nesta conformidade, considerando-se cumpridas as exigências de motivação dos factos não provados, tem que se concluir necessariamente pela improcedência do Recurso nesta parte.
*
Entremos agora, finalmente, na questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto à impugnação da decisão de facto em sede de recurso e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este tribunal superior.

Explicitando.

Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, nº 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que:

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (16), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;

-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;

- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;

Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.

Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»

Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.

De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.

Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (17), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»

Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (18).
*
O Recorrido levanta a questão de o Recurso dever ser liminarmente rejeitado, invocando que, em bom rigor, a Recorrente não apresentou conclusões.

Alega que se limitou a reproduzir as alegações nas conclusões sem cumprir o objectivo que o legislador teve em vista com esta última exigência processual (19).

Compulsados os autos, julga-se efectivamente que a Recorrente cumpriu, de uma forma muito deficiente, o ónus que sobre ela recaía de apresentar conclusões (art. 639º, nº 1 do CPC).

No entanto, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, apesar daquelas graves deficiências, não se pode aceitar que a consequência dessa irregularidade formal possa constituir fundamento para uma rejeição liminar do Recurso.

Com efeito, como refere o ac. da RP de 26.4.2018 (20) “O ónus imposto na parte final do art. 639º, nº 1, do Código de Processo Civil - da conclusão sintética - deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações”.

Na verdade, as aludidas deficiências poderiam, quando muito, motivar um despacho convite de aperfeiçoamento das conclusões (no sentido de as tornar sintéticas, conforme exige o legislador) - art. 639º, nº 3 do CPC.

Sucede que, apesar de o Recurso da Ré ter sido deficientemente interposto, esse convite não se justifica, já que, como se pode constatar das contra-alegações apresentadas, o exercício do princípio do contraditório, por parte daquele, não se mostra prejudicado.

Nesta sequência, julga-se que, apesar da constatada deficiência, não se torna necessário formular um convite à Recorrente para vir indicar, em termos conclusivos, os fundamentos do seu Recurso, pois que, apesar de tudo, o objecto do recurso está delineado, de forma a ser possível a sua compreensão pelo presente Tribunal (e, como já se disse, pelo próprio Recorrido) (21).

Nesta conformidade, considera-se que não existe fundamento para rejeitar o recurso com esta argumentação (nem se torna necessário formular um convite ao aperfeiçoamento, aqui tendo também em conta o princípio da celeridade (22)) - o que se decide.
*
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões- que, como se referiu, repetem aquelas (?) -, a Ré/ Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, acabando por dar cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, refere a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).

Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Ré/ apelante não concorda, assim, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Quid iuris?

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pela Recorrente, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (23).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (24).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (25).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (26), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (27).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (28).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (29).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (30).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (31), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.

A Recorrente impugna a seguinte matéria de facto, entendendo que o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, defendendo, consequentemente, que devem:

-considerar-se não provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como provados no ponto 10 (tema da prova);
-considerar-se provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados no ponto V dos factos não provados da fundamentação de facto.

Comecemos, então, por apreciar a argumentação da Recorrente quanto à sua pretensão de alterar a decisão da matéria de facto, no que concerne aos referidos pontos pertinentes a essa questão.

Como se pode constatar, a factualidade aqui questionada diz respeito ao preenchimento dos requisitos de afirmação da anulação do testamento previstos no art. 2199º do CC (e, como bem refere o Recorrido, não contende directamente com aplicação dos requisitos estabelecidos no art. 257º do CC).

Avancemos, desde já, quais são esses requisitos para melhor esclarecimento das considerações (fácticas e jurídicas) que aqui estão em jogo.

Como é sabido, o testamento é o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe de todos ou de parte dos seus bens, para depois da morte (art. 2179º, n.º 1 do CC).

É um negócio “mortis causa”, atenta a data de produção dos seus efeitos; um negócio jurídico unilateral e não receptício; um acto individual e pessoal; formal (art. 2204º do CC) e livremente revogável.

Nos termos do art. 2188º do CC, podem testar todos os indivíduos “que a lei não declare incapazes de o fazer”, sendo incapazes os “menores não emancipados e os interditos por anomalia psíquica” (art. 2189º do CC) (32).

A capacidade do testador – que se determina pela data do testamento (art. 2191º do CC) – é a regra; e a incapacidade, a excepção, sendo certo que o testamento feito por incapaz é nulo.
No testamento, o consentimento deve ser perfeito, quer no sentido de ser completamente declarada a vontade de testar, quer igualmente no sentido de a vontade declarada estar em conformidade com a vontade real. Aplicam-se-lhe, além das regras específicas previstas nos arts. 2200º e 2201º do CC, as regras gerais relativas à falta de vontade (arts. 244º a 249º do CC), ou seja, “o consentimento no testamento deve outorgar-se sem vícios na formulação da vontade” (33).

Os interditos por anomalia psíquica são incapazes de testar (art. 2189º, alínea b) do CC) e o testamento feito por incapaz é nulo (art. 2190º do CC); mas, além disso, nos termos do art. 2199º do CC, é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

No primeiro caso, o do interdito, a nulidade funda-se “na presunção de estado ou situação de incapacidade” que a sentença de interdição criou e que persiste “até ao momento em que a interdição é levantada”; o segundo caso, de anulabilidade, já se refere a qualquer causa de incapacidade (falta de aptidão para entender ou falta do livre exercício do poder de dispor) “verificada no momento em que a disposição é lavrada”, um tipo de deficiência “que o artigo 257º considera em relação aos actos entre vivos em geral” (34).

O artigo 257º do CC, acabado de citar, prevê a anulabilidade da declaração feita por quem se encontre em incapacidade acidental (quem, devido a qualquer causa, se encontre acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração ou não tenha o livre exercício da sua vontade), mas quanto falamos de testamento não se exige que o facto seja notório ou conhecido do beneficiário, “… porque agora não há que proteger substancialmente as expectativas de um declaratário, mas prioritariamente preservar a liberdade e a vontade real do testador” (35).

De todo o modo, cabem nas hipóteses previstas por este preceito, além dos casos em que a incapacidade é acidental, pois deriva de estado naturalmente transitório (embriaguez, intoxicação, delírio, ira, etc.), aqueles em que “…um indivíduo, não interdito nem inabilitado, com uma anomalia psíquica, realiza um negócio jurídico, salva a hipótese de o fazer num intervalo lúcido” (36).
*
Expostos os precedentes princípios, debrucemo-nos, então, sobre a situação vertente, no sentido de verificar se, como entendeu o Tribunal Recorrido, a matéria de facto apurada como decorrência da prova produzida, permitia ao Autor ver reconhecida a sua pretensão de anulação do Testamento fundada na incapacidade acidental da Testadora (art. 2199º do CC).

Nesta sequência, importa analisar, então, de uma forma crítica e conjugada, a prova produzida, com o propósito de verificar se o julgamento efectuado pelo Tribunal Recorrido merece as críticas que a Recorrente lhe faz.

Como se referiu, a tarefa do presente Tribunal é a de proceder à valoração autónoma dos mesmos meios de prova que foram produzidos perante o Tribunal Recorrido, de forma a formular sobre eles um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida, procurando, assim, por essa via, encontrar a sua própria convicção sobre os factos concretamente impugnados pela Recorrente.

Ora, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo presente Tribunal, quando se possa concluir, com a necessária segurança, que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e apontam para uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.

Importa, aliás, salientar que, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela Primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Vejamos, então, dentro desta ordem de ideias, quais são as conclusões que se podem retirar de toda a prova produzida (e não apenas daquela que a Recorrente indica).

A Recorrente não concorda com o julgamento do Tribunal de Primeira Instância considerando, em síntese, que:

“-Atenta a insuficiência de prova, cujo ónus cabia ao Autor, assim como a errónea apreciação das provas pericial, documental e testemunhal: -Não se concebe como se pode dar como Provado o tema de prova 10 - “A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do ato de testar no momento da outorga do testamento.” – quando se extrai do conjunto da prova, claramente o inverso, ou seja, a testadora estava no uso das suas capacidades mentais ao outorgar o referido testamento. - Todos os factos que foram considerados provados não poderiam conduzir à conclusão dada como provada no tema 10.
*

Desta resenha das críticas gerais que a Recorrente aponta à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido, quanto ao aludido ponto 10 impugnado, resulta que a Recorrente, sem pôr em causa o conteúdo da fundamentação no que concerne à indicação da prova produzida, questiona que esta possa conduzir ao julgamento de facto realizado pelo Tribunal Recorrido quanto à aludida factualidade.

Nesse sentido, fazendo a sua própria análise crítica da prova produzida, a Recorrente conclui que houve “errónea apreciação das provas pericial, documental e testemunhal” ou, no mínimo, que se verifica “insuficiência de prova, incumbindo ao Autor o ónus da sua prova”, pelo que o ponto 10 da matéria de facto devia ser julgado como não provado.

Sucede que, conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto apresentada, a verdade é que o Tribunal Recorrido ponderou, de uma forma precisa e adequada (afirmação que aqui se faz, sem qualquer margem para dúvidas, após se ter reponderado todas as provas produzidas), qualquer um dos referidos meios de prova a que a Recorrente faz referência, não se podendo, de forma alguma, afirmar, como ela faz, que o Tribunal de Primeira Instância tenha errado no julgamento que efectuou.

Na verdade, decorre da fundamentação da sentença – que a seguir se irá transcrever – que o Tribunal Recorrido, sopesando todos os elementos probatórios que a Recorrente entende que deveriam ser valorados de outra forma, pondera devidamente a força probatória de cada um deles, e afasta a valoração dos mesmos no sentido desejado pela Recorrente, no que concerne ao ponto aqui questionado (que é o que aqui interessa ponderar), pela simples razão de que, pelas razões exaustivamente explicadas pelo Tribunal (e que aqui subscrevemos integralmente) não mereceram credibilidade (37), nomeadamente porque não logram pôr em causa a demais prova produzida (máxime, a prova pericial efectivada nos autos que, como iremos ver, apresentou conclusões inequívocas sobre a matéria de facto aqui em discussão).

Na verdade, conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que determinou a não valoração de parte da prova indicada pela Ré, foi a sua falta de credibilidade, seja quando a mesma foi ponderada de per si, seja quando a mesma foi ponderada de uma forma conjugada entre si e/ou com os demais elementos probatórios produzidos no processo.

Com efeito, no que concerne à factualidade em discussão no ponto 10 da matéria de facto provada, avança-se já que, no caso concreto, não se pode deixar de salientar a importância da prova pericial e da prova documental junta aos autos (elementos clínicos e hospitalares) e ainda dos depoimentos prestados pelas testemunhas que denotaram ter conhecimentos técnico-científicos.
Por outro lado, importa, também, desde já dizer que essa mesma relevância probatória não pode ser atribuída à testemunha Dra. Paula (notária que interveio no Testamento), como mais à frente justificaremos.

Por agora, importa ver, então, a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido, quanto à matéria de facto impugnada (ponto 10 e V dos factos não provados)

Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“…Motivação

A convicção do tribunal assentou na análise crítica do julgamento da matéria de facto, ainda da valoração global da generalidade dos documentos produzidos em audiência em conjunto com a prova testemunhal, destacando-se, ainda, a documentação clínica, diários clínicos, médicos, relatórios de urgências, de internamento, de altas junta aos autos, especificadamente como vai exposto:

-A fls. 274, 272, 203, 205 e 189 referente ao internamento de 2 de Setembro a 2 de Outubro de 2013.
Destacada ainda a referência ao suicídio do filho da M. M. – ocorrido em 24-9-2013 e necessidade da mesma ser vista em psiquiatria.
- fls. 254 verso-169 relatório de consulta externa de consulta de psiquiatria a 13 de Outubro de 2013 informação clinica psiquiátrica a fls. 131
- a fls. 185, 267, 166, 191, 267, 269 193, 170 referente ao internamento de 13 a 22 de Outubro de 2013.
- a fls. 170, 176, 167, 256, 255, 257, 264 referente ao internamente de 14 a 26 de Novembro de 2013
Fls. 180 Relatório de urgência de 10.12.2013, nota de alta a 11 de Dezembro
- fls. 140 a 140 diário medico do internamento de 30 de Dezembro de 2013 a 11 de Janeiro de 2014
Fls. 158 diário clinico em contexto de urgência de 30.12.2013,
162 Relatório de episódio de urgência de 29.12.2013
Fls. 150, 152 nota de alta/internamento, fls. 164, 166
Fls. 156 título de internamento
Fls. 164 – processo de sinalização ao EGA
Fls. 227 clinico
Fls. 239 – informação clinica
246 a 254 prescrição do doente em 30 de 12.2013
Informação clinica e registo informático de consultas no centro de saúde a fls. 78-85 e declaração do médico de família Dr. C. M. a fls. 78 junta com a contestação e a fls. 239
Relatório médico de assistência hospitalar de M. M. a fls.130
Quanto aos demais documentos nos autos:
Certidões de óbito de nascimento a fls. 30, 33, 36, 39, 41, 39
Sentença de fls. 45
Fotocópia do testamento a fls. 49
*
Sumariando a prova produzida:

A ré prestou depoimento de parte.
Admitiu a matéria de facto vertida nos pontos… esclareceu que estava empregada numa fábrica tendo-lhe sido proposto pelo Sr. Arnaldo tomar conta do casal, recebendo como contrapartida 1000 euros mensais, tendo-se despedido.

Referiu ainda a este propósito a ré que sempre ajudou o casal, limpando a casa, deles cuidando e acompanhando-os nas férias, ainda que de forma não remunerada. Foi a menina das alianças no casamento do filho.

Referiu que levou a M. M. a consulta psiquiátrica uma vez Que a M. M. tinha muito apreço pelo seu neto, que gostava de ter em sua casa, mas nem sempre a mãe deixava.
Que os avós viviam no RC e o neto vivia com os pais no 1º andar da mesma casa embora fossem independentes.
Que indicou as testemunhas presentes no testamento por se tratar de amigos do falecido Sr. Arnaldo e M. M. e ser essa a vontade daquele. Que foi o Sr. B. R. quem levou o Sr. Arnaldo aí há uns quinze anos a Coimbra para ser operado. Que a M. M. manteve a vontade do marido. Que foi ela quem estabeleceu o contacto com as testemunhas a quando da feitura do testamento assim como a advogada.
Que o que consta do testamento “ é para aí um quarto do património dos falecidos”.
Que as casas que constam do testamento são aquelas em que vive.
Que a D. M. queria dar-lhe mais. Queria deixar-lhe a casa onde vivia e onde também viviam o menino e a nora e, ela, é que disse que não queria nada disso que a casa era a casa do menino e ela não quis.
*
Nuno V. 58 anos, médico especialista em medicina legal e dano corporal, professor catedrático da Universidade de Coimbra.

De forma objectiva e isenta, referiu ao tribunal que foi procurado pelo tutor do menor Hugo, em 2014, sobre o caso dos autos, tendo-lhe sido facultada a documentação clinica que analisou para apurar se a M. M. estava no pleno uso das suas capacidades ao tempo do testamento.

Firmado o seu depoimento no estudo e análise daquela documentação, com recurso ao saber técnico de que dispõe pela sua preparação e experiencia anteriores, a que somou a idade da testadora os sucessivos internamentos hospitalares, prolongados, próximos entre si, os acontecimentos nos três meses que antecederam o testamento - o diagnostico terminal leucemia aguda em Setembro da testadora, o suicídio do filho, a morte do marido e a doença terminal da nora, a que chamou “sequencia absolutamente dramática”, acrescido do facto de ter sido sempre o marido a tratar de tudo, a testadora ser analfabeta, a outorga do testamento ser feita em ambiente hospitalar, ainda a favor da cuidadora e a morte ter ocorrido menos de 24 de horas depois do testamento, nas condições documentadas clinicamente permitiram-lhe afirmar que a testadora não estaria ao tempo do testamento em condições de perceber o seu alcance.

Mais esclareceu que o estado de saúde da falecida M. M., ao tempo, estava com anemia intensa, com necessidade de transfusões, e os valores da escala de Glasgow, estado «confuso» que manteve ao longo do internamento e a evolução negativa das últimas 24 horas são indicadores de que a mesma não tinha capacidade de perceber o que se passava, ainda que respondesse a perguntas simples e o seu estado fosse consciente e vígil.
*
Dr. C. M., 59 anos médico de medicina geral e familiar, médico no centro de saúde desde 1985/6. Foi médico de toda a família, com excepção da M. D., sendo que o menor Hugo é seu paciente a título particular.

Referiu que sempre ouvir o Sr. Arnaldo dizer que não queria que a nora tratasse deles e que quem deles tratasse ficaria bem de vida.

Referiu a testemunha que não viu a M. M. em ambiente hospitalar, não reconhecendo em ambulatório um quadro psicótico depois do suicídio do filho ou da morte do marido.

Ainda e no que respeita aos valores da escala de Glasgow que consultou no diário clinico da M. M. no dia do testamento, da parte da manhã na EG tinha 14 pontos – com palavras confusas e da parte da tarde apresentava 13 pontos – palavras inapropriadas. Portanto e ainda que desconhecendo a hora da feitura do testamento, se de manhã ou de tarde, referiu a testemunha ter reservas acerca da capacidade da testadora para perceber o conteúdo das suas declarações, assegurando que se foi feito de tarde, não teria condições seguramente, considerando os valores da Escala de Glasgow.

Acrescentou ainda que a SNG conduz a um estado de fraqueza
Também esclareceu que alta clinica para UCC significa que o doente vai para cuidados continuados ou para recuperar ou à espera do que aconteça.
*
Emília, médica de medicina interna desde 1995 no Hospital de Guimarães referiu não conhecer o autor e ter conhecido a Ré na sexta-feira anterior ao dia do julgamento por esta a ter procurado de tarde no hospital – período que destina a consulta, lhe ter perguntado se exercia medicina em consultório particular. Que respondeu perguntando qual a razão da ida ao hospital e a ré lhe declarou saber que ela vinha tribunal depor na segunda-feira e que era ela a cuidadora.

Em face do que a testemunha lhe disse nada ter a falar já que o seu depoimento seria para prestar em tribunal.

Referiu que de concreto pouco se recorda, mas depois de ter sido notificada e esclarecida sobre o assunto consultou a documentação clinica, tendo apurado que a M. M. foi sua paciente, reconhecendo, como sua a assinatura aposta no diário no dia 7 de Janeiro.

Disse que da leitura da documentação clinica da doente, resulta mercê da doença de que padecia, uma degradação do seu estado geral, mais acentuado, nos dias 9 e 10, culminado com o falecimento no do dia 11.

Referiu, que um paciente que apresente valores na escala de Glasgow 14 – palavras confusas e 13- palavras inapropriadas não tem capacidade, pelo menos nos momentos dos registos, para fazer um testamento, uma vez que a escala é já em resultado de questões “elementares” perguntas tais como o “nome” e a “morada”
Que quanto à M. M. em concreto os registos conhecidos do dia 10 de Janeiro (fls. 231) são das 02h35 da madrugada e das 13h35.
Que o registo das 13,35 do dia 10.01 corresponderá à evolução do estado do doente durante a manhã como é habitual fazer-se.
Esclareceu que a M. M. no momento do testamento não estaria em condições de fazer o testamento que atento o final – falecimento da M. M. na madrugada do dia 11, seria muito difícil a partir do registo conhecido feito as 2h35 do dia 10 e sequente evolução, registo as 13h35 – notório agravamento, ter mantido uma conversa, de qualquer conteúdo, com a M. M.
Acrescentou a testemunha que a paciente tinha ainda astenia e palidez e sonda naso gástrica.
A propósito da SNG disse que no dia 9 deu indicações para ser retirada, indicação que não foi cumprida dado o agravamento do seu estado de saúde.
Afirmou desta feita, não ter dúvidas que no dia 10 de Janeiro a M. M. tinha colocada uma SNG, que se tivesse sido retirada tinha que constar dos registos, que a mesma é visível, porque um tubo sai do nariz e que não podia ser retirada por quem não tem conhecimento (medico ou de enfermagem) e recolocada.
A respeito da alta clinica no dia 9 (fls. 157) esclareceu que tal não significa a ida para casa do paciente, antes, que a situação que justificou o internamento agudo estabilizou, mantendo-se em casos como estes o internamento.
*
Elsa, enfermeira do Hospital de Guimarães desde 2005

Referiu de forma isenta, objectiva e desinteressada que se recorda da M. M. quer pelos sucessivos internamentos, como pela situação ocorrida durante um internamento – suicídio do filho e que foi falada e do apoio psicológico que teve.

Disse que esteve dois dias de serviço durante o ultimo internamento da M. M. nos dias 5 e 10 de Janeiro, e que o seu estado de saúde se foi agravando, que esteve sempre consciente, mas desorientada e com fala confusa, acabando no dia 9 por ser entubada com a sonda naso gástrica e assim ser alimentada e medicada.

Nos últimos dias a M. M. não tinha autonomia e estava totalmente dependente para tudo, não se mexia, falava com dificuldade e as indicações era para repouso absoluto (repouso absoluto no leito: RAL)

No dia 10 tinha perdas de sangue e as plaquetas muito baixas, pelo que teve de fazer uma transfusão, já não tinha dor, nem expressão de dor e apesar das indicações que tinha recebido para ser retirada a SNG o certo é que no fim do seu turno que foi entre as 9,00 e as 14,00, a médica de serviço, Dra. Glória decidiu manter considerando o seu estado.

Nesse mesmo dia a falecida M. M. já nem conseguia responder a perguntas básicas, como nome, data de nascimento, onde estava apenas acenava com a cabeça, não era capaz de contrariar, tinha um discurso confuso e inapropriado

Esclareceu que a avaliação que colocou de acordo com a Escala de Glasgow às 13h35 reflecte não só aquele momento, mas sim todo o período da manhã.

Disse ainda a testemunha que a M. M. foi nessa manhã pela testemunha alimentada e medicada e em momento algum foi retirada, a sonda, (SNG) esclarecendo que esta tem um tubo a partir do nariz de cor azulada e com 20 cm para o exterior.
*
Carla, 44 anos auxiliar de acção médica no hospital de Guimarães desde Dezembro de 2009 em suma,

Referiu de forma desinteressada que se recorda da M. M. por ter estado internada por diversas vezes e durante um dos internamentos ter sido informada pela equipa medica que o filho se tinha suicidado importando uma vigilância mais apertada.

Referiu que ficaram mais íntimas e que a D. Maria lhe chegou a propor cuidar dela em troca de 1000 euros que durante o internamento de Dezembro esteve em repouso absoluto no leito (RAL).

Deixou de comer começou cada a dia ficar mais fraca, não se mexia, não tomava banho, não se levantava e passou a ser alimentada por sonda (SNG), e dado ao seu estado de fraqueza nem foi necessário prender as mãos, o que habitualmente fazem para os pacientes não tirarem a SNG.
Referiu que esteve de serviço no dia 10 de Janeiro, na sexta-feira antes da D. Maria morrer entre as 14 até às 22h, teve de a mudar várias vezes de posição porque tinha coágulos de sangue na boca e já não conseguia terminar frases, muito menos manter conversa.
*
Paula, 42 anos notária e disse conhecer a ré por ser a beneficiária do testamento e ter requerido inventário por falecimento da M. M. que corre no seu cartório aguardando o desfecho do julgamento.

Referiu que a pedido da mandatária da Ré foi ao hospital fazer o testamento, que tudo foi preparado pela mandatária da Ré um ou dois meses antes tendo-se arrastado no tempo, porque havia uma questão de direito que não era linear – pretendia-se um legado, mas havia uma comunhão hereditária, assim como os custos a este inerentes.

Pensa que no dia anterior foi marcada a sua deslocação ao hospital, esclarecendo que testamentos em ambientes hospitalares são muitas vezes marcados dum dia para o outro.

Embora sem se recordar em concreto das questões que colocou, disse que a testadora manteve conversa coerente, que não estava entubada, embora acamada, estava capaz de entender o que estava a fazer e de perceber o seu alcance. Que explicou quais os prédios do testamento a partir das cadernetas prediais.

Enquanto esteve com a testadora esteve sempre presente a mandatária da Ré, estando lá, também, embora sem certeza se no momento da outorga estava presente, a beneficiária, que referiu ser recorrente em situações como a dos autos.

Disse que foi a própria que pegou no dedo da testadora, e que é sempre assim, porque só a notária é que sabe como colocar o dedo por forma a evitar imprecisões.

Referiu não ter sido informada da medicação que a testadora tomava, sequer que tinha tido transfusões de sangue no dia, sendo que não viu coágulos de sangue na boca da mesma.
*
Olívia, doméstica tia-avó do menor Hugo, cunhada da falecida M. M., referiu de forma desinteressada que conhece a Ré desde que foi contratada pelos cunhados para os ajudar devido à doença destes.

Referiu nunca ter visto a Ré até então, e não se ter apercebido dum especial cuidado da parte daqueles para com a Ré.

Disse ainda que quando soube do internamento da M. M. em Dezembro foi visitá-la ao hospital por duas vezes, sendo que da segunda vez, um dia antes do seu falecimento, a enfermeira já não permitiu a visita, por o estado de saúde se ter agravado.

Disse desconhecer desentendimentos entre a família e que todos se davam bem.

Por fim disse que enquanto a Ré esteve a cuidar da M. M. nunca mais conseguiu estar com a sua cunhada.
(…)

Fernando, 76 anos industrial reformado, residente em (...) desde 2009, testemunha do testamento

Depôs que conhecia a Ré por ser convidada de casa do Sr. Arnaldo, com quem manteve contacto nos últimos cinco anos e que a Ré sempre cuidou do casal desde pequena.

Que a D. Maria lhe disse em vida que queria deixar aquelas casas à Maria, vontade que o Sr. Arnaldo também lhe tinha manifestado um ano antes de morrer, mas que não chegou a concretizar, disse a testemunha, “porque morreu de repente de desgosto”
Disse que, depois da morte do Sr. Arnaldo a D. Maria esteve bem de saúde e ainda ia ao campo, dizendo para sustentar a sua afirmação, que inclusive lhe chegou a “oferecer pencas”.

Por fim e no que respeita ao dia 10 de Janeiro, disse que o testamento foi às dez da manhã e que a D. Maria estava muito bem, não tinha sonda colocada, que falou com a testemunha, com quem manteve uma conversa e percebeu tudo o que ali se passou e que foi ao encontro da sua vontade, tendo ficado surpreendido com o seu falecimento no dia seguinte, ate porque, segundo disse, era do seu conhecimento que tinha tido alta mas não tinha ido para casa porque faltava uma cama articulada.

Disse que a D. Maria deixou 5 ou 6 casas à Maria, e uma delas é onde vive, tendo pago as rendas à Maria porque munida de procuração para o efeito passada pela D. Maria.
*
B. R., 71 anos, camionista padrinho de baptismo da Ré, testemunha do testamento:

Referiu que conhecia o Sr. Arnaldo e a D. Maria por serem convidados para as festas em casa da Maria e da sua família, para as quais era também convidado
Disse que o testamento foi às 10 da manhã e que quando chegou ao hospital estabeleceu uma conversa com a D. Maria que logo o reconheceu e que sabia que tinha tido alta no dia anterior, tendo ficado surpreendido com o falecimento no dia seguinte.
Disse que foi a Sra. D. Maria, “A M. quem pôs o dedo”, nem sequer precisou de ajuda “estava de boa saúde, bonita, não estava pálida, e falava bem”.

(…)
Da valoração e análise crítica da prova
I
O relatório pericial, conjugado com a demais prova, motiva as respostas dadas pelo Tribunal aos pontos 6, 6a e 10 da matéria de facto, porquanto:

Na valoração da perícia, o tribunal, ponderou que, se por um lado, incide directamente sobre factos que no caso demandaram especial aptidão técnica e científica, sendo a sua subscritora habilitada com essa preparação técnica, por outro lado, tendo presente que tendo este exame sido efectuado pelo I. M. L entidade que nos termos da Lei 45/2004 de 19.08 - artigo 2º nº 1, tem um cariz marcadamente público, oferece, por isso, uma credibilidade associada a presumida imparcialidade e competência, que este tribunal não pode deixar de ter em conta.

Acresce que «o regime do princípio da imparcialidade dos juízes é aplicável aos peritos, como já afirmado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos acórdãos Brandstetter v. Austria (28-08-1991, § 44 da versão inglesa) e Bönisch v. Áustria (§§ 30 a 33)» In julgar nº 15.

Ora,
A perícia médica post mortem levada a cabo pelo IML refere que considerou a “ informação médica e registos de enfermagem respeitantes ao período de 24 horas que antecederam a morte da examinada a fls. 229, 231 e 232: medicada com corticosteroides (…) transfusão de três unidades de plaquetas (por estado hemorrágico sistémico) apresentava hematemeses (vómito com sangue) e melenas (fezes com sangue digerido). Afundamento progressivo do estado de consciência (pelas 02,28h do dia 10.01.2014: confusa, escala de Glasgow 14; pelas 13,35h do dia 10.01.2014 palavras inapropriadas, escala de Glasgow 13; pelas 16,48h do dia 10.01.2014 conhecimento não demonstrado; pelas 01:37h do dia 11.01.2014: conhecimento não demonstrado; pelas 07,00h do dia 11.01.2014: ausência de sinais vitais.

Da análise pormenorizada dos registos clínicos (…) dos resultados dos exames auxiliares de diagnóstico nomeadamente da TAC cerebral realizada e da avaliação clinica e do estado de consciência da examinada em fase terminal de leucemia (afundamento do estado de consciência com discurso incoerente, estado hemorrágico generalizado com anemia gravíssima) é possível afirmar que a examinada não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais, bem pelo contrário a examinada encontrava-se num estado físico e mental terminal já que a alegada outorga do testamento ocorreu menos de 24 horas antes do óbito estando a examinada em fase de confusão mental e sem conhecimento da realidade.

O simples facto de ser analfabeta supostamente não saber assinar e existir apenas no documento em causa uma impressão digital aposta esclarece-nos também que não foi necessário qualquer acto ou expressão voluntária motora, que pudesse ter exigido qualquer assomo de lucidez ou determinação”.

Posteriormente e na resposta a pedidos de esclarecimentos consta do relatório respectivo fls. 298: “ a análise clinico psiquiátrica de todos os registos clínicos constantes das peças processuais (…) afasta a hipótese de no momento da outorga do testamento a examinada ter capacidade nem que fosse acidental para ter consciência do acto”. (…)

E bem assim:
“Da análise pormenorizada dos registos clínicos constantes de peças processuais” (…) é possível afirmar que a examinada não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais, bem pelo contrário a examinada encontrava-se num estado físico e mental terminal já que a alegada outorga do testamento ocorreu menos de 24 horas antes do óbito estando a examinada em fase de confusão mental e sem conhecimento da realidade.” Esta afirmação não reflecte uma probabilidade mas sim uma constatação: a constatação de que a examinada se encontrava em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade”

(…)
Nestas circunstâncias clinicas o estado de confusão mental agrava-se exponencialmente até ao momento da morte (…)
No período de tempo em apreço a examinada padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava com certeza absoluta no pleno gozo das suas faculdades mentais”.

Os sublinhados constam do relatório pericial, que não teve qualquer dúvida na afirmação, de que, a falecida M. M., nas 24 horas, que precederam o seu falecimento, se, encontrava num estado de confusão mental sem capacidade de conhecimento da realidade.
*
O relatório pericial foi reafirmado pela testemunha Nuno V. 58 anos, médico especialista em medicina legal e dano corporal, professor catedrático da Universidade de Coimbra que, no seu depoimento, firmado na análise a que procedeu dos relatórios clínicos da testadora depôs, que a mesma não teria capacidade de avaliar e entender o conteúdo do testamento.

Também o Dr. C. M. e Dra. Emília sustentam o teor do relatório pericial no seu depoimento, nomeadamente, ao terem referido que uma avaliação da escala de Glasgow de 14 -palavras confusas ou de 13 palavras inapropriadas significa que o doente não está capaz de entender o significado dos actos tendo a Dra. Emília feito referencia à evolução negativa do estado da doente a partir das 02,00 h do dia 10.01 e ao facto do registo das13,35h ser normalmente o resultado da apreciação pelo pessoal de enfermagem, desses parâmetros, durante toda a manhã.

Ainda reforçou a prova pericial o depoimento da enfermeira Elsa que esteve de serviço à enfermaria da testadora no dia 10, entre as 9,00 e as 14,00h e foi quem procedeu aos registos. Esclareceu que a avaliação que colocou nos registos, de acordo com a Escala de Glasgow às 13h35 reflecte não só aquele momento, mas sim todo o período da manhã.

Estes depoimentos do pessoal clinico e de enfermagem, foram prestados de modo isento e objectivo, e por se tratarem de detentores de uma especial preparação técnica, que no âmbito das suas funções profissionais, mantiveram contacto com a situação dos autos, mereceram ao tribunal a credibilidade

Foram conjugados ainda com o depoimento da auxiliar de acção médica Carla que esteve de serviço no dia 10 de Janeiro, na parte em que esta que confirmou a progressiva degradação física e mental da falecida nesse dia.

Por outra(o) lado,
A Sra. Notária no seu depoimento não contribuiu para pôr em causa aquelas conclusões periciais, reforçadas pela prova testemunhal referida, mesmo abonando o seu depoimento de uma especial presunção de verdade.

Nada ficou a constar do testamento quanto à percepção dos factos e do que não ficou a constar, que é o objecto da discussão, a Sra. Notária não se lembrava dos concretos contornos da situação.

Não foi capaz de repetir sequer que perguntas colocou à testadora acerca do conteúdo do próprio testamento, nem tão pouco as que colocou para aquilatar da sua real capacidade para testar, sequer das respostas da testadora.

Não se lembrava do que em concreto a levou a concluir que os prédios do testamento eram reconhecidos pela testadora e por isso correspondentes à vontade daquela e por ela compreendidos.

Donde que, e não obstante a especial credibilidade que, em principio, a simples presença de notário, e respectiva conduta legalmente prevista na feitura dos testamentos oferece quanto à percepção da capacidade dos testadores, no caso concreto, essa percepção decai, perante não só a falta de memória da Sra. Notária, cujo processo de, e modo como chegou ao convencimento não ficou por si, esclarecido, mas também da demais prova produzida nomeadamente a documental e pericial, com a qual o seu depoimento não condiz.

Releva ainda, neste contexto de análise, que a Sra. Notária afirmou que a testadora não estava com sonda naso gástrica, o que contradiz os documentos clínicos de fls. 147 confirmados pelos testemunhos Dra. Emília, Enfermeira Elsa e auxiliar Carla que estiveram em contacto com a testadora no dia, a Dra. Emília no dia anterior.

Donde que a falta de memória da Sra. Notária, e até contradição do seu depoimento com o teor dos registos clínicos, não permite valorizar o seu depoimento por modo a contraditar aquelas conclusões do relatório pericial.

Tão pouco a convicção firmada pelo tribunal foi abalada pelo facto de não ter sido possível estabelecer a hora concreta da feitura do testamento.

O estado da falecida M. M., apresentava-se «confuso» desde pelo menos as duas da manhã do dia 10.01 e evoluiu para a degradação do estado de consciência a partir das 13h35 e nas horas que se lhe seguiram até à morte, 07h15 do dia 11 de Janeiro.

Efectivamente quanto ao exacto momento em que o testamento foi outorgado a Sra. Notária, não se lembrava da hora da sua feitura e as testemunhas do acto (Fernando e B. R.) que afirmaram ter sido mesmo celebrado às dez da manhã, mercê das contradições do seu próprio depoimentos, viram a sua credibilidade fragilizada.

Acresce que a testemunha B. R. declarou ainda que foi a Dra.. D. Maria, “A M. quem pôs o dedo”, “nem sequer precisou de ajuda”, em manifesta contradição com a própria Sra. Notária - que depôs, ter sido, ela mesma, a pegar no dedo da falecida testadora para colocar a impressão digital no documento (como sempre faz em tais casos).
Já a testemunha Fernando afirmou que depois da morte do Sr. Arnaldo, a D. Maria esteve bem de saúde e ainda ia ao campo, dizendo para sustentar a sua afirmação, que inclusive lhe chegou a “oferecer pencas” enquanto, a tia da ré, Fernanda depôs que “em Novembro de 2016 a falecida M. M. saia pouco de casa, apenas para ir ao medico e já há cerca de um ano que não fabricava o campo”.

Sem provas complementares firmatórias do que pelas testemunhas B. R. e Fernando foi dito, não foram, por tais razões, os seus depoimentos suficientes para convencer o tribunal da hora do testamento e, menos ainda, para no contexto global colocarem em dúvida mínima, que seja, a prova pericial.

As demais testemunhas nada de relevante aditaram a esta matéria perguntada nos pontos 6, 6a e 10 da matéria de facto.

(…)
Quanto aos factos não provados esta valoração resulta de, por um lado a prova positiva que sobre os mesmos foi trazida à audiência não ter sido suficientemente esclarecedora, seja porque foi posta em causa por outros depoimentos também prestados em audiência, tais como os factos I e II, de não ter sido confirmada pelos demais depoimentos prestados, como é o caso do ponto III, IV e V, este último infirmado pela testemunha C. M., médico de família da falecida e que conhecia a Ré, e também as enfermeiras Rosa e Dulce do centro de saúde que conheciam a falecida e a Ré.
Nenhuma prova foi feita quanto ao ponto VI dos factos não provados. (…) ”.
*
Aqui chegados, e ponderando, tal como se nos impõe, novamente todos os meios de prova produzidos no processo, e tendo-se procedido à ponderação dos depoimentos prestados (que, aliás, as partes transcreveram, no essencial, nas suas alegações), não se pode deixar de concordar integralmente com a fundamentação que antecede, já que a mesma corresponde exactamente à convicção que o presente Tribunal pode formar na sequência da ponderação dos aludidos meios de prova.

Com efeito, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.

Senão vejamos.

Em primeiro lugar, importa ter aqui em atenção o que, de uma forma uniforme, tem sido afirmado pela Jurisprudência quanto à questão que aqui é levantada.

Assim, a título exemplificativo, tem sido o seguinte o entendimento jurisprudencial que vem sendo seguido:

- ac. do STJ de 11.4.2013 (relator: Gabriel Catarino) cujo sumário é o seguinte:
“ (…) Incumbindo ao autor provar os enunciados fácticos constantes da sua alegação inicial e que levariam à conclusão de que o testador foi conduzido pelos demandados a prestar uma declaração para que não estava, psíquica e espiritualmente, apto e capaz e para a qual não tinha plena consciência, pela situação de demência inerente à doença que lhe havia sido diagnosticada há mais de dois anos e que se expressava com evidência nos actos comportamentais quotidianos que lhe eram observados pelas pessoas que lhe eram mais próximas, verifica-se que o comportamento dos demandados, na concitação de um profissional e a marcação da feitura do testamento para um cartório notarial distante da terra de onde era natural, indicia, ainda que de forma mediata, que os demandados usaram de disfarce e barganha para induzirem o testador na declaração testamentária.
VI - Ocorrem, no caso, os requisitos de que a lei faz depender o uso de presunções hominis ou naturais, tais como a certeza de factos, a precisão ou univocidade e a pluralidade e concordância, de modo a que a coerência estabelecida para o conjunto da prova produzida justifica o método presuntivo utilizado.
VII - Como tal, o tribunal não estava impedido de recorrer ao meio de prova presuntivo e, ao fazê-lo, não infringiu as regras deste tipo de prova, nomeadamente, as de logicidade interna e coerente das inferências que extraiu dos factos directamente provados.
VIII - O sujeito que se dispõe a concretar um acto jurídico deve, no momento em que o materializa, estar na plenitude da sua capacidade de perceber, entender e ditar sobre as consequências, efeitos e alcance do acto que vai realizar.
IX - A verificação ou validação de um estado de incapacidade impeditiva de perceber e entender o alcance de um acto jurídico, em que se expressa e pretende dispor de valores e bens do respectivo património, conleva uma questão de direito a ser extraída e dessumida dos factos que vierem a ser dados como provados.
X - Ao invés do que acontece nas situações de anulação da declaração negocial conformadora de um acto ou negócio jurídico, em geral, por incapacidade acidental, em que a lei exige que “o facto seja notório ou do conhecimento do declaratário” (art. 257.º, n.º 1, do CC), no caso previsto no art. 2199.º do CC, a anulação do testamento por idêntica razão – incapacidade acidental – não é exigida essa notoriedade, bastando-se com a prova da existência de um estado de incapacidade natural que seja coeva ou contemporânea do momento em que o declarante emite a declaração relativa à disposição dos seus bens post mortis.
XI - Compete ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes à verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto às consequências decorrentes do acto ditado.
XII - Ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente susceptível de afectar a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer acto de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente.
XIII - Tratando-se de uma doença que, no plano clínico e cientifico, está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portadora deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais.”
- ac. do STJ de 24.5.2011 (relator: Marques Ferreira), in dgsi.pt –onde se refere que:

“I-Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados;
II-O ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;
III-Para efeitos do disposto no artigo 2199 do Código Civil, o essencial é determinar se, no momento da feitura do testamento, o testador se encontrava ou não privado de uma vontade sã;
IV- Se, á data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
V-Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.(38).

- ac. da RC de 30.6.2015 (relator: Jaime Ferreira) onde se refere que:

“Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
VI - No entanto, sempre recai sobre o interessado na anulação o ónus de alegar e provar o estado de doença em período que abrange o acto anulado e que essa doença pela sua natureza e características impede o testador de entender o sentido da sua declaração ou o livre exercício da sua vontade.
VII – A incapacidade acidental, a quando da feitura do testamento, do testador não interdito por anomalia psíquica, pode ser objecto de presunção judicial socorrendo-se o juiz das regras da experiência comum e atendendo à gravidade e evolução de situações de incapacidade anteriormente vividas pelo testador, de modo a inferir-se que ele, no acto da outorga do testamento, não podia entender o sentido nem querer o alcance da declaração manifestada.
VIII - Nos termos do artº 2199º do C.Civil, é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração...
IX - O artº 2199º do C. Civil está relacionado com o disposto no artº 257º do C. Civil (incapacidade acidental), segundo o qual a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável.”
*
É justamente esta a situação do caso concreto, pois que, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, o A. logrou provar – com recurso a meios de prova de cariz técnico-científico - que a Testadora “encontrava-se num estado físico e mental terminal” e que isso significava “não se encontrava no pleno gozo das suas faculdades mentais”, “já que a alegada outorga do testamento ocorreu menos de 24 horas antes do óbito” (v. as conclusões do relatório pericial).

Não há, assim, dúvidas que, na ausência de outra prova com igual força (por exemplo, que no momento da outorga do testamento tivesse sido comprovado também medicamente que a Testadora estava num intervalo momentâneo de lucidez), tal estado físico e mental terminal “afasta a hipótese, de momento da outorga do testamento, a examinada ter capacidade nem que fosse acidental para ter consciência do acto” - como se reiterou, em sede de esclarecimentos, na aludida prova pericial realizada nos autos (fls. 298 dos autos).

Como se esclarece no relatório pericial, tais conclusões foram formuladas através “da análise pormenorizada dos registos clínicos constantes das peças processuais, dos resultados dos exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente do TAC cerebral realizada e da avaliação clinica e do estado de consciência da examinanda em fase terminal de leucemia (afundamento do estado de consciência com discurso incoerente, estado hemorrágico generalizado com anemia gravíssima)”.

Acresce que, como esclarece a Sra. Perita (em Psiquiatria Forense), a referida conclusão “não reflecte uma probabilidade, mas sim uma constatação: a constatação de que a examinanda se encontrava em fase de confusão mental, sem capacidade de conhecimento da realidade “ (sublinhado do próprio relatório pericial- fls. 298).

E conclui os esclarecimentos com a seguinte conclusão:

“No período de tempo em apreço, a examinanda padecia de graves problemas do foro psíquico, uma vez que se encontrava em estado de confusão mental e portanto não se encontrava, com certeza absoluta, no pleno gozo das suas faculdades mentais” “ (sublinhado do próprio relatório pericial- fls. 298).

Aqui chegados, e estando, pois, inequivocamente demonstrada a existência de uma doença do foro psíquico, resulta, assim, das supra citadas considerações jurisprudenciais que incumbia à Ré ilidir aquela presunção judicial (que decorria de um forma inequívoca das regras da ciência e da experiência comum).

No entanto, a Ré não só não logrou demonstrar a factualidade que pudesse ilidir essa presunção, factualidade que, no fundo, passaria pela demonstração de que o testamento teria sido outorgado num momento de lucidez, como viu o Autor lograr demonstrar a factualidade contrária, ou seja que, no momento da outorga do testamento, em consequência da referida doença de que a testadora padecia, esta não tinha capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do ali declarado- e daí a resposta dada ao ponto 10.

Estas conclusões não são contraditadas pela ideia defendida pela Recorrente, no sentido de atribuir ao testamento o valor probatório a ele inerente como documento autêntico, pois que não há que confundir a arguição de vícios da vontade com a arguição da falsidade do documento.

Na verdade, importa aqui ter em atenção qual o sentido do valor probatório do Testamento.

Um documento autêntico, como é o testamento, só tem força probatória plena quanto às acções ou percepções do oficial público no mesmo mencionadas, únicas que, por isso, só podem ser ilididas com base na sua falsidade que, in casu, não se alega, nem se prova.
Em relação aos restantes factos, não cobertos pela força probatória plena do documento – como são os relativos à liberdade da declaração e ao entendimento do seu sentido -, a sua impugnação pode fazer-se, independentemente da arguição de falsidade, pelos meios gerais, visto a lei não estabelecer qualquer norma especial para a sua prova.

Assim, ainda que o testamento alguma coisa referisse sobre a capacidade da testadora, ou que essa capacidade pudesse inferir-se do facto de ter sido admitida a testar, isso não obstaria à prova, pelos meios comuns, da sua incapacidade acidental (39).

Essa foi também a conclusão que o Supremo Tribunal de Justiça apresentou no Acórdão de 13.1.2004 (relator: Reis Figueira), onde se refere que:

“1- Se nas instâncias se provou que a testadora, já com 97 anos à data do testamento, tinha um défice muito acentuado de visão e de audição, se sentia desorientada no tempo, indiferente de si e das outras pessoas e coisas, estava demenciada (com deterioração das faculdades mentais), com ecolalia (repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia), estado este que não lhe permitia compreender o acto do testamento, nem compreender o seu significado; e, mais concretamente ainda: que não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no referido acto (testamento) - a situação corresponde a incapacidade acidental para testar, a gerar nulidade do testamento, no quadro do artº. 2199º do CC, não havendo que falar, concreta ou directamente, em arteriosclerose ou senilidade.

2) O testamento outorgado em escritura pública é um documento autêntico, que faz prova plena quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como quanto aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

3) A afirmação feita pelo Notário no instrumento (escritura de testamento) de que este foi lido e explicado em voz alta à testadora, na presença simultânea de todos os intervenientes, não fornece qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar.

4) E se o Notário tivesse feito constar que a testadora parecia em condições de testar, isso constituiria simples juízo pessoal do documentador, como tal de livre apreciação do julgador.”
*
Também nesse sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão datado de 8.3.2018 (40) onde se concluiu que:
“Relativamente à questão da alegada força probatória plena do testamento quanto à capacidade da testadora no momento da sua outorga por ter sido lavrado por notária, dispõe o nº 1 do art. 371º do CC: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

Interpretando esta regra, é entendimento pacífico que “Não é sempre a mesma a força material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador.” (Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao artigo 371º, da autoria de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).

Vejamos.

No caso dos autos, do testamento de fls. 70-71, consta tão só que “Foi feita a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo à testadora”. Assim, não apenas uma eventual atestação da capacidade da testadora não teria força probatória plena como, no caso concreto, tal atestação não integra sequer o documento autêntico”.
*
É justamente por ser este o valor probatório do testamento, que não se exigia, no caso concreto, a arguição da falsidade do documento, antes podia o A. impugnar os factos não cobertos pelas percepções do Notário pelos meios gerais, como fez.

Por outro lado, importa aqui ainda salientar que, contrariamente ao que defende a Recorrente, nada impede que, na análise crítica da prova, se valorize mais a prova pericial e o depoimento das testemunhas Prof. Nuno V., e dos médicos Drs. Emília e C. M., pela sua razão de ciência- do que o depoimento da testemunha Dra. Paula (Notária), já que, como se referiu, as declarações efectuadas por aquela no instrumento (escritura de testamento) de que este foi lido e explicado em voz alta à Testadora, não fornecem qualquer prova de que a Testadora se encontrava em condições de testar.

Da mesma forma, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, este depoimento prestado pela testemunha Dra. Paula, também não é suficiente para infirmar o aludido juízo médico (pericial), quando declarou que, em momento algum, detectou ou suspeitou da sanidade mental da testadora (mesmo que este depoimento seja conjugado com o depoimento das testemunhas Fernando e B. R. que presenciaram o acto notarial).

A este propósito, e porque a Recorrente parece pôr em causa o valor probatório atribuído à prova pericial, importa constatar que a citação Jurisprudencial efectuada pela Recorrente em abono da sua tese não se mostra correctamente transcrita.

Na verdade, o acórdão citado pela Recorrente refere-se ao valor probatório dos pareceres médicos, e não à força probatória da prova pericial realizada pelo “INMLCF- serviços de Clinica e patologia forenses- unidade funcional de clínica forense” que aqui interveio a solicitação do Tribunal (cfr. págs. 110 e ss. e 306 dos autos).

Com efeito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. Nº 02A4271, de 25- 02-2003 citado pela Recorrente o que ficou dito foi que:

” O relatório médico a que os recorrentes se referem é um parecer de um técnico da especialidade que pode ser junto nos termos do artigo 525º do C. Processo Civil, mas que, como é evidente, é de livre apreciação.

Os pareceres são opiniões doutrinárias, técnicas, dadas por especialistas a pedido da parte a quem interessam e que serão valorados de harmonia com o entendimento que o julgador tiver acerca da temática sobre que versam”.

Ora, a Recorrente, nas suas alegações, alterou a expressão ali utilizada de “relatório médico” para “relatório pericial” o que não podemos aqui deixar de passar em claro (por ser significativo da sua conduta processual).

Evidentemente, o valor probatório de um parecer médico solicitado pela própria parte a um Médico (art. 426º do CPC- prova documental) não tem a mesma força probatória que a prova pericial realizada nos autos e requisitada pelo Tribunal a um “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado”, mais especificadamente aos “serviços médico-legais” ou por “peritos médicos contratados (nº 1 e 3 do art. 467º do CPC) que, de uma forma independente, isenta e imparcial (41), formulam o respectivo juízo técnico-científico sobre o objecto da prova pericial que lhe é apresentado.

Nesta conformidade, pode-se concluir, sem necessidade de mais alongadas considerações, que a argumentação da Recorrente, neste ponto é manifestamente improcedente, pois que não há que confundir as duas realidades probatórias.

Nesse sentido, importa ter em atenção que, atento o seu especial valor probatório, a prova pericial realizada nos presentes autos assume relevância decisiva para a decisão sobre a matéria de facto (como decorre, aliás, dos excertos já atrás transcritos).

Como é sabido, “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam”.

Deste modo, a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” (42).

Assim, a “nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta” (43).

O perito é, assim, uma “pessoa qualificada”, e exerce a sua actividade “sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial”, por isso se afirmando que “o perito maneja uma experiência especializada”, dando ao “juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica”. A sua função é a de “mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados” (44).

Reitera-se, deste modo, que o “traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência” (45).

Aqui chegados, e ficando assim, julga-se, bem delineada a distinção que aqui importa efectuar entre o aludido parecer médico solicitado pela própria parte (sem exercício do contraditório da outra parte) e a prova pericial, cumpre ainda esclarecer a força probatória desta última.

Ora, como decorre do art. 389º do CC a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”; acrescentando o art. 489º do CPC que a “segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”.

Pondera-se, a propósito, que “o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as provas produzidas, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal” (46).

Mas, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Na verdade, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (47).

Ora, é justamente isto que sucede no caso concreto.
A relevância probatória da prova pericial realizada nos presentes autos atinge precisamente este patamar probatório.

Com efeito, a mesma, sendo inequivocamente uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico-científico (médico), pela sua própria natureza, só poderia ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica ou científica e com sujeição aos mesmos métodos de obtenção dos resultados.

Nesse sentido, não podem existir dúvidas que, em face de toda a prova produzida, as conclusões apresentadas no relatório pericial, não só não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova que assumisse aquela natureza, como até foram amplamente confirmadas por igual juízo técnico-científico formulado pela testemunha Prof. Nuno V. - cuja idoneidade técnico-científica, neste âmbito, aliás, é acrescida por serem do conhecimento geral os conhecimentos especializados que o mesmo tem (tanto que desempenhou por vários anos funções directivas do Instituto Medicina Legal) – e pelo depoimento da testemunha médica Dra. Emília (além do depoimento da testemunha médica Dr. C. M.).

Atribui-se, obviamente, maior relevo, pelas razões apontadas, ao depoimento da testemunha Prof. Nuno V. que, a certo passo, esclareceu, de uma forma que se julga clara, o seu juízo técnico-científico sobre a situação dos autos:

“É um testamento, repito, é outorgado em ambiente hospitalar, é outorgado com duas testemunhas, imagino, presumo eu com impressão digital uma vez que a senhora era analfabeta, não sabendo ler, nem escrever, mas o que é aqui particularmente preocupante é que esta senhora vem a falecer menos 24 horas depois de ter outorgado o testamento. O óbito, e eu tive acesso ao certificado de óbito, o óbito está certificado pelas 7 e 15 da manhã, do dia 11 de Janeiro de 2014 e a causa da morte, obviamente, que era a leucemia mieloblástica aguda, por síndrome mielodisplásico. Ora bem, esta é uma situação de facto problemática até porque nós, analisando os registos hospitalares, dos dias anteriores, nós constatamos que a senhora, nomeadamente no dia anterior, e nos dias imediatos anteriores à morte, não estava minimamente em condições de ter alcance para compreender o significado do que este outorga de testamento representava. Isso é absolutamente indiscutível. Aliás…

Advogado: Não tem dúvidas quanto a isso?

Testemunha: Ó senhor doutor… Isso ninguém do ponto de vista médico poderá ter dúvidas nesse aspecto. Basta ler a documentação clinica, aliás, penso que o parecer clínico que foi … (emitido- segundo a transcrição do Recorrido, mas não totalmente audível na gravação) pela colega psiquiátrica do, psiquiatra do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses e que eu não conheço porque já não é do meu tempo, eu deixei o Instituto em 2014, mas está cá bem claro, quer dizer, a senhora com a medicação que tinha, veja que estava com uma anemia intensíssima o que tira até capacidade de resistência à pessoa e capacidade até de pensar, necessitou inclusivamente de transfusão de três unidades com afundamento progressivo do estado de consciência com a escala de Glasgow a cair por ali abaixo, que já na manhã do dia 10, estava a diminuir, já com palavras inapropriadas no próprio dia o que significa que já não estava sequer a pensar, devidamente, obviamente que uma pessoa nestas condições não está em condições de entender o alcance daquilo que está, que está a fazer. Aliás, não é por acaso que existem regras internacionais bem estabelecidas, que eu tomei o cuidado de as trazer, e até alguns artigos nacionais, que estipulam que os cuidados que devem ser tidos quando vamos outorgar testamentos em pessoas que estão em serviços hospitalares e que estão numa fase destas, são chamados testamentos no leito da morte, que exigem um cuidado acrescido para termos a certeza que a pessoa está verdadeiramente em condições de testamentar, notem que a pessoa até pode estar consciente e a pessoa até pode ter algum grau de orientação ou eu posso estar consciente e não ter todavia a capacidade de ter a percepção daquilo que eu estou a fazer, uma coisa é eu estar consciente e estar-lhe a responder, fazer uma pergunta e eu dizer sim, bom dia, e dar respostas, outra coisa é eu estar com a capacidade de raciocinar, de entender e de conseguir apreender o alcance daquilo e do acto que estou a realizar”.
*
(E mais à frente)

Testemunha: Eu agradeço à senhora doutora juíza e direi que obviamente este tipo de situação, com o tipo de medicação em causa, com aquilo que está descrito, com as referências em termos de acréscimo crescente da escala de Glasgow, com todas as alterações e com toda a confusão que existia isso não deixa, aliás, penso que a colega que repito não conheço, foi absolutamente taxativa, isso não deixa qualquer margem de dúvidas, que de facto esta pessoa não estava em condições para tomar uma real percepção do que estava a fazer e do que estava a acontecer, sendo certo, inclusivamente, que a própria medicação, obviamente teria aqui efeitos. Mas deixem-me dizer só mais uma coisa. Eu estava a dizer que hoje do ponto de vista da literatura cientifica está perfeitamente estabelecido quais são as condições que podem afectar e afectar substancialmente, e eu trouxe essas referências bibliográficas, que terei muito gosto em deixar ao tribunal, que podem afectar substancialmente a capacidade de uma pessoa idosa para testamentar e essas situações e esses critérios estão estabelecidos, repito, claramente na literatura cientifica que já deixarei à senhora doutora juíza, aqui uma listagem de alguns desses artigos científicos, são o isolamento da pessoa, uma pessoa que está só, deixou de ter convívio com os outros, as alterações nas relações e na dinâmica familiar, o luto recente, as limitações físicas, doença médica grave ou dependência e regressão e transtornos de personalidade, nomeadamente pela própria doença em si, por medicação, por uma situação de doença grave. Tal como a literatura, também chamo a atenção para os que constituem, as palavras não são minhas, os elementos altamente suspeitos, e cito, de que algo não está bem no contexto de um testamento feito por uma pessoa idosa e que são quando o beneficiário a promover o testamento, o que não sei se terá sido aqui o caso, mas poderá ter sido, quando o conteúdo do mesmo inclui disposições que não são as naturais, o que me parece ser aqui o caso, porque natural é que alguém que ficou com o neto sem progenitores pois tenda a beneficiar o neto, quando o conteúdo desse testamento favorece o beneficiário e quando o conteúdo não está em consonância com desejos que a pessoa tenha expresso anteriormente e sobretudo quando estava com a plenitude das suas faculdades, das suas faculdades cognitivas. Ora, estes parecem-me ser elementos, por aquilo que me apercebi na altura, pelas leituras que fiz, se conjugam aqui todos eles, nesta situação. Mais ainda a literatura chama ainda a atenção para os chamados death will. Death will são os testamentos no leito da morte. E dizem que devem, diz que devem precisamente suscitar a maior precaução, pois são realmente muito os factores que contribuem para tomar o decisor, isto é o testador muito vulnerável, estando de facto a sua capacidade altamente prejudicada para decidir e para entender o alcance daquilo que está aqui em causa. E é por isso que, mesmo cá em Portugal, hoje já há cuidados acrescidos. Eu relembro, por exemplo, e tenho muito gosto em deixar à senhora doutora, trouxe até o artigo impresso, um trabalho publicado num passado relativamente recente por um conjunto de colegas médicos psiquiatras portugueses, até alguns deles membros do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, e precisamente fizeram e publicaram um artigo de revisão sobre os critérios que devem ser tidos nomeadamente até para ajudar os notários que às vezes não têm capacidade de perceber se a pessoa está em condições ou não porque obviamente não têm a formação médica, eu imagino se tenho uma pessoa a quem faça duas ou três perguntas e ela me responde, eu digo bom dia e a pessoa diz-me bom dia, pergunto sente-se bem e a pessoa responde sente-se bem, obviamente que quem não tem formação clínica, médica, não vai ter capacidade de ao ver a pessoa responder, olhe tive até um caso, relativamente recente, em que inclusivamente duma situação, de um doente com alzheimer, que outorga uma escritura e que já estava com alzheimer diagnosticado há dois anos, mas o próprio notário não se apercebeu porque disse bom dia, a pessoa respondeu bom dia, fez-lhe duas ou três perguntas, as pessoas respondem, só que respondem sem terem consciência, uma coisa é responder, estar consciente e responder, outra coisa é ter consciência que é uma coisa totalmente diferente, não é. O estar consciente não significa que eu tenha consciência daquilo que estou a fazer, e portanto nesse caso até foi outorgada uma escritura de um individuo que tinha um alzheimer já há mais de dois anos, sem que o notário, coitado se tivesse apercebido dessa situação. Portanto, estão hoje estabelecidos critérios e critérios que estipulam a necessidade em doentes que estão internados, desde logo, deve haver uma avaliação médica detalhada até independente, se possível, feita por dois especialistas diferenciados, que envolvem um conjunto de testes que estão aqui e que eu vou deixar, depois poderão ler o artigo está em inglês, mas testes neuro-psicológicos, testes de funcionamento, testes no âmbito da psiquiatria forense, testes de performance, que garantam, que tranquilizem, que aquela pessoa não só está consciente, está com consciência, mas está consciente daquilo que está a fazer também e que, portanto garantam que aquela pessoa está em condições de testamentar. Eu até diria o seguinte, eu acho que quem promoveu este testamento, até para sua salvaguarda, se foi a própria beneficiária, mas isso eu desconheço, até para sua própria salvaguarda, sabendo que isto era um testamento que seguramente poderia vir a levantar problemas no futuro, para sua própria salvaguarda, deveria ter pedido que a pessoa tivesse sido examinada antes de celebrar o testamento, para que se pudesse averiguar que estava efectivamente em condições e assim tinha ficado tudo tranquilo. Ninguém poderia pôr em causa o testamento. Dois psiquiatras ou um psiquiatra teria avaliado a senhora, alguns médicos teriam feito uma avaliação clinica e teriam visto se a pessoa estava ou não efectivamente em condições de perceber o alcance do gesto e do comportamento e da decisão que estava a tomar …”.
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Importa dizer ainda que, além destes depoimentos de cariz médico, não se pode também deixar de atribuir relevância aos depoimentos prestados pelas testemunhas Elsa, enfermeira no Hospital de Guimarães e Carla, auxiliar de acção médica no mesmo Hospital, que denotando ter conhecimento directo e pessoal dos factos, em virtude daquelas suas funções, também confirmaram, de uma forma coerente entre si, os factos aqui em discussão.

Nesta conformidade, no âmbito da análise crítica que o Tribunal Recorrido teve de fazer, não há dúvidas que a ponderação da especial força probatória da prova pericial efectuada não pode aqui deixar de ser acolhida (e até reforçada).

Improcede, pois, a argumentação da Recorrente.
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Finalmente, importa dizer que são evidentemente inverosímeis os depoimentos da e das testemunhas Dra. Paula, Fernando e B. R., nomeadamente quando afirmaram que a Testadora conservava as suas capacidades intelectuais e cognitivas, no momento da outorga do testamento, já que tal se mostra frontalmente contrariado pelo juízo credível médico que resulta da prova pericial, da prova documental e dos depoimentos das testemunhas atrás citadas, juízo que, além do mais, encontra apoio no conjunto de factos instrumentais que foram carreados para o processo que, de uma forma lógica, explicaram o agravamento da condição de saúde da Testadora ao longo dos anos, factos instrumentais esses que, aliás, não mereceram contestação dos Intervenientes processuais (suicídio do filho; morte do marido; doença da nora, etc.).

Finalmente, ainda quanto a este ponto, importa dizer que, em bom rigor, esta factualidade que se mostrava vertida no ponto 10 da matéria de facto provada, no fundo, apresenta as conclusões lógicas e resultantes das regras da experiência comum que necessariamente teriam que ser retiradas da anterior factualidade apurada (que não foi impugnada pela Recorrente).

Na verdade, por assim ser, outras conclusões não podiam ser retiradas, no caso concreto, quanto à questão da capacidade da Testadora em querer e entender o alcance do testamento que outorgou.

Com efeito, conforme decorre do exposto, em face da prova produzida, e do conjunto dos factos anteriormente dados como provados, e que constam das alíneas e dos pontos 1 a 9, inequívoco se torna que, no momento da outorga do testamento, em consequência da doença que aquela padecia, a Testadora não tinha (nem podia ter - conforme resulta da aludida factualidade provada) capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do declarado no Testamento.

Nessa medida, bem andou em concluir que:

“10 (tema de prova) A M. M. não se encontrava no pleno gozo das suas capacidades mentais para se expressar livremente ou compreender o alcance do acto de testar no momento da outorga do testamento.”

Improcede, pois, esta parte do Recurso.
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Aqui chegados, resta a pronúncia sobre a matéria de facto constante do ponto 5 dos factos não provados, matéria que contende com o alegado afecto que a Testadora (não) teria pela Ré.

Ora, ficou aí mencionado, como matéria de facto não provada, que a ” A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré”..

Defende a Recorrente que este facto devia ser dado como provado (?) - ou seja, que ficasse provado que ”A M. M. demonstrava não ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré”- o que contrariaria a tese que pretende defender nos presentes autos.

É evidente que se trata de lapso da Recorrente, pelo que se julga que o que a Recorrente pretenderia defender é que devia ficar provado que “A M. M. demonstrava ter especial carinho, afecto ou gratidão para com a Ré”.

Sucede que a factualidade aqui em discussão foi efectivamente alegada pelo Autor nos itens 42º a 50º da petição inicial e, nessa medida, incumbia àquele o ónus de prova dessa factualidade.

Ora, como bem concluiu o Tribunal Recorrido, o Autor não logrou, através dos meios de prova produzidos, fazer prova que a falecida Testadora revelasse falta de carinho ou afecto pela aqui Ré (nomeadamente, nas circunstâncias alegadas na petição inicial, ou seja, que o tivesse revelado em diversas ocasiões às auxiliares do Hospital), nem que - acrescenta-se, tal como alegado na petição inicial- a Ré não tivesse esses mesmos sentimentos por aquela.

Nesta conformidade, tendo em conta as aludidas regras probatórias, inequívoco se torna que não existe qualquer fundamento para alterar a “resposta” dada à (única) matéria de facto que se mostrava controvertida.

Daí que bem andou o Tribunal Recorrido em referir que, quanto a esta matéria, os factos tinham que se considerar como não provados, porque:

“por um lado, a prova positiva que sobre os mesmos foi trazida à audiência não ter sido suficientemente esclarecedora, seja porque foi posta em causa por outros depoimentos também prestados em audiência, tais como os factos I e II, de não ter sido confirmada pelos demais depoimentos prestados, como é o caso do ponto III, IV e V, este último infirmado pela testemunha C. M., médico de família da falecida e que conhecia a Ré, e também as enfermeiras Rosa e Dulce do centro de saúde que conheciam a falecida e a Ré”.

É de manter, pois, a resposta dada pelo Tribunal Recorrido a esta matéria de facto.
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Aqui chegados, tendo-se procedido à análise crítica da prova produzida, e ponderando, de uma forma conjugada, e corroborada os meios de prova acima referidos, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, no que concerne à matéria de facto questionada, mostra-se conforme com a prova produzida.

Na verdade, da conjugação da prova pericial, da prova documental, dos depoimentos acima referidos e dos demais elementos probatórios já atrás mencionados (presunções judiciais incluídas) resulta que, contrariamente ao que pretende a Ré, o Autor logrou provar todos os pressupostos da anulação do testamento atrás mencionados

Acresce que a Recorrente, com a argumentação que apresentou, e com os meios de prova produzidos, não conseguiu pôr em causa esta conclusão, já que não logrou, de uma forma convincente e corroborada, demonstrar que a Testadora, apesar da doença de foro psiquiátrico que inequivocamente padecia, no momento em que outorgou o Testamento “atravessou” um momento de lucidez que lhe permitia compreender e entender o acto que praticou.

De todas estas considerações resulta, assim, que, como concluiu o Tribunal de Primeira Instância, a Ré/Recorrente não logrou efectuar prova dos factos cuja demonstração, nos termos expostos lhe incumbia, pelo que a decisão sobre a matéria de facto se deve manter inalterada.

Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que, no caso concreto, conforme decorre do exposto, o Autor logrou provar a factualidade subjacente à sua pretensão.

Por outro lado, de todas estas considerações resulta que a Ré/Recorrente não logrou efectuar prova dos factos que consubstanciavam as suas alegações, respeitantes à versão negativa dos aludidos pressupostos de anulação do testamento (capacidade de entendimento da falecida no momento da celebração do testamento), pelo que as suas pretensões de alteração da decisão, no que concerne a esta matéria de facto, têm que improceder, com a consequência de a decisão sobre a matéria de facto se dever manter inalterada.

Pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto, é, em absoluto, coincidente com a que formou o Tribunal Recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.

Em consequência, improcede o Recurso nesta parte.
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Finalmente, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.

Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se ponderou, como preenchidos, todos os requisitos da anulação do testamento por incapacidade acidental da Testadora atrás já mencionados.

Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu, onde, de uma forma desenvolvida, se explicitaram os requisitos necessários à procedência da pretensão, requisitos esses que já foram sumariamente explicitados atrás, e cujo preenchimento mostra-se amplamente explanado na sentença de Primeira Instância.

Assim, como emerge da factualidade dada como provada, ficaram demonstrados todos os requisitos da anulação pretendida do testamento, pelo que a decisão de Primeira Instância não merece aqui qualquer crítica.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter integralmente a decisão proferida.

Improcede, também, nesta parte o Recurso interposto.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente;
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Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC);
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Guimarães, 4 de Outubro de 2017

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias

1. V. ac. da RP 19.5.2014 (relator: Manuel Fernandes), in dgsi.pt.
2. In “Manual de Processo Civil”, pg. 686;
3. In “CPC anotado”, Vol. IV, pág. 553;
4. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 262;
5. Como é sabido, no domínio do anterior CPC, havia uma cisão entre o julgamento de facto e o julgamento de Direito. E na fase do julgamento de facto, depois de o juiz proferir a decisão sobre a matéria de facto, as partes podiam reclamar contra ela por deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou, ainda, contra a falta da sua motivação (art. 653º, n.º 4 do anterior CPC). Ora, entendia-se que “ocorria o vício da contradição quando se verificava oposição entre respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e a plataforma da factualidade dada como assente”- Abrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pág. 264.
6. Neste sentido, v. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, vol. V, pág. 140 e Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, pág. 669.
7. Cfr. Antunes Varela, obra citada pág. 670.
8. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, pág. 265;
9. In “Estudos de processo civil”, pág. 348.
10. Azevedo Brito citado por A. Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil”, Vol. II, pág. 242.
11. Henrique Araújo, in “A matéria de facto no processo civil (da petição ao julgamento”.
12. V., por exemplo, Ac. do STJ de 25.03.2004 (relator: Santos Bernardino) in dgsi.pt
13. V. por ex. Ac. do STJ de 14.06.1972, in BMJ 218, pág. 208
14. Abrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pág. 264.
15. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, pág. 266;
16. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
17. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
18. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141.
19. Não é inédita, como se pode ver da Jurisprudência citada pelo Recorrido, a apresentação de conclusões do recurso como uma perfeita cópia ou reprodução formal das alegações, apenas com a especificação prévia de “conclusões”, com evidente e absoluta inexistência de síntese. A Jurisprudência invocada pelo Recorrido não é, no entanto, unânime, pois que, além dessa Jurisprudência que equipara a repetição das alegações nas conclusões à falta de conclusões, existe uma outra forte corrente, com acolhimento nomeadamente no STJ que tem defendido que esta situação (a reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação) não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do CPC- v. por ex. o ac. do STJ de 13.7.2017 (relator: Fonseca Ramos), in Dgsi.pt onde se defende que: “I. As conclusões das alegações que, inquestionavelmente, reproduzem o texto das alegações, dão a conhecer o objecto do recurso – art. 635º, nº 3, do Código de Processo Civil – o que não pode deixar de ser tido em consideração no juízo de ponderação que importa convocar quanto a saber se, por tal procedimento, é como se não existissem. II. A equivalência que o Acórdão recorrido faz, considerando não haver conclusões, pelo facto delas serem a reprodução das alegações, parece excessivo. III. Cumpre ao Tribunal recorrido convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das alegações, assinalando a incorrecção formal que, drasticamente, serviu para rejeitar o recurso”. No mesmo sentido, já se tinha pronunciado o ac. do STJ de 13.10.2016 (relator: Oliveira Vasconcelos), in dgsi.pt.
20. (Relator: Filipe Caroço), in Dgsi.pt.
21. V., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no NCPC”, pág. 132 quando refere que: “…A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades… Parece adequado ainda que o Juiz atente na reacção do Recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras…”;
22. Abrantes Geraldes, in “Recursos no NCPC”, pág. 133: “Em boa medida são frustrantes os resultados que geralmente se obtêm com a prolação de despachos de aperfeiçoamento das conclusões. Acresce que, para além da demora que este percalço determina na tramitação do recurso, a aplicação da sanção legalmente prevista para o seu incumprimento (ou seja, o não conhecimento do objecto do recurso na parte afectada) acabaria por projectar-se na esfera da parte patrocinada”.-
23. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133.
24. V. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
25. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
26. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
27. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
28. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
29. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
30. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
31. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”
32. Quanto a estes institutos da Interdição e Inabilitação, v. as recentes alterações introduzidas pela Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto (que eliminou os referidos institutos), lei que, no entanto, não entrou ainda em vigor- art. 25º.
33. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, I Volume, págs. 175/176.
34. A. Varela/ P. LIma, in “Código Civil Anotado”, Volume VI, pág. 323.
35. Rabindranath Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, pág. 185.
36. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 244, nota 2.
37. “A credibilidade pode ser definida, em termos gerais, como a valoração subjectiva da exactidão estimada das declarações da testemunha. Essa valoração arrima-se em múltiplos factores, nomeadamente atinentes às características do evento, da testemunha, do comportamento desta e do teor das suas declarações…”- Luís Pires de Sousa, in “Prova testemunhal”, pág. 282. Por outro lado, “ a determinação da credibilidade está condicionada pela aplicação das regras de experiência que têm de ser válidas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico…”- ac. do STJ de 14.3.2007 (relator: Santos Cabral), in dgsi.pt;
38. V., ainda no mesmo sentido, Luís Filipe Pires de Sousa, in “Presunções Judiciais”, pág.302.
39. V. por ex. o ac. do STJ de 24.3.2011 (relator: Orlando Afonso), in dgsi.pt.
40. (relator: Maria da Graça Trigo), in dgsi.pt.
41. Como se refere no nº 4 do citado art. 467º do CPC: “as restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenham qualquer interesse em relação ao objecto da causa nem ligação com as partes…”.
42. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil” págs. 262 e 263.
43. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 576.
44. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, págs. 168, 169 e 181
45. Luís Pires de Sousa, in “Prova testemunhal”, pág. 175 e 176.
46. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. IV, págs. 183 e 184.
47. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 262 e 263