Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2137/10.9TABRG-A.G1
Relator: PEDRO MIGUEL LOPES
Descritores: PESSOA COLECTIVA
CONDENAÇÃO
TRANSCRIÇÃO NO CRC
EFEITOS CIVIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCDENTE
Sumário: As pessoas Coletivas não podem requerer, nem o tribunal determinar a não transcrição da condenação no registo criminal, para efeitos meramente civis.
Decisão Texto Integral: 1 – Relatório
Por decisão nestes autos proferida em 16/9/2 016, indeferiu-se pedido da “A., Lda.” no sentido de a sua condenação não constar do C.R.C., para efeitos civis.
É desta decisão que a “A.” recorre, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra:
1. “O despacho recorrido faz uma interpretação meramente literal do art. 13ºda Lei 37/15 de 05/05, o que não é um critério único nem decisivo.
2. A Lei 37/15 de 05/05 não exclui de forma explícita ou taxativa as pessoas colectivas da possibilidade de não transcrição das penas no registo criminal.
3. É adequada a interpretação segundo a qual, o disposto no art. 13º da Lei 37/15 de 05/05 para as pessoas singulares pode ser aplicado às pessoas colectivas.
4. Ao fazer esta última interpretação, que se requer, o tribunal suprirá uma lacuna no texto legal.
5. Para além do argumento literal, nem a lei em causa, nem o despacho recorrido fundamentam justificadamente porque razão estão as pessoas colectivas impedidas de acederem a esta possibilidade da não transcrição de penas no registo criminal.
6. Uma correcta interpretação do art. 13º da Lei 37/15 de 05/05, ao contrário do que resulta vertido no despacho recorrido, concederá às pessoas colectivas o direito de requererem a não transcrição, com base no argumento ou critério subjectivo também previsto no nº 1 do citado artigo, ou seja, a ponderação das circunstâncias em que o crime se cometeu, de forma a avaliar da possibilidade efectiva de não cometimento de novos crimes.”
Por sua vez, o despacho recorrido é do seguinte teor:
“Os arguidos M. F. e A. lda vieram, a fls 1228 e ss, requerer a não transcrição da sentença proferida nos certificados a que se referem os n°s 5 e 6 do art° 100 da Lei n° 37/2015, de 5/05.
Alegam para tanto, em síntese, que os autos não evidenciam qualquer perigo da prática de novos crimes, tanto mais que mostraram sincero arrependimento, confessaram os factos e colaboraram na descoberta da verdade.
O MP promoveu o indeferimento da não transcrição da sentença quanto à sociedade arguida e nada opôs ao requerido relativamente aos restantes arguidos.
Decidindo.
Resulta do disposto no art.° 13.°, n° 1, da Lei n° 37/2015, de 5/05 que “(...) os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo da prática de novos crimes, a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os n°s 5 e 6 do art° 10º” (sublinhado nosso).
Conforme decorre da mera leitura do mencionado normativo, foi clara a intenção do legislador restringir a possibilidade de não transcrição da sentença às pessoas singulares, excluindo, por conseguinte, as pessoas colectivas.
Em conformidade com o exposto, por legalmente inadmissível, o requerido pela sociedade A. lda terá que ser indeferido.
No mais. importa sublinhar que também nós perfilhamos o entendimento de que, para efeitos da não transcrição da sentença condenatória, o conceito de ‘pena não privativa da liberdade” contido no art° 13.°, n° 1, da Lei n° 37/2015, de 5/05 inclui não só a pena principal de multa como ainda as penas de substituição não detentivas.
No sentido propugnado, o Ac. RL de 21/11/2012, in www.dgsi.pt, o Ac. RP de 22/10/2014, in www.dgsi.pt . e o Ac. RC de 18/05/2016, in www.dgsi.pt, entre outros.
Assim, no caso concreto, encontra-se verificado o pressuposto formal para a não transcrição da sentença proferida.
Com a não transcrição, visa-se não permitir a produção de um entrave adicional à inserção social do condenado, nomeadamente tornando mais difícil o acesso ao mercado de trabalho.
Porque o funcionamento do registo criminal se fundamenta, neste âmbito de acesso, em razões de prevenção especial negativa, deduzidas de uma ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, serão princípios de necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade a decidir da possibilidade de determinar a não transcrição.
No caso vertente, está em causa um crime de fraude na obtenção de subsídio praticado há mais de oito anos; os arguidos confessaram parcialmente os factos e não têm quaisquer outros antecedentes criminais.
Tudo isto sugere um juízo de prognose favorável acerca da sensibilidade dos arguidos à aplicação das penas em que foram condenados e susceptibilidade de por elas se deixarem influenciar, com inevitáveis consequências mitigadoras em sede de prevenção especial positiva.
Atento o contexto em que os factos foram praticados, o tipo de crime em causa, o tempo já decorrido e a inexistência de antecedentes criminais, parece que não existe perigo de reiteração da actividade criminosa.
Pelo exposto:
a) Indefiro a não transcrição da sentença condenatória relativamente à arguida A., Lda.
b) Defiro o requerido pelos arguidos M. f. e M. G. e determino a não transcrição da sentença condenatória proferida nos certificados a que se referem os n°s 5 e 6 do art° 10° da Lei n° 37/2015, de 5/05 — art.°13°/1 da citada Lei.
Notifique.
Comunique à DSIC.”
O M.P. contraalegou, em 1ª instância, referindo em síntese que o próprio art.º 13º/1, L. n.º 37/15, 5/5, que permite a não transcrição da condenação para efeitos civis, se refere expressamente apenas às pessoas singulares. Aliás, só com estas se justifica fazê-lo, pois a finalidade do normativo é a não desintegração social ou estigmatização, nomeadamente em termos de trabalho ou da sua procura, o que não se justifica quanto às pessoas coletivas. Defende assim, a improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto remeteu para as contraalegações do M.P. da 1ª instância, defendendo também a improcedência do recurso.
Notificada nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., a recorrente nada disse.

2 – Fundamentação

Questão a resolver: podem as pessoas coletivas requerer a não transcrição da condenação crime, para efeitos civis?
O art.º 13º /1 L. n.º 37/15, 5/5, estabelece as condições para que o Juiz possa determinar a não transcrição da condenação no registo criminal, para efeitos meramente civis. E, com efeito, este normativo permite esta possibilidade, tendo por referência as pessoas singulares, pois a estas se refere expressamente e não às pessoas coletivas.
Será possível estender o teor do preceito a estas?
Uma interpretação literal do preceito dirá logo que não.
Mas, será aplicável o argumento “por identidade de razão” e o preceito ser interpretado de forma extensiva ou analógica?
Ora, a finalidade do preceito é a de, em casos menos graves, restringir a desinserção social e a estigmatização do agente, não o prejudicando nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego.
Questão que se não põe, nos mesmos termos, com as pessoas coletivas.
Por outras palavras: falham as razões, para a analogia.
Uma análise histórica dos preceitos que abordaram a questão leva a idêntica conclusão.
Anteriormente, dispunha sobra a matéria a L. n.º 57/98, 18/8, sendo que o seu art.º 17º (o equivalente ao atual art.º 13º, L. n.º 37/15) não fazia qualquer alusão ou diferença às pessoas coletivas.
Porém, com a revisão a este lei determinada pela L. n.º 114/09, 22/9, passou o seu art.º 17º, que tratava da não transcrição das condenações para efeitos civis, a referir-se apenas às pessoas singulares, expressamente. Redação idêntica veio a ter, a seguir, a L. nº 37/15 – art.º 13º.
Ou seja: o facto de não se falar nas pessoas coletivas, quando da possibilidade de o Juiz determinar a não transcrição parcial da decisão, parece não surgir de qualquer lapso ou esquecimento do legislador, mas da sua própria vontade. Com efeito, foi o mesmo que foi restringindo a previsão do normativo, dela retirando as pessoas coletivas.
Ainda no mesmo sentido, a evolução legislativa dos anteriores arts.º 11º/3 e 12º/1, L. n.º 57/98 em que se falava, relativamente ás pessoas coletivas e quanto ao C.R.C., na transcrição integral, exceto se a lei permitisse transcrição mais restrita, enquanto o atual art.º 10º/7 L. n.º 57/98, refere que os C.R.C.`s “requeridos por pessoas coletivas (…) contêm todas as decisões de Tribunais portugueses vigentes”.
Mais uma vez, a atual redação da lei não permite, quanto às pessoas coletivas, transcrições parciais ou sejam, não transcrições.
Considera-se pois, que as pessoas coletivas não podem requerer, nem os Tribunais decidir quanto a si, a não transcrição no registo para efeitos meramente civis.
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Termos em que, se decide
3 – Decisão
a) julgar improcedente o recurso, mantendo-se assim a decisão recorrida.
b) Custas pela arguida recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – art.º 513º/1 C.P.P. e 8º/9 e tabela 3, R.C.P.
c) Notifique.