Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6267/16.5T8GMR-B.G1
Relator: JOSÉ DIAS CERAVO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ANULAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Não há que confundir “nulidades da sentença” com “nulidades processuais”.

II – Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 615º do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 615º/3, 666º e 671º/3 do mesmo diploma.

III – Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 186º e ss. e 195º e ss. do mesmo corpo normativo.

IV – O regime de arguição das nulidades processuais principais, típicas ou nominadas vem contemplado nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, sendo que as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º -, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de (...)
*
1 RELATÓRIO

Nos autos de Insolvência em que é insolvente G. F., a Srª Administradora da Insolvência apresentou o seu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa.

O Ministério Público manifestou a sua concordância com o parecer da Administradora.

Devidamente citado, o visado G. F. deduziu oposição, contestando os fundamentos invocados pela Srª Administradora, juntando e requerendo a produção de prova, bem como arrolando testemunhas.

Na produção de prova, solicitou que a Srª Administradora da Insolvência em poder da qual se encontra a escrita da Sociedade Construções X, SA, juntasse aos autos cópias das Informações Empresariais Simplificadas (IES), dessa empresa, respeitantes aos anos de 2003 a 2011, para prova do alegado no artigo 12º da oposição, por reporte aos artigos 24º a 26º da acção que constitui o apenso E, o que foi deferido.

Por requerimento de 21 de Fevereiro de 2018, o ora recorrente insistiu pela junção de tais IES, o que foi deferido pelo Tribunal, sendo que no dia 22 de Fevereiro de 2018, aquando da realização da audiência, ainda não tinham sido juntos aos autos.

No dia 21 de Março de 2018, o ora recorrente insistiu novamente pela produção dessa prova, requerendo simultaneamente, que a audiência de discussão e julgamento não prosseguisse com as alegações finais, sem que esses documentos fossem juntos, tendo o tribunal considerado que, quando tais documentos fossem juntos ao processo e não obstante, já se terem produzido as alegações finais, as partes seriam notificadas da junção dos mesmos para sobre eles se pronunciarem.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, aonde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas, foi proferida decisão que qualificou como culposa a insolvência de G. F., sem que os já supra aludidos documentos fossem juntos e sem que as partes se pudessem pronunciar sobre eles e o Tribunal os tivesse apreciado como prova.

Inconformado com essa decisão, apresentou o insolvente G. F. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Uma vez que o Tribunal deu como provados determinados factos dos quais extraiu conclusões no sentido de julgar malévola e prejudicial para os credores a actuação do Requerido, tendo, por outro lado, deferido a produção de provas sobre outros factos de cuja demonstração resultaria a “crise” daqueles, não deveria ter proferido a decisão final sem que tal prova tivesse sido produzida, conforme fora deferido;
2. Tendo-o feito, o Tribunal obstaculizou à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa pelo que, nos termos do artº. 195º. – 1 e 2 do Cod. Proc. Civil, ocorre nulidade de processo que afecta a própria sentença;
3. Quando a correcta valoração dos meios de prova, nomeadamente da prova documental e da prova gravada impõe que os factos em discussão sejam assentes em sentido diverso daquele que o tribunal decidiu, deve proceder-se à reapreciação desses meios de prova e decidir em conformidade com o que deles resultar (artº. 640º. do Cod. Proc. Civil);
4. No caso, foi incorrectamente assente a matéria constante dos pontos 3., 18., 21., 27., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 37., 38., 39., 40., 41., 42. 43., 44., 47., 57., 59., 60., 61., 62., 65. e 69. de “Factos provados”, os quais, - fazendo-se a reapreciação das provas indicadas na alegação relativamente a cada um deles, sendo que, quanto à prova gravada, se identificam os depoimentos e, concretamente, as passagens dos mesmos que para o efeito relevam (artº 640º.-1 e 2, al. a) do Cod. Proc. Civil) -, devem ser formulados no sentido que também na alegação se refere, sendo esse sentido, em diversos casos, “não provado”;
5. Também foi incorrectamente julgada a matéria de facto incluída em “Factos não provados”, a qual, obedecendo-se aos requisitos jurídico-processuais aludidos na conclusão anterior (conclusão 4.) – todos os pontos 1. a 5. – merecem o julgamento de “provado”;
6. Rectificado o julgamento da matéria de facto em conformidade com o exposto, será, de todo, insustentável que se qualifique como culposa a insolvência do Requerido uma vez que em nada se preenche a previsão do artº. 186º. do C.I.R.E.;
7. Em qualquer caso e quanto às duas situações em que o Tribunal suporta a qualificação:
a) A partilha adicional realizada em 2014 incidiu num imóvel para o qual não é apontado nenhum valor concretamente especificado, “especulando-se” que será superior ao que, no acto, lhe foi atribuído. Certo é que todos os elementos constantes dos autos indiciam que tal imóvel tem um valor muito reduzido;
b) A alienação da quota da Y – cujo valor também não se apurou para além do que resulta dos elementos contabilísticos – correspondeu a um negócio do qual resultou a libertação de passivo do insolvente. Também neste caso, seja ele qual fôr, jamais estará em causa montante significativo face ao volume do passivo em causa.
8. É nestes dois factos que – finalmente – o Tribunal alicerça a qualificação.
Porém:
a) No primeiro, assiste-se apenas à conclusão de um processo de partilha emergente da separação judicial de pessoas e bens do casal do insolvente, ocorrida em 1998, fora de qualquer contexto de insolvência;
b) No segundo, está em causa uma forma expedita de resolver uma situação de passivo que há muito se havia vencido e sob pressão de cobrança.
9. Mas em nenhum dos casos se demonstra ou ocorre um acto malévolo nem do qual resulte uma afectação de todo ou parte considerável do património do Requerido (artº. 186º.-2, a) do C.I.R.E.);
10. como também não se demonstra ou quantifica um prejuízo relevante para os credores (artº. 186º.-1 do CI.R.E.), tanto mais que o valor dos bens questionado é, em qualquer das possibilidades, absolutamente irrisório face ao montante dos créditos reconhecidos (8.509.798,94€);
11. sendo ainda certo que nenhum desses factos configurou um negócio ruinoso que tenha aproveitado ao Requerido ou a pessoas com ele especialmente relacionadas (artº. 186º.-2, b) do C.I.R.E.);
12. Como a sentença recorrida afirma: o Requerido “não tinha, nem nunca teve (...) bens suficientes para pagamento das mesmas (operações que avalizou), limitando-se a esperar que a sociedade iria talvez conseguir gerar activos para pagar as dívidas”. O que permite concluir que:
13. Nem os credores jamais tiveram - ou poderiam ter - alguma espectativa de vir a cobrar os seus créditos à custa do escasso património do Requerido.
14. Nem o Requerido deixou de esperar - como de resto sempre tem dito em todas as circunstâncias - que a sua empresa (de onde, por via de garantias prestadas ou de dívidas revertidas provém todo o passivo do insolvente) iria prosseguir e vencer as dificuldades com que se deparou, sendo o esforço com que se empenhou sempre dirigido nesse sentido e o único susceptível de vir a produzir resultados satisfatórios para os credores, e não para os iludir ou prejudicar, ou para se beneficiar a si próprio ou a terceiros.
15. Resulta do próprio parecer da Senhora Administradora de Insolvência sobre o pedido de exoneração do passivo restante que, do facto de o insolvente não ter tomado a iniciativa de requerer a insolvência, e ainda que se considere que, eventualmente, se encontraria já na situação que o justificaria nos 60 dias anteriores à declaração da mesma, não decorreu prejuízo para os credores.
16. Certo é que, como resulta documentado nos autos, o passivo do insolvente não se agravou nesse período de tempo. Na verdade, não existe nenhuma dívida posterior a 2011,
17. donde, como é pacífico na jurisprudência e na doutrina mais respeitada, tal eventual incumprimento será absolutamente irrelevante para os efeitos em causa de qualificação ou de exoneração de passivo.
18. A sentença recorrida violou portanto, além de outras disposições que V. Ex.as doutamente suprirão, o artº. 186º. – 1, 2, als. a) e b) e 3 e 238º.-1 do C.I.R.E. e padece da nulidade a que se refere o artº. 195º. – 1 e 2 do Cod. Proc. Civil.

Termos em que:

A) - Deve realizar-se a reapreciação da prova mencionada nas alegações, em especial, a prova gravada referida e identificada nos capítulos I e II e, em conformidade, proceder-se à alteração do julgamento sobre a matéria de facto.
B) - Deve, por serem procedentes as conclusões, dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida e, em sua substituição, proferir-se decisão que reconheça como fortuita a insolvência do Requerido.
Como é de JUSTIÇA!
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Contra-alegou o Ministério Público, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

Afigura-se-nos que o douto tribunal “a quo” ao ter deferido como prova os IES referentes aos anos de 2003 a 2011, deveria tê-los apreciado em sede de audiência, após a sua junção aos autos, e após o exercício do imprescindível e inalienável direito do contraditório, não podia dar a sentença final, sem que esse meio de prova fosse por si apreciado.
Ao fazê-lo violou o disposto no artigo 195º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, o que acarreta nulidade, a qual foi invocada atempadamente, nos termos do artigo 199º, do acima referido diploma.
Deve, assim, em nossa modesta opinião, ser dada procedência à invocada nulidade e determinar-se que o douto Tribunal “a quo” imponha a junção aos autos dos aludidos documentos, dê o necessário contraditório e após a sua apreciação, decida em conformidade.
Mas, caso assim se não entenda, e doutamente se entenda não se verificar a arguida nulidade, deve o recurso interposto pelo G. F., ser julgado improcedente por não provado, porquanto a douta sentença recorrida decidiu conforme à prova produzida em audiência, segundo as regras da experiência comum, e a factualidade dada como provada e não provada, sendo corolário lógico e racional dessa mesma prova.
Para além disso, a douta sentença recorrida não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade ou de qualquer contradição entre os factos ou entre esses e a decisão, de que esta se veja afetada.

Deve assim julgar-se verificada a nulidade invocada, determinando-se que sejam juntos aos autos os documentos probatórios requeridos pelo recorrente e já deferidos pelo Tribunal “a quo”, dado o necessário contraditório sobre os mesmos às partes e após o Tribunal proceder à sua apreciação e decisão sobre os mesmos. Caso assim se não entenda, o recurso interposto pelo G. F. deverá ser julgado improcedente por não provado e a douta sentença proferida, mantida nos seus precisos termos.
Mas V. Excias agora, como sempre
JUSTIÇA
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:

- se declare nula a decisão recorrida, por o Tribunal ter obstaculizado à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa – art. 195º/1 e 2 do CPC;
- se altere a matéria de facto dada como provada nos pontos 3., 18., 21., 27., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 47., 57., 59., 60., 61., 62., 65. e 69. e não provada nos pontos 1. a 5., dando-se aqueles factos por não provados e estes por provados;
- se reaprecie a decisão de mérito da acção.
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3OS FACTOS

Matéria de facto provada:

1. O insolvente G. F., com NIF (...), é uma pessoa singular, com domicílio declarado na Rua (…).
2. Em 31/03/1994, o insolvente contraiu casamento com Maria, no regime supletivo de comunhão de adquiridos.
3. Por sentença proferida pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal de (...) em 21/09/2006, transitada em julgado em 23/10/2006, foi decretada a separação de pessoas e bens do casal.
4. Em 11/01/2010, o insolvente e Maria promoveram a partilha dos seus bens, tendo indicado como bens activos a partilhar o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dois andares em logradouro, situado no Lugar da (…), freguesia de Creixomil, concelho de (...), descrito na 2ª CRP sob o n.º (...) e inscrito na matriz predial sob o art. (...), com valor patrimonial e atribuído de 64.377,95, e o respectivo recheio, ao qual foi atribuído o valor de € 1.500,00.
5. O mencionado imóvel era a casa de morada do casal, tendo sido adjudicado a Maria.
6. Pese embora a outorga de escritura de partilha dos bens comuns do casal, o insolvente manteve a sua residência permanente no Lugar (…) (...)
7. Neste local o insolvente continuou, de forma estável e duradoura, a pernoitar e a fazer refeições, bem como a receber amigos e a centrar toda a actividade familiar, económica e social sua e do seu agregado familiar.
8. Aí manteve todos os seus haveres e utensílios pessoais, bem como o seu quarto e o seu leito de descanso.
9. O insolvente manteve aquele imóvel como base da sua vida familiar, a sua residência habitual e onde foi, de resto, citado no âmbito do processo executivo n.º 7034/15.9T8GMR, a correr termos no Juiz 1 da Secção de Execução de (...) da Comarca de Braga, em 13/11/2015.
10. Foi também essa a morada que continuou a constar das bases de dados da Segurança Social, I.P. e dos Serviços de Identificação Civil como sendo a do insolvente, pelo menos até 13/11/2015.
11. E embora por vezes, o insolvente assumisse a sua morada profissional na Rua do (…), perante a sua família sempre assumiu que continuava a viver na mesma morada que a mulher Maria, na Rua (…), em (...), nomeadamente na outorga da escritura pública de confissão de dívida com hipoteca, em 04/10/2011.
12. No Loteamento de (…), em (...), o insolvente continuou e continua a ter centrada a sua vida familiar e economia doméstica, em suma, o lar.
13. A insolvência do devedor foi requerida pelo Banco A, S.A., tendo sido proferida sentença em 02 de Dezembro de 2016.
14. Na sentença que decretou a insolvência foi fixada residência ao insolvente na Rua (…) (...) e decretada a entrega imediata pelo devedor à Administradora de insolvência dos documentos referidos no art.º 24.º, n.º 1 do CIRE.
15. Para além do determinado na sentença e referido no número anterior, por carta datada de 07/12/2016, expedida pela signatária por correio registado com aviso de recepção e envida ao insolvente, foi este ainda notificado nos termos e para os efeitos dos art.º 29.º, n.º 2 e 83.º do CIRE.
16. A mencionada comunicação foi recepcionada pelo insolvente em 13/12/2016.
17. O insolvente foi gerente ou administrador das seguintes sociedades:

Sociedade de Construções X, S.A., NIPC (…), sede na Rua (…) (...), a qual foi declarada insolvente por sentença proferida em 22/01/2015, no âmbito do processo n.º 959/14.0TBGMR, a correr termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de (...) da Comarca de Braga;
Y – Promoção Imobiliária e Urbanística, Ld.ª, NIPC (...) e sede na Rua (…), União de freguesias de Cedofeitas, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, até 29/09/2014, data em que renunciou ao cargo de gerente, tendo a cessação de funções sido registada na CRC pela Ap. (...). Na mesma data, foi designado como gerente José, NIF (…), residente na Av.ª (…) Porto;
W – SGPS, Unipessoal, Ld.ª, NIPC (…) e sede na Av.ª (…) Porto, até, alegadamente, 28/02/2016. A renúncia ao cargo apenas foi registada em 03/05/2017 pela Ap. (...). Por deliberação datada de 27/03/2017 e registada através da Ap. (...), foi nomeado como gerente da sociedade M. O., com NIF (...) e residência na Rua (…) (...);
1R, Ld.ª, NIPC (…) e sede na Zona Industrial (…), até 31/03/2017, data em que renunciou ao cargo de gerente;
ZZ & Irmão, Empresa de Construção Civil, Ld.ª, NIPC (…) e sede na Quinta de (…) (...), a qual foi liquidada no âmbito de procedimento administrativo especial de liquidação, cujo encerramento ocorreu em 23/02/2016.
18. Actualmente, o insolvente desenvolve a sua actividade profissional na sociedade denominada Farmácia C. – Unipessoal, Ld.ª, auferindo o vencimento correspondente ao salário mínimo nacional.
19. Por escritura pública outorgada em 11/01/2010, no cartório do Notário C. M., sito na Avenida (…), em (...), o insolvente e a mulher Maria acordaram fazer a partilha dos bens comuns do casal da seguinte forma:

a) à Maria foi atribuído o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dois andares e logradouro, situado no Lugar da (…), freguesia de (…), concelho de (...), descrito na 2ª CRP sob o n.º (...) e inscrito na matriz predial sob o art. (...), com valor patrimonial e atribuído de € 64.377,95, e o respectivo recheio, ao qual foi atribuído o valor de € 1.500,00;
b) para efectuar a composição de quinhões, o insolvente e a Maria declararam que esta pagou àquele, a título de tornas, a quantia de € 32.938,98 (trinta e dois mil euros novecentos e trinta e oito euros e noventa e oito cêntimos).
20. Por escritura pública outorgada em 03/02/2014, no cartório do Notário C. M., sito na Avenida (...), em (...), o insolvente e a mulher Maria acordaram realizar partilha adicional dos bens comuns do casal da seguinte forma:

a) à Maria foi atribuído o prédio rústico denominado “Leira do …”, composto de terreno de cultivo, situado no Lugar …, freguesia de …, concelho de (...), descrito na CRP de (...) sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob o art. …, com valor patrimonial e atribuído de € 2.200,00;
b) para efectuar a composição de quinhões, o insolvente e a Maria declararam que esta pagou àquele, a título de tornas, a quantia de € 1.100,00 (mil e cem euros).
21. O insolvente nunca recebeu qualquer quantia por conta dessa partilha realizada com a esposa, nem a título de tornas.
22. Sobre o mencionado imóvel incidia, já à data da partilha adicional, uma hipoteca voluntária a favor de M. F., para garantia de empréstimo ao insolvente e F. J., NIF …, casado com H. M., sob o regime da separação de bens, residente na Rua Dr. (...) (Oliveira do Castelo), (...), com capital e montante máximo assegurado de € 100.000,00, registada pela Ap. … de 2011/10/12. Mais incidia sobre o imóvel, à data da partilha adicional, penhora a favor do Banco A, S.A. realizada no âmbito do processo executivo n.º 1717/12.2TBGMR, a correr termos no Tribunal Judicial de (...) – 1º Juízo, ascendendo a quantia exequenda a € 158.758,68, registada pela Ap. …, de 2012/06/29.
23. Por contrato de cessão de quota com data de 30/04/2015 – e transcrito na acta n.º 37 da sociedade Y – Promoção Imobiliária e Urbanística, Ld.ª (“Y”) – pelo preço igual ao seu valor nominal, o insolvente declarou ceder à sociedade W – SGPS, Unipessoal, Ld.ª (“W”) a quota no valor nominal de € 12.095,85 da qual era titular no respectivo capital social.
24. Por sua vez, o insolvente G. F., e F. J., na qualidade de gerentes e em representação da cessionária “W”, declararam aceitar sem reservas, a cessão da quota nos termos exarados, com todos os direitos e deveres que a compunham.
25. Os restantes sócios da sociedade “Y” presentes na assembleia realizada no dia 30/04/2015, ou seja, a “ZZ & Irmão – Empresa de Construção Civil, Ld.ª” e a “W”, declararam nada ter a opor à referida cessão de quota no valor nominal de € 12.095,85 a favor da sociedade “W”.
26. O registo da transmissão a favor da cessionária “W” foi efectuado pelo Dep. n.º 14 de 08/01/2016.
27. O insolvente não recebeu qualquer contrapartida financeira pela cessão da aludida quota.
28. Os mencionados negócios não visaram mais que, esses bens não integrassem o respectivo património, evitando possíveis arrestos ou apreensões judiciais ou, pelo menos, dificultando-se quaisquer iniciativas que, visando esses objectivos, fossem tomadas pelos credores do Insolvente.
29. As declarações exaradas nas escrituras públicas de partilha e partilha adicional e na acta n.º 37 da sociedade denominada “Y – Promoção Imobiliária e Urbanística, Ld.ª” não correspondem à verdade e resultam dum acordo estabelecido entre os outorgantes, tendo em vista criar benefícios ilegítimos para os intervenientes nos negócios.
30. Ao outorgar as escrituras públicas de partilha e de partilha adicional, os respectivos intervenientes tinham plena consciência que as partilhas em causa apenas visavam diminuir e dissipar o património do insolvente G. F..
31. Ao assinar a acta n.º 37, os respectivos intervenientes tinham plena consciência que a “cessão da quota” em causa apenas visava diminuir e dissipar o património do insolvente G. F..
32. Ao outorgar aquelas partilhas, nem Maria quis haver para si os bens aí identificados, nem o insolvente quis que tais bens lhe fossem adjudicados.
33. Ao assinar a acta n.º 37, o Insolvente não quis ceder a quota da qual era titular na “Y”, pelo valor nominal de € 12.095,85, nem a “W” quis aceitar a cessão da mencionada quota.
34. Os mencionados negócios ocorreram sem qualquer contrapartida económica ou mais-valia para o insolvente.
35. Com efeito, o insolvente não recebeu os montantes de € 32.938,98 e € 1.100,00 declarados a título de tornas, nem Maria os pagou.
36. A quota-parte do Insolvente na partilha e na partilha adicional é constituída unicamente por bens móveis não sujeitos a registo, nomeadamente dinheiro.
37. No que se reporta à cessão da quota que detinha na Y, através do seu mandatário, Dr. Paulo, por comunicação via email datada de 17.02.2017 e dirigida à Administradora de Insolvência, o Insolvente confirmou que “não recebeu, portanto, qualquer quantia líquida no negócio”.
38. A mencionada quota não deixou de estar na disposição do Insolvente, ainda que por interposta pessoa – a W -, cuja gerência estava nas suas mãos.
39. Tais negócios são extremamente desvantajosos para o insolvente que, na prática, não recebeu qualquer quantia a título de tornas ou pagamento do preço, enquanto a Maria recebeu dois imóveis, o recheio da casa de morada de família e a W recebeu uma quota da Y, sem pagar ou entregar o que quer que fosse.
40. Nas contas referentes ao ano de 2014, a Y apresentava capitais próprios positivos no valor de € 395.257,01.
41. Nas contas referentes ao ano de 2015, a Y apresentava capitais próprios positivos no valor de € 353.219,47.
42. Por tal facto, o valor de mercado da quota cedida pelo insolvente ascendia a pelo menos € 36.917,00 (correspondente a 9,34% dos capitais próprios da sociedade).
43. A valorização desta sociedade devia ter sido substancialmente superior aos € 12.095,85 em que foi valorizada no momento da cessão da participação detida pelo insolvente.
44. Os bens partilhados em 2014 a favor de Maria e a quota cedida a favor da W são absolutamente imprescindíveis à satisfação dos direitos dos credores.
45. À data dos negócios em causa, os bens que o insolvente detinha eram já insuficientes para a liquidação das dívidas constituídas/ vencidas de que era responsável e/ou garante e que ascendiam ao valor de € 8.509.798,94, sendo que ao insolvente apenas são conhecidos os bens constantes do auto de apreensão, com valor patrimonial tributário e valor nominal globais de 4.761,00.
46. Em sede de reclamações de créditos no âmbito da insolvência, foram reconhecidos créditos no montante global de € 8.509.798,94, alguns dos quais constituídos e/ou vencidos em data anterior à partilha adicional e/ou à cessão da quota em causa, nomeadamente os seguintes:

crédito do Banco B, S.A., decorrente de livrança subscrita pela sociedade de Construções X, S.A. e avalizada pelo insolvente, no valor global de € 18.983,80, vencido em 15/04/2013;
crédito do Banco C, S.A., decorrente de livrança subscrita pela sociedade de Construções X, S.A. e avalizada pelo insolvente (€ 20.481,55), vencida em 24/10/2013; garantias bancária prestadas em nome da Sociedade de Construções X, S.A. e avalizadas pelo insolvente com os n.º 125-02-164692 (€ 12.330,08), vencida em 23/07/2014, 125-02-1315676 (€ 15.095,30), vencida em 23/07/2014, 125-02-1576359 (€ 13.199,31), vencida em 29/10/2014, no valor global de € 61.106,24;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º ...2 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 23/10/2012, no valor de € 1.480.305,68;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de abertura de crédito em conta corrente n.º …2 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 30/01/2012, no valor de € 83.030,88;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de emissão de garantia bancária já honrada n.º …3 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 29/12/2011, no valor de € 452.836,58;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de emissão de garantia bancária já honrada n.º …3 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 15/03/2012, no valor de € 174.729,88;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de emissão de garantia bancária já honrada n.º …3 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 05/05/2012, no valor de € 81.403,01;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de emissão de garantia bancária já honrada n.º …3 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 03/05/2012, no valor de € 17.958,46;
crédito do Banco D, S.A., decorrente de contrato de emissão de garantia bancária já honrada n.º …3 subscrito pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizado pelo insolvente, vencido em 05/05/2012, no valor de € 104.310,00;
crédito do Instituto da Segurança Social, IP, decorrente de contribuições referentes aos meses de Outubro e Novembro de 2011, Setembro e Outubro de 2012, Agosto a Dezembro de 2013, Fevereiro e Março de 2014 e coimas e custas - dívida objecto de reversão (responsável originário: Sociedade de Construções X, S.A.), no valor global de € 88.529,36;
crédito do Banco D Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., decorrente de livranças subscritas pela Sociedade de Construções X, S.A. e avalizadas pelo insolvente com os n.º …2 (€ 12.111,20), …2 (€ 6.828,41), …9 (€ 7.737,28), …4 (€ 7.749,56) e …4 (€ 191.311,93); despesas agente de execuação (€ 250,41) e taxa de justiça executiva (€ 76,50), vencido em 06/12/2014, no valor global de € 226.065,29;
crédito da L. – Companhia Portuguesa Aluguer de Viaturas, S.A., decorrente de contratos-quadro de aluguer e gestão de veículos n.º 8385 e 22634 avalizados pelo insolvente, vencidos em 17/04/2014, no valor global de € 67.245,80;
crédito da Autoridade Tributária, referente IRC vencido em 10/09/2014 e 09/09/2015; IUC vencido em 02/06/2014 e 30/09/2014; IMI vencido em 30/04/2015 e 31/07/2015 e custas, no valor global de € 9.721,37;
crédito do Banco E, S.A. referente a garantias bancárias emitidas a pedido da Sociedade de Construções X, S.A. e avalizadas pelo insolvente com os n.º 346669, 335557 e 352487, vencidas em 31/11/2012, no valor global de € 150.750,77.
47. O Insolvente sabia, pelo menos desde 2013 ( na apresentação a PER), que se tinham vencido obrigações com os seus credores que não conseguia e não conseguiria cumprir.
48. Com efeito, pese embora a Sociedade de Construções X, S.A. seja a devedora originária dos créditos supra identificados e o Insolvente o devedor por força de avales que prestou à sociedade, este não poderia desconhecer, à data da partilha adicional – 03/02/2014 - e da cessão de quota em análise – 30/04/2015 – que aquela sociedade não honraria as suas obrigações.
49. Pois a Sociedade de Construções X, S.A. foi declarada insolvente por sentença proferida em 23/11/2011, no âmbito do processo n.º 4157/11.7TBGMR, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), o qual foi encerrado, em 22/10/2012, por força da homologação de um plano de insolvência.
50. Em 12/03/2013, a mencionada sociedade apresentou-se a PER, que correu termos no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...), tendo havido recusa oficiosa da homologação do plano de revitalização.
51. Em Maio de 2014, a Sociedade de Construções X, S.A. apresentou-se novamente a PER, que correu termos com o n.º 1135/14.8TBGMR, no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de (...).
52. O plano de revitalização foi recusado, tendo sido declarada a insolvência da Sociedade de Construções X, S.A., por sentença proferida em 22/01/2015, no âmbito do processo n.º 959/14.0TBGMR, a correr termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de (...) do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
53. A declaração de insolvência da Sociedade de Construções X, S.A. (22/01/2015) é anterior à cessão da quota em análise (30/04/2015), sendo que a sociedade já se encontrava em situação de insolvência, pelo menos, iminente, em momento anterior à partilha adicional dos bens comuns do casal – 03/02/2014.
54. Do relatório a que alude o art. 155º do CIRE junto ao processo de insolvência da Sociedade de Construções X, S.A. com o n.º 4157/11.7TBGMR consta a seguinte informação:

a sociedade, inicialmente constituída sob a forma de sociedade por quotas, foi constituída em 02/02/1955, tendo operado a sua transformação para sociedade anónima em 30/09/2002, mantendo o seu objecto social de execução de obras, construções civis e industriais;
a referida sociedade tinha o capital social titulado em 600.00 acções, de valor nominal correspondente a € 1,00 distribuídas por dois accionistas: o Insolvente G. F., detentor de 301.500 acções e F. J., detentor de 298.500 acções; por sua vez, a administração da sociedade encontrava-se atribuída ao conselho de administração, composto pelos accionistas F. J., na qualidade de Presidente, o Insolvente G. F., enquanto vice-presidente, e R. R., sendo apenas necessária a assinatura de qualquer um dos administradores F. J. e G. F. para vincular a sociedade;
a sociedade apresentou um forte crescimento entre 2005 e 2008, obtendo um volume de negócios que ronda os € 12.000.000,00;
a partir de 2009, passou a registar um acentuado decréscimo da facturação, devido sobretudo a dificuldades de cobrança dos seus créditos e à progressiva retracção do mercado da construção civil.
55. O insolvente, à data da partilha adicional e da cessão de quota, já não estava a cumprir as suas obrigações.
56. Era do conhecimento de todos os intervenientes nos actos em causa que G. F. se encontrava em situação de insolvência iminente e o carácter prejudicial dos actos.
57. Maria, enquanto cônjuge e encontrando-se numa posição de superioridade informativa face à situação do insolvente, conhecia, sem poder desconhecer, a realidade financeira débil do mesmo.
58. A W é, igualmente, pessoa especialmente relacionada com o Insolvente, já que este foi, entre 14/11/2011 e 28/02/2016, gerente daquela.
59. Por conseguinte, a W goza de uma situação de superioridade informativa face à situação do Insolvente.
60. A W não podia desconhecer que o preço de €12.095,85 era manifestamente inferior ao real valor da quota cedida pelo Insolvente que, era, pelo menos, de em € 36.917,00.
61. Do mesmo modo, a W não podia desconhecer a situação financeira dramática que o Insolvente atravessava.
62. O insolvente não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência – 2011 -, cuja declaração apenas ocorreu em 02/12/2016.
63. A não apresentação à insolvência prejudicou os credores, agravando a situação de insolvência do devedor, uma vez que, desde a data de vencimento das obrigações supra mencionadas até à declaração da insolvência, foram-se vencendo juros sobre as mesmas.
64. Entre o ano de 2011 e a data da declaração da insolvência, em 02/12/2016, constituíram-se ainda os seguintes créditos:

crédito da Autoridade Tributária, no valor global de € 10.783,49, referente a IRC, IUC e IMI constituídos nos anos de 2013, 2014 e 2015, e com vencimento em 10/09/2014, 02/06/2014, 30/09/2014, 30/04/2015, 31/07/2015, 09/09/2015 e 30/11/2015, respectivamente;
crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de € 32.601,08, relativo a contribuições referentes aos meses de Setembro e Outubro de 2012, Agosto a Dezembro de 2013, Fevereiro a Março de 2014 e coimas.
65. Ao não apresentar-se tempestivamente à insolvência obrigou os credores Bancários à cativação e aprovisionamento de verbas junto do Banco de Portugal que, de outra forma, se destinariam à exploração da respectiva actividade.
66. O crédito da Autoridade Tributária, no valor de € 8.873,94 relativo a IRC vencido em 10/09/2014 e 09/09/2015, IUC vencido em 02/06/2014 e 30/09/2014 e IMI vencido em 30/04/2015 e 31/07/2015 deixou de beneficiar do privilégio creditório previsto nos arts. 122º do CIMI, 22º, n.º 3 do CIUC, 108º do CIRC e 47º, n.º 4, al. a) do CIRE, por força do disposto no art. 97º, n.º 1, als. a) e b) do CIRE, uma vez que a respectiva constituição/vencimento ocorreu em momento anterior a doze meses da data do início do processo de insolvência, que ocorreu em 07/11/2016.
67. O crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor de € 87.491,87 relativo a contribuições referentes aos meses de Outubro e Novembro, ambos de 2011, Setembro e Outubro de 2012, Agosto a Dezembro de 2013, Fevereiro a Março de 2014 deixou de beneficiar do privilégio creditório previsto nos arts. 204º e 205º, ambos da Lei n.º 110/09, de 19/09 e 47º, n.º 4, al. a) do CIRE, por força do disposto no art. 97º, n.º 1, al. a) do CIRE, uma vez que a respectiva constituição/vencimento ocorreu em momento anterior a doze meses da data do início do processo de insolvência, que ocorreu em 07/11/2016.
68. O insolvente não poderia ignorar sem culpa grave, a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, tanto mais que o mesmo sabia que os proveitos decorrentes da sua actividade não eram susceptíveis de permitir honrar as suas obrigações.
69. Pese embora o insolvente não seja devedor de todas as quantias supra referidas a título originário, não poderia desconhecer a situação débil da devedora originária – Sociedade de Construções X, S.A. – e que as mesmas reverteriam contra si.
70. Os mencionados negócios- partilha adicional e cessão de quota ocorreram após a constituição e/ou vencimento dos créditos do Banco B, S.A. - 09/10/2007, 24/11/2009, 25/02/2008 e 07/08/2009 -, Banco D, S.A. - 23/03/2008, 23/07/2009, 29/12/2011, 15/03/2012, 05/05/2012, 03/05/2012, 05/08/2010 e 05/05/2012 -, Banco B, S.A. - 05/04/2013, Banco D Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A. - 05/12/2014 -; L. – Companhia Portuguesa Aluguer de Viaturas, S.A. - 24/11/2005 – e Banco E, S.A. - 02/12/2008, 20/07/2007 e 03/08/2009 -, e antes da constituição e vencimento dos créditos do crédito da Autoridade Tributária, no valor global de € 10.783,49, referente a IRC, IUC e IMI constituídos nos anos de 2013, 2014 e 2015, e com vencimento em 10/09/2014, 02/06/2014, 30/09/2014, 30/04/2015, 31/07/2015, 09/09/2015 e 30/11/2015, respectivamente, e do crédito do Instituto da Segurança Social, I.P., no valor global de € 32.601,08, relativo a contribuições referentes aos meses de Setembro e Outubro de 2012, Agosto a Dezembro de 2013, Fevereiro a Março de 2014 e coimas.
*
Matéria de facto não provada:

1. À data da transmissão da quota da Y para a W, (30.04.2015), o Insolvente era devedor à mesma Y da quantia de 14.724,95€ decorrente de parte do preço em dívida pela compra de 120.000 acções, com o valor nominal de 1,00€ cada uma, das quais aquela mesma Y era então detentora na Sociedade de Construções X, SA.
2. Tais acções terão sido vendidas pela Y ao Insolvente pelo valor global de 120.000,00€ nos termos de um contrato de compra e venda datado de 21.01.2011.
3. A forma de pagamento do preço total de 120.000,00 € pela compra das referidas 120.000 acções foi escalonada pelo modo seguinte:

i. 105.275,00€, por compensação do crédito da conta de suprimentos de que o adquirente seria titular na Y;
ii. 14.724,95€, a pagar no prazo de um ano.
4. A quantia referida em c)-II não teria sido paga no prazo previsto e permaneceu em dívida.
5. Assim, como pagamento dessa dívida foi efectuada a cessão de quota de que o insolvente era titular no capital social da “Y” a favor da W.
*
Motivação:

A factualidade dada como demonstrada alicerçou-se nos vários documentos existentes nos autos de insolvência, mormente a certidão de registo comercial da sociedade relatórios, cartas, contractos, balanços, certidões e cadernetas prediais, certidões de outros processos, devidamente sujeitos a contraditório. Atendeu-se também ao requerimento de constituição de assistente do Banco E e aos documentos que foram juntos, os quais no volume I constituem as folhas 37 a 350, no Volume II de fls. 352 a 720, 744 a 838, 868 a 872 e no volume III de fls. 879 a 1015 e 1030 a 1040, 1045 a 1048, 1051ª 1054 Atendeu-se igualmente ao relatório nos termos do art. 155º do CIRE e aos documentos que encontram-se anexos aos autos principais.

Atendeu-se igualmente à audição da senhora administradora judicial, a qual manteve o seu parecer apresentado, uma vez que o insolvente alienou a quota e o terreno, não tendo recebido a contrapartida de nenhum negócio. Relativamente à quota a senhora A.I referiu que o insolvente alegou que não recebeu o valor da alienação da quota, uma vez que pretendia pagar o que devia à sociedade. Mas após análise contabilística referiu que não existe qualquer fluxo financeiro entre as sociedades mencionadas. Relativamente ao terreno, a senhora A.I afirmou que não valia o montante em que foi alvo da partilha, nomeadamente tão pouco, uma vez que tendo sido dado de hipoteca a uma familiar por €100.000,00, necessariamente terá de valer mais.

A senhora A.I explicou também ao Tribunal, a forma utilizada para o cálculo do valor da quota, tendo em consideração o capital próprio na sua totalidade.

Foi também muito relevante a audição em depoimento de parte do insolvente, tendo este confirmado que não recebeu qualquer quantia relativamente à partilha do terreno. Relativamente à alienação da quota, justificou-a com uma exigência da sociedade, pois devia-lhes dinheiro, tendo sido obrigado “uma coisa são as dívidas da X e outra são as outras dívidas de outras empresas”.

Quanto à hipoteca do terreno assumiu que foi para garantir o dinheiro que a sua irmã lhe emprestara, ora tendo presente que o empréstimo foi de €100.000,00 e que o terreno foi em partilha dado por um valor substancialmente inferior, não o conseguiu justificar.

Da prova testemunhal prestada, realce para a prestada por Maria, residente com o insolvente, mas separada de pessoas e bens, a qual referiu não saber o valor e a área do prédio rustico partilhada e confirmou não terem sido pagas tornas. Muito relevante a audição de M. F., irmã do insolvente, a quem o mencionado terreno partilhado, foi dado de garantia pelo empréstimo de €100.000,00. Afirmou que na altura o terreno valia esse montante, tendo sido o irmão (o insolvente) que lhe disse que valia esse dinheiro.
Foi igualmente ouvido J. G., administrador de insolvência da X que relatou a tramitação da insolvência e PER da X, referindo que desde 2010 os administradores já deviam ter a noção do estado de insolvência.

O Banco E, apresentou a testemunha M. A., economista que trabalhava na recuperação de crédito e que testemunhou afirmando não ter dúvidas de que o insolvente tinha conhecimento pelo menos desde 2015 da sua situação, pois tinha dado o seu aval pessoal.
A testemunha T. C., TOC, tendo trabalhado vários anos para a X, também relatou as condições dessa empresa, bem como Paulo Marques, consultou que foi contratado para colaborar na reestruturação da empresa entre 2011 e 2013, tendo ajudado a elaborar o plano de insolvência e A. S., engenheira civil que era a directora de obras da X

Por fim efectuou-se a audição de F. J., irmão do insolvente, o qual descreveu o terreno e as sucessivas alterações ao plano director municipal, tendo já sido viável a construção e actualmente não.

[transcrição de fls. 1059vº a 1070vº].
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A – Da nulidade da sentença, por o Tribunal ter obstaculizado à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa – art. 195º/1 e 2 do Código de Processo Civil

Prescreve o art. 195º do CPC, nos seus nºs 1 e 2 e cuja epígrafe é “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que:

1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Entende o recorrente que o Tribunal obstaculizou à prática de acto essencial para o exame e boa decisão da causa, pelo que, nos termos do art. 195º/1 e 2 do CPC, ocorre a nulidade de processo que afecta a própria sentença.

Em causa, a ocorrência de uma nulidade processual, que sendo evidenciada pela prolação da sentença, torna a reacção do recorrente tempestiva, pois só agora o mesmo soube que o Tribunal não ia esperar mais pelos IES referentes aos anos de 2003 a 2011. Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença [nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei ou a prática de um acto de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º/1 do CPC); já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei (art. 615º/1, als. a) a e) do CPC)], ocorrida antes de ter sido proferida a sentença, só com a prolação desta é que aquela se evidenciou, tornando, pois, tempestiva a sua arguição (cfr. art. 199º/1 do CPC).

Mas ocorreu mesmo a arguida nulidade?

Antecipando, desde já, a decisão, entendemos que sim.

Com efeito, os IES em causa destinavam-se à produção da prova, tendo o tribunal deferido à solicitação da sua junção pelo insolvente e ora recorrente na sua oposição, porque entendeu que os mesmos seriam pertinentes para a boa decisão da causa. E igualmente deferiu à sua insistência pela junção de tais IES, ocorrida por requerimento apresentado antes da realização da audiência, tendo ordenado todavia o tribunal que a audiência de discussão e julgamento prosseguisse com as alegações finais, sem que esses documentos fossem juntos, considerando que, quando tais documentos fossem juntos ao processo e não obstante, já se terem produzido as alegações finais, as partes seriam notificadas da junção dos mesmos para sobre eles se pronunciarem. Acabando por ser proferida decisão, sem que os já supra aludidos documentos fossem juntos e sem que as partes se pudessem pronunciar sobre eles e o Tribunal os tivesse apreciado como prova.

Houve, pois, a omissão da prática de um acto devido, que poderia ter influência na decisão da causa. Ou seja, houve uma nulidade processual, nos termos conjugados dos arts. 195º/1 e 199º/1 do CPC, o que importa a declaração de nulidade dos actos posteriormente praticados e a prática do acto omitido pelo Tribunal recorrido.

E a esta conclusão não obsta o disposto no art. 630º/2 do CPC, pois que se aí se estabelece que “não é admissível recurso das … decisões proferidas sobre as nulidades previstas no nº 1 do artigo 195º”, também é verdade que acrescenta que assim é “salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios”.

E, nestes termos, fica prejudicada, desde logo, e para já, a apreciação das restantes questões suscitadas pelo recorrente, em termos de facto e de direito.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Não há que confundir “nulidades da sentença” com “nulidades processuais”.
II – Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 615º do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 615º/3, 666º e 671º/3 do mesmo diploma.
III – Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 186º e ss. e 195º e ss. do mesmo corpo normativo.
IV – O regime de arguição das nulidades processuais principais, típicas ou nominadas vem contemplado nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, sendo que as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas -, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º -, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decidem os Juízes desta secção cível, o seguinte:

a) Anular a sentença apelada, devendo os autos baixar ao Tribunal de 1ª instância para aí aguardarem a junção dos IES referentes aos anos de 2003 a 2011; após a sua junção e cumprimento do respectivo contraditório, na prolação de nova sentença deverá esse meio de prova ser apreciado;
b) Declarar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso, em termos de facto e de direito.
Custas a final.
Notifique.
*
(...), 27-09-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)