Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1961/16.3T8VRL-A.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO EM ESPÉCIE
PRESTAÇÃO SUPLEMENTAR
ASSISTÊNCIA DE TERCEIRA PESSOA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- O meio processual devido depende da pretensão inicialmente formulada no incidente.

2- A prestação suplementar ao abrigo da Base XVIII da Lei 2.127 não reveste natureza de pensão.

3- A Base IX, alª a), da Lei 2.127 prevê como prestações em espécie as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar sendo que as outras acessórias ou complementares que também prevê necessariamente, devem ter como origem as primeiras.

4- Por isso não podem estar englobadas neste núcleo de prestações as que se revestem de natureza de mera “ajuda/assistência de terceira pessoa” na medida em que, igualmente o legislador optou antes pela dita prestação suplementar.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos emergentes de acidente de trabalho em que é beneficiário A. C. e seguradora Companhia de Seguros X, Sa em 30.05.2005 foi realizado exame singular e tentativa e conciliação sendo o acordo obtido homologado:



O MºPº requereu em 22.11.2016:

“Vem o Ministério Público aos autos ids em epígrafe, no exercício do patrocínio do sinistrado, dizer e requerer a VExa o seguinte:

i) Em razão do nestes autos participado acidente de trabalho - ocorrido em 16/09/1981 - e das lesões e sequelas correspondentes (dentre as quais paraplegia), foi no âmbito dos mesmos:

a) Fixada ao sinistrado, por douta decisão judicial proferida em 30/05/1985, uma desvalorização de 100%; e
b) A entidade seguradora condenada a pagar-lhe, anual e vitaliciamente, as neles determinadas prestações pecuniárias, bem como o conserto da cadeiras de rodas que se viu forçado a passar a utilizar e de que se tomou dependente (cfr, suas fls 6, 7, 22 e 36);
ii) A utilização de tal aparelho/dispositivo (cadeiras de rodas manual) e o esforço físico exigido e despendido para o efeito na sua vida diária, directamente decorrentes da sobredita incapacidade (vg, para se locomover e em situações em que necessita de fazer transferências da e para a cadeira de rodas), têm vindo a causar ao sinistrado lesões e sequelas que requerem o devido tratamento: aconselham a substituição daquele aparelho/dispositivo por outro que dispense e/ou mitigue tal esforço (vg. motorizada ou eléctrica) (cfr. Documentos nºs 1 e 2);
iii) Sucede, porém, que a entidade seguradora se vem recusando a assumir a sua responsabilidade no tocante ao sobredito e actual estado clínico do sinistrado, com fundamento na falta de relação entre as lesões por ele apresentadas e o acidente dos autos (cfr. Documentos nºs 3 e 4).
iv) Assim, com vista a definir a responsabilidade em causa, requer-se a VExa a submissão do sinistrado a perícia médica tendente a verificar:

a) Se o mesmo apresenta lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer;
b) Em caso afirmativo, se se mostra curado de tais lesões; e, em caso negativo, de que tratamentos carece para o efeito;
c) Se, em face das mesmas lesões e no quadro da reabilitação funcional do sinistrado se impõe ou justifica a renovação/substituição da cadeira de rodas (manual) que o mesmo vem utilizando por outro dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais resultantes do acidente dos autos (vg. cadeira de rodas motorizada ou eléctrica).
(…)”.
Ordenou-se a realização de perícia médica singular.

Notificada do relatório a seguradora pronunciou-se:

“(…) nos autos de acidentes de trabalho em que é sinistrado o acima identificado, informar que já prescreveu o prazo legal para a revisão da incapacidade, nos termos do nº 2 da Base XXII da Lei 2127 de 08 de Agosto de 1965, e, de encontro à posição jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça vertida no Acórdão de 22 de maio de 2013.
Pelo exposto, requer a V/Ex.a se digne a dar sem efeito o presente exame de revisão.”

O mesmo aconteceu com o MºPº:

“Notificado do teor do relatório pericial produzido no âmbito dos autos ids em epígrafe (cfr. fls 90/92), vem o Ministério Público dizer o seguinte:

i) A primitiva sentença reconheceu ao sinistrado um coeficiente global de incapacidade de 100% e atribuiu-lhe, a par de pensão anual e vitalícia, prestação suplementar para assistência constante de terceira pessoa (cfr. fls 36 e Bases XVI e XVIII da Lei n° 2127, de 03/08/65);
ii) Não estando aqui em causa a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, o requerimento que desencadeou o presente incidente em nada contende com o valor das sobreditas prestações infortunisticas, antes se situando no domínio dos tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que aquele necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causadas pelo acidente de trabalho que sofreu (cfr. fls 51/54, 69 e 70);
iii) Resultando do referido relatório pericial a correspondente relação causal, consideramos que deverá a entidade seguradora ser condenada a prestar/facultar ao sinistrado as ajudas medicamentosas, técnicas e acompanhamento/tratamento clínicos nele mencionadas (exceptuadas as por ela espontaneamente já fornecidas /efr. fls 82 vs) - o que se requer.”.

O MºPº ainda expôs:

“Notificado do teor do requerimento da entidade seguradora constante de fls 64 dos autos ids em epígrafe, vem o Ministério Público dizer o seguinte:

i) Salvo o devido respeito, mantendo-se e não sendo questionado/discutido o coeficiente global de incapacidade de 100% atribuído ao sinistrado no presente (cfr. fls 36), a requerida reapreciação da sua situação não será de enquadrar, estritamente, na figura da revisão da incapacidade, na medida que aqui se não verifica o pressuposto desta: modificação da capacidade de ganho daquele, determinante da alteração da correspondente pensão (cfr. Base XXII, nº 1 da Lei n° 2127, de 03/08/65);
ii) Antes se situando e repercutindo tal reapreciação - como se referiu já no requerimento de fls 97/99 - no âmbito dos tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que o sinistrado necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causadas pelo acidente de trabalho que sofreu (cfr. fls 51/54, 69 e 70);
iii) Anotando-se também que a entidade seguradora, oportunamente notificada do sobre dito requerimento (inicial), nenhuma oposição ao mesmo deduziu (cfr. 64 e 67);
iv) Daí que se deva, quanto a nós, considerar inaplicável, "in casu", o prazo de caducidade estabelecido para a revisão da incapacidade na supra cit. Lei n° 2127;
v) Prazo esse cuja aplicabilidade à luz do quadro normativo que actualmente disciplina a matéria, constitui, aliás, objecto de controvérsia (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 05/05/2014, tirado no Proc. nº 193/1999.PI, editado in www.dgsi.pt).”.

O MºPº ainda promoveu:

Considerando a continuada prestação de assistência clínica ao sinistrado por parte da entidade seguradora, decorrente da reconhecida e verificada evolução negativa do respectivo quadro clínico e de mobilidade, resultantes das lesões/sequelas determinadas pelo participado acidente, entendemos que as por aquele requeridas prestações deverão englobar a referente a ajuda/assistência de terceira pessoa (cfr. fls 82 e 92).”

Face a isto a seguradora expôs:

“1.
A pretensão do demandante deve ser liminarmente indeferida, não podendo, nem devendo, sempre com o devido respeito, este Douto Tribunal dar provimento ao requerido.
2.
Na verdade, conforme a demandada já se pronunciou, oportunamente, entende-se que o direito que o demandante pretende exercer encontra-se extinto pela verificação do instituto da caducidade.
3.
Isto é, nos termos e para os efeitos do nº 2 da Base XXII da Lei 2127, de 08 de Agosto de 1965, caducou o prazo legal para o demandante requerer a revisão de incapacidade, tendo em linha de conta que a autuação dos presentes autos ocorreu em 23/11/2016.
4.
Estabelece o seguinte aquele dispositivo legal: "A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos" (sublinhado e carregado nosso).
5.
Aliás, é esse o entendimento da jurisprudência actual, nomeadamente do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/05/2013.
5.
Caducidade que a demandada expressamente invoca, e que deve ser objecto de decisão favorável (à demandada).
6.
Por outro lado, é entendimento (modesto) da demandada que, ao contrário do que é pretendido pelo demandante, necessidade de ajuda de Terceira pessoa e a necessidade de ajudas técnicas e medicamentosas são duas necessidades (passe a redundância) distintas, que não podem nem se devem confundir.
7.
Não se pode entender que as ajudas técnicas e medicamentosas deverão ser englobadas na ajuda de terceira pessoa.
8.
O próprio conceito, em si, é distinto.
9.
Na ajuda de terceira pessoa estamos a falar de um auxílio humano, prestado por um Indivíduo).
10.
Na ajuda técnica e medicamentosa, estamos a falar de fornecimento de bens materiais.
11.
Opõe-se a demandada, por conseguinte, ao pretendido entendimento propugnado pelo demandante, devendo, igualmente, improceder o pedido nessa parte.
12.
Por último, acresce que o Exame Médico é omisso quanto à percentagem da necessidade de ajuda de terceira pessoa, nomeadamente quanto ao tempo diário necessário para que essa assistência de terceira pessoa seja prestada.
13.
Devendo, por conseguinte, ou, em sede de esclarecimentos, solicitar à Senhora perita que estabeleça a medida da necessidade de ajuda de terceira pessoa.
14.
Ou, em alternativa, caso o Douto Tribunal nisso veja utilidade, que seja determinada a realização de uma Junta Médica para estabelecimento da medida da necessidade de ajuda de terceira pessoa.

NESTES TERMOS, deve ser declarada a caducidade do presente Incidente de Revisão de Incapacidade.
Se assim se não entender, deve improceder o presente Incidente de Revisão de Incapacidade.
Se, ainda assim, não for entendido, deve ser esclarecida a medida da necessidade de ajuda de terceira pessoa.”.

Entretanto foi proferido despacho:

“Nos presentes autos de acidente de trabalho em que figuram como sinistrado A. C. e como entidade responsável a Companhia de Seguros X, S.A., veio o Ministério Público, no exercício do patrocínio do referido sinistrado, por requerimento datado de 22/11/2016 – R.E. 1103043 – fls. 51 e ss -, alegar que, em razão do acidente participado – ocorrido em 16/09/1981 – e das lesões e sequelas correspondentes (dentre as quais paraplegia), foi fixada ao sinistrado, por sentença de 30/05/1985, uma desvalorização de 100% e, em consequência, a entidade responsável (a seguradora) condenada no pagamento da respectiva pensão anual e vitalícia, outras prestações e o “conserto da cadeira de rodas” que o sinistrado se viu forçado a passar a utilizar e de que se tornou dependente. Que a utilização da cadeira de rodas manual e o esforço físico exigido e despendido para o efeito da sua vida diária, directamente decorrentes da sobredita incapacidade, tem vindo a causar ao sinistrado lesões e sequelas que requerem o devido tratamento e aconselham a substituição daquele aparelho/dispositivo por outro que dispense e/ou mitigue tal esforço (vg. motorizada ou eléctrica). Que a entidade seguradora se vem recusando a assumir a sua responsabilidade no tocante ao sobredito e actual estado clínico do sinistrado, com fundamento na falta de relação entre as lesões por ele apresentadas e o acidente dos autos.

Com base no alegado, e com vista a definir a responsabilidade em causa, requer que seja o sinistrado submetido a perícia médica tendente a verificar:

a) Se o mesmo apresenta lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer;
b) Em caso afirmativo, se se mostra curado de tais lesões; e, em caso negativo, de que tratamentos carece para o efeito; e
c) Se, em face das mesmas lesões e no quadro da reabilitação funcional do sinistrado se impõe ou justifica a renovação/substituição da cadeira de rodas (manual) que o mesmo vem utilizando por outro dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais resultantes do acidente dos autos (vg. cadeira de rodas motorizada ou eléctrica).

Com esse requerimento, juntou os seguintes documentos: i) Relatório médico; ii) Relatório de TAC do punho esquerdo; iii) Documento de atribuição de alta pela entidade seguradora; iv) Comunicação data de 11/03/2016 da mesma entidade (dirigida a processo administrativo do Ministério Público (nº 852/15.0T9VRL); v) Declaração de IRS do sinistrado (para efeitos de demonstração da isenção tributária estabelecida no artº 4º, nº1, alínea h) do RCP).
*
Notificada a entidade seguradora para se pronunciar, esta limitou-se a informar nos autos que o pedido formulado pelo Ministério Público relativamente à renovação da cadeira de rodas é extemporâneo, porquanto procedeu já ao pagamento e entrega ao sinistrado de uma cadeira de rodas eléctrica – cfr. R.E. 1111320.

Juntou documento comprovativo dessa aquisição.

Na sequência dessa informação, pronunciou-se o Ministério Público, no sentido de que o requerimento efectuado nos autos conserva interesse e actualidade no que concerne à avaliação e tratamento da nele referida lesão, pese o comprovado fornecimento da cadeira de rodas eléctrica ao sinistrado, – cfr. R.E. 30513163 –fls. 69.
*
O tribunal, perante a posição das partes e porque não foi suscitada qualquer excepção à pretensão do requerente/sinistrado, determinou que os autos prosseguissem (apenas) para apreciação das questões suscitadas pelo sinistrado relativamente à avaliação de eventuais lesões e/ou sequelas directamente relacionadas pela utilização da cadeira de rodas e da necessidade ou não de tratamentos médicos, em conformidade com o requerido, ordenando, em conformidade, se solicitasse ao IML – Gabinete Médico de Vila Real a realização da atinente perícia médica – cfr. R.E. 30579127.

Após a realização de exames da especialidade de fisiatria, o relatório do GML confirmou a desvalorização de 100%, já atribuída ao sinistrado, considerando, no que ao objecto do processo diz respeito, que o [sinistrado] “apresenta sequelas ao nível do membro superior esquerdo e quadro de dor crónica (neuropática) que envolve a hemiface esquerda, o hemitórax esquerdo, e o membro superior esquerdo, consequência de traumatismos e esforços acrescidos realizados para se deslocar em cadeira de rodas e nas transferências (…)” e conclui estar o sinistrado necessitado - no que ao objecto do processo diz respeito – “[De] ajudas medicamentosas, ajudas técnicas de acompanhamento médico em Unidade de Dor e por Medicina Física e Reabilitação e tratamento fisiátrico regular”.

Do relatório do GML foram as partes notificadas, tendo a entidade seguradora/responsável, na sequência dessa notificação, suscitado nos autos a “prescrição do prazo legal para a revisão da incapacidade, nos termos do nº. 2 da Base XXII da Lei 2127 de 08 de Agosto de 1965, e, de encontro à posição jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça vertida no Acórdão de 22 de maio de 2013”, requerendo que seja dado sem efeito o exame de revisão.

O Ministério Público, tomando posição sobre a alegada “prescrição” entende que se mantendo e não estando questionado/discutido o coeficiente global de incapacidade de 100% atribuído ao sinistrado, a requerida reapreciação da sua situação do sinistrado não será de enquadrar, estritamente, na figura da revisão da incapacidade, na medida em que aqui se não verifica o pressuposto desta: modificação da capacidade de ganho daquele, determinante da alteração da correspondente pensão, antes se situando tal reapreciação no âmbito de tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que o sinistrado necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causada pelo acidente de trabalho que sofreu.

Anota, ainda, que a entidade seguradora/responsável notificada do requerimento inicial, nenhuma oposição ao mesmo deduziu, concluindo ser de considerar inaplicável, “in casu”, o prazo de caducidade estabelecido para a revisão da incapacidade na Lei nº. 2127, prazo cuja aplicabilidade à luz do quadro normativo que actualmente disciplina a matérias, constitui, aliás, objecto de controvérsia – cita o AC. RP de 5/5/2014, proc. 193/1999.P1.

Cumpre apreciar.

É por de mais evidente que a decisão que homologou o acordo realizado neste processo e tribunal e que conferiu as prestações ao sinistrado, por via do acidente de trabalho de que foi vítima, transitou há mais de 10 anos, não tendo neste período havido por parte do sinistrado qualquer pedido de revisão.

Não deixa também de ser verdade que a entidade seguradora, notificada da inicial pretensão do requerente/sinistrado, nenhuma oposição à mesma deduziu, limitando-se a informar de que já havia providenciado pela satisfação de uma das pretensões formuladas pelo requerente/sinistrado.

Também certo é que, nos termos da Base XXII da Lei 2127 de 03/08 (arts. 25º da Lei 100/97 de 13/09), aplicável ao caso, e de harmonia com a maioria da jurisprudência, a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos e uma vez por ano nos anos imediatos.

Não se desconhece também, que essa questão já se mostra ultrapassada pela actual LAT (Lei nº. 98/2009, de 4/09), para os sinistros ocorridos na sua vigência, no âmbito da qual o legislador não impôs qualquer limite para a formulação do pedido de revisão das prestações devidas em consequência de acidente de trabalho, tendo «abandonado» a presunção de que o decurso de 10 anos, contados da data da fixação da pensão, sem que o sinistrado requeira a revisão, é tempo mais do que suficiente para se considerar as lesões decorrentes do acidente consolidadas, como vinha a defender alguma jurisprudência e também o Tribunal Constitucional relativamente à constitucionalidade da Base XXII, nº 2 da Lei nº 2127.

Sendo óbvio de que ao caso aqui em apreço se aplica Base XXII da Lei nº 2127 de 3/08, e que a revisão da incapacidade só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, considerando-se esse prazo de caducidade, o certo é que, como defende o Ministério Público, não estando questionado/discutido o coeficiente global de incapacidade de 100% atribuído ao sinistrado, a requerida reapreciação da sua situação do sinistrado não será de enquadrar, estritamente, na figura da revisão da incapacidade, na medida em que aqui se não verifica o pressuposto desta, ou seja, a modificação da capacidade de ganho daquele, determinante da alteração da correspondente pensão, antes se situando tal reapreciação no âmbito de tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que o sinistrado necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causada pelo acidente de trabalho que sofreu.

Efectivamente, como resulta da acção e do recente relatório médico-Legal, o sinistrado continua a apresentar o coeficiente global de incapacidade de 100% atribuído “ab initio” nos autos, o que significa, desde logo, que o quadro clínico do sinistrado não sofreu qualquer melhoria e, também no que se refere ao grau de coeficiente global de incapacidade esta também não sofreu qualquer agravamento, nem tal poderia acontecer, porque situado já no patamar mais elevado (100%). Dai que uma qualquer alteração do montante da pensão atribuída ao sinistrado estaria (e está) desde logo votada ao insucesso, por impossibilidade.

Por outro lado, o requerente/sinistrado em lugar algum do seu petitório vem invocar/peticionar alteração/revisão da sua incapacidade e/ou da sua pensão, mas apenas vem requerer que, com vista a definir a responsabilidade da entidade seguradora, seja submetido a perícia médica tendente a verificar “[a] Se o mesmo apresenta lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer; [b] Em caso afirmativo, se se mostra curado de tais lesões; e, em caso negativo, de que tratamentos carece para o efeito.

E, o certo é que, o relatório médico-legal efectuado pelo GML veio confirmar as referidas sequelas, directamente relacionadas pela utilização da cadeira de rodas de que o sinistrado ficou dependente desde a altura do acidente.

Cremos, assim, que a questão colocada nos autos pelo requerente/sinistrado não pode ser apreciada como incidente de revisão da incapacidade, regulado nos termos Base XXII, nº 2 da Lei nº 2127 e, como já dito, sujeita ao prazo de caducidade de 10 anos, mas sim, terá que ser enquadrada e apreciada no âmbito de prestações (médicas, medicamentosas, assistências técnicas, etc.) pelas quais a entidade seguradora ficou responsável no âmbito da sua obrigação de ressarcimento pelo acidente que vitimou o sinistrado e o colocou na situação de dependência da utilização de uma cadeira de rodas para se movimentar.

Importa, assim, concluir que o requerimento apresentado pelo sinistrado, não configura um (formal) “Incidente de Revisão da Incapacidade ou da Pensão, regulado pelo disposto no art. 145º do Cod. Proc. Trabalho, na medida que quer a incapacidade, quer a pensão, já se mostram estabelecidas pelo máximo legal (100%), não podendo a pensão já estabelecida sofrer qualquer alteração por via de um qualquer (impossível) agravamento do grau de incapacidade. O pressuposto do “Incidente de Revisão da Incapacidade e ou Pensão” consiste precisamente numa eventual modificação da capacidade de ganho do sinistrado que se mostre determinante da atinente e correspondente pensão. In casu, o pedido situa-se no âmbito de tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que o sinistrado necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causada pelo acidente de trabalho que sofreu e/ou em consequência directa dessas sequelas, e não no fundamento de uma qualquer modificação da capacidade de ganho, decorrente da alteração do coeficiente de desvalorização.

Aliás, a entender-se que o pedido formulado pelo sinistrado seria de enquadrar como pedido de revisão da incapacidade ou da pensão, nos termos da LAT aplicável e com a tramitação prevista nos termos do disposto no art. 145º do Cod. Proc. Trabalho, tal, seria, a nosso ver, objecto de indeferimento liminar, porquanto como é sabido a modificação da pensão (revisão/alteração) apenas pode ocorrer se houver uma revisão/alteração do grau de incapacidade, na medida em que o coeficiente de incapacidade é o único factor susceptível de alterar o montante da (já fixada) pensão.

Não faz assim, qualquer sentido, o entendimento de que o sinistrado, com o requerimento feito nos autos, pretendia uma revisão da incapacidade ou da pensão, porquanto o coeficiente de incapacidade de que o sinistrado é portador não é susceptível de qualquer alteração para grau superior ao já estabelecido (100%), não existindo, também por essas razões, a possibilidade de qualquer alteração ao valor da pensão já fixada.

O sinistrado no requerimento inicial efectuado nos autos, objectivou com clareza a sua pretensão, ou seja, a realização de uma perícia médica, tendente a verificar:

a) Se o mesmo apresenta lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer;
b) Em caso afirmativo, se se mostra curado de tais lesões; e, em caso negativo, de que tratamentos carece para o efeito; e
c) Se, em face das mesmas lesões e no quadro da reabilitação funcional do sinistrado se impõe ou justifica a renovação/substituição da cadeira de rodas (manual) que o mesmo vem utilizando por outro dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais resultantes do acidente dos autos (vg. cadeira de rodas motorizada ou eléctrica).

E, relativamente a essa peticionada pretensão, a entidade seguradora/responsável, não se opôs e até veio de imediato informar que relativamente à renovação/substituição já havia providenciado pela sua aquisição, pagamento e entrega ao sinistrado [pedido formulado na alínea c), com o reconhecimento (pelo menos, implícito) de que o uso/locomoção da cadeira de rodas manual, já não se mostrava adequado às condições de saúde do sinistrado.

Assim, quanto à renovação, aquisição e entrega ao sinistrado da cadeira de rodas eléctrica, não colocou a entidade seguradora qualquer tipo de problema com a apelidada “prescrição” nos termos do nº. 2 da Base XXII da Lei 2127 de 8 de Agosto de 1965, pese embora, como era do seu conhecimento, já havia decorrido (desde há muito) o período temporal de 10 anos posteriores à fixação da pensão.

Acresce que o sinistrado/requerente invoca como fundamento da dedução desse pedido, o facto da entidade seguradora ter vindo a recusar-se a assumir a sua responsabilidade no tocante ao actual estado clínico, com o fundamento na falta de relação entre as lesões apresentadas pelo sinistrado e o acidente dos autos.

Do comportamento da ré seguradora, pode, assim, retirar-se (como aliás se retira do seu silêncio (quanto à questão da prescrição) quando notificada para se pronunciar sobre requerimento inicial do sinistrado) não ter a mesma considerado que o pedido formulado nos autos configuraria uma “Incidente de Revisão da Incapacidade ou da Pensão”, o que, efectivamente, não configura, como supra já analisado.

Mas, dando de barato que o pedido do sinistrado é feito ao abrigo do disposto no art. 145º do Cod. Proc. Trabalho (Incidente de Revisão da Incapacidade ou da Pensão), sempre se dirá que, in casu, não se verificaria a apelidada prescrição/caducidade do direito do autor, atendendo à configuração que o mesmo lhe dá e ao que resulta do relatório pericial e é (também) reconhecido pela conduta da ré/seguradora e supra descrita.

Efectivamente, a situação clínica do sinistrado decorrente do acidente dos autos, não se pode considerar estabilizada, como resulta da acção e do recente relatório médico-Legal, quando conclui que o sinistrado “apresenta sequelas ao nível do membro superior esquerdo e quadro de dor crónica (neuropática) que envolve a hemiface esquerda, o hemitórax esquerdo, e o membro superior esquerdo, consequência de traumatismos e esforços acrescidos realizados para se deslocar em cadeira de rodas e nas transferências (…)” e, ainda, estar o sinistrado necessitado “[De] ajudas medicamentosas, ajudas técnicas de acompanhamento médico em Unidade de Dor e por Medicina Física e Reabilitação e tratamento fisiátrico regular”.

Ou seja, o relatório médico-legal efectuado pelo GML vem confirmar as referidas sequelas, directamente relacionadas pela utilização da cadeira de rodas de que o sinistrado ficou dependente desde a altura do acidente.

E colocada a questão nesta vertente (prestações em espécie adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa e determinados pelas lesões/sequelas causada pelo acidente de trabalho que sofreu), cremos que a circunstância de a seguradora responsável estar judicialmente obrigada a acompanhar a situação clínica do sinistrado e a prestar os tratamentos médicos necessários, conduz à conclusão de não se ter por verificada, ou mesmo presumida, a estabilização da situação clínica do sinistrado no período temporal estabelecido pelo legislador, em virtude da densificação do direito fundamental dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de acidentes de trabalho (e doenças profissionais), plasmado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP.

E daqui decorre, igualmente, que a ideia de justa reparação - em face de danos provocados por um acidente de trabalho - aponta para um conceito compreensivo que não se esgota na atribuição aos trabalhadores de pensões por incapacidade (prestações em numerário), antes incluindo prestações de diferentes tipos, como as reparações em espécie, entre as quais ressalta as de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa.

Assim, tal como resulta do supra exposto, a avaliação da situação clínica do sinistrado, que não incide sobre o seu grau de incapacidade e pensão correspondente, mas tão só quanto à verificação ou não se o mesmo apresenta lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer e, em caso afirmativo, se se mostra curado de tais lesões; e, em caso negativo, de que tratamentos carece para o efeito, não se compagina com qualquer presunção de estabilidade da situação clínica do trabalhador na sequência do acidente por ele sofrido, afigurando-se-nos ser de afastar, a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado que legitimaria, na linha jurisprudencial que a defende, a opção normativa de fixação de um prazo de dez anos findo o qual a revisão das prestações (ou, especificamente, da pensão por incapacidade) se mostraria vedada ao trabalhador.

Assim sendo, e não obstante ter já decorrido o prazo de 10 anos sobre a data da fixação da pensão e o requerido em apreço pelo sinistrado, ter-se-á de concluir pela admissibilidade do pedido formulado, entendendo-se que, no caso concreto dos autos, não é de considerar a prescrição invocada pela ré seguradora.
Nos termos expostos, decide-se ordenar o prosseguimento dos autos com vista à apreciação do referido pedido.
Custas do incidente a cargo da entidade responsável – art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC e art. 7º, nº. 4, do R.C.P.
Notifique.
***
Com referência ao relatório de fls. 90 a 92 verso, oficie-se ao Instituto de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Vila Real -, solicitando-se à Srª. Perita Médica que o subscreveu que esclareça, complete e estabeleça a medida de ajuda de terceira pessoa a que se refere no seu relatório, como requerido pela entidade seguradora –cfr. artigo 13º do requerimento com a R.E. 1489665 – fls. 116 e ss.”.
A seguradora recorreu.

Conclusões:

. O acidente de trabalho dos autos ocorreu em 16/09/1981, na vigência da Lei 2.127.
. A revisão pedida, de ajuda/ assistência de terceira pessoa, deverá ser, pois, analisada com base no critério da Lei 2.127.
. O nº 2. da Base XXII da Lei 2.127 estabelece que a revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
. Embora a epígrafe do citado preceito (Base XXII da Lei 2.127) se refira a "revisão das pensões", o certo é que o texto do seu nº 1. determina que " ... as prestações poderão ser revistas ... "; as prestações incluem todas as prestações, não só as pensões.
. A pensão foi fixada com efeitos desde 24/08/1984, data da alta com fixação da IPP, como se vê do boletim de alta junto aos autos.
. Decorreram, pois, mais de trinta e três anos até ao pedido de revisão formulado, pelo que ocorreu a caducidade de tal direito, nos termos do nº 2 da Base XXII da Lei 2.127.
. A decisão recorrida viola, pois, a norma do nº 2 da Base XXII da Lei 2.127.”.

Termina em síntese conclusiva pretendendo “provimento à apelação e revogando a … decisão recorrida, substituindo-a por decisão que recuse a revisão pedida de ajuda/assistência de terceira pessoa”.

O MºPº contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar, cumpre decidir.

A questão a apreciar é se no incidente suscitado pelo requerimento inicial do MºP não deve dar lugar à apreciação da pretensão de “ajuda/assistência de terceira pessoa” em virtude, designadamente, da caducidade prevista no nº 2 da Base XXII da citada Lei 2.127.

Os factos a considerar são os que resultam objectivamente do transacto relatório.

Vejamos.

A recorrente insurge-se, apenas contra o despacho recorrido na parte em que nele se entende que o tal incidente suscitado pelo sinistrado era de prosseguir podendo nele ser conhecida a pretensão de “ajuda/assistência de terceira pessoa” e, em consequência, determinado que “Com referência ao relatório de fls. 90 a 92 verso, oficie-se ao Instituto de Medicina Legal - Gabinete Médico-Legal de Vila Real -­, solicitando-se à Srª. Perita Médica que o subscreveu que esclareça, complete e estabeleça a medida de ajuda de terceira pessoa a que se refere no seu relatório, como requerido pela entidade seguradora – cfr. artigo 13º do requerimento com a R.E. 1489665 – fls. 116 e ss.”.

A censura é devida à circunstância do sinistrado ter formulado na pendência da tramitação do incidente a citada pretensão que constitui “uma prestação suplementar, pois até se concretiza numa percentagem do montante da pensão fixada (Base XVIII da Lei 2.127), isto é, um agravamento da pensão inicialmente fixada” e, estando-se perante um incidente de revisão de pensão caducou o direito do requerente para tanto.

Contudo, o meio processual devido depende da pretensão que foi inicialmente formulada.

No requerimento inicial está em causa o incumprimento da recorrente do acordo que celebrou com o sinistrado no que respeita ao conserto da cadeira de rodas associado a lesões causadas pelo seu uso de cuja responsabilidade a mesma se quer alhear.

A perícia médica aí requerida é um meio para averiguar das “lesões e sequelas directamente causadas pela utilização da cadeira de rodas de que depende para se locomover e pelo esforço físico que, na sua vida diária, a desvalorização atribuída nestes autos implica e requer” e de possibilitar a única pretensão concreta em termos finalísticos que aí se revela: “renovação/substituição da cadeira de rodas (manual) que o mesmo vem utilizando por outro dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais resultantes do acidente dos autos (vg. cadeira de rodas motorizada ou eléctrica)”.

Nesta medida, de forma alguma se pode argumentar que se suscitou um incidente de revisão de pensão ao abrigo do nº 1 da citada Base XXII, segundo o qual “1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.

De resto e na perspectiva dos interesses do sinistrado nem pode estar em causa a modificação da capacidade de ganho se foi atribuído ao mesmo um coeficiente global de incapacidade de 100%.
Daí, por que o requerimento inicial, atento às pretensões formuladas, dá unicamente causa a um incidente inominado não vem ao caso arguir a caducidade prevista no nº 2 da mesma Base: “2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”.

Cabe igualmente referir que esta conclusão não é susceptível de ser prejudicada pela introdução da pretensão do sinistrado, após a realização da perícia singular, perante “a continuada prestação de assistência clínica ao sinistrado por parte da entidade seguradora” das “requeridas prestações deverão englobar a referente a ajuda/assistência de terceira pessoa”.

Com efeito, continua a não estar em causa a revisão da pensão em função da capacidade de ganho do sinistrado que, como vimos, é o verdadeiro pressuposto do incidente da revisão de pensão.

O que se deve entender dessa pedido é que independentemente do fundamento legal, se o houver, o mesmo almeja uma mera prestação em espécie supostamente adequada à situação clinica do sinistrado, pelo que não uma prestação suplementar ao abrigo da Base XVIII da Lei 2.127 (1. Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar não superior a 25 por cento do montante da pensão fixada.).

Mas certo é que mesmo esta, como resulta desde logo também da Base IX, alª b), da Lei 2.127, não reveste a natureza de pensão porquanto destina-se a ajudar a suportar os encargos inerentes a referida assistência (acórdão do STJ de 08.05.2013; procº 771/11.9TTVIS.C1.S1; www.dgsi.pt).

Sob idêntica epigrafe, assim é agora explicitamente na expressão do elemento literal do artº 53º, nº 1 da Lei 98/2009, de 04.09 (1 - A prestação suplementar da pensão destina-se a compensar os encargos com assistência de terceira pessoa em face da situação de dependência em que se encontre ou venha a encontrar o sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho, em consequência de lesão resultante de acidente.), como o era já na expressão do artº 19 da Lei 100/97, 13.09 (1 - Se, em consequência da lesão resultante do acidente, o sinistrado não puder dispensar a assistência constante de terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar da pensão atribuída não superior ao montante da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico.).

Aliás, nas duas primeiras exposições que formula após a sua notificação do relatório pericial o sinistrado vinca o seu propósito segundo a perspectiva por nós entendida, referindo no segundo, por exemplo:

i)Salvo o devido respeito, mantendo-se e não sendo questionado/discutido o coeficiente global de incapacidade de 100% atribuído ao sinistrado no presente (cfr. fls 36), a requerida reapreciação da sua situação não será de enquadrar, estritamente, na figura da revisão da incapacidade, na medida que aqui se não verifica o pressuposto desta: modificação da capacidade de ganho daquele, determinante da alteração da correspondente pensão (cfr. Base XXII, nº 1 da Lei n° 2127, de 03/08/65);
ii)Antes se situando e repercutindo tal reapreciação - como se referiu já no requerimento de fls 97/99 - no âmbito dos tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que o sinistrado necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causadas pelo acidente de trabalho que sofreu (cfr. fls 51/54, 69 e 70);”.

Por tudo isto não se justificando que se observe a partir daí o incidente sob o prisma processual de revisão de pensão, diverso, agora, é saber se o sinistrado poderia requerer no âmbito do incidente a dita “ajuda/assistência de terceira pessoa”, atento ao acordo homologado no qual resulta que beneficiou da pensão pela incapacidade e de mais 25% do seu valor em cumprimento do disposto na dita Base XVIII.

No seguimento do que já transcrevemos, o sinistrado na primeira exposição após a notificação do relatório refere:

ii) Não estando aqui em causa a modificação da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, o requerimento que desencadeou o presente incidente em nada contende com o valor das sobreditas prestações infortunisticas, antes se situando no domínio dos tratamentos/ajudas (prestações em espécie) de que aquele necessita (adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e/ou recuperação para a vida activa) e determinados pelas lesões/sequelas causadas pelo acidente de trabalho que sofreu (cfr. fls 51/54, 69 e 70);
iii) Resultando do referido relatório pericial a correspondente relação causal, consideramos que deverá a entidade seguradora ser condenada a prestar/facultar ao sinistrado as ajudas medicamentosas, técnicas e acompanhamento/tratamento clínicos nele mencionadas (exceptuadas as por ela espontaneamente já fornecidas /efr. fls 82 vs) - o que se requer.”.

Seja, ainda e apenas alude à possibilidade de condenação na obrigação de prestar-lhe “ajudas medicamentosas, técnicas e acompanhamento/tratamento clínicos”.

Na terceira exposição desde o relatório, aí sim, como predito, é que claramente vem requerer a condenação na “ajuda/assistência de terceira pessoa.”

Por seu turno recorde-se, quer quanto à discussão do direito de que o sinistrado se arroga quer quanto à eventual caducidade do exercício desse direito o respectivo conhecimento é oficioso (artº 333º do CC) na medida que é matéria excluída da disponibilidade das partes (Base XL da Lei 2.127, artºs 26º, nºs 1 alª e) e 2, 109º do CPT, 34º da Lei 100/97 de 13.09 e 12º da Lei 98/2009, de 04.094.

Nesta oportunidade não se pode falar de questão nova já que a matéria de existência ou inexistência do direito a que respeita tal pretensão foi enfrentada pelas partes como os próprios requerimento e as peças do recurso o demonstram.

Ora, o que se deve referir nesta oportunidade é que a Base IX, alª a), da Lei 2.127 prevê como prestações em espécie, apenas, as “prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa;”.

As prestações acessórias ou complementares têm como origem necessariamente nas prestações nomeadas (de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar).

Certo é que não podem estar englobadas neste núcleo de prestações as que se revestem de natureza de mera “ajuda/assistência de terceira pessoa” na medida em que o legislador optou precisamente antes pela dita prestação suplementar.

Como a situação do sinistrado a este título encontra-se definido no acordo homologado logo a pretensão agora em causa devia ser imediatamente indeferida por manifesta improcedência e, consequentemente, não devia ter sido ordenado o prosseguimento do incidente quanto à mesma.

O sinistrado disso tem consciência pois refere nas contra-alegações que “"in casu", a recorrente se encontra já, desde a primeira hora, obrigada a tal prestação - então prevista na Base XVIII da Lei n° 2127, de 03/08/65.

Na verdade, a mesma (prestação) foi atribuída ao sinistrado e colocada a seu (recorrente) cargo logo na decisão judicial que homologou o acordo alcançado na tentativa de conciliação realizada na fase não contenciosa dos autos (efr. fls 24/25, 30 e 36 do processo principal).”.

Não pode é depois, esvaziado que está o conteúdo da pretensão, alegar que trata-se “apenas de alcançar/concretizar os termos mais adequados à sua materialização prática, em função da respectiva finalidade e à luz da actual situação clínica do sinistrado”.

Pelo que se deixa dito julgar-se-á o recurso procedente com a consequente revogação do despacho recorrido no que concerne nomeadamente à pretensão de “ajuda/assistência de terceira pessoa”.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- O meio processual devido depende da pretensão inicialmente formulada no incidente.
2- A prestação suplementar ao abrigo da Base XVIII da Lei 2.127 não reveste natureza de pensão.
3- A Base IX, alª a), da Lei 2.127 prevê como prestações em espécie as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar sendo que as outras acessórias ou complementares que também prevê necessariamente, devem ter como origem as primeiras.
4- Por isso não podem estar englobadas neste núcleo de prestações as que se revestem de natureza de mera “ajuda/assistência de terceira pessoa” na medida em que, igualmente o legislador optou antes pela dita prestação suplementar.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente o recurso assim revogando a decisão recorrida no que concerne à pretensão de “ajuda/assistência de terceira pessoa” e na parte em que determinou que “Com referência ao relatório de fls. 90 a 92 verso, oficie-se ao Instituto de Medicina Legal - Gabinete Médico-Legal de Vila Real -, solicitando-se à Srª. Perita Médica que o subscreveu que esclareça, complete e estabeleça a medida de ajuda de terceira pessoa a que se refere no seu relatório, como requerido pela entidade seguradora –cfr. artigo 13º do requerimento com a R.E. 1489665 – fls. 116 e ss.”.
Custas a cargo do recorrente sem prejuízo da isenção de que beneficia (artº 4º nºs 6 e 7 do RCP).
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O acórdão compõe-se de 23 folhas com os versos não impressos.
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31.10.2018