Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3387/17.2T8BRG.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CASO JULGADO
FUNDAMENTO DE FACTO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
RESOLUÇÃO VERBAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O caso julgado, em princípio, não se estende aos fundamentos de facto que integram a decisão, quando autonomizados da mesma, de forma a imporem-se num outro processo.

II- As precauções formais relativas à celebração do contrato promessa de compra e venda de imóveis não se justificam no que concerne ao acordo extintivo do mesmo, sendo pois válida a resolução verbal de tal contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

M. V. e D. M., casados, residentes na Rua …, em ..., Barcelos, e C. G. e J. M., casados, residentes na Rua …, em ..., Barcelos, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “XX, S.A”, com sede do Lugar de … (Clínica Particular ...), em ..., Barcelos, e A. M., casado, sócio-gerente da 1.ª ré de 30.09.1999 a 03.11.2005, residente na Rua …, n.º …, em Barcelos, pedindo a sua condenação na restituição aos autores das quantias por estes entregues àqueles no valor global de 140.000,00 Eur. (cento e quarenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tal alegaram, em suma, que a 1.ª ré, doravante designada por Y, foi constituída em 09/06/1999, sob a forma de uma sociedade por quotas, com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros) distribuído pelos seguintes sócios: a) José casado com Maria; b) A. M. casado com D. A.; c) C. M. casado com M. L.; d) M. A. casado com L. C.; e) J. D. casado com C. B..
Vinculando-se a referida sociedade com a assinatura do gerente, foi nomeado para tal cargo, em 30/09/1999, o sócio A. M., que se manteve em funções até à transformação da dita sociedade em sociedade anónima em 10/08/2005.
Por contrato promessa de cessão de quotas, celebrado em 31/10/2003, a 1ª ré, representada pelo gerente A. M., prometeu ceder a M. V. uma quota no valor nominal de €18.704,92 (dezoito mil, setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), que detinha na sociedade comercial por quotas “Clínica Particular ..., Ldª.”, com sede no Lugar ..., ..., concelho de Barcelos, pelo preço de €75.000,00 (sessenta e cinco mil euros), que foi pago da seguinte forma:
a) €20.000,00 (vinte mil euros), no dia 11 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 2100000024, sacado sobre o Banco ...;
b) €30.000,00 (trinta mil euros), no dia 11 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 9841367855, sacado sobre o Banco Caixa ...;
c) €15.000,00 (quinze mil euros), no dia 20 de Julho de 2004, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB 0036 0096 991000323... sediada no Banco ....
Por sua vez, por contrato promessa de cessão de quotas, celebrado em 31/10/2003, a 1ª ré, representada pelo gerente A. M., prometeu ceder a C. G. uma quota no valor nominal de €18.704,92 (dezoito mil, setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), que detinha na sociedade comercial por quotas “Clínica Particular ..., Ldª.”, com sede no lugar ..., ..., concelho de Barcelos, pelo preço de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), que foi pago da seguinte forma:
d) €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), no dia 15 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 732835278, sacado sobre o Banco ...;
e) €20.000,00 (vinte mil euros), no dia 30 de Dezembro de 2003, através do cheque n.º 4948333779, sacado sobre a Caixa ...;
f) €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), no dia 09 de Novembro de 2004, através do cheque n.º 7448333787, sacado sobre a Caixa ...;
g) €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no dia 28 de Dezembro de 2004 através do cheque n.º 0600000033, sacado sobre o Banco ....
Sucede, porém, que os aludidos contratos-promessa vieram a ser revogados, por mútuo acordo dos contratantes, conforme resultou provado na sentença transitada em julgado, proferida no processo n.º 1944/12.2TBBCL que correu termos neste Tribunal da Comarca de Braga – Instância Central – 1ª Secção Cível – J1, com as mesmas partes.
Nessa conformidade, destruindo a revogação os efeitos dos contratos-prometidos, eliminando as transferências de riqueza que estes implicavam, estão os réus obrigados a restituir aos autores o que estes lhes entregaram e que já lhe vêm exigindo sem sucesso.
A ré “XX, S.A” contestou por exceção e por impugnação.
Confirmou que esteve pendente entre as partes a ação n.º 1944/12.2TBBCL, onde ficou provado que a Y desconhecia a existência dos contratos promessa, bem como a existência de pagamentos alegadamente feitos em cumprimento deles, além do mais, também ali se provou que as quantias entregues como contrapartida da promessa de transmissão das quotas, foram transferidas para diversas contas bancárias, cujos titulares foram identificados, mas nenhuma delas, para qualquer conta detida pela 1.ª ré.
Por exceção, alegou que após ter transitado em julgado a decisão proferida na ação n.º 1944/12.2TBBCL, e por configurar matéria penal, a ré efetuou uma participação ao Ministério Público contra os autores, o 2.º réu e outros (por burla qualificada, infidelidade e outros ilícitos), sendo que as questões controvertidas dos autos estão intrinsecamente ligadas à ação declarativa original e à matéria constante da participação criminal e do pedido de indemnização cível que ali visa enxertar.
Naquela outra ação declarativa foi a Y que chamou à demanda o aqui 2.º réu, A. M., onde o mesmo declarou o conhecimento do negócio cuja titularidade assumiu, afirmando inclusivamente que havia sido realizado em nome e por conta da Y, e dos seus interesses, porém, é claro que os autores e o réu A. M. estabeleceram negócios pessoais, manipulando os factos e subvertendo os termos e condições negociais e devoluções de quantias ajustadas, procurando agora imputar as responsabilidades e consequências financeiras a esta sociedade.
Mais alegou que, uma vez intentada pelos autores a ação declarativa n.º 1944/12.3TBBCL, e vendo estes a sua pretensão negada, tendo entretanto e por sua vez a 1.ª ré desencadeado o processo-crime e estabelecido legal vinculação a formular pedido de indemnização civil, em momento prévio à instauração da presente ação, qualquer pretensão que os autores pudessem ter devia ser ali deduzida.
Aliás, sendo todos os autores e réus sujeitos no aludido processo penal, e tendo ele por fundamento factos necessária e diretamente conexos com a matéria que constitui a causa de pedir e o petitório destes autos, terá de ser declarada a litispendência entre estes dois processos (e o respetivo pedido de indemnização civil).
A presente causa está dependente do julgamento do processo-crime, e aquele decisão afetará e prejudicará o julgamento dos presentes autos, retirando-lhe o fundamento e/ou a sua razão de ser, existindo um nexo de prejudicialidade entre eles, pelo que deverá ser suspensa a presente instância, até à decisão daquela causa prejudicial.
Acresce que também os requisitos do caso julgado se encontram verificados. De facto, as partes são as mesmas, pois que a ora 1.ª ré deteve também a mesma qualidade jurídica no processo n.º 1944/12.3TBBCL – já transitado em julgado -, e no qual o réu A. M. assumiu a posição de interveniente acessório, ocupando um lugar idêntico ao daquela; nesse mesmo processo, ocuparam também os autores a mesma posição processual; no processo-crime, são sujeitos processuais também a 1.ª ré (desta feita na qualidade de participante), sendo que os autores e o réu A. M. ocupam a posição de participados.
O efeito jurídico pretendido também se repete. Se no processo n.º 1944/12.2TBBCL os autores requeriam a devolução em dobro de um sinal que alegadamente pagaram, a causa de pedir não pode deixar de se considerar ser exatamente a mesma, não obstante o valor agora peticionado seja em singelo.
Sempre sem prescindir, alega ainda a 1.ª ré ser parte ilegítima, já que os autores assentam o pedido numa revogação por mútuo consentimento do contrato promessa então celebrado entre as partes, e que tal resultou já provado na ação n.º 1944/12.2TBBCL. Porém, o que se retira da sentença é que, a existir uma qualquer revogação por mútuo consentimento, esta sempre teria que ter ocorrido entre os autores e a 1.ª ré, e tal não poderia suceder porque a 1.ª ré não tinha conhecimento de qualquer negócio, e nenhum produto desse negócio reverteu a seu favor ou para as suas contas.
Deve, pois, soçobrar a pretensão dos autores relativamente à 1.ª ré com o fundamento de ter existido um consentimento desta à revogação, já que nenhuma sustentação para este entendimento flui da sentença e acórdão transitados em julgado.
A 1.ª ré deduziu ainda defesa por impugnação nos arts. 105.º e seguintes da contestação, negando a existência do contrato-promessa efetuado entre os autores e o réu A. M., negócio que só veio a conhecer, quando foi citada para o processo n.º 1944/12.2TBBCL.
Mais alegou que o pagamento das quantias peticionadas nunca foi feito à Y, que nunca delas beneficiou, e sempre foi alheia a qualquer tipo de acordos que hajam envolvido os autores e o réu A. M., pelo que não se vinculou validamente a qualquer negócio jurídico, não podendo ser condenada a qualquer devolução.
A final peticiona, ainda, a condenação dos autores como litigantes de má-fé, pois não desconhecem eles que não teve papel neste processo, pelo que a ação não poderia ter sido instaurada contra a Y; não desconhecem que a Y não recebeu nem beneficiou de qualquer quantia entregue por eles, não lhe cabendo a si operar ou responder por qualquer devolução de valores a que eventualmente tenham direito.
Sendo manifesto que os autores alteraram conscientemente a verdade de factos, que não desconhecem, tentando locupletar-se à custa da 1.ª ré, e dos seus atuais acionistas e profissionais, distorcendo factos e imputando condutas à 1.ª ré que sabem não corresponder à verdade, devem, por conseguinte, ser condenados na indemnização prevista no art. 543.º do C. P. Civil, a qual não deverá ser inferior a 50.000,00 €.
O réu A. M. contestou por exceção, ser parte ilegítima, já que agiu como gerente da Y, pelo que não tem interesse direto em contradizer, pois que enquanto pessoa singular não pode ser condenado no pedido.
Por impugnação alegou, em suma, que reconhece que celebrou os contratos-promessa e que recebeu os cheques identificados na petição, porém, os mesmos não foram revogados por mútuo acordo das partes, a sua causa de extinção foi outra. Aliás, o que resulta da sentença proferida na ação n.º 1944/12.2TBBCL é que os autores e o ali chamado, o aqui réu, terão “acertado desistir” deles, pelo que cai por terra a causa de pedir da presente ação.
Por requerimento de 10.10.2017 os autores vieram, em exercício de contraditório, responder à exceção de ilegitimidade e ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.
Na sequência do despacho proferido a 8.11.2017 – cfr. fls. 221, vieram ainda os autores a responder às exceções de litispendência e de caso julgado.
Foi realizada a audiência prévia em que, entre outras coisas, os autores foram convidados a aperfeiçoar a causa de pedir, nomeadamente quanto ao alegado nos arts. 16.º e 17.º da petição inicial. – v. acta de fls. 239 a 242.
Os autores responderam ao convite feito pelo Tribunal alegando, no novo articulado, em suma, no que concerne à revogação dos contratos-promessa, que após celebração dos aludidos contratos ficaram a aguardar a marcação de data para a realização da escritura, porém, em meados de 2004, o 2.º réu A. M., contactou-os informando que estava a avaliar propostas de compra da clínica pela K e pelo Grupo ... - P., e nessa conformidade, em Julho de 2004, solicitou ao autor M. V. que suspendesse os pagamentos, razão pela qual este pagou a quantia de € 65.000,00 e não a que contratualmente ficou obrigado.
Já os autores C. G. e J. M. pagaram a totalidade da promessa de cessão.
Em Maio de 2005, o 2.º réu, de forma inesperada, e contrariamente aquilo que ficou obrigado com os autores, informou-os que vendeu a Y à K e, ainda que, o autor M. V. que não teria de concluir o pagamento do remanescente em falta.
Foi o aqui 2.º réu que mostrou interesse na revogação do negócio, uma vez que este expressou junto dos autores que o melhor seria a desistência de tal negócio, não avançando para a realização da competente escritura, uma vez que o objeto do contrato (sociedade por quotas) deixaria de existir e a Y iria passar a sociedade anónima, logo não havia equivalência entre o objeto do contrato promessa (quotas) celebrado, em 2003, e a atual situação da Y (ações), em 10/08/2005.
E, além disso, informou que a K iria realizar um aumento de capital social e, nessa conformidade, os autores iriam perder o valor das suas quotas. Asseverando, em face disso, que com a venda à K iria restituir, em singelo, o valor global que os autores tinham pago em subsequência do contrato promessa celebrado.
Em face da conduta do 2.º réu, os autores concordaram na desistência do negócio, obrigando-se os aqui réus a restituir a estes todas as quantias pagas na esteira de tal contrato promessa, o que nunca sucedeu.
O réu A. M. veio exercer o contraditório quanto ao articulado aperfeiçoado nos termos de fls. 322 a 324, arguindo, entre o mais, que a existir revogação a mesma teria de ser feita por escrito, porque estava sujeita à mesma forma que a do contrato-promessa, e não tendo sido observada a forma legal, é a mesma nula. Por outro lado, conhecendo os autores desde Maio de 2005 essa suposta revogação, atento o preceituado no art. 482.º do Código Civil, prescreveu em Maio de 2008 o seu – eventual - direito à restituição do indevido.
A 19.10.2018 os autores exerceram o contraditório quanto ao articulado apresentado pelo 2.º réu, nos termos de fls. 325 e 326.
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Realizada nova audiência prévia a 05.11.2018 foi proferido o despacho-saneador, que julgou não verificada a existência de causa prejudicial, indeferindo-se a suspensão da presente instância, julgou ainda improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade passiva invocadas pelos réus Y e A. M., julgou também improcedentes as exceções de dilatórias de litispendência e caso julgado invocadas pela Y, mais julgou ineficazes, porque constituindo defesa nova, as exceções de nulidade, por falta de forma, do acordo revogatório, e da prescrição do direito à restituição, deduzidas em resposta ao articulado aperfeiçoado pelo réu A. M..
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Foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condena os réus a restituir aos autores as quantias por este entregues, no valor global de 140.000,00 Eur. (cento e quarenta mil euros), sendo 65.000,00 Eur. aos 1.ºs autores, e 75.000,00 Eur. aos 2.ºs autores, ambas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, a contar desde da citação até efetivo e integral pagamento.
Não há lugar à condenação de qualquer das partes como litigantes de má-fé.”
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Inconformado veio o Réu A. M. recorrer formulando as seguintes Conclusões:

A. O presente recurso, versa tão só sobre questões de direito.
B. O objeto do presente recurso é a sentença final; bem como, o despacho saneador, na parte em que decidiu desfavoravelmente as questões suscitadas pelo demandado A. M. concernentes à sua ilegitimidade passiva; à nulidade por vício de forma, no que tange ao contrato de revogação (contrarius consensus); bem como, a prescrição decorrente da fonte das obrigações – enriquecimento sem causa.
C. No despacho saneador, e na sentença final, o tribunal veio entender que o demandado A. M. era parte legítima.
D. Os outorgantes dos ditos contratos promessa foram os autores e o aqui recorrente, na qualidade de gerente da sociedade Y (primeira demandada).
E. O aqui recorrente (na sua perspetiva), deveria ter sido absolvido da instância no despacho saneador e na sentença final.
F. O tribunal a quo decidiu condenar o aqui recorrente, conjuntamente, com a sociedade Y.
G. A ilegitimidade passiva do aqui recorrente, mantém-se e pode ser declarada – porque invocada já foi – até ao trânsito em julgado do pleito.
H. Realizada a primeira audiência prévia, o tribunal a quo convidou os autores a aperfeiçoarem os artigos 16 e 17 da petição inicial, na medida em que, tal matéria era “manifestamente conclusiva e deficiente”.
I. Os autores vieram cumprir o determinado pelo douto tribunal a quo, tendo esclarecido e complementado a P.I. que, a dita revogação, teria ocorrido no ano de 2004.
J. Tendo sido proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção dilatória de legitimidade passiva do aqui recorrente, bem como, o tribunal a quo entendeu que, ‘’toda a defesa – por impugnação e por exceção – deve ser deduzida na contestação’’ ao abrigo do princípio da concentração de toda a defesa na contestação; e, nessa medida, ‘’tendo sido omitidas na contestação as exceções de nulidade por falta de forma do acordo revogatório e da prescrição do direito à restituição, deduzidas apenas em resposta a um aperfeiçoamento, correção ou aditamento à petição inicial, são ineficazes porque, constituindo defesa nova, precludira o direito de as evocar depois da contestação, o que se decide’’.
K. O demandado aqui recorrente, não se conforma com este segmento decisório do despacho saneador; razão pela qual, aproveita este recurso da sentença final para também recorrer do dito despacho.
L. A nulidade decorrente da preterição da observância da forma legal é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 286º do C.C..
M. Perante a alegação de factos novos que constituíram a causa de pedir, o aqui recorrente entendeu ter direito ao exercício do contraditório, nos termos do art. 3º do C.P.C.; bem como, o direito a um estatuto de igualdade substancial de partes, conforme resulta do art. 4º do C.P.C..
N. O tribunal a quo, no referido despacho saneador, julgou ineficaz tal matéria de exceção perentória, por violação do princípio de concentração da defesa.
O. O recorrente é parte ilegítima na presente ação, pelo que, deve ser absolvido da instância, nos termos supra defendidos nos itens 5 a 14 das presentes alegações.
P. A defesa superveniente efetuada através de requerimento do exercício do contraditório apresentado em 08-10-2018 deve ser considerada eficaz, porque elaborada na sequência de factos novos trazidos aos autos pelos autores.
Q. Estamos perante uma revogação de um contrato promessa assente numa nulidade formal de conhecimento oficioso, nos termos do art. 220º e 286º ambos do C.C..
R. Em face da nulidade formal, relativa ao contrato de revogação dos contratos promessa que constituem causa de pedir da presente ação; a única fonte das obrigações suscetível de obrigar o demandado recorrente a restituir a quantia recebida a titulo de sinal, é a fonte das obrigações – enriquecimento sem causa, com regime específico nos arts 473ºss do C.C..
S. A presente ação foi impetrada em 2017, muitos anos depois do prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento; o qual, nos termos do art. 482º do C.C., “prescreve no prazo de 3 anos”.
T. A decisão proferida a 5-11-2018, foi uma mera decisão interlocutória que não transitou em julgado e constitui objeto do presente recurso, conforme estatui novas regras processuais do NCPC. É perfeitamente tempestiva, a invocação perante o tribunal da relação da circunstância invocada no requerimento do exercício do contraditório formulado a 8-10-2018 pelo aqui recorrente.
U. A revogação em questão, aconteceu através de acordo revogatório; ou seja, contrato extintivo ou abolitivo de mútuo consenso entre as partes.
V. É impróprio invocar-se a figura do abuso de direito imputável apenas ao demandado decorrente, porque a sua atitude não excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
W. Se houve – como houve – a falta de redução a escrito do aludido acordo revogatório; também, tal preterição é imputável aos autores (e não só ao aqui demandado recorrente).
X. A preterição da forma legalmente imposta para a revogação contratual, implica a nulidade da mesma.
Y. A única fonte das obrigações que poderia impor a restituição do indevido, seria o instituto do enriquecimento sem causa, consignado nos arts 473º a 482º do C.C..
Z. A fonte das obrigações do contrato (revogatório), não se aplicara no causo dos autos; porquanto, o acordo revogatório, ou o contrarius consensus é nulo por vício de forma.
AA. O enriquecimento sem causa, tem um prazo de prescrição mais apertado do que o prazo geral de 20 anos para a responsabilidade civil contratual.
BB. Dispõe o art. 482º C.C. que, ‘’o direito à restituição pelo enriquecimento prescreve no prazo de 3 anos…’’.
CC. Os autores poderiam estribar a sua ação em enriquecimento sem causa até ao ano de 2007/2008. Nunca no ano de 2017, altura em que foi impetrado o presente pleito.
DD. Em resumo: o direito dos autores encontra-se prescrito (e tal prescrição foi tempestivamente invocada em sede de articulados); porquanto o acordo revogatório é nulo, por vício de forma (sem qualquer abuso de direito por parte do demandado recorrente); na medida em que, entre a data da revogação (por mútuo consenso) e o momento em que a presente ação foi proposta (2017), mediaram mais de 12 anos, quando o prazo prescricional do enriquecimento sem causa no art. 482º do C.C.

Termos em que, devem as presentes alegações e respetivas conclusões serem julgadas procedentes, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores; e, por consequência, deverão determinar a absolvição da instância (ilegitimidade passiva do recorrente); ou absolvição do pedido (procedência das exceções perentórias invocadas); pois, só assim, se concretizará a almejada JUSTIÇA!...
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Recorreu também a Ré XX, SA, concluindo nos seguintes termos:

A. O presente recurso reporta-se à decisão proferida pelo Tribunal a quo, em 26.03.2019, a qual (i) julgou erradamente a matéria de facto, como os meios de prova constantes do processo e em contradição com o sentido da decisão demonstram de forma clara e inequívoca, e (ii) errou ainda na aplicação do Direito, não podendo de forma alguma e à luz das mais elementares regras e princípios de Boa Justiça, ser mantida.
B. A matéria decidida e fixada nos processos judiciais que antecederam a presente ação e que desde logo motivaram a arguição contestatória em sede de exceção de litispendência e caso julgado constituem matéria indiscutível que teria inevitavelmente de conduzir ao deferimento da mesma, pelo menos parcialmente, o que não sucedeu tendo a M.ª juiz a quo desconsiderado em absoluto e em prejuízo da ora Recorrente e da certeza e segurança jurídicas.
C. Constitui também objeto do presente recurso o despacho proferido em sede de audição prévia (em todas as suas sessões), e especialmente na diligência ocorrida em 05 de novembro de 2018 (despacho saneador com a referência n° 30050548), do qual se recorre agora nos termos do art. 644°, n° 3 do C.P.C.9 e na medida em que este decidiu desfavoravelmente à matéria de exceção invocada pela Recorrente na sua contestação (leia-se, à matéria da petição inicial, e da aperfeiçoada).

A saber, os:
d) processos n.º 1944/12.2TBBCL, respetivos recursos,
e) a participação de fls. 108 verso a 124 verso, e documentos anexos à mesma (autos de inquérito/instrução n.° 2364/16.5T9BRG), e
f) a aludida notificação judicial avulsa feita aos autores de fls. 167 a 205.
9 A saber, norma que habilita a recurso de decisão desfavorável no recurso interposto das decisões previstas no n. 1 do identificado preceito.

D. Finalmente, refira-se ainda que a 1.ª Ré recorre ainda do despacho que deferiu a prestação de depoimento de parte do 2.º R. A. M. por escrito, na pessoa do seu mandatário, do dia 18.03.2019, às 18:16 horas, através de procuração com poderes especiais para o efeito, nomeadamente a matéria dos temas da prova I e II, e nos termos das fls. 353 a 355 verso, e que ao mesmo tempo indeferiu o seu requerimento nessa mesma data e hora que requeria a prestação do referido depoimento de parte presencialmente uma vez que (i) nos termos do Artigo 5.2.b) do Código de Processo Civil, deve o juiz relevar na decisão de facto os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e que (ii) atentos os temas da prova definidos, seria forçoso concluir-se que o requerimento nos autos de prestação de declaração de partes por intermédio de mandatário não abordava ou extinguia toda a matéria dos temas da prova (designadamente o contexto da prestação das declarações e circunstâncias das mesmas) e/ou a máxima extensão e utilidade probatória do meio de prova requerido, que pressuporia necessária imediação10.
E. Nos autos de processo que correu termos sob os n.°s 1944/12.2TBBCL, junto da Instância Central - 1a secção cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, e posteriormente no Tribunal da Relação de Guimarães - 2a secção cível, com o mesmo número (G1), ambos com a materialidade essencial refletida nas respetivas decisões finais e juntas à contestação sob os números 1 e 2 e refletidas na sentença recorrida, é manifesto que a ora Recorrente nunca recebeu as quantias como lhe ora vai imputado, e desta feita com a cominação de restituição das quantias (que nunca recebeu) por via judicial, bem pelo contrário.
F. Tal ficou cabalmente demonstrado através de vários processos judiciais documentalmente juntos com a contestação, transitados em julgado e a correr
10 A este respeito, conforme formulação indeferida nos autos recorridos, cfr. Ac. TRL n.º 24233/13.0 T2SNT-A.L1-6, de 11/20/2014 – depoimento de parte (da parte contrária ou de co-Réu) destina-se a obter a confissão, pelo que a sua admissibilidade depende de o conteúdo ser coerente com o disposto no artigo 352.º do CC, que a caracteriza como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, disponível em www.dgsi.pt. os seus termos (designadamente o processo crime cuja certidão a Mm.ª juiz convidou a 1.ª Ré a juntar aos autos - certidão extraída do inquérito n.° 2364/16.5T9BRG, a par do aperfeiçoamento da causa de pedir, nomeadamente quanto ao alegado nos arts. 16.° e 17.° da petição inicial, em ata de fls. 239 a 242), todos estes elementos não impugnados nos autos e que a Mm.ª juiz a quo tinha a obrigação de reconhecer – a par dos efeitos jurídicos decorrentes -, e manifestamente não conheceu, em desfavor da 1.ª Ré.
G. É indiscutível e constitui caso julgado formal e material (artigo 581.º, 620.º e 621.º todos do CPC) formado em momento anterior aos presentes autos que (i) na tese contestatória apresentada junto da Instância Central – 1.ª secção cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, como no Tribunal da Relação de Guimarães – 2.ª secção cível, a R. Y alegou e demonstrou que desconhecia por completo a existência de quaisquer contratos promessa, designadamente aqueles apresentados nos sobreditos autos;
H. No tocante à posição da R. Y nesses autos, não só deu conta disso aos ora (e então) AA., conforme se retira do artigo 13.° da matéria de facto dada como provada na douta sentença proferida no âmbito do processo judicial com o n.° 1944/12.2TBBCL (documento n.° 1, já junto e integrado com a contestação e melhor referenciado nos fundamentos da sentença);
I. Foi nessa sede dado como provado que as quantias que se apurou terem sido pagas como contrapartida onerosa da promessa de transmissão das ditas quotas, no âmbito dos referidos contratos, foram transferidas para diversas contas bancárias, cujos titulares foram também identificados e de onde consta o R. A. M., mas nenhuma delas, para qualquer conta detida pela 1.ª Ré e ora Recorrente nunca tendo entrado no seu património, elemento imprescindível para qualquer devolução.
J. Elementos de prova que quedaram reforçados nos presentes autos como seguidamente se evidenciará, e que impunham uma sentença de sinal oposto e uma decisão de indeferimento liminar de qualquer pedido de pagamento ou restituição de valor(es) sobre os quais a 1.ª Ré nunca teve qualquer tipo de posse, propriedade e/ou detenção, nem dos mesmos se fez valer a qualquer título.
L. Motivos pelos quais a douta sentença a quo errou na aplicação do Direito, e na subsunção dos factos ao Bom Direito, devendo ser revogada e substituída por outra decisão que V.ªs Ex.ªs douta e superiormente proferirão e que decida em sentido contrário.
M. Em sede da douta sentença recorrida, refere-se que o Despacho-Saneador de 05.11.2018 julgou não verificada a existência de causa prejudicial, indeferindo-se a suspensão da presente instância, julgou ainda improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade passiva invocadas pelos réus Y e A. M., julgou também improcedentes as exceções de dilatórias de litispendência e caso julgado invocadas pela Y;
N. É pacificamente consabido que a litispendência e o caso julgado formal e material constituem conceitos e barreiras jurisdicionalmente inultrapassáveis, sendo incompreensível, contrária ao senso comum e desprovida de tutela do Direito o sentido da decisão nos autos.
O. No primeiro caso (litispendência), está cabalmente e à saciedade demonstrada nos autos a existência de (i) uma ação transitada em julgado com os mesmos AA. e RR., pelos mesmos factos e com causa de pedir em tudo idêntica, e ainda de um (ii) Inquérito em sede criminal, na sequência de participação criminal e dos factos apurados nos autos entretanto já transitados em julgado para apuramento de matéria passível de classificação enquanto ilícito penal pela prática de crimes por todos os AA., e ressarcimento dos lesados, designadamente da 1.ª R. e pelos factos nos autos11, em momento anterior à interposição da presente ação;
A saber, burla qualificada, infidelidade e outros ilícitos melhor descritos na participação e certidão junta nos autos, já identificada e melhor referenciada em anotação de rodapé anterior.
P. E tal impõe concluir que as questões controvertidas dos autos estão intrinsecamente ligadas (i) ao petitório constante da ação declarativa original, e (ii) à matéria constante da participação criminal e do pedido de indemnização cível resultante do inquérito em questão (cfr. documento n.° 3 com a contestação), e (iii) à ação declarativa que ora intentam e se contesta, o que seria bastante e suficiente para pelo menos se sustarem os presentes autos e decidir pela procedência da referida exceção, o que a Mm.ª juiz a quo não fez, ferindo de invalidade a sua decisão.
Q. Pior andou quando decidiu ignorar por completo a autoridade de caso julgado que a vinculava, por dever judicatório, a acatar uma decisão proferida em ação anterior e respetivos recursos superiores (leia-se aqui, aquela transitada em julgado e que correu termos sob os n.°s 1944/12.2TBBCL, junto da Instância Central - 1a secção cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, e posteriormente no Tribunal da Relação de Guimarães - 2a secção cível, com o mesmo número (G1), ambos com a materialidade essencial refletida nas respetivas decisões finais e juntas à contestação sob os números 1 e 2), decisões essas que se inserem diretamente no objeto do processo nos autos e ainda da sentença ora recorrida, permitindo que através desta a situação jurídica material definida anteriormente e transitada em julgado formal e materialmente seja agora definida de modo diverso pela sentença recorrida.
R. Devendo proceder as exceções atempadamente por nós aduzidas de litispendência e caso julgado, e assim se requer a revogação do despacho de indeferimento das exceções e, por conseguinte, da douta sentença, nesta parte.
S. Não só é evidente que a factualidade é incompatível, como ainda é lapidarmente claro que qualquer estratégia processual entre os AA. e os seus mandatários não pode preocupar ou ocupar sequer o Tribunal. Cfr. a este respeito Acórdão do TRG disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d8dc37c6ff53835380257ef100597c76?OpenDocument
T. O que no ordenamento jurídico português constitui trave mestra e única preocupação do Tribunal - isso sim -, é que do objeto da sentença transitada em julgado e da matéria provada nesses autos não fazia parte nem se concluiu por nenhum “acerto de desistência” entre os AA. e os ora RR., pelo que ao terem optado por uma tese de incumprimento contratual e tendo agido em conformidade (desde 2012, com interpelações e sustentando várias instâncias de recurso inclusivamente com o patrocínio do atual Ilustre mandatário) dir-se-à que sibi imputet, impondo-se que o Tribunal a quo extraísse os devidos efeitos jurídicos, deferindo as exceções arguidas e absolvendo a 1.ª Ré do pedido, o que não fez em manifesto desfavor do Direito e segurança jurídicos que também assistem à 1.ª Ré!
U. Na sequência do trânsito em julgado da ação anteriormente interposta (P. n.º 1944 e recursos e inquérito criminal já identificado) pelos mesmos factos nos autos, a Mm.ª julgadora a quo havia que decidir favoravelmente pelas exceções nos autos, com todos os efeitos e legais cominações aplicáveis, assim se reiterando o expresso requerimento a V.ªs Ex.ªs para que superiormente procedam à revogação da Sentença Recorrida nesta parte, substituindo-a por decisão que defira as exceções de litispendência e caso julgado formuladas pela 1.ª Ré nos autos, fazendo assim inteira Justiça.
V. A Lei, a Doutrina e a Jurisprudência são claras na afirmação de que todas as decisões jurisdicionais estão sujeitas à obrigação de decidir (i) todas as questões que as partes coloquem à sua apreciação, e (ii) apenas essas questões – artigo 608.º n.º 2 do CPC.
X. Em suma, “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões” – cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª Ed., Lisboa: Lex, 1997, pág. 220, sendo todas estas, e apenas estas, as “questões” a decidir pelo Digm.º Tribunal.
Z. É lapidarmente evidente que a douta Sentença recorrida não considerou todos os meios de prova relevantes já cristalizados na ordem jurídica pelo trânsito em julgado, nem todos os meios de prova requeridos pela ora Recorrente, pelo menos com toda a amplitude legal suscetível de proporcionar a devida igualdade de armas e a melhor defesa e contraditório, como se constata nos autos quando indeferiu o pedido de manutenção do depoimento de parte do R. A. M..
AA. Os Doutos Despachos recorridos, já identificados, a saber o que (i) indeferiu as exceções aduzidas e (ii) o que posteriormente admitiu o depoimento de parte através do Ilustre Mandatário do R. A. M. e ainda indeferiu o requerimento expresso da ora Recorrente no interesse em complementar tal depoimento de forma presencial ainda que ocasião ulterior violaram os Direitos processuais e substantivos que assistem a esta, como já escalpelizamos.
BB. Mas mais: ao decidir enquanto matéria de facto não provada que “...Da contestação da ré sociedade não se provou que a “Y, Lda." Não recebeu ou beneficiou de qualquer um dos montantes pagos pelos autores por força dos contratos-promessa....” a Mm.ª juíz conclui em manifesta contradição com as decisões tidas em sede do Processo 1944 e respetivos recursos, integrados nos autos, entrando em contradição com os elementos de prova e violando em absoluto os limites da pronúncia, por excesso, inquinando a Sentença recorrida desde logo com a nulidade a que se refere o artigo 615.º n.º 1 alínea d), 2.ª parte, do CPC.
CC. A douta Sentença recorrida e cuja nulidade agora se argui, efetivamente, conhece e decide de diversas questões que nenhuma das Partes submeteu à sua apreciação, e que não era possível conhecer por anteriormente decididas e cristalizadas, o que constitui excesso de pronúncia – cfr. Acórdãos do TCA Norte de 30 de Junho de 2005, Proc. 40/04, e do STJ de 7 de Outubro de 2004, Proc. 3S1387.
DD. Aquilo que o Tribunal refere na Sentença abrange, manifestamente, matéria cuja apreciação lhe estava vedada, designadamente na forma e alcance que lhe foi conferido em sede da decisão recorrida, mais ainda quando confrontado o conteúdo material da ata de audiência prévia e de primeira sessão de audiência de discussão e julgamento com (i) os autos transitados em julgados, (ii) documentados e integrados com a contestação da Ré Y, e (iii) toda a matéria aí dada como provada, (iv) e ainda toda aquela constante da queixa crime também junta com a contestação e que continha cartas do alegadamente R. A. M. a outros interlocutores que vieram a ser confirmados em sede de prova testemunhal nestes autos (a saber, o Dr. José e o Dr. C. M.).
EE. A R. Y (i) nunca manifestou formalmente qualquer intenção de desistência dos contratos promessa até à data da venda do negócio, (ii) nem recebeu as quantias que ora lhe são sentenciadas devolver, e essa questão tinha já sido decidida e transitada em julgado (cfr. o disposto na fundamentação da sentença recorrida), devendo por conseguinte considerar-se que nenhum reflexo existe nos autos que permitam à Sentença recorrida desconsiderar em absoluto as decisões de primeira instância e de recurso interpostos em 2012 e deferidos a favor da Y, e muito menos desprezar toda a matéria dada como provada nessas instâncias e decidir agora em sentido contrário das mesmas, cumprindo assim e agora que os Venerandos Desembargadores declarem a nulidade da Sentença Recorrida e a revoguem por decisão superior que restitua a devida Justiça e Direito, o que aqui e atento o contexto se reafirma, reforça e requer.
FF. Tal não fazia, de acordo com as regras processuais aplicáveis, parte do thema decidendum colocado à apreciação do Tribunal, e/ou da fundamentação e sentido da Sentença recorrida, pelo que ao abordar e decidir questões claramente exorbitantes daquelas que constituíam o sentido da Sentença anterior, e com estes optando por desconsiderar e unilateralmente julgar inútil um meio de defesa já interposto e admitido a favor do R.-Recorrente, o Tribunal a quo incorreu também em grave excesso de pronúncia.
GG. Configurado o excesso de pronúncia como o conhecimento de questões
– de direito ou de facto – que o Tribunal não podia considerar; e tendo o Tribunal, como se demonstrou, conhecido questões – de facto e de direito – fora do contexto dos seus poderes legítimos de cognição, é necessário concluir que ocorreu, na Sentença proferida nos presentes autos, a nulidade a que se reporta o artigo 615º n.º 1 alínea d), 2ª parte, do CPC, não obstante a sentença afirme expressamente que a confissão do R. A. M. não vincula a co-Ré e Recorrente Y, facto é que também por este fundamento a sentença recorrida não poderia nunca ter o sentido de condenação da Recorrente.
HH. Não decidindo, pois, de forma integrada e coerente sobre esta questão sobre a qual deveria ter tomado conhecimento decidindo em conformidade e absolvendo a Recorrente do pedido, o Tribunal recai em omissão de pronúncia, o que é causa de nulidade da Sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC, o que desde já se requer e expressamente invoca para todos os legais efeitos, e a Sentença recorrida deve, consequentemente e sem prejuízo das demais prerrogativas processuais ao alcance do R.-Recorrente ser revogada e substituída por outra que se conforme com a Lei processual e substantiva violadas, o que expressamente se requer.
II. A Sentença vai também impugnada em matéria de facto, nos termos das transcrições detalhadamente constantes do corpo das presentes Alegações, e de onde se conclui sumariamente que ao proceder a este julgamento sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo decidiu incorretamente sobre um conjunto muito diversificado de factos, e contra prova documental com força probatória plena como, de resto, os meios de prova constantes do processo, designadamente a prova gravada e os depoimentos testemunhais demonstram à saciedade e mais detalhadamente adiante demonstraremos, em cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto com fundamento em reapreciação de prova gravada.
JJ. Designadamente quanto aos pontos transcritos e relevados do depoimento testemunhal das testemunhas A. B. e L. J. nas presentes Alegações;
LL. Relevando-se, por conseguinte e em plena concordância com a matéria provada nos autos precedentes (P1944 e recursos) e transitada em julgado, e com toda a matéria adicional constante dos autos de inquérito identificados e integrados nos autos que:
a) os AA. e o R. A. M. nunca desistiram nem podiam desistir do negócio (contrato-promessa), sem cumprimento da forma legalmente estipulada para o efeito, e o Tribunal não pode desconhecer ou ignorar esse formalismo legal para concluir desse modo com validade uma vez que qualquer acordo revogatório estaria sujeito à mesma forma dos contratos-promessa, sob a cominação de nulidade prescrita pelo art.
220° do Código Civil;
d) Recentemente (há cerca de 6 meses, portanto em 2018-2019) o R. A. M. afirmou à testemunha A. B., sobre o negócio que titulou com os AA.: “Oh A. B. eu vou lhe pagar. Deves-lhe? Devo! Paga-lhe pah! Em quatro ou cinco vezes! Eu promovo um almoço entre vocês.”, o que é manifestamente incompatível com qualquer tese ou hipótese revogatória conforme dado por demonstrado nos autos, até porque se a dívida fosse da responsabilidade da ora Recorrente, nem os AA. nem o R. A. M. alguma vez afirmariam tal facto, em data amplamente posterior à da transmissão de participações sociais (recorde-se, ocorridas em 2005) e o Tribunal deveria reconhecer esse facto para as suas conclusões e subsunção dos mesmos ao Direito decidindo em sentido contrário ao que decidiu;
e) É a testemunha L. J., no seu depoimento que a Mm.ª juiz a quo utiliza enquanto fundamento para a decisão recorrida que afirma inequivocamente, conforme anteriormente transcrito e nossos destaques, que:
i. o acordo foi feito com o R. A. M., que inclusivamente levou a filha e parceira de negócio consigo para o Centro de Saúde;
j. Que sempre aguardou pela escritura pública e negócio prometido, insistindo pela sua marcação já depois de 2010 e em representação das filhas;
k. Que o R. A. M., o C. M. e o José, já depois da venda da sociedade discutiram o assunto e assumiram a responsabilidade de devolver as quantias aos AA., nunca se negando a devolver o dinheiro em causa;
l. Que reuniu neste sentido com o R. A. M. e estes interlocutores, depois de 2010, munida de procuração para o efeito e estes inclusivamente chegaram a afirmar que devolveriam as quantias e a marcar datas para o efeito, sem prejuízo de não o terem efetivamente realizado;
m. Que quem fez os contratos e tratou do negócio foram estes interlocutores, e por isso se dirigiu a eles para a devolução das quantias, o que não enjeitaram nunca, sempre tendo prometido que pagavam.
n. Que ficou perfeitamente convencida que, já bem depois de deixarem de ser proprietários de qualquer empresa do grupo, iriam reunir entre si para proceder à devolução das quantias, portanto à margem de qualquer vinculação ou negócio que envolvesse a sociedade ora Recorrente.
MM. Assente a matéria de facto transitada em julgado, a prova documental nos autos e toda esta prova testemunhal que atrás se evidenciou, tendo o Tribunal fundamentado a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, designadamente valorando a confissão obtida através do depoimento de parte do réu A. M. (leia-se, por interposta pessoa e sem prejuízo do indeferimento da nossa pretensão e ainda que não vinculando a Recorrente) e o depoimento das testemunhas ouvidas; no confronto com a prova documental junta ao processo, e tudo isto supostamente analisado de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade, não obstante o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art. 607.°, n.° 5 do C. P. Civil, facto é que o Tribunal não podia decidir como decidiu, e tinha que decidir pela absolvição da Recorrente de qualquer devolução de quantias.
NN. Em face de factos dados como provados por sentença anterior, a saber que:
a) O R. A. M. foi gerente até 10.08.2005 (facto dado como provado n.º 2);
b) O contrato promessa com o A. M. V. foi celebrado por documento escrito (facto dado como provado n.º 3);
c) O negócio prometido com o A. M. V. seria celebrado por escritura pública (facto dado como provado n.º 4);
d) O contrato promessa com o A. C. G. foi celebrado por documento escrito (facto dado como provado n.º 5);
e) O negócio prometido com o A. M. V. seria celebrado por escritura pública (facto dado como provado n.º 6);
f) A matéria transitada em julgado nas variadas instâncias (facto dado como provado n.º 15, 16 e 17) inequivocamente conclui que:
i. as mesmas partes (leia-se, os ora AA. em ofício dirigido à Y) já haviam comunicado expressamente e por escrito a sua convicção de manutenção dos contratos promessa e exigido a celebração do negócio prometido ou em alternativa a devolução das quantias em dobro, conforme indemnização do 442.º do CC.;
ii. que as quantias entregues tiveram o seguinte destino:
- o cheque n.° 2100000024, no montante de €20.000,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado numa conta da Clínica Particular ... e o respetivo montante foi levantado à boca de cofre e afetado ao pagamento de salários aos funcionários dessa Clínica;
- o cheque n.° 9841367855, no montante de €30.000,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado numa conta titulada por D. A., mulher do R. A. M., junto do Banco ...;
- o cheque n.° 0732835278, no montante de €17.500,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado numa conta titulada por José, sogro do A. M., junto do Banco ...;
- o cheque n.° 4948333779, no montante de €20.000,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado numa conta titulada pelo A. M. e pela sua mulher no Banco ...;
- o cheque n.° 7448333787, no montante de €12.500,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado na conta que a "Clínica ..., Lda." possuía junto do Banco ...;
- o cheque n.° 0600000033, no montante de €25.000,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado na conta bancária de que a "Clínica ..., Lda." era titular junto da mesma instituição de crédito;
- o valor de €15.000,00, movimentado por transferência bancária no dia 20 de Julho de 2004, foi creditado numa conta titulada por José, sogro do A. M., junto do Banco ......";
g) Notificados para se pronunciarem sobre todas estas conclusões através de notificação judicial avulsa, nunca os ora AA. e R. A. M. afloraram sequer a hipóteses de desistência do negócio que ora sustentam, e a mesma é absolutamente contrária à tese que sustentaram nos anteriores autos, e com representação em sede de recurso do mesmo Ilustre Mandatário!
OO. Não tendo quaisquer dos documentos juntos aos autos sido alvo de impugnação, há que atender aos mesmos para fundamentar de forma coerente e sistemicamente adequada uma sentença válida e lógica, ou seja de absolvição da Recorrente do pedido, o que não sucede, claramente, no caso da Sentença recorrida e ora se requer seja superiormente sindicado.
PP. A Sentença Recorrida tinha que concluir em sentido oposto caso tivesse realmente atendido na sua fundamentação “...ao teor dos documentos escritos de fls. 11 e 12 e de fls. 15 e 15 verso, ao teor dos cheques de fls. 12 verso e 13 e de fls. 16 a 17 verso, bem ainda ao teor das comunicações bancárias de fls. 13 verso e fls. 14, o que também resultou provado na sentença do processo n.° 1944/12.2TBBCL....”
QQ. A matéria aí dada como provada não corrobora – como já vimos, bem pelo contrário! - o sentido e o alcance da sentença recorrida, e a revogar.
RR. Ainda que a prova documental nos autos - não impugnada, repete-se, constitua prova plena, também os depoimentos testemunhais não corroboram a conclusão a que chegou a Mm.ª juiz a quo, como transcrevemos e demonstramos à saciedade.
SS. Deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos pontos 12, 13 e 14, e ainda e pelo menos para os efeitos dos presentes autos, também considerar-se alterada a resposta à matéria de facto provada no ponto 25, considerando-se que o R. A. M., a ter expressado qualquer vontade de desistência do negócio prometido e ainda que sem cumprimento de formalidade legal, o fez sempre depois da transmissão das participações sociais, logo sem capacidade legal para o efeito (ou seja, quando já não era proprietário e/ou sócio gerente da Recorrente).
TT. Deve também e ainda ser alterada a resposta à matéria de facto dada como não provada, neste ponto, dando-se sim por provado por força do trânsito em julgado das decisões anteriores, que a Recorrida não beneficiou ou recebeu os montantes pagos pelos AA. por força dos contratos promessa, conforme reproduzido pela sentença recorrida!
UU. A não se entender assim, estaríamos de facto perante um julgamento e conclusão perfeitamente inexplicável à luz dos factos e da prova: Devemos separar a matéria de facto em duas partes: (i) sobre se existiram conversas e contactos, e em que momento (enquanto o R. A. M. era gerente); (ii) e sobre se tal manifestação de vontade de entregar os montantes por parte do A. M. era pessoal, ou não.
VV. O julgamento do Tribunal a quo, quanto a essa matéria de facto nega ou subverte essa lógica quase matemática: não obstante a questão ter sido profusamente versada nos depoimentos das testemunhas A. B. e L. J., todos registados no sistema CITIUS, conforme transcrições que efetuamos nas presentes alegações.
XX. Perante estes factos, é perfeitamente incompreensível e incongruente como pode o Tribunal considerar que não se provou indiciariamente que o A. M. e os AA. fizeram um negócio pessoalmente, à margem da Recorrida e, a devolver o que quer que fosse devido, continuaram a tratar diretamente longo tempo depois da Recorrente ter uma lógica acionista completamente distinta.
ZZ. E que despreze em absoluto que os AA. interpuseram uma ação anterior onde sustentam a intenção de receber os sinais em dobro, e a intenção de resolução dos mesmos contratos, até às últimas instâncias de recurso, tese essa manifestamente contraditória com a que sustentam nos presentes autos de alegada e informal desistência do negócio e devolução das quantias. Tudo, em prejuízo exclusivo da Recorrente.
AAA. Razão pela qual a resposta a estes pontos da matéria de facto tem que ser necessariamente alterada, dando-se assim por indiciariamente provado que, o A. M. e os AA. fizeram um negócio pessoalmente, à margem da Recorrida e, a devolver o que quer que fosse devido, continuaram a tratar diretamente longo tempo depois da Recorrente ter uma lógica acionista completamente distinta. E disso sabiam já aquando da interposição da primeira ação (em 2012, recorde-se).
BBB. Os AA. e o R. A. M. não poderiam, pois, ignorar que haveria necessariamente e com tal conduta uma divergência entre a tese de perda de interesse e resolução contratual e de devolução das quantias em dobro, por isso ser elementar e a tese conveniente de desistência informal do negócio, sendo que estavam obrigados a agir perante os Tribunais de forma coerente e dentro da legalidade, o que conscientemente não fazem, devendo ser alterada a resposta à matéria de facto, nestes termos, e revogada a Sentença Recorrida.
CCC. Além da nulidade por omissão de pronúncia, o mesmo facto preenche ainda a previsão legal de outra norma processual aplicável, cominando a decisão ora impugnada com nova e adicional nulidade, a saber a baseada no artigo 615º n.º 2 alínea c) do CPC – que não se confunde com o erro de julgamento: neste, há “erro na subsunção dos factos à norma jurídica” ou erro na própria interpretação desta (Lebre de Freitas e outros, op. cit., pág. 670).
DDD. Entende a Recorrente que, no caso, não existe erro de julgamento quando se dá por certo aquilo que é certo: a matéria e sentido das decisões judiciais anteriores. É o que se retira dos documentos nos autos, da matéria dada como provada e das sentenças transitadas em momento anterior à proposição da presente ação.
EEE. Mas ocorre uma contradição lógica e insanável entre (i) a matéria constante das sentenças transitadas; (ii) a prova produzida e os depoimentos nos autos; e (iii) ainda o sentido e a invocada fundamentação da sentença recorrida, quando condena e ordena a Recorrente à devolução de quantias.
FFF. Sendo a prova e a fundamentação, em sede de sentença, uma manifestação lógica e coerente do poder jurisdicional, tem que concluir-se que, apesar de distinta, esta deve concorrer logicamente ou manter a coerência relativamente ao resultado final – a decisão, e a sua inserção no ordenamento jurídico e em decisões anteriores conexas.
GGG. Quando isso não acontece – como nos autos, manifestamente -, não pode deixar de ver-se aí, como se infere, uma contradição intrínseca entre fundamentos e decisão, designadamente na parte em que na sentença e na matéria provada se dá o destino das quantias entregues em posse de terceiros como provado, e na sentença se dá essas mesmas quantias e disposição sobre as mesmas como da Recorrente, condenando-a à devolução do que nunca recebeu.
HHH. Definindo-se “causa de pedir” como o facto ou conjunto de factos que sustenta(m) a pretensão do autor (artigo 581.º, n.º 4, do CPC), e “pedido” como o efeito jurídico que o autor pretende obter (artigo 581.º, n.º 3, do CPC), e levando o raciocínio até ao fim, significa isto que se a fundamentação de facto ou de direito (correspondente à causa de pedir) está em contradição insanável com a decisão, há nulidade da sentença ou acórdão.
III. Quando o artigo 615º n.º 2 alínea c) do CPC comina com a nulidade a decisão jurisdicional que represente uma contradição insanável entre fundamentos e decisão, está a referir-se também à possibilidade de os fundamentos de facto estarem em clara contradição com os fundamentos de direito, e finalmente com a decisão final.
JJJ. Salvo o devido respeito, na Sentença Recorrida nos presentes autos, tal imperativo de coerência não acontece, nem se verifica. Para além dos factos dados como provados até por instâncias superiores em sede de contencioso civil anterior, o Tribunal permite-se escamotear exigências de forma legais para o negócio jurídico considerando que “...força do contexto inequívoco agora explanado constituiria uma manifesta inutilidade sujeitar o acordo revogatório à forma escrita...” (destaques nossos).
LLL. O Tribunal a quo altera por modificação e aditamento o sentido e o alcance de decisões anteriores com fundamento em alegações fácticas (i.e. a existência de um qualquer acordo de partes sem reflexo forma ou sombra nos autos e/ou na prova, pelo menos com efeitos comprovados para a Recorrente, que não pode ser vinculada pela confissão do R. - A. M.) totalmente carecentes de enquadramento legal, substantivo e/ou processual (na parte em que dá por assente poder haver acordo das partes ou desistência do negócio), declarações essas que nem se encontram devidamente precisadas no tempo ou no seu conteúdo (para além da questão e requisito de forma).
MMM. Estando-lhe absolutamente vedada, fora de alcance e decidindo em sentido oposto ao das decisões anteriormente transitadas, a assunção unilateral de um suposto acordo revogatório dos contratos-promessa, e/ou de desistência do negócio, sem que se saiba sequer quando ao certo tal ocorreu, o que se convencionou e entre quem (designadamente com poderes para vincular a Recorrente).
NNN. As considerações de direito, a fundamentação e a respetiva decisão Recorrida neste sentido e não obstante o respeito que se sustenta pela Digm.ª Magistrada do Tribunal a quo que – repete-se -, é muito, são nos presentes autos completamente inadmissíveis e à margem das disposições legais aplicáveis, atendendo à materialidade constante dos autos e à posição da R.- Recorrente, a qual fragilizada desta forma, é a única que o Tribunal a quo poderia e deveria considerar.
OOO. Ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo ultrapassou completamente todas as regras relativas ao âmbito e aos poderes de cognição, bem como os limites dos poderes jurisdicionais ao seu dispor. Ao assim fazê-lo, para além de ter incorrido em nulidade por excesso de pronúncia – por ter considerado matéria impertinente para o caso em apreço – prejudicou irremediavelmente o silogismo judiciário que deverá estar subjacente a toda e qualquer decisão jurisdicional coerente e válida.
PPP. A nulidade prevista no artigo 615º n.º 2 alínea c) do CPC ocorre quando o tribunal apresenta fundamentos que logicamente levariam o tribunal a decidir de forma diferente – cfr. neste sentido os Acórdãos do STA (3ª subsecção) de 20 de outubro de 2004, proc. 1939/03; do STJ de 9 de dezembro de 2004, proc. 4b4041; da Relação de Lisboa de 16 de novembro de 2003, proc. 3253/2003-4; da Relação do Porto de 15 de outubro de 2004, proc. 434478, todos em www.dgsi.pt, como aliás os demais arestos indicados sem referência à fonte.
QQQ. Imperativo que visa garantir que a decisão final não siga no sentido oposto ou mesmo num sentido diferente daquele para que aponta a fundamentação – assim, por exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 30 de novembro de 2004, proc. 7161/02. O que sucede nos autos, conforme vimos de detalhar e se constata por mera confrontação entre (i) os termos, matéria e fundamentos das sentenças transitadas em julgado, e (ii) os termos da sentença Recorrida, quando por exemplo refere que “... Na realidade, e considerando a matéria dada como provada nos pontos 3, 5 e 15 dos autos, é forçoso reconhecer que pelo menos parte do dinheiro entregue pelos autores ao então gerente da sociedade, através de cheques e uma transferência bancária, reverteu em seu benefício, mormente o valor global de 57.500,00 € (cinquenta e sete mil e quinhentos euros), como a seguir discriminado...” (destaques nossos), a par dos demais elementos apresentados como fundamentação do mesmo, aqui já relevados e identificados nos autos.
RRR. Tal não é verdade, Venerandos Desembargadores, e o benefício a favor da Recorrida nunca foi demonstrado: parte dessas quantias passaram pelas contas de uma participada para serem levantadas à boca do cofre pelo A. M. e demais interlocutores.
SSS. Por isso se lavrou a participação criminal integrada nos presentes autos, que deu origem ao inquérito que se alimentará por mais estes novos factos.
TTT. Se assim fosse, Venerandos Desembargadores, e a Recorrente apenas teria recebido parte dessas quantias, porque foi condenada a pagar por inteiro?
UUU. Como sublinha a doutrina, a decisão jurisdicional pode ser entendida “(...) como um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a menor é constituída pelos factos provados, sendo a conclusão a decisão proferida. Assim sendo, a conclusão tem de estar em consonância com as premissas em que se baseou” – cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 2002, pág. 347, e Manuel de Andrade, noções elementares de processo civil, Coimbra: Coimbra editora, 1993 (reimpressão), pág. 295.
VVV. Em termos muito claros, e salvo o muito respeito devido ao Tribunal a quo: este decidiu como se fosse possível, uma vez completamente esgotado o poder jurisdicional relativamente à matéria decidida e a que está em decisão em sede penal (i) dar o negócio por resolvido por alegado compromisso entre as partes!, e (ii) considerar todos os requisitos de forma exigidos para que a revogação operasse, por sua auto iniciativa e recreação, inúteis e desnecessários. Matéria e prerrogativa que não só não se encontrava ao seu alcance, como não se vislumbra ter tido lugar ou estar situada no tempo e provada alguma vez, nos presentes autos.
XXX. Tal vício afeta claramente o sentido da sentença recorrida e afeta gravemente a posição da Recorrente, que nada assentiu nesse sentido, conforme se constata de toda a prova nos autos, pelo que tem necessariamente, também com este fundamento, que proceder a presente nulidade, que expressamente ora se invoca e requer.
ZZZ. A douta Sentença Recorrida padece ainda de nulidade, como consequência de uma nulidade processual consubstanciada na violação do princípio do contraditório (artigos 3.º n.º 3 e 195º n.º 1 do CPC).
AAAA. Com efeito, a Sentença Recorrida, na forma final e esclarecida, violou também o chamado princípio da proibição das decisões-surpresa, corolário daquele princípio do contraditório, de acordo com a interpretação que deste último é feita pela doutrina e pela jurisprudência.
BBBB. Aquilo que consta da douta sentença cuja nulidade agora se requer, além de não ser, em si, admissível, por todas as razões já explicitadas acima, é algo com que objetiva e razoavelmente o R. Recorrente não podia contar.
CCCC. Frisamos que o facto de não ser razoável não decorre de uma qualquer expectativa individual da Recorrente: trata-se de uma expectativa legítima desta que a lei tutela, ao não permitir - entre outras coisas -, que os tribunais de recurso conheçam de questões fora do thema decidendum, e que constituam absoluta surpresa para os sujeitos processuais.
DDDD. Concluindo-se que estamos perante uma decisão que, nos termos e fundamentos da sua forma definitiva, contraria frontalmente regras subjetivas e processuais de direito e decisões transitadas, e incorpora na sua fundamentação em elementos dos autos – sem prejuízo da desvalorização dos efeitos jurídicos dos mesmos -, que não encontram qualquer sombra e/ou reflexo fáctico nos autos.
EEEE. A nulidade processual praticada nos autos traduziu-se na nulidade da douta sentença recorrida, o que deverá ser declarado pelos Venerandos Desembargadores, com todas as consequências legais, o que se invoca e expressamente requer.
FFFF. Sem prejuízo do Douto Suprimento de V.ªs Ex.ªs, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença recorrida pelo menos o disposto nos artigos 220.º e seguintes do Código Civil, e nos artigos 3.º, n.º 3; 5.º; 195.º e ss.; 581.º; 607.º; 608.º; 615.º; 620.º; 621.º; e 644.ºdo Código de Processo Civil, na redação atual (CPC).
GGGG. A Sentença Recorrida e a decisão impõem liminarmente um pesado ónus e uma tremenda injustiça à Recorrida, sendo certo que se os efeitos suspensivos não forem decretados, é certo que os ora AA. se aproveitarão da situação para executar a Recorrente, o que face à condição económico-financeira da Recorrente, que é manifestamente deficitária, ditará muito provavelmente a sua manifesta apresentação à insolvência e extinção.
HHHH. Os resultados líquidos obtidos nos últimos anos demonstram o grave prejuízo que o decretamento dos efeitos devolutivos ao presente recurso e a exposição às incursões dos AA. provocarão aos utentes, e colaboradores desta sociedade que gere outras prestadoras de cuidados de saúde:
Ano Resultados Líquidos
2017 (-104 924,40€)
2016 (-75 016,34€)
2015 (-38 774,28€)
IIII. Tal causará grave prejuízo de todos os colaboradores, funcionários e utentes, sendo manifestamente considerável o prejuízo que resulte da fixação de outros efeitos que não os suspensivos do presente recurso, sem qualquer prestação de caução.
JJJJ. Alegado e comprovado pela Recorrente, nesta sede o prejuízo, caso não seja possível a atribuição dos referidos efeitos suspensivos sem prestação de caução, a Recorrente mais requer subsidiariamente seja notificada oportunamente para prestar caução para atribuição dos referidos efeitos suspensivos por qualquer forma admissível por Lei.
LLLL. É evidente que a não atribuição dos efeitos suspensivos causará um enorme prejuízo para a organização da Recorrente e para a mensagem de rigor e exigência que em de passar para os seus funcionários, para os seus utentes, causando-lhe um prejuízo manifestamente superior ao prejuízo que sofreriam os Recorridos até à prolação da decisão, uma vez que aguardaram já voluntariamente e sem qualquer intenção de ação mais de dez anos sobre a data de celebração dos contratos.
MMMM. Requer-se assim expressamente sejam fixados efeitos suspensivos ao presente Recurso.

Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer seja anulada e revogada a Sentença Recorrida – por nulidade da mesma, erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do Direito - e substituída por outra que, nos termos melhor alegados, indefira a providência requerida, com o que se fará a costumada Justiça
*
Os Autores responderam aos recursos acima mencionados, com as seguintes conclusões:

A. Os aqui Recorridos declinam, de forma lapidar, toda a insustentável argumentação apresentada pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso.
B. E isto porque os Recorridos, demandaram em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum os aqui Recorrentes, pedindo a sua condenação na restituição das quantias por este entregues àqueles, no valor global de €
140.000,00 Euros (cento e quarenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento, com o fundamento, além do mais, na revogação, por mútuo acordo, dos contratos promessa,
C. Já que, com a revogação de tais contratos promessa, os efeitos dos mesmos são eliminados, e isso implica a restituição dos valores pagos, ficando os Réus/Recorrentes obrigados a restituir aos aqui Recorridos o que estes lhes entregaram e que já lhe vêm exigindo sem sucesso.
D. Por sentença datada de 26/03/2019, veio o Tribunal a quo julgar, e muito bem, a ação totalmente procedente e, em consequência, condenando os Réus a restituir aos AA as quantias por este entregues, no valor global de 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), sendo € 65.000,00 Euros aos 1.ºsAA, e € 75.000,00 Euros aos 2.ºs AA, ambas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, a contar desde da citação até efetivo e integral pagamento.
E. O Recorrente, A. M. (doravante designado AI) interpôs tal recurso sobre a matéria de direito, relativa quer à sentença final, quer ao despacho saneador datado de 05/11/2018, alegando erro na aplicação da matéria de direito (considerando e alegando a sua ilegitimidade passiva no presente pleito, a verificação do vício de forma no que tange ao contrato promessa de revogação e a prescrição, considerando que se está perante uma ação de enriquecimento sem causa),
F. Alegando ser parte ilegítima na medida em que apenas atuou na qualidade de gerente da 1.ª Ré Y, e que, portanto, se obrigou e ulteriormente se desobrigou, através da revogação por mútuo acordo, considerando que foi a Y que se desobrigou e não ele Recorrente a título pessoal.
G. A tese do aqui Recorrente AI é a de que os outorgantes do contrato promessa foram os AA e a Recorrente Y, e que ele apenas atuou na qualidade de gerente da sociedade Y,
H. Logo, considera que deveria ter sido absolvido da instância em sede de despacho saneador, e que a sentença decidiu condená-lo mesmo assim, mais alega existir nulidade por vício de forma, nos termos dos artigos 220.º e 286.º do Código Civil, uma vez que a revogação de tais contratos promessa foi realizada de forma verbal.
I. Terminando as suas alegações por considerar que, em face da putativa verificação da nulidade formal relativa à revogação dos contratos promessa, que constituíram a causa de pedir na demanda, a única fonte das obrigações suscetível de obrigar o aqui recorrente AI a restituir a quantia recebida a título de sinal, é um enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473.º do CC, e que a ação intentada com esse fundamento, se encontra, no seu dizer e na sua tese, prescrita, nos termos do artigo 482.º do CC.
J. Terminando por solicitar a sua absolvição da instância com base na sua ilegitimidade passiva, ou a sua absolvição do pedido pela procedência das exceções perentórias invocadas.
K. Por sua vez, a Recorrente 1.ª Ré, XX, S.A (doravante dedignada por Y), veio interpor Recurso de Apelação da sentença ora recorrida, do despacho saneador datado 05/11/2018, e ainda do despacho que deferiu a prestação de depoimento de parte do 2.º Réu por escrito, na pessoa do seu mandatário no dia 18/03/2018, às 18h:16mn, através de procuração com poderes especiais para o efeito.
L. Ora, das alegações de recurso da Recorrente Y, subleva o ter tal despacho e a sentença final indeferido as por si alegadas exceções de litispendência e caso julgado, a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia, impugnando matéria de facto provada, e o recorrer ainda da matéria de direito, declarando que, em síntese, a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º n.º2 alínea c) do CPC.
M. Bem como se insurgem contra a sentença recorrida alegando, em síntese que ela ignorou matéria relevante na fixação dos factos provados, que haviam sido referidos na audiência de discussão e julgamento, aduzindo, deste modo, incessantes considerações desprovidas de qualquer fundamento, e ainda recorrendo da matéria de direito, alegando erro na qualificação dessa matéria, por contradição insanável entre a prova produzida, os fundamentos e o sentido da decisão.
N. Feita esta resenha do conteúdo dos recursos interpostos, cumpre alegar, antes de mais, que, na verdade, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, não tendo a argumentação expendida pelos aqui Recorrentes qualquer fundamento válido, quer do ponto de vista fáctico, quer do ponto de vista jurídico.
O. E, assim, há que concluir que no caso sub judice não foi ignorada qualquer matéria relevante para a decisão da causa na fixação da matéria de facto provada e não
provada, contrariamente ao alegado e muito reiterado pelos Recorrentes.
P. Sublinhe-se que, os recursos interpostos para este douto Tribunal da Relação não tem qualquer fundamento válido, já que a sentença recorrida está de acordo com o rigor probatório com referência ao princípio da verdade material.
Q. Do recurso do despacho saneador, se dirá que em tal despacho 05/11/2018 o Tribunal a quo julgou improcedente todas as exceções dilatórias alegadas pelos recorrentes, nomeadamente, as de ilegitimidade passiva dos recorrentes, litispendência e caso julgado, despacho esse já se encontrava devidamente transitado em julgado sobre tais questão, mas os Recorrentes voltaram a chamar à discussão, em sede de alegações orais finais, e em sede de Alegações, tais exceções.
R. Isto posto, e no concernente a tal despacho saneador datado de 05/11/2018, há que sobrelevar que no que tange à legitimidade das partes, nele se decidiu corretamente, considerando que os aqui Recorrentes são partes legítimas, sendo totalmente descabido a exceção de ilegitimidade passiva exaustivamente deduzida por aqueles.
S. A Recorrente Y foi devidamente representada pelo Recorrente AI que interveio, de forma expressa, na qualidade de sócio-gerente dela, tendo este último sido demandado atento o facto de ter exercido funções de gerência, administração e representação da Y.
T. Quanto à Recorrente Y, a mesma é manifestamente parte legítima, já que nos termos do art.º 30.º do Código de Processo Civil, tem manifesto interesse em contradizer o pedido formulado pelos aqui Recorridos, como resulta do teor dos Contratos Promessa de Cessão de Quotas juntos com a Petição Inicial, não havendo dúvida de que ela, devidamente representada pelo seu sócio gerente AI, prometeu ceder quotas aos Recorridos,
U. E diz-se devidamente representada a Recorrente Y pelo Recorrente AI, pois este último interveio, de forma expressa, na qualidade de sócio-gerente da, à data, Sociedade por Quotas, cumpre salientar que no contrato de constituição da sociedade da por quotas consta expressamente ser suficiente a assinatura de um gerente como forma de a obrigar, foi isso precisamente que sucedeu no caso in mertio, sendo no contrato promessa de cessão de quotas em causa a Recorrente Y representada pelo Recorrente AI ( seu sócio gerente).
V. Como se preceitua no art.º 260.º do Código das Sociedades Comerciais (Vinculação da sociedade) : “os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros”, no mesmo sentido n.º4 do art.º 260.º “ os gerentes vinculam a sociedade, em atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade”
W. Tendo no contrato celebrado sido aposta a assinatura do Recorrente AI com a expressa referência de representante legal da Recorrente Y.
X. O art.º 260º, CSC, na sequência do disposto no art.º 9º n.º2 da Primeira Diretiva, estatui sobre a vinculação da sociedade, pelos gerentes, no âmbito dos poderes de representação, que a lei lhes confere.
Y. Daí decorrendo que no caso sub judice seja inequívoco que resulta do próprio ato, ou das circunstâncias em que ocorreu, que aquele gerente/AI, agiu em nome da sociedade/ Recorrente Y e não em seu próprio nome, como decidiu o STJ no seu AC de 28/11/1999, CJ tomo III pág. 129.
Z. Nos termos do art.º 260º, n.º1, CSC, as limitações que resultem do contrato de sociedade ou de deliberações de sócios não impedem a vinculação da sociedade para com terceiros pelos atos praticados pelos gerentes,
AA. Posto isso, ainda se dirá, por outro lado, que também foi bem decidido pela 1.ª Instância a legitimidade passiva do Recorrente AI nos termos do art.º 30.º do CPC, por o mesmo ter interesse direto em contradizer o pedido dos aqui Recorridos.
BB. E isto, desde logo, porque a legitimidade é um problema da posição das partes perante a relação jurídica material controvertida, tal como é configurada pelo autor, e não de procedência do pedido, o que importa, para aferir da legitimidade como pressuposto processual, não é a relação material controvertida em si, mas sim a posição em que o autor se coloca perante esta, assim, se dispensando a legitimidade substantiva.
CC. Como se refere em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, «o conceito jurídico da legitimidade das partes ainda hoje se ajusta (...) à fórmula consagrada de que as partes serão legítimas quando forem os sujeitos da relação hipotética controvertida, com interesse direto na sua declaração ou resolução».
DD. Visando a legitimidade processual assegurar que estejam na causa os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica e no desfecho da mesma, exprime uma relação da parte com o objeto da ação, consistindo na posição que a parte detém perante determinada ação, posição essa que permite deduzir uma determinada pretensão ou defesa face à mesma.
EE. Sendo este o quadro legal aplicável, como bem se explanou em tal despacho saneador, o qual nos dispensamos de reproduzir por questões de economia processual, não há qualquer razão para alterar aquele decisão, que bem julgou legítimas todas as partes dos processo.
FF. A argumentação esgrimida para sustentar tal ilegitimidade não se reconduz, de facto, salvo o devido respeito, a uma questão de legitimidade, entendida esta como o interesse direto que o réu terá em contradizer, mas antes a uma questão de ao mérito da própria decisão.
GG. Assim, sendo, e tendo em conta o supra exposto, devem V/Exas. Venerandos Desembargadores julgar, como com toda a certeza o farão, no sentido da manutenção do decidido na 1.ª instância, que considerou os Recorrentes partes legítimas.
HH. A Recorrente Y insurge-se contra a decisão de improcedência das exceções de litispendência e de caso julgado, deduzidas em sede de despacho saneador, alegando, por um lado, que, sendo os aqui Recorridos e os Recorrentes sujeitos no processo criminal originado pela participação criminal sob o n.º de 2364/16.5T9BRG e tendo o mesmo por fundamento factos necessários e diretamente conexionados com a matéria que constitui a causa de pedir e o petitório da presente demanda, alegando que qualquer pretensão dos Recorridos deveria ser deduzida no âmbito daquele processo,
II. Verificando-se, por isso, litispendência entre os dois processos, por outro lado, ocorre identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido entre a presente ação e a ação n.º1944/12.2TBBCL, que correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga – Juiz 1.
JJ. Porém, tal argumentação expendida pela Recorrente Y mostra-se completamente desprovida de qualquer fundamento, e isto porque, na verdade é inequívoco chamar à colação o que dimana do art.º artigo 577º, alínea i) do Código de Processo Civil tal como a exceção a ela diretamente apresentada do caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa (artigo 580º, nº 1 do CPC),
KK. Pretende evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (nº 2 do mesmo artigo 580º) e só tem sentido quando a primeira causa corre simultaneamente à segunda causa, por ainda não ter sido objeto, na primeira causa, de qualquer decisão final, produtora de caso julgado.
LL. A exceção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa, e tal como o caso julgado têm como requisitos a identidade das partes, da causa de pedir e do pedido, sendo certo que existe identidade de pedido quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
MM. No caso dos autos, impõe-se alegar que o processo nº 1944/12.2TBBCL, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1, já se encontra transitado em julgado.
NN. Pelo que, não correm já quaisquer termos do mesmo, tornando-se evidente que não há pendência de duas ações, ou seja, que não há qualquer litispendência, a que alude o artigo 580.º e 581.º do CPC.
OO. Devendo acrescentar-se, sem prescindir, que naquele mesmo processo os aqui Recorridos ocuparam a mesma posição processual de AA, só que a ação foi intentada apenas contra a Recorrente Y, o que desde logo, afasta a identidade dos sujeitos exigida por aqueles preceitos legais.
PP. Ademais, em tal ação, o efeito pretendido, causa de pedir, não se repete em relação à presente demanda, senão vejamos: No processo 1944/12.2TBBCL, os aqui Recorridos tinham como causa de pedir o incumprimento definitivo, e peticionaram que fossem declarados resolvidos os contratos promessa.
QQ. No caso sub judice, o efeito jurídico pretendido não é seguramente o mesmo, já que os aqui Recorridos peticionam a revogação por mútuo acordo dos contatos prometidos e, em consequência serem os recorrentes obrigados a restituírem as quantias por aqueles entregues.
RR. Contrariamente ao que a Recorrente Y erroneamente alega, não há identidade do pedido e de causa de pedir.
SS. Na data em que foi intentada a ação ora em crise, já não se encontrava preenchido o requisito da existência, “ainda em curso”.
TT. Nos termos do art.º 580º do CPC as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, e que estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência, e esta expressão só pode significar que a instância da ação anterior ainda não se encontra extinta.
UU. Com efeito, por definição, uma ação está em curso ou pendente enquanto não findar, ou seja, enquanto não for extinta a instância por qualquer das causas previstas no artigo 277.º do Cód. Proc. Civil.
VV. Ou seja, quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto e fundado na mesma causa de pedir, consoante resulta do disposto no artigo 580.°, n.º1, do Código de Processo Civil.
WW. O pedido traduz-se na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar.
XX. Assim, haverá identidade de pedidos se houver identidade na forma de tutela pretendida e no conteúdo e objeto do direito a tutelar, por forma a obter-se o mesmo efeito jurídico, nos termos do preceituado no artigo 581.º, n.º3, do Cód. Proc. Civil.
YY. A causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que emerge o direito do autor e fundamenta portanto legalmente a sua pretensão.
ZZ. Quando se diz que a causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal.
AAA. Se a repetição se verifica depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.
BBB. Por sua vez, a aludida exceção de litispendência pretende evitar que na pendência dessas ações, se possa proferir uma decisão de fundo contraditória ou redundante, razão pela qual, a ação que, por ter sido interposta primeiramente, bloqueia o prosseguimento ação posterior pela verificação da exceção de litispendência.
CCC. O requisito expresso na letra do nº 1 do indicado artigo 580º, (a anterior causa ainda em curso), pressupõe, que a primeira causa se mantenha em aberto, por não ter sido decidida a possibilidade de vir ser proferida uma decisão substancial respeitante à relação material controvertida.
DDD. E a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar., considerando-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o ré foi citado posteriormente – cfr. artigo 582.º, n.ºs1 e 2, do mesmo diploma legal.
EEE. Concebida a litispendência como pressuposto processual negativo, ligado ao objeto do processo, atuando com inteira autonomia dos restantes, com vista não só à proteção do demandado (ne bis in idem), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica (prevenindo julgados contraditórios), constitui fundamento de exceção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. artigos 576º, nº2, 577º alínea i) e 578º, todos do Código de Processo Civil).
FFF. Em conformidade com o tudo o assim exposto, manifesto é que no caso presente não estão, de modo algum, preenchidos os pressupostos de exceção de litispendência deduzidos por exceção pela Recorrente Y.
GGG. Na situação em apreço, está assente que a ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum n.º1944/12.2TBBCL se encontra-se finda, por sentença/acórdão transitado em julgado (cfr. artigo 277.º, alínea a), do Cód. Proc. Civil)
HHH. Pelo que, encontrando-se extinta pelo julgamento a aludida ação, não se configura, nos presentes autos, a exceção de litispendência, porquanto a causa anterior já não estar em curso.
III. Por outro lado, em face do trânsito em julgado da sentença/proferida na ação declarativa de condenação n.º1944/12.2TBBCL, também foi suscitado pela Recorrente Y os pressupostos do caso julgado.
JJJ. Exceção essa que foi julgada, também, improcedente com fundamento em serem distintos a causa de pedir (coincidentes apenas quanto à celebração dos dois contratos-promessa) e o efeito jurídico pretendido em cada uma das ações,
KKK. Porquanto, na presente ação, os autores pretendem a restituição em singelo das quantias que entregaram aos réus com base na revogação por mútuo consentimento dos contratos-promessa em causa, enquanto naquela ação estava em causa a restituição em dobro das quantias entregues a título de sinal, ao abrigo do incumprimento definitivo dos contratos-promessa pelos Recorrentes.
LLL. Razão pela qual não estamos perante um exceção de caso julgado, por não se verificar uma repetição da causa de pedir e do pedido.
MMM. Devendo, assim, V/Exas. Venerandos Desembargados manter o decidido, nesta sede, que julgou improcedente a exceção dilatórias alegas pela Recorrente Y.
NNN. A Recorrente Y na sua desesperada e inócua tentativa de achar algo menos conforme na sentença recorrida, vem alegar, também sem qualquer fundamento, a existência de excesso e de omissão de pronúncia a que alude a alínea d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.
OOO. E isto porque o julgador de 1.ª Instância se centrou com toda a regularidade na decisão das questões fundamentais para a decisão da causa, sem qualquer excesso ou sem qualquer omissão.
PPP. Pois, contrariamente ao alegado pela Recorrente Y, foi examinada convenientemente toda a pertinente matéria de facto alegada pelas partes e em consequência, todos os pedidos formulados por elas, fazendo-se na decisão recorrida o correto enquadramento jurídico daquela matéria de facto.
QQQ. Dela retirando o julgador a inelutável, inevitável e coerente decisão de procedência da presente ação, ou seja, da pretensão peticionada pelos Recorridos, não havendo, portanto, qualquer violação do princípio de igualdade de armas e do contraditório, nem de qualquer outro princípio fundamental do Processo Civil.
RRR. Devendo salientar-se a esse propósito e nessa conformidade, que não houve a violação relativa ao depoimento de parte do Recorrente AI, que a Recorrente refere nas suas alegações, tendo sido dado o devido e legal relevo a tal depoimento na sentença recorrida, uma vez que o mandatário tinha poderes especiais para confessar, logo, nenhuns direitos processuais ou substantivos foram violados nesta sede. Não tem qualquer acolhimento a tese da Recorrente Y, no sentido de haver excesso ou omissão de pronúncia.
SSS. A Recorrente Y alega que a sentença recorrida errou nos factos que deu como provados, bem como na inexistência de factos não provados da petição inicial com relevo para a decisão da causa, ignorando matéria relevante na fixação dos factos provados ou não provados, que havia sido referida na audiência de discussão e julgamento e que, na sua tese, revelava evidente interesse para a boa decisão da causa, carece, mais uma vez, de total razão, já que o julgador de 1.ª instância valorou convenientemente a prova produzida e formou corretamente a sua convicção, acabando por, como consequência disso, proferir decisão condenatória dos Recorrentes.
TTT. Pelo que nem em sede de factos, nem em sede de direito, ou seja, em sede de enquadramento jurídico daqueles merece a sentença recorrida qualquer censura, e muito menos a que é feita, infundadamente, pela Recorrente Y, respondendo-se, de modo particular, à afirmação da que a Recorrente Y que a sua condenação se esgrima, além do mais, pela factualidade dada como no factos em 12,13,14 e 25, fundamentada pelo depoimento das testemunhas A. B., L. J., que, no seu entender “não testemunharam factos que corroborassem tal decisão condenatória” e que não podia, por isso, o Tribunal a quo decidir como decidiu, tendo que decidir pela absolvição da Recorrente Y de qualquer devolução de quantias.
UUU. Salienta a Recorrente que aquelas testemunhas prestaram um depoimento, que em nada corrobora o sentido e o alcance da Sentença recorrida, sustentando, ainda, na sua tese, em desespero de causa, que a prova produzida em sede de sentença anterior (que se aflora, não tem a ver com o peticionado nos presentes autos, sendo ações distintas) se fosse atendida nestes autos não levava o Tribunal a quo a decidir pela sua condenação na restituição das quantias recebidas dos recorridos.
VVV. A sentença recorrida não merece qualquer censura e correção, e leva à conclusão de que a argumentação expendida pela aqui Recorrente carece de fundamento válido, desde logo porque ficou claramente provado pelo teor dos documentos escritos de fls. 11 e 12 e de fls. 15 e 15 verso ao teor dos cheques de fls. 12 verso e 13 e de fls. 16 a 17 verso, bem ainda ao teor das comunicações bancárias de fls. 13 verso e fls. 14, o que também resultou provado na sentença do processo n.º 1944/12.2TBBCL, pelo que a Recorrente Y foi justamente condenada no pagamento das quantias devidas aos aqui Recorridos,
WWW. Resultando da prova testemunhal e documental que os Recorrentes desistiram do negócio prometido, prescindido do cumprimento de formalidade legal, o que foi corroborado pela versão das testemunhas, e que se mostra perfeitamente assente.
XXX. E, deste modo, contrariamente ao alegado pela Recorrente Y, as testemunhas prestaram um depoimento credível e isento, perfeitamente esclarecedor no que respeita a matéria supra, para tal atendeu-se ao depoimento da testemunha A. B. quanto a esta matéria, prestado em audiência de julgamento no dia 19/03/2019 ao intervalo de tempo: 00:03:44h até ao minuto 00:10:56h, e do depoimento da testemunha L. J. quanto a esta matéria, prestado em audiência de julgamento no dia 19/03/2019 ao intervalo de tempo: 00:02:13h até ao minuto 00:23:51h.
YYY. Tais depoimentos vêm cimentar que o Recorrente AI manifestou de forma clara o propósito de entregar o valor negociado aos recorridos, e que ia reembolsá-los, mas acabou por nunca o fazer, numa censurável conduta de má-fé.
ZZZ. Aliás, foi o aqui Recorrente que abordou os recorridos para estes aceitaram a proposta de desistência dos negócios prometidos, mediante a restituição, em singelo, dos valores entregues e pagos.
AAAA. A sentença recorrida teve na devida consideração, para dar como provados tais factos, a confissão expressa feita pelo recorrente AI, no articulado de 18.03.2019, assim valorada pelo Tribunal como reconhecimento irretratável de que agiu junto dos autores como ali alegado, e que estes aceitaram a proposta de desistência dos negócios prometidos, mediante a restituição, em singelo, dos valores entregues e pagos.
BBBB. Atendeu também tal decisão ao teor dos documentos escritos de fls. 11 e 12 e de fls. 15 e 15 verso, ao teor dos cheques de fls. 12 verso e 13 e de fls. 16 a 17 verso, bem ainda ao teor das comunicações bancárias de fls. 13 verso e fls. 14, o que também foi considerado provado na sentença do processo n.º 1944/12.2TBBCL, e à prova testemunhal, nomeadamente com base nos depoimentos de A. B., e L. J. e também atendeu ao teor da certidão extraída dos autos de inquérito/instrução n.º 2364/16.5T9BRG de fls. 251 a 321 dos autos.
CCCC. Para mais, também foi afirmado no depoimento da testemunha José, que ela tinha conhecimento da celebração do negócio entre os recorrentes e os aqui Recorridos, que também o Recorrente AI lhe propôs o mesmo negócio, mas que este não aceitou, mais alegando que os Recorridos são pessoas sérias, e que esperaram que o Recorrente AI lhe devolvesse as quantias pagas (atenta a revogação de tal negócio pelas partes) não restam quaisquer dúvidas de que houve desistência do negócio por acordo das partes, mediante uma revogação válida dos aludidos contratos-promessa.
DDDD. Pelo exposto, e concluindo, e de julgar cabalmente sem fundamento a pretensão da Recorrente Y de ver dado como não provados os factos 12,13 e 14 e 25, os quais foram julgados provados.
EEEE. Persistindo a Recorrente Y no seu inconsequente propósito quer que seja dado como provado que a sociedade “Y, Lda.”, em 2004/2005, não beneficiou de qualquer valor entregue pelos AA/Recorridos, o que é uma posição capciosa e insustentável a todos os títulos.
FFFF. O Tribunal a quo bem decidiu ao considerar tal facto como não provado, não embarcando na tese da Recorrente, pois que, como bem salienta na douta sentença, atendeu à prova documental e tabular junta aos autos, que, pelo menos, parte do dinheiro entregue pelos Recorridos ao então gerente da sociedade, através de cheques e de uma transferência bancária, reverteu para Recorrente Y, mormente o valor global de 57.500,00 € (cinquenta e sete mil e quinhentos euros),
GGGG. Por tudo o se deixou alegado pelos aqui Recorridos, não tem qualquer acolhimento a argumentação expendida pela Recorrente Y, não merecendo, portanto, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, qualquer reparo quanto à matéria que considerou provada e não provada, que deve ser mantida nos seus precisos termos, como V/Exas. Venerandos Desembargadores decidirão fazendo como sempre a justiça material, e não a justiça formal que a Recorrente Y advoga.
HHHH. Tendo-se concluído as contra-alegações no respeitante à matéria de facto, resta agora fazer uma clara e breve alusão ao enquadramento jurídico de tal matéria, ou seja, há questão de direito constante da decisão recorrida.
IIII. E, nesta sede, também a Recorrente Y carece de qualquer razão ou fundamento válido nas suas alegações, não há na sentença recorrida qualquer contradição insanável entre a prova produzida, os fundamentos e a sua decisão.
JJJJ. Na verdade não há na sentença recorrida qualquer contradição logico- jurídica entre os fundamentos da decisão e esta, ou seja, a fundamentação dela apontou num sentido e a decisão seguiu esse mesmo caminho, encontrando, no final e de forma coerente a procedência do pedido formulado pelos Recorridos e a consequente condenação dos Recorrentes no mesmo.
KKKK. Significando, tudo isto, que não houve por parte do julgador de 1.ª Instancia qualquer erro de julgamento, traduzido na incorreta interpretação da lei ou na indevida aplicação dela aos factos provados e à prova constante dos autos, não havendo, assim, oposição geradora de qualquer nulidade, maxime, da apontada pela Recorrente Y, sendo a solução decisória perfeitamente coerente com os factos provados e a lei aplicável.
LLLL. Por último se dirá, na conformidade do assim exposto, que também a douta sentença recorrida não padece da nulidade por violação do princípio do contraditório, alegada pela Recorrente Y, referenciando os artigos 3º n.º 3 e art.º 195.º n.º1 do CPC.
MMMM. Pois, na verdade, a presente Ação decorreu sempre sob a égide de tal princípio permitindo o julgador de 1.ª Instância que o processo revestisse a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), sendo cada uma delas chamada sempre a deduzir as suas razões “ de facto e de direito”, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras, vide Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil.
NNNN. E isto porque tal decisão foi o corolário do caminho processual e substancial percorrido no processo e que apontou no sentido prudente e justo da condenação dos Recorrentes a restituírem a quantia global de € 140,000.00 ( cento e quarenta mil euros) que os aqui Recorridos lhe entregaram e que eles se negam, sem qualquer razão, a restituir. Para a Recorrente Y não é, nem nunca foi, de modo algum, uma supressa o ter que restituir tal quantia aos Recorridos.
Por tudo o exposto, se conclui que a sentença recorrida não violou ou fez interpretação errada de quaisquer normas jurídica aplicáveis ao caso sub judice, maxime, as referidas nas alegações de recurso dos Recorrentes, nem constitui para estes uma decisão surpresa.
PPPP. Por último, ainda se dirá que a Recorrente Y requereu que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso, sem que procedesse ao depósito da caução, Como é bem sabido, o artigo 647. n.º1 do Código de Processo estabelece como regra geral que “ a apelação tem efeito devolutivo”, Só tendo efeito suspensivo nos casos previstos na lei, seu nº2 e, designadamente, só tem efeito suspensivo nos casos taxativamente previstos no n.º2 do mesmo preceito legal.
QQQQ. Casos esses que não se verificam no caso sub judice. Restando-nos, por isso, o preceituado no n.º4, ou seja, “ fora dos casos previstos no número anterior, o recurso só tem efeito suspensivo quando cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo Tribunal. “
RRRR. Tudo isso a significar, além do mais, que hoje o regime regra, contrariamente ao anteriormente a 2003 em vigor, privilegia o interesse do credor à satisfação do seu crédito em face do valor da segurança jurídica,
SSSS. E, portanto, no caso in mérito, não tem qualquer fundamento factual e legal a apresentação da Recorrente Y em lhe ser atribuído, sem mais, o efeito suspensivo, ou seja, sem prestar a devida caução, tanto mais que é o entendimento quase unânime da jurisprudência mais hodierna caminha no sentido de que só há lugar à atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, quando este for acompanhado do depósito prévio e condicionado do valor da condenação feita na sentença recorrida (cfr. citado n.º 4 do art.º 647.º),
TTTT. E quanto a tal exigência de prestar a devida caução na quantia total da condenação, a este propósito vide, num rápido respigar da jurisprudência, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/05/2004, processo 1094/204.
UUUU. Sendo de acrescentar que só pode ser permitida a caução se a Recorrente Y provar que a condenação lhe causa prejuízo considerável- conceito indeterminado, cuja a verificação concreta depende do condicionalismo factual trazido aos autos, o qual, no caso sub judice não se verifique, à luz do normativo e da jurisprudência vinda a referir, V/Exa. Venerandos Desembargadores decidirão que a apelação tem efeito meramente devolutivo e não efeito suspensivo
VVVV. Porém, se assim não entender, o que não se concede, deve a aqui Recorrente Y prestar pertinente e legal caução correspondente ao total da condenação, para, assim, ser satisfeito o interesse dos aqui Recorridos, assim se evitando o dilatório uso dos meios processuais pela Recorrente Y.
WWWW. Pelo que, em suma, são infundadas as alegações de recurso dos Recorrentes devendo ser julgadas totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, como V/Exas., Venerandos Desembargadores, com toda a certeza decidirão, fazendo, como sempre Justiça.

Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Desembargadores:

a. Julgar Totalmente improcedente os recursos interpostos pelos Recorrentes A. M. e Y,
b. Julgar totalmente improcedente o pedido de efeito suspensivo requerido pela Recorrente Y,
Com o que farão inteira Justiça.
*
A Ré Y apresentou contra-alegações relativamente ao recurso do co-Réu, com as seguintes conclusões:

A. A petição inicial nos autos foi considerada deficiente, na medida em que a mesma referia, em tese completamente contrária à sustentada pelos AA. em ação judicial sobre os mesmos contratos transitada em julgado, a extinção de dois contratos promessa, através de uma revogação por mútuo acordo, sem que estes tivessem localizado no tempo a altura em que tais contratos foram alegadamente revogados, o que sempre sobre si impenderia.
B. A R. Y não teve qualquer conhecimento da celebração dos ditos contratos, e não vislumbra nos autos qualquer evidência válida de qualquer alegada revogação dos mesmos;
C. Inexiste qualquer prova concreta e credível, sem prejuízo dos requisitos de forma que adiante melhor analisaremos, que apontem para (i) as circunstâncias e a (ii) data aproximada da alegada revogação dos mesmos.
D. No convite ao aperfeiçoamento que com a maior latitude e bonomia foi concedido aos AA. (recorde-se, já vencidos em ação anterior nos autos e em todas as instâncias possíveis), estes afirmaram que a dita revogação teria ocorrido no ano de 2004, e que a mesma alegada e convenientemente se concretizou por mútuo consenso de forma verbal.
E. Devem os Venerandos Desembargadores dar por matéria alegada os seguintes factos: (i) que a alegada revogação a ocorrer, ocorreu por forma verbal, e (ii) que a alegada revogação a ocorrer, ocorreu por volta de 2004.
F. A prova produzida nos autos tem que se considerar insuficiente para consubstanciar uma condenação dos RR. conforme decorre da sentença a quo, uma vez que toda a prova aponta para uma atuação do R. A. M., pelo menos quanto à alegada revogação dos contratos, a título pessoal e completamente à revelia da 1.ª R..
G. Sem prejuízo dos requisitos de forma que são exigidos pelo disposto na conjugação do disposto nos artigos 220.° e 410.º, ambos do Código Civil3, que desde logo impõem que a referida revogação, para ser válida, fosse pelo menos reduzida a escrito e não o foi, como se conclui com toda a segurança pela tese dos AA. no processo judicial n.º 1944 junto aos autos e pelo incumprimento do ónus probatório de junção de tal prova documental.
H. A alegada revogação – a alguma vez ter ocorrido, que duvidamos -, é nula e insuscetível de produzir quaisquer efeitos, e arguível por qualquer interessado e também oficiosamente pelo Tribunal, o que desde já se requer, a saber, para facilidade de consulta e leitura:

“...Artigo 220.º
Inobservância da forma legal
A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
(...)

Artigo 410.º
Regime aplicável
1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2 - Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
(...)...”

A saber, nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil:

“...Artigo 286.º
Nulidade
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal....” seja declarado por V.ªs Ex.ªs em sentença revogatória daquela de que presentemente se recorre.
I. Atentos os efeitos jurídicos do caso julgado no processo n.º 1944 junto aos autos, a única parte em que se concorda com o 2.º R. é que nesta altura a única fonte das obrigações em que se poderiam fundamentar os AA. para a restituição de quaisquer quantias quanto a quem delas objetivamente beneficiou (e está sobejamente demonstrado nos autos anteriores a esta ação e no processo crime) seria o enriquecimento sem causa, sem prejuízo das regras de prescrição aplicáveis ao instituto jurídico e aos factos nos autos.
J. Nunca a Y, portanto.
K. Esse é o motivo pelo qual, e após terem manifestado a perda de interesse no negócio sem obter provimento do Tribunal, optaram agora por esta tese descabida e sem fundamento probatório à qual lograram obter a sorte de uma sentença favorável, ainda que destacada do universo da ordem e do Bom Direito, que será restituído com a sentença revogatória de V.ªs Ex.ªs.
L. Não foram omitidas em sede de contestação quaisquer exceções de nulidade por falta de forma do acordo revogatório e/ou de prescrição do direito à restituição;
M. Foi exatamente a Mm.ª juiz a quo que decidiu pedir esclarecimentos e aperfeiçoamentos concretos a essa parte da matéria (recorde-se (i) que a dita revogação teria ocorrido no ano de 2004, e que (ii) a mesma alegada e convenientemente se concretizou por mútuo consenso de forma verbal), a qual só a partir desse momento foi conhecida dos RR. e por eles podia ser considerada para concretização do princípio do contraditório e em igualdade de armas!
N. Só aí poderia a Y conhecer uma posição específica de defesa por parte do R. A. M., uma vez que foi este o autor material de todas as ações descritas nos autos.
O. A nulidade é uma invalidade e cominação destinada a proteger a segurança do tráfego jurídico e de todos os integrantes do seu universo, constituindo um valor que os Tribunais devem consagrar e preservar, o que a sentença a quo não faz, bem pelo contrário,
P. É correta a conclusão do R. A. M. na parte que considera este o momento próprio para recorrer dessa componente do despacho saneador, o que a R. Y aqui também faz, em contra alegações, e com os presentes fundamentos ajustados à sua posição processual e posição defendida nos autos.
Q. Sobre a sentença final, há que concluir que toda a defesa (incluindo aquela efetuada através de requerimento em exercício do princípio do contraditório e da igualdade relativamente à matéria aperfeiçoada) deve ser considerada, porquanto consubstanciada na sequência de factos novos trazidos aos autos pelos AA., que apenas nessa data e circunstâncias esclareceram que estamos perante uma revogação de contratos promessa sem observância de forma legalmente exigida para o efeito, e com a cominação de nulidade formal de conhecimento oficioso, nos termos da conjugação do disposto nos artigos 220°, 286° e 410.º, todos C.C., o que cumpre ser ora reconhecido pelos Venerandos Desembargadores.
R. Sobre a matéria confessada pelos AA., e perante a prova produzida nos autos - que não inclui qualquer documento no sentido da dita alegada revogação consensual (ou seja, por acordo de ambas as partes que é contrário à tese defendida perante o Tribunal anteriormente e que meramente por cabal zelo de patrocínio se articula) -, sem prejuízo da matéria penal a apurar noutras instâncias, a única fonte de restituição civil é o instituto de enriquecimento sem causa, o qual encontra regime específico nos artigos 473.°e ss do C.C.,
S. Concluindo-se estar prescrito, também, o prazo para tal ser invocado pelos AA. perante qualquer dos RR..
T. Apenas aos intervenientes materiais da alegada operação compete explicar a aquiescência à alegada revogação sem redução a forma escrita, mais se devendo concluir que é impossível de concluir que o R. A. M., ao assim ter procedido, agiu como gerente da R. Y e não numa ação tendente à restituição de quantias com as quais tinha a consciência de se haver locupletado, como decorre da matéria de facto provada e transitada em julgado do Processo n.º 1944 nos autos, e ainda de indícios adicionais que se juntaram e submeteram ao escrutínio dos Tribunais Criminais e dos órgãos de polícia criminal.
U. A hipotética condenação da R. Y tem que ter por base a prova inequívoca de todos estes factos, o que não se afigura ter ocorrido nos autos, devendo a sentença também por estes motivos (alegada preterição da forma escrita, por vontade dos contraentes e interessados, e alegação da qualidade de gerente e representante da R. Y nesse ato desprovido de forma).
V. Não só o direito dos autores é inexistente e desprovido de tutela jurídica, porquanto qualquer acordo revogatório alvitrado nos autos é necessariamente nulo, por vício de forma,
W. Como qualquer pretensão de restituição em sede de jurisdição civil deve ser declarada prescrita (com base, conforme se referiu, no instituto de enriquecimento sem causa), todos estes fundamentos pelos quais se requer seja a sentença a quo revogada e substituída por uma decisão de V.ªs Ex.ªs que restitua a Justiça e o melhor Direito aos factos e acontecimentos.

Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer seja anulada e revogada a Sentença Recorrida com os fundamentos que antecedem, e seja a mesma substituída por outra que, nos termos melhor alegados, indefira a providência requerida, com o que se fará a costumada Justiça!
*
Questões prévias:

A Ré Y veio recorrer, entre outras coisas, da decisão proferida em 18/3/19 que deferiu a prestação de depoimento de parte do 2.º R. A. M. por escrito, na pessoa do seu mandatário, através de procuração com poderes especiais para o efeito, e que ao mesmo tempo indeferiu o seu requerimento nessa mesma data e hora que requeria a prestação do referido depoimento de parte presencialmente.

Ora, conforme decorre do disposto nos arts 638º, nº 1 parte final, do art 644º, nº 2 – d) e art. 645º, nº 2, todos do C. P. Civil, o prazo para recorrer de despachos que admitem ou rejeitem meios de prova, como os que estão agora em causa, é de 15 dias contados da sua prolação, devendo o recurso subir em separado.
Deste modo, tendo em conta a data em que os aludidos despachos foram proferidos, já há muito expirou o prazo para recorrer dos mesmos, pelo que, nesta parte se rejeita o recurso.

Recorreu o Réu A. M. do despacho saneador na parte em que rejeitou a defesa e na parte em que invocava a nulidade por falta de forma do acordo revogatório e a prescrição do direito a restituir as quantias de que os AA. se arrogam titulares por as mesmas terem sido arguidas apenas na resposta à petição corrigida, quando, no entender da Srª Juiz, deveriam ter sido arguidas na contestação (princípio da concentração da defesa).
Com efeito, tais questões não foram invocadas na contestação apresentada por este Réu.
Por outro lado, a decisão proferida na audiência prévia de 5/11/18, na parte que rejeitou o conhecimento de tais questões, transitou em julgado.
Assim, não tendo tais questões sido tratadas na 1ª instância, com exceção da questão relativa à nulidade do acordo revogatório, pelas razões acima apontadas são questões novas.

Conforme diz Abrantes Geraldes (in Os Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 98), As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais graus de jurisdição.

Acresce que, nunca os AA. na sua petição inicial ou corrigida, invocam o enriquecimento sem causa.

Assim, não pode este Tribunal apreciar a questão da prescrição de um hipotético enriquecimento sem causa, que repete-se nunca foi alegado e não é de conhecimento oficioso (v. neste sentido Ac. R.P. de 21/03/13; Ac. RL de 24/02/15) porque não está em causa matéria excluída da disponibilidade das partes, tendo pois de ser invocada pela parte a quem aproveita, nos termos do disposto nos arts. 333º e 303º do C. Civil.

Já a questão da nulidade do acordo revogatório é de conhecimento oficioso, desde que a parte tenha alegado e provado os factos necessários à apreciação de tal questão, por isso tal questão, não obstante não ter sido arguida na contestação, foi tratada na decisão recorrida.

Deste modo, à luz do que foi acima dito, essa questão vai ser objeto de apreciação no presente recurso.
*
*
Questões a decidir:

- Da litispendência e caso julgado;
- Da ilegitimidade do R. A. M.
- Do excesso ou omissão de pronúncia;
- Da contradição entre “a prova produzida, os fundamentos e o sentido da decisão”.
- Verificar se a prova produzida em audiência permite extrair as conclusões de facto expressas na sentença.
- Verificar se o direito foi bem aplicado aos factos provados, caso se justifique.
*
*
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

Factos provados:

Da petição inicial:

1. A 1.ª ré “XX, Lda.”, doravante designada por Y, foi constituída em 09/06/1999, sob a forma de uma sociedade por quotas, com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros) distribuído pelos seguintes cinco sócios, em partes iguais de €1.000,00 (mil euros): José casado com Maria; A. M. casado com D. A.; C. M. casado com M. L.; M. A. casado com L. C.; e J. D. casado com C. B.;
2. A Y, que tinha por objeto a prestação de serviços de clínica médico-cirúrgica e de enfermagem, vinculava-se com a assinatura do gerente, tendo sido nomeado para tal cargo, em 30/09/1999, o sócio A. M., que se manteve em funções até à transformação da dita sociedade em sociedade anónima em 10/08/2005;
3. Por documento escrito denominado de “contrato-promessa de cessão de quotas”, celebrado em 31/10/2003, a Y, representada pelo gerente A. M., prometeu ceder a M. V. uma quota no valor nominal de €18.704,92 (dezoito mil, setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), que detinha na sociedade comercial por quotas “Clínica Particular ..., Ldª.”, com sede no Lugar ..., ..., concelho de Barcelos, pelo preço de €75.000,00 (sessenta e cinco mil euros), que foi pago da seguinte forma:
a) €20.000,00 (vinte mil euros), no dia 11 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 2100000024, ao portador, sacado sobre o Banco ...;
b) €30.000,00 (trinta mil euros), no dia 11 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 9841367855, ao portador, sacado sobre a Caixa ...;
c) €15.000,00 (quinze mil euros), no dia 20 de Julho de 2004, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB 0036.0096.991000323... sediada no Banco...;
4. A escritura seria realizada, nos termos da cláusula 3.ª, em dia, hora e local a designar pela Y, a avisar por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 15 dias;
5. Por documento escrito denominado “contrato-promessa de cessão de quotas”, celebrado em 31/10/2003, a Y, representada pelo gerente A. M., prometeu ceder a C. G. uma quota no valor nominal de €18.704,92 (dezoito mil, setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), que detinha na sociedade comercial por quotas “Clínica Particular ..., Ldª.”, com sede no Lugar ..., ..., concelho de Barcelos, pelo preço de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), que foi pago da seguinte forma:
d) €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), no dia 15 de Novembro de 2003, através do cheque n.º 732835278, endossado à Y, sacado sobre a “Banco ...”;
e) €20.000,00 (vinte mil euros), no dia 30 de Dezembro de 2003, através do cheque n.º 4948333779, endossado à Y, sacado sobre a Caixa ...;
f) €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), no dia 09 de Novembro de 2004, através do cheque n.º 7448333787, endossado à Y, sacado igualmente sobre a Caixa ...;
g) €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), no dia 28 de Dezembro de 2004 através
do cheque n.º 0600000033, endossado à Y, sacado sobre o Banco ...;
6. A escritura seria realizada, nos termos da cláusula 3.ª, em dia, hora e local a designar pela Y, a avisar por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 15 dias;
*
Da petição aperfeiçoada:

7. Em meados de 2004, o réu A. M. informou os autores que estava a avaliar propostas de aquisição da Y apresentadas pela Unidade Clínica da K e pelo Grupo ...-P.;
8. E em Julho de 2004, solicitou ao autor M. V. que suspendesse os pagamentos das prestações referentes ao respetivo contrato-promessa;
9. Em Maio de 2005, o réu A. M. informou os autores da venda da Y à Unidade Clínica K;
10. E que aquela iria passar para sociedade anónima;
11. E de que a K iria realizar um aumento de capital, o que faria com que perdessem o valor das suas quotas;
12. Pelo que, o réu A. M. expressou aos autores a vontade de desistir da celebração dos contratos prometidos;
13. E de lhes restituir, em singelo, do valor global que haviam pago;
14. Os autores concordaram com a desistência do negócio prometido nos termos propostos;
*
Da contestação da Y:

15. Por sentença proferida a 15 de Julho de 2016, já transitada em julgado, proferida no processo n.º 1944/12.2TBBCL que correu termos na Instância Central de Braga – 1ª Secção Cível – J1, com as mesmas partes, em que a Y era ré e o A. M. interveniente acessório, chamado pela sociedade à demanda, resultou provado, entre o mais, que:
- “A ré não marcou as escrituras públicas que titulariam os contratos prometidos;
- Por carta registada com aviso de receção datada de 11 de Janeiro de 2012, recebida pela ré no dia 13 desse mês, o I.M dos AA, invocando o tempo até então decorrido desde a celebração dos contratos e que entretanto os seus constituintes “haviam perdido o interesse na aquisição das referidas quotas”, instou aquela a transmitir-lhe a sua “posição quanto à resolução” do diferendo;
- Por cartas registadas com aviso de receção datadas de 7 de Março de 2012, os AA M. V. e C. G. fixaram à Ré o prazo de quinze dias, contados da receção de tais cartas, para proceder à marcação das escrituras públicas;
- Em ambas as referidas missivas os AA M. V. e C. G. advertiram a Ré para as consequências a que se expunha se, por motivos que não lhes fossem imputáveis, a escritura prometida não se realizasse no prazo fixado, a saber: “a) Em consequência da referida mora de mais de 8 anos perdeu o ora signatário, objetivamente, o interesse na realização da escritura e no contrato prometido; b) Considerará assim o contrato promessa como incumprido pela “XX, S.A.”; c) Considerará esse incumprimento como definitivo; d) Considerará o referido contrato promessa resolvido, sem necessidade de qualquer interpelação adicional; e) Exigirá o pagamento da indemnização que lhe compete nos termos do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil”;
- A ré respondeu a essas missivas por cartas enviadas aos AA no dia 12 de Março de 2012, sustentando desconhecer a existência dos contratos promessa e dos pagamentos alegadamente feitos em cumprimento dos mesmos, por entretanto ter ocorrido uma transmissão de participações sociais e os atuais detentores destas não terem recebido a esse respeito qualquer informação por parte dos transmitentes;
- As quantias entregues pelos AA à Ré, na pessoa daquele seu gerente, tiveram o seguinte destino:
- o cheque n.º 2100000024, no montante de €20.000,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado numa conta da Clínica Particular ... e o respetivo montante foi levantado à boca de cofre e afetado ao pagamento de salários aos funcionários dessa Clínica;
- o cheque n.º 9841367855, no montante de €30.000,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado numa conta titulada por D. A., mulher do chamado, junto do Banco ...;
- o cheque n.º 0732835278, no montante de €17.500,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado numa conta titulada por José, sogro do chamado, junto do Banco ...;
- o cheque n.º 4948333779, no montante de €20.000,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado numa conta titulada pelo chamado e pela sua mulher no Banco ...;
- o cheque n.º 7448333787, no montante de €12.500,00, sacado sobre a Caixa ..., foi depositado na conta que a “Clínica ..., Lda.” possuía junto do Banco ...;
- o cheque n.º 0600000033, no montante de €25.000,00, sacado sobre o Banco ..., foi depositado na conta bancária de que a “Clínica ..., Lda.” era titular junto da mesma instituição de crédito;
- o valor de €15.000,00, movimentado por transferência bancária no dia 20 de Julho de 2004, foi creditado numa conta titulada por José, sogro do chamado, junto do Banco ...;
- Desses movimentos, apenas se encontram relevados na contabilidade da Ré os relativos aos cheques números 0600000033 e 7448333787, tendo sido movimentadas as seguintes contas: A débito – 41137 – Suprimentos Clínica …; A crédito – 25512 – Empréstimos do Chamado A. M. à Y.”;
16. A aludida sentença foi objeto de recurso de apelação interposto pelos autores, que foi julgado improcedente, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 26.01.2017, que confirmou a decisão da 1.ª instância;
17. A Ré Y, o “Hospital Particular ..., Lda.” e a “K – Serviços de Saúde, S.A” apresentaram junto do DIAP de Barcelos a 21.11.2016 uma participação/queixa-crime contra José, A. M., C. M., D. A. (esposa do 2.º), Maria (esposa do 1.º) e contra os aqui autores, nos termos de fls. 108 a 124, por entender estarem causa factos suscetíveis de integrar a prática dos crimes de burla qualificada e/ou infidelidade ou outros, manifestando o propósito de deduzir pedido de indemnização cível;
18. A participação crime foi precedida de um pedido de esclarecimentos aos autores, pois a 1.ª ré notificou-os através de notificação judicial avulsa entrada em juízo a 30.05.2016 (cfr. fls. 195), cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, para que se pronunciassem, mas os autores nada esclareceram;
19. A 1.ª ré (“Y, S.A”) só veio a conhecer os contratos-promessa efetuados quando foi citada para o processo n.º 1944/12.2TBBCL;
20. O inquérito foi arquivado pelo DIAP de Braga, por decisão proferida a 10.05.2018 (cfr. fls. 252 a 256), por ser inadmissível o procedimento criminal, por prescrição, nos termos dos arts. 118.º, n.º 1 do Cód. Penal e 277.º, n.º 1 do C.P.Penal;
21. A 8.06.2018 a Ré Y, o “Hospital Particular ..., Lda.” e a “K – Serviços de Saúde, S.A” requereram a abertura da instrução nos termos do requerimento de fls. 257 a 286, que se dá aqui por reproduzido;
22. Por decisão proferida a 19.06.2018, pelo titular do Juízo de instrução criminal de Braga – Juiz 1, decidiu-se, por inadmissibilidade legal, rejeitar o requerimento de abertura de instrução;
23. A 11.09.2018 Ré Y, o “Hospital Particular ..., Lda.” e a “K – Serviços de Saúde, S.A” interpuseram recurso da decisão referida em 22., nos termos de fls. 291 a 312, ao qual apresentou resposta o MP a 24.09.2018, nos termos de fls. 313 a 321;
24. O aludido recurso está pendente para decisão no Tribunal da Relação de Guimarães desde a sua remessa feita a 26.09.2018.
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Da contestação do réu A. M.:

25. O réu A. M. atuou enquanto gerente da Y aquando da celebração dos contratos-promessa.
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Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos:

Da contestação da ré sociedade não se provou que a “Y, Lda.” não recebeu ou beneficiou de qualquer um dos montantes pagos pelos autores por força dos contratos-promessa.
A maioria das alegações contidas na contestação do réu A. M. são conclusivas ou referem-se a direito, só relevando o facto supra dado como provado sob o n.º 25.
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Do caso julgado:

A exceção do caso julgado ocorre quando uma causa se repete quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581º do C. P. Civil.).

Como é sabido, o caso julgado material pode valer não só como exceção de caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente mas também como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior.
Com o escreve o Prof. Lebre de Freitas, (in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., pág. 599), “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida”.

Nas duas ações, desde logo, as partes não são as mesmas, pois o Réu A. M. não foi parte nesse processo.
Por outro lado, não há identidade de pedido e causa de pedir (v. art. 581º do C. P. Civil).
Com efeito, no processo 1944/12.2TBBCL, que correu termos no Juízo Central de Braga, os AA. fundamentavam a ação no incumprimento definitivo dos contratos promessa, também juntos aos presentes autos, pedindo a sua resolução e devolução em dobro das quantias pagas a título de sinal.
Na presente ação, os AA. baseiam o seu pedido de restituição (em singelo) das quantias que entregaram a título de preço, na revogação dos contratos por mútuo acordo.
Deste modo, quer as causas de pedir, quer os pedidos são diversos nas duas ações, não se verificando a exceção de caso julgado.

A Ré Y vem ainda dizer que os factos provados no processo cível acima mencionado se impõem com força de caso julgado na presente, designadamente os factos respeitantes a quem recebeu as quantias entregues pelos AA. e mencionadas nos contratos promessa.
No que respeita à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, explica Teixeira de Sousa que “Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art.º 91.º, n.º 2, do CPC], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…)
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.” (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.)
Acrescenta este Autor que “A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). (…)
A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior”.
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 716) referem que “ Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final.
Como se pode ler no Ac. do STJ de 12/10/2004 (in www.dgsi.pt ) estes fundamentos [de facto] não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. (...) Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado.”. (no mesmo sentido Acs. do STJ de 17/5/18 e de 8/11/18).
Deste modo, não havendo entre a causa anterior e a presente qualquer relação de prejudicialidade, improcede a pretensão da Recorrente no sentido de ver transpostos para este processo factos considerados como assentes num outro anterior, uma vez que sobre eles não se formou caso julgado autónomo.

Não existe, pois, nem caso julgado, nem os mencionados factos se impõem no presente processo com autoridade de caso julgado.
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Da litispendência:

A Ré Y veio dizer que sendo os Autores e Réus intervenientes num processo criminal (nº 2364/16.5T9BRG) que tem factos diretamente conexionados com a matéria aqui em discussão, qualquer pretensão dos AA. tem de ser deduzida no âmbito daquele processo.

Salvo o devido respeito, o fundamento de arguição da exceção agora em análise, não configura tal exceção mas sim violação do princípio de adesão obrigatória da ação cível ao processo penal (v. art 71º do C. P. Penal).

De qualquer forma,, no que há notícia nestes autos, naquele processo crime, não foi deduzido qualquer pedido de indemnização civil (tendo sido arquivado o inquérito e após requerimento para abertura de instrução, foi proferido despacho de não pronúncia, que está em recurso), pelo que, em relação à ação penal stricto sensu nunca os sujeitos poderiam estar na mesma posição jurídica ou a causa de pedir e pedido poderiam ser coincidentes, desde logo, pela própria natureza de cada uma das ações.

Quanto ao princípio da adesão acima referido – cuja violação é de conhecimento oficioso – também o mesmo não foi violado no caso em análise, pois, como decorre da análise dos documentos desse processo juntos aos presentes autos, os ora Autores não são ofendidos/assistentes nesse processo, não tendo assim, legitimidade para aí deduzir pedido cível (art. 74º do C.P. Penal).

Da (I)legitimidade do Réu A. M.:

O Réu alega ser parte ilegítima por não ter outorgado em nome próprio os contratos promessa referidos nos autos.

Como é sabido e decorre do disposto no art. 30º do C. P. Civil, o réu é parte legitima quando tem interesse direto em contradizer, aferindo-se este interesse pelo prejuízo que da procedência da ação lhe advenha.
Tal como se menciona no Ac. deste Tribunal de 11/1/18 (in www.dgsi.pt) “A legitimidade processual, enquanto pressuposto adjetivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, não exige a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor, bastando-se com a alegação dessa titularidade.
Numa ação de condenação, como é o caso, o réu é parte legítima quando houver a possibilidade, nos termos configurados pelo autor, de vir a ser condenado, de vir a sofrer prejuízo.”
No caso em apreço, os Autores sustentam que o Réu, atuando como sócio gerente da Ré celebrou com os AA. os contratos-promessa identificados na ação, tendo aquele recebido o preço aí acordado e posteriormente procedido à revogação dos contratos e assumindo pessoalmente perante aos AA. a obrigação de devolução das mencionadas quantias, pedindo a condenação dos Réus nessa devolução. Tal basta para lhe conferir legitimidade para a presente ação, pelo que improcede a mencionada exceção.
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Da nulidade por excesso de pronúncia:

A Ré diz que a sentença padece do vício de excesso de pronúncia por ter considerado que determinados factos estão provados, em contradição com o que ficou provado no processo 1944/12.2TBBCL e estando em contradição com os elementos de prova.

Verifica-se existir excesso de pronúncia, gerador da nulidade prevista no art. 615º, nº 1 – d), 2ª parte do C. P. Civil quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando conheça de pedidos ou causas de pedir não invocadas ou exceções na exclusiva disponibilidade das partes (v. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil ano, Coimbra., 2001, II vol., pág. 670).

No caso, as questões que a Recorrente qualifica como de excesso de pronúncia, salvo o devido respeito, não se integram nesta figura jurídica mas sim, no alcance do caso julgado (questão já acima abordada) e de apreciação da prova.
Assim, a sentença não padece da invocada nulidade.
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Da nulidade por omissão de pronúncia:

A Ré alega que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia por ter indeferido o pedido de manutenção do depoimento de parte do R.. A. M. e por a confissão deste não vincular a Ré.

O vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código e está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.

Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

No caso, a Srª Juiz conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas, incluindo a referida, relativa ao depoimento de parte. O que se passa é que a Recorrente não concorda com a decisão proferida mas tal não é motivo de nulidade mas fundamento para interposição de recurso.

Não se verifica pois, a mencionada nulidade.
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Da nulidade da sentença por contradição entre “a prova produzida, os fundamentos e o sentido da decisão”.

As nulidades da sentença vêm previstas no art. 615º do C. P. Civil, não estando aí prevista a nulidade arguida, mas sim a nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, diz-nos o art. 615º, nº 1 – c) que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 151) refere que a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. E acrescenta que, num caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.

No caso, analisando a sentença proferida nos presentes autos, verifica-se que não existe contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo a mesma coerente.
Lendo as alegações da Recorrente verifica-se que o que se passa é que a mesma não concorda com a fundamentação de facto da decisão recorrida e com as conclusões de direito que desses factos aí se extraiu, mas tal não configura uma nulidade da sentença.

Antunes Varela (in Manuel de Processo Civil, pág. 686) explica que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.

Ora, no caso em apreço o que a Recorrente invoca não é a oposição prevista no mencionado preceito mas sim o erro de julgamento, não se verificando pois, a nulidade invocada.

Da nulidade da sentença por violação do disposto no art. 3º, nº 3 do C.P. Civil:

A Recorrente Y invoca a nulidade acima aludida mas fá-lo de forma confusa, não se entendendo as suas razões.
De qualquer forma, sempre se diz que não foi violado o princípio do contraditório, nem foi proferida qualquer decisão surpresa.
Pensamos que na origem da invocação de tal nulidade está mais uma vez o descontentamento da Recorrente com o teor da decisão proferida.
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Da análise do recurso de impugnação da matéria de facto:

Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Analisadas as conclusões formuladas pela Ré Recorrente, verifica-se que cumpre o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, pelo que se vai conhecer de seguida do recurso de impugnação da matéria de facto.
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Cabe então agora verificar se a prova produzida foi bem analisada pelo julgador na 1ª instância.

Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

A Recorrente impugna os pontos 12, 13, 14 e 25 dos factos provados e que são os seguintes:

12. Pelo que, o réu A. M. expressou aos autores a vontade de desistir da celebração dos contratos prometidos;
13. E de lhes restituir, em singelo, do valor global que haviam pago;
14. Os autores concordaram com a desistência do negócio prometido nos termos propostos;
25. O réu A. M. atuou enquanto gerente da Y aquando da celebração dos contratos-promessa.

A matéria dos pontos 12 a 14 resultou da confissão feita nos autos pelo Réu A. M., tal como se referiu na decisão recorrida, tendo ainda resultado do depoimento da testemunha A. B., que referiu que a certa altura abordou o assunto da celebração dos contratos promessa com o réu A. M. e que este lhe disse que os Autores lhe entregaram os valores decorrentes da celebração de tais contratos e que pretendia devolver-lhes tais quantias. Por outro lado, de acordo com as regras da experiência comum faz sentido que, tendo o Réu A. M. comunicado aos Autores que a Y iria ser vendida à K e que iria ser transformada em sociedade anónima, todos acordassem em desistir da celebração dos negócios prometidos, com devolução do que tinha sido prestado.
Mantém-se, pois o teor dos mencionados pontos.
Quanto ao ponto 25 entende a Ré que deveria ser considerado provado que “o R. A. M., a ter expressado qualquer vontade de desistência do negócio prometido e ainda que sem cumprimento de formalidade legal, o fez sempre depois da transmissão das participações sociais, logo sem capacidade legal para o efeito (ou seja, quando já não era proprietário e/ou sócio gerente da Recorrente)”.
Também aqui não pode proceder a pretensão da Apelante. Na verdade, tal como se verifica da leitura do ponto 9 (não impugnado), a desistência do negócio prometido ocorreu em Maio de 2005, ou seja, antes da transformação da Y em sociedade anónima (v. certidão do registo comercial junta aos autos), enquanto o Réu A. M. era ainda gerente da Ré Y.

Diz ainda a Ré que deve ser considerado provado, por força do trânsito em julgado das decisões anteriores, que a Recorrida não beneficiou ou recebeu os montantes pagos pelos AA. por força dos contratos promessa.
No que a esta pretensão respeita, remete-se para o que acima foi dito relativamente à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto da decisão. Por outro lado, da prova produzida neste processo não resultou provado tal facto, tanto mais que os cheques cuja cópia se encontra junta aos autos como docs. 8, 9 e 10 encontram-se preenchidos a ordem da Ré Y.
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Da Inácio (in)validade da resolução:

O réu A. M. veio suscitar a questão da invalidade da revogação dos contratos-promessa por a mesma ter sido efetuada verbalmente e não por escrito.
A revogação do contrato consiste na destruição voluntária da relação contratual.
A revogação rege-se, em princípio, pelas mesmas regras do negócio revogado.

No entanto, tal como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 24/10/2006 (in bdjur.almedina.net) “não se mostram exigíveis para a revogação, por mútuo acordo, as cautelas formais prescritas, pela lei, relativamente à celebração do contrato-promessa relativo a bens imóveis (artº 410º nº2 do CCivil) , cfr. 221º nº 2 do C.Civil. Neste sentido escreveu Vaz Serra, in RLJ, ano 110, pág.8 que: “tratando-se de estipulações acessórias que extinguem ou limitem as obrigações derivadas do contrato, tais estipulações não são, em regra abrangidas pela exigência legal de forma para o contrato, visto que, destinando-se a evitar que as partes contraiam levianamente obrigações, esta razão não é aplicável quando excluam ou limitem essas obrigações”. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 12.06.1990, in BMJ 398-480 e de 26.09.1996, in CJ, Acs. do STJ, Ano IV, tomo III, pág.15.”

Na verdade, a exigência de forma só se estende ao ato extintivo do negócio jurídico se a razão dessa exigência abranger também este (v. José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol III - acções e factos jurídicos – pág. 195).

Ana Prata (in O Contrato Promessa e seu Regime Civil, pág. 735 a 739), diz que as razões de forma aplicáveis ao contrato promessa residem na conexão do contrato promessa com o contrato principal, “isto é, releva da essencial circunstância de o contrato-pomessa constituir a primeira etapa de um iter que vai desembocar na celebração do contrato prometido. É, pois, em razão da natureza e dos efeitos deste, do acautelamento que ele impõe, que se justifica que, logo naquele momento em que se definem e preparam – tendencialmente de forma irreversível – tais efeitos, sejam as declarações negociais das partes revestidas dos cuidados que previnam a imponderação e precipitação que se quer ver salvarguardada no contrato final. É, pois, o duplo conteúdo vinculador positivo implicado no contrato-promessa pela sequência promessa/contrato definitivo (…) que explica o regime formal do contrato-promessa.”

Assim, defende esta Autora que “trata-se, como no mútuo dissenso se trata, não de criar vínculos para as partes mas de as libertar deles, e não se vê razão para idênticas precauções formais.”
Atento o exposto, entendemos não se justificarem as exigências de forma do contrato promessa de compra e venda de imóveis para o acordo extintivo do mesmo, sendo pois válida a resolução verbal efetuada no caso concreto.
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No mais remete-se para o que foi dito na sentença recorrida, acrescentando-se que, dado o que aí se expôs relativamente à vinculação das sociedades comerciais perante terceiros, relativamente aos atos praticados pelos seus gerentes, sendo indiferente que as quantias entregues pelo Autor ao Réu A. M., na qualidade de gerente da Ré, tenham ou não beneficiado esta Ré, pois eventual desrespeito pelo contrato ou deliberações dos sócios deve ser dirimido entre esse gerente e a sociedade respetiva e não entre a sociedade e os terceiros.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente as apelações, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas das apelações a cargo dos Apelantes.
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Guimarães, 14 de novembro de 2019

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira