Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
75/08.4TBFAF.1.G3
Relator: PAULO REIS
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
EXPROPRIAÇÃO ILEGAL
INDEMNIZAÇÃO
CRITÉRIOS
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA OBRA PÚBLICA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
GRAVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO DEDUZIDO PELO REQUERENTE IMPROCEDENTE; PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO APRESENTADA PELA REQUERIDA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A determinação da indemnização a atribuir ao requerente, enquanto proprietário das parcelas ocupadas pela requerida ao abrigo de uma declaração de utilidade pública expropriativa entretanto declarada nula, o que impediu a adjudicação do direito de propriedade à entidade expropriante em sede de processo de expropriação, deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil extracontratual, não estando vinculada às regras de indemnização da expropriação, designadamente quando as regras previstas no Código das Expropriações contendam com as normas gerais da responsabilidade civil extracontratual.
II - A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais está dependente da avaliação da respetiva gravidade segundo um padrão objetivo.
III - Não são indemnizáveis os aborrecimentos, incómodos ou contrariedades cuja gravidade e consequências sobre a integridade física e/ou psicológica do autor restaram indemonstradas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Na ação de processo sumário com o n.º 75/08.4TBFAF foi proferida sentença, devidamente transitada em julgado, julgando improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do autor A. C. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a autoestrada A 7, condenando a ré X - Estradas ..., S.A. a pagar ao autor o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido com a violação do direito de propriedade relativamente aos prédios identificados nos autos - prédio denominado Campo e Leiras ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002; prédio rústico denominado Leira ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002 - mais julgando improcedente a reconvenção deduzida.

Os autores A. C. e esposa, M. C., deduziram, então, incidente de liquidação de sentença, liquidando os valores do seguinte modo:

a) 15% sobre o valor do custo global médio da construção da autoestrada no troço Guimarães - Fafe, sublanço Calvos - Fafe;
b) No pagamento da quantia de 61.500,00 € a título de despesas forenses, acrescido das custas processuais suportadas pelos aqui Autores em todos os processos intentados por este motivo;
c) No pagamento da quantia de 1.000,00 € de danos morais para cada um dos autores;
d) No pagamento do montante que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante.

Para tanto alegam, em síntese, que a ré se apoderou ilegalmente de quatro parcelas de terreno daqueles, as quais foram integradas na autoestrada e daí estar obrigada a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade. Os danos a indemnizar abrangem, em sede de danos patrimoniais, o pagamento da área de que se serviu ilegalmente a ré, a indemnização pelos efeitos negativos nas partes sobrantes daquelas parcelas de terreno, os encargos com as demandas que os autores foram obrigados a intentar, a indemnização pelos lucros cessantes e a compensação pelos danos morais sofridos com o desgaste que esta situação lhes tem causado. Quanto ao valor das parcelas de terreno, sustentam que a ocupação definitiva ocorreu em 06-05-2003, data em que foi lavrado o auto de posse administrativa por parte da ré, e o valor dessas parcelas é proporcional àquilo que nelas se pode construir, pelo que tendo nelas sido construída uma autoestrada, o valor dessas parcelas de terreno corresponde a 15% sobre o custo global da autoestrada nelas implantadas.
A Infraestruturas ..., S.A., deduziu oposição à liquidação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na sequência de despacho que decidiu julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolveu o réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório, foi proferido acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório inicial.
Após notificados para concretizarem os pedidos que formulam nas alíneas a) e d), do petitório inicial vieram os autores especificar os pedidos formulados nas alíneas a) e d) do seguinte modo: - € 190.605,00 € relativamente à alínea a); - 54.832,00 €, relativamente à alínea d).
Foi proferido despacho saneador que julgou a autora M. C. parte ilegítima na ação, prosseguindo a ação apenas entre o autor A. C. e a ré Infraestruturas ..., SA.
Foi realizada perícia singular e outra colegial.
Realizou-se a audiência final tendo o autor ampliado o pedido relativo à alínea a) para a quantia de 275.359,54 € ampliação que veio a ser admitida, conforme decorre da respetiva ata.

Após, foi proferida sentença, liquidando a indemnização devida ao autor nos seguintes valores:
- 141.069,72 € a título de danos patrimoniais;
- 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais; com custas na proporção do decaimento.
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

A requerida Y - Infraestruturas ..., S.A. - terminou as suas alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«I. No casos dos autos, o autor logrou anular a DUP da expropriação, por falta de desafetação prévia da REN, pelo que se extinguiu o processo judicial de expropriação litigiosa em curso.
II. Foi considerado existir uma impossibilidade de devolução das parcelas expropriadas, sendo necessário indemnizar o lesado pelos danos que sofreu com a apropriação.
III. Estamos de acordo com a sentença quando refere que: “A medida da indemnização, embora não exista nestas situações um ato expropriativo, deve ser determinada, por analogia, de acordo com as regras substantivas do Código das Expropriações, porquanto o efeito jurídico na esfera do particular é o mesmo do decorrente de uma expropriação”
IV. Todavia, depois do estabelecimento deste princípio orientador, a sentença em crise, num volte face surpreendente, renega os princípios basilares que no Código das Expropriações determinam a fixação de uma indemnização, para atender à tese pugnada pelo autor de que as parcelas devem ser avaliadas não de acordo com o seu valor de mercado na altura da ocupação, mas sim de acordo com o valor do empreendimento rodoviário que nelas foi construído.
V. Depois de tão esclarecida declaração de princípio, de que de iriam ser aplicadas por analogia as normas do Código das Expropriações, é prescrito um critério que viola os princípios basilares daquele diploma.
VI. Bem como viola o princípio constitucional da Igualdade, não só na sua vertente interna (já que a indemnização alcançada é norteada por critérios que atribuem uma indemnização bem superior da que receberam os particulares que foram expropriados), como também na sua vertente externa (tal critério conduz a que seja atribuído um valor superior ao real e corrente do bem,, beneficiando aquele particular face aos que não foram sujeitos à construção da mesma obra rodoviária e, por isso mesmo, não beneficiaram daquela mais-valia artificial.
VII. Mas também viola o Princípio constitucional da justa indemnização, concretizado no Código das Expropriações no sentido de que aquela corresponde ao valor real e corrente do bem, vulgo valor de mercado, pois, são ignoradas as condicionantes legais e regulamentares à construção.
VIII. Pelo que a sentença é inconstitucional pela violação dos artigos 13.º e 62º da Constituição da República Portuguesa.
IX. Corre também num manifesta deficiência de cálculo pois é “enxertado” um valor de construção da autoestrada em fórmulas de cálculo que estão previstas serem aplicadas em referência a um aproveitamento construtivo normal, ao alcance de qualquer particular e, por isso mesmo, determinador do valor de mercado do bem.
X. Desde logo a sentença em crise adota um critério errado ao estabelecer que o valor da indemnização seja calculado tendo em conta a data mais recente e não a data da ocupação das parcelas (vd. parágrafo 4 da página 13 da sentença).
XI. Contrariando o despacho antes emanado, de 15/09/2020, o qual tinha decidido que os Srs. Peritos deviam elaborar a avaliação tendo por referência a data da ocupação da parcela, mais concretamente a data de 6.5.2003 (auto de posse administrativa).
XII. A partir do momento em que o tribunal a quo tomou a decisão, errada a nosso ver, de calcular o valor do terreno em função da autoestrada lá construída, o que notoriamente iria aumentar significativamente o seu valor, teve de fixar a data da “avaliação” num momento em que esta já estivesse construída.
XIII. Tal viola o disposto no Código das Expropriações, nomeadamente o artigo 23.º/1 do C.E. já que o valor alcançado por este critério é superior ao “valor real e corrente do bem”, não sendo a construção de uma autoestrada nem um aproveitamento económico normal, nem sequer o possível para qualquer particular.
XIV. Igualmente viola, como referimos, os Princípios constitucionais da Justa indemnização (previsto no artigo 62º), que prescreve que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização”, bem como o princípio constitucional da igualdade (previsto no artigo 13º), já que é adotado um critério que permite que o autor obtenha uma indemnização bem superior ao valor de mercado do seu bem.
XV. Tendo afirmado seguir o Código das Expropriações, comete mais uma flagrante contradição quando afirma aplicar o artigo 26.º do C.E, o qual prescreve o cálculo do valor do solo tem que atender ao aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.
XVI. E é um facto notório que a construção de uma autoestrada não é o aproveitamento económico normal de um solo agroflorestal que integra a REN – Reserva Ecológica Nacional.
XVII. Além de a construção de uma autoestrada se encontrar fora do alcance de qualquer proprietário particular.
XVIII. O valor real e corrente do solo é naturalmente aquele que advém do seu aproveitamento económico normal, nos termos de uma utilização económica normal, permitida ao seu proprietário pelas leis e regulamentos em vigor.
XIX. O artigo 23/2 do C.E. vai mais longe quando expressamente exclui do valor dos solos a mais-valia que advenha da obra pública que nele venha a ser implantada.
XX. O que igualmente a sentença em crise viola, pois atende ao valor do empreendimento rodoviário que motivou a ablação da propriedade.
XXI. Em suma, a sentença em crise, depois de referir e bem, que iria seguir as regras substantivas do Código das Expropriações, afasta-se irremediavelmente delas, decidindo por uma avaliação do solo em momento diferente do da ablação do direito de propriedade e por um aproveitamento económico que não era o normal, o que resulta num valor que em nada se assemelha ao valor de mercado do bem.
XXII. Esta flagrante contradição da sentença, resultante de uma decisão errada ab initio, faz com que opte pela avaliação que, de acordo com o próprio perito do tribunal que elaborou a segunda avaliação, não é o mais justo, não correspondendo ao valor real e corrente do bem.
XXIII. Relativamente à data a que se deve reportar a avaliação, note-se que, após a implantação, o bem saiu do comércio jurídico e por isso mesmo, deixa de ter valor de mercado.
XXIV. O Código manda retroagir ao momento ablativo da propriedade, devendo se ter em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
XXV. Obviamente que a construção da obra rodoviária não alterou o valor de mercado que o bem teria antes da sua implantação.
XXVI. Mas, tal tese roça o absurdo, pois o valor de mercado do bem, após integrar o domínio público, torna-se nulo, já que tal bem torna-se inegociável e inapropriável.
XXVII. Em suma, se se atender à tese defendida pelo autor e aceite pelo tribunal, se atendermos à obra rodoviária nele implantada, o valor a que tem direito é zero, já que o seu bem agora vale zero.
XXVIII. A potencialidade possível do terreno não é a que deriva da obra, mas sim a que o terreno possuía antes da ocupação.
XXIX. Que mais não seja, tem sempre de aplicar-se por analogia as normas constantes do Código das Expropriações, devendo os peritos abstrair-se da obra implantada e classificar e avaliar o terreno de acordo com a sua potencialidade efetiva ou possível, atendendo às limitações legais de então, previstas no PDM, bem como às naturais, resultantes das características, morfologia, dimensão, configuração, etc do terreno.
XXX. Sendo certo que o valor de mercado dos bens não é imutável e, por isso, mesmo que a sua potencialidade se mantenha ao longo do tempo, é essencial fixar a data a que deve se reportar a avaliação.
XXXI. Julgamos que deve ser feita uma aplicação analógica do artigo 23.º do C.E. e fixar a data da avaliação na data da ablação da propriedade.
XXXII. Segundo o Código das Expropriações, o bem deve ser avaliado à data da publicação da DUP da expropriação (artigo 23.º/1 do C.E.), o que se compreende pois com a D.U.P. nasce a “sujeição à expropriação”, que atinge com carácter real os bens a expropriar, traduzindo-se, no plano subjetivo, na extinção do direito de livre disposição do proprietário, que fica obrigado a não colocar obstáculos à consumação da expropriação.
XXXIII. No caso sub judice, por maioria de razão, o bem deve ser avaliado conforme a data em que foi ocupado para a construção da obra rodoviária, já que, não havendo DUP, foi nessa data que o proprietário sofreu restrições ao exercício do seu direito de propriedade.
XXXIV. De acordo com o Plano Municipal de Ordenamento do Território (PMOT) em vigor à data da ocupação - Plano Diretor Municipal de Fafe - que regulamenta o uso, ocupação e transformação do solo, as parcelas ocupadas integram-se em - Área de Reserva Ecológica Nacional (REN), tal como é descrito nas respetivas VAPRM (vd. página 11/23 da 2ª avaliação).
XXXV. Uma vez que não se encontram preenchidas as alíneas do artigo 25.º/2 do Código das Expropriação, o solo das parcelas em causa deve ser classificado e avaliado como solo para outros fins, atendendo às reais caraterísticas das parcelas e aproveitamento económico possível por parte do particular.
XXXVI. A doutrina e jurisprudência ao longo de muitos anos discutiram a questão de saber qual o critério que deve ser usado para calcular o justo valor pela desapropriação de um bem e chegaram à conclusão de que deve ser o critério do valor de mercado, ou seja, deve ser pago o valor real e corrente do bem.
XXXVII. Sendo esse o critério consagrado no Código das Expropriações no seu artigo 23.º/1 e que devia ter sido seguido na determinação do quantum indemnizatório a fixar.
XXXVIII. Fundamenta a sentença em crise a atribuição da indemnização de 1000€ aos autores no facto de este se ter sentido “incomodado com a ocupação das parcelas de terreno de que era proprietário” (vd. último parágrafo da página 18 da sentença).
XXXIX. Ora, os danos morais só são indemnizáveis quando especialmente graves, o que não resulta dos factos dados como provados (cfr. artigo 496.º/1 do Código Civil).
XL. Com efeito, o “incómodo” considerado provado pela sentença não justifica uma indemnização por danos não patrimoniais.
XLI. Ora, foi declarada e publicada uma DUP da expropriação dos terrenos do autor, a qual foi judicialmente impugnada por este, tendo conseguido que fosse declarado nulo tal ato.
XLII. O incómodo que adveio para o autor por ter visto o seu prédio ocupado para a realização de uma obra pública, e de ter que litigar judicialmente pela indemnização que considerava justa não é diverso daquele que é sofrido por qualquer expropriado, pelo que não merece um reconhecimento autónomo.
XLIII. Não se pode ignorar que a construção de infraestruturas rodoviárias é inerente ao modus vivendi atual e que a desapropriação dos terrenos particulares é sua inseparável consequência.
XLIV. Além de que na prática não se verificou qualquer contrariedade uma vez que os terrenos, à data da ocupação, já se encontravam pouco ou nada cultivados, encontrando-se, a parte florestal, sem qualquer limpeza e desmatação que demonstrasse cuidado e zelo.
XLV. Pelo que deve igualmente ser anulada a decisão de atribuir um valor de indemnização devido a danos não patrimoniais.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a apresente apelação ser julgada procedente, e em consequência, ser revogada a sentença em crise, com as respectivas consequências legais. Assim decidindo, farão V. Ex.as a habitual JUSTIÇA».

O requerente, por seu turno, terminou as suas alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:

«I. Aderimos ao relatório do perito do tribunal que realizou a 1ª perícia (perito único)
II. Aderimos porque na sequência do objeto da perícia, oportunamente definido judicialmente sem a oposição das partes, avaliou o solo em função do valor que nele foi implantado
III. Aplicou o critério que resulta da equivalência, da igualdade na relação interna
IV. O Código das Expropriações em que se baseou o perito do tribunal na segunda perícia, como critério único, aplicado “strictu senso”, não pode ser aplicado desde logo por inexistência de DUP.
V. A ser aplicado, sairia beneficiado o infrator e seria indiferente que a legalidade tivesse sido respeitada ou não
VI. A obra que justifica a expropriação é uma autoestrada que integra o Plano Rodoviário Nacional, que é um plano de ordenamento setorial de âmbito nacional que revogou, ope legis o PDM de Fafe nas partes por ele definidas de forma diferente.
VII. Numa perspetiva de jure condendo a aquisição de um solo deve, pelo menos como mínimo, abranger os benefícios que o adquirente retira. Só assim a justiça se concretiza
VIII. Na perspetiva dos princípios e no plano do direito constituído a consagração deste arquétipo está consagrada no princípio da valorização com base no rendimento potencial, no rendimento possível.
IX. O PRN em que a obra da A7 se insere é um plano do ordenamento do território de âmbito nacional de cariz setorial que prevalece sobre o PDM e revoga-o nas partes que estão em conflito, em contradição - atualiza-o d imediato
X. A falta de atualização obrigatória do PDM em conformidade por inércia do Município não pode prejudicar os proprietários nem evita que as plantas do PDM não sejam lidas com a atualização que resultam do PRN.
XI. À data da DUP nula o solo da parcela já estava, ope legis, afetado á construção da autoestrada e, como tal o seu valor era correspondente ao valor da obra a implantar.
XII. Uma vez que o réu se apossou do terreno sem DUP não pode recorrer ao critério do código das expropriações que lhe é mais favorável, mas sim aos princípios da equivalência e da igualdade na vertente interna (a adquirente há - de pagar o valor que resulta do que foi implantado no terreno como pagaria no mercado livre.
Termos que que na procedência da presente apelação se peticiona a alteração do valor fixado a título de danos patrimoniais para € 275.359,54, no mais se mantendo o doutamente decidido quanto aos danos morais».
Apenas o requerente apresentou resposta, pugnando pela total improcedência da apelação apresentada pela requerida.
Ambos os recursos foram admitidos como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão dos recursos nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Regime jurídico aplicável;
B) Valor da indemnização devida a título de danos patrimoniais;
C) Se é devida indemnização por danos não patrimoniais.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:

1. No processo n.º 75/08.4TBFAF foram julgados provados os seguintes factos:
a. Encontra-se registado a favor do A. A. C. a aquisição dos seguintes prédios:
i. prédio denominado Campo e Leiras ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002.
ii. Prédio rústico denominado Leira ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002.
b. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 17.818-G/2002 de 23/7/2002, publicado no DR, II série, de 9/8/2002, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos terrenos destinados à construção da obra designada “Concessão Norte (AENOR) A7 - IC5 - Lanço Guimarães - Fafe - Sublanço Calvos - Fafe.
c. Entre essas parcelas abrangidas pela DUP conta-se a n.º 152, 153, 155 e 156 do mapa anexo, da pertença do A.
d. Por Acórdão de 5/2/2004, proferido no recurso n.º 1918/02-11, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o ato identificado em 2. (aqui identificado como ponto b.) – cf. fls. 21 e ss. cujo teor se dá por reproduzido.
e. Foi proferido o despacho n.º 16836/2008, do Secretário de Estão Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, datado de 28/05/2008 e publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 110, de 09/06/2008, que, considerando a necessidade de retificar os elementos identificativos das parcelas de terreno n.º 152, 153, 155 e 156, declarou “a retificação da declaração de utilidade pública referida, de acordo com as correções agora introduzidas, conforme mapa de expropriações, cuja publicação se promove em anexo, mantendo-se todos os atos até ao momento praticados “ – cf fls. 294, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
f. A R. Estradas .... S.A. tomou posse administrativa das parcelas id, em 3. (aqui identificadas no ponto c) no dia seis de Maio de 2003.
g. As parcelas foram incorporadas na autoestrada A 7, a qual se encontra concluída.
2. Foi proferida decisão, transitada em julgado que, além do mais, julgou improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do A. A. C. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a autoestrada, mas condenou a Ré X-Estradas ..., S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. nos autos.
3. Os prédios … e … foram ocupadas parcialmente com a construção da autoestrada, tendo sido destacadas as parcelas 152, 153, 155 e 156 que ocupam uma área total de 6387m2.
4. O prédio rústico … tinha uma área de 6900m2, tendo ficado com uma área sobrante de 935m2 (tendo sido ocupado em 86,45% da sua área).
5. O prédio rústico … tinha uma área de 11000m2, tendo sido ocupado em 0,15% da sua área.
6. As parcelas e os prédios de que se destacam têm serviço de caminho público pavimentado a betuminoso e rede de distribuição de energia elétrica de baixa tensão.
7. A rede de telefone dista cerca de 100m das parcelas.
8. Os prédios estavam incluídos na área de reserva agrícola nacional na data de 06/05/2003.
9. A parcela 156 localiza-se junto a uma linha de água “Rio …”.
10. O custo integral do Lanço Guimarães-Fafe sublanço Calvos-Fafe foi de € 864.309.000,00 para a totalidade da concessão numa extensão de 179km.
11. O custo por m2 da construção é de 172,45 euros por m2.
12. O valor médio da portagem cobrada por m2 é de € 10,26.
13. O valor do solo para outros fins é de € 6,00 o m2.
14. O valor do solo para construção é de 21,56m2
15. O autor sentiu-se incomodado com a ocupação das suas parcelas de terreno.
1.2. O Tribunal recorrido considerou que não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Regime jurídico aplicável

Verifica-se que nenhum dos recorrentes impugna a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, porquanto não indicam quaisquer factos que entendam terem sido indevidamente julgados.
Assim sendo, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1. supra.
Considerando não ser possível proceder à reconstituição natural, por força do denominado princípio da «intangibilidade da obra pública», o Tribunal, na sentença proferida a 27-05-2013, devidamente transitada em julgado, julgou improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do autor A. C. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a autoestrada, condenando a ré X - Estradas ..., S.A. a pagar ao autor o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido com a violação do direito de propriedade relativamente aos prédios identificados nos autos - prédio denominado Campo e Leiras ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002; prédio rústico denominado Leira ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002 - mais julgando improcedente a reconvenção deduzida.

Os presentes autos configuram um incidente de liquidação de tal sentença, formulando o requerente, no que ainda releva, um pedido de condenação em quantia certa, nos seguintes termos:
A) 15% sobre o valor do custo global médio da construção da autoestrada no troço Guimarães - Fafe, sublanço Calvos - Fafe, que computa em 275.359,54 €;
B) o pagamento da quantia de 1.000,00 de danos morais;
C) o pagamento do montante que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante, que computa em 54.832,00 €.

Na sentença recorrida, a 1.ª instância liquidou a indemnização devida ao autor nos seguintes valores:
- 141.069,72 € a título de danos patrimoniais (dos quais 137.703,72 € correspondem ao valor das parcelas e 3.366,00 € ao valor da desvalorização pela parte sobrante);
- 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
Nos recursos que interpuseram da sentença proferida tanto o requerente como a requerida manifestam discordância relativamente ao valor indemnizatório fixado.
No caso vertente, a controvérsia reside em primeiro lugar na questão de saber qual o regime jurídico aplicável à determinação da indemnização a atribuir ao requerente, enquanto proprietário das parcelas ocupadas pela requerida e em face da ausência de um processo expropriativo válido.
O direito à propriedade privada mostra-se consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP, segundo o qual, a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição, estatuindo o n.º 2 daquele preceito a possibilidade da sua limitação por meio da figura da expropriação por utilidade pública, a qual só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Deste modo, a expropriação carece sempre de uma base legal (princípio da legalidade) e tem como pressuposto constitucional o pagamento de justa indemnização.
Tal como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira em anotação ao artigo 62.º da CRP (1), «a norma consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização».
Na linha dos referidos princípios constitucionais o artigo 1308.º do CC estabelece que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei, dispondo no respetivo artigo 1310.º que, havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afetados.
A decisão recorrida considerou - e bem - que nos presentes autos não estamos perante uma expropriação, mas sim em face de uma «apropriação irregular» que se carateriza pela tomada de posse, por parte da administração, de um bem imóvel de um particular, com base num título que enferma de uma ilegalidade.
Neste domínio, a apelante/requerida sustenta, no essencial, que a sentença recorrida renega os princípios basilares que no Código das Expropriações determinam a fixação de uma indemnização, designadamente o artigo 23.º, n.º 1 deste diploma, ao atender à tese pugnada pelo requerente, avaliando as parcelas não de acordo com o seu valor de mercado na altura da ocupação, mas sim de acordo com o valor do empreendimento rodoviário que nelas foi construído, estabelecendo que o valor da indemnização seja calculado tendo em conta a data mais recente e não a data da ocupação das parcelas. Alega que a potencialidade possível do terreno não é a que deriva da obra efetuada, mas sim a que o terreno possuía antes da ocupação e que, por isso, tem sempre de aplicar-se por analogia as normas constantes do Código das Expropriações, devendo os peritos abstrair-se da obra implantada e classificar e avaliar o terreno de acordo com a sua potencialidade efetiva ou possível, atendendo às limitações legais de então, previstas no PDM, bem como às naturais, resultantes das características, morfologia, dimensão, configuração do terreno, avaliando o bem conforme a data em que foi ocupado para a construção da obra rodoviária, já que, não havendo DUP, foi nessa data que o proprietário sofreu restrições ao exercício do seu direito de propriedade. De acordo com o Plano Municipal de Ordenamento do Território (PMOT) em vigor à data da ocupação - Plano Diretor Municipal de Fafe - que regulamenta o uso, ocupação e transformação do solo, as parcelas ocupadas integram-se em - Área de Reserva Ecológica Nacional (REN), tal como é descrito nas respetivas VAPRM, pelo que o solo das parcelas em causa deve ser classificado e avaliado como solo para outros fins, atendendo às reais caraterísticas das parcelas e aproveitamento económico possível por parte do particular, sendo esse o critério consagrado no Código das Expropriações no seu artigo 23.º, n.º 1, e que devia ter sido seguido na determinação do quantum indemnizatório a fixar.
O requerente/apelante, por seu turno, defende a alteração do valor fixado a título de danos patrimoniais para 275.359,54 €. Sustenta, no essencial, que a requerida não pode recorrer ao critério do Código das Expropriações, que lhe é mais favorável, uma vez que o réu se apossou do terreno sem DUP. À data da DUP nula, o solo da parcela já estava, ope legis, afetado à construção da autoestrada e, como tal o seu valor era correspondente ao valor da obra a implantar. Não obstante sustentar a alteração do valor fixado a título de danos patrimoniais para 275.359,54 €, defende que deve ser acolhido o valor encontrado pelo perito do Tribunal, autor da 1.ª perícia, a perícia isolada.
Com relevo para a questão em análise, refere Fernando Alves Correia (2) que «a indemnização nas expropriações ilegais deve ter características diferentes daquelas que possui nas expropriações legais. De facto, o carácter ilegal da expropriação retira todo o sentido às limitações que a indemnização sofre na expropriação e que resultam, como vimos, de uma justa ponderação entre o interesse público e o interesse do expropriado», para concluir que «as expropriações legais e ilegais não podem estar sujeitas ao mesmo regime jurídico». O citado Autor adere às soluções encontradas pela jurisprudência francesa para os casos em que a anulação do ato de declaração de utilidade pública surge num momento em que o bem expropriado já tenha sofrido profundas transformações em face do fim da expropriação, ou em que a obra pública já esteja concluída ou em estado adiantado de execução, salientando que na reparação dos danos suportados pelo particular vítima de uma expropriação ilegal, o tribunal aprecia livremente a sua extensão e o seu montante, sem estar vinculado às regras de indemnização da expropriação (3).
Sobre esta questão pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça (4) numa situação em que a irregularidade do procedimento expropriativo por utilidade pública resultou de erro na identificação das parcelas a expropriar, o qual não foi sanado por iniciativa da entidade expropriante e em que foi afastada pelos interessados a pretensão de natureza reivindicativa, decidindo que «não existe fundamento para recorrer às regras do Cód. das Expropriações para efeitos de quantificação da indemnização devida aos AA. lesados, sendo plenamente justificado o recurso às regras gerais da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. e arts. 566º e ss. do CC) que permitem estabelecer, mediante a aplicação da teoria da diferença, o quantitativo correspondente aos danos emergentes e aos lucros cessantes, sem embargo do recurso à equidade no que concerne à fixação da compensação devida pelos danos não patrimoniais que a situação gerada provocou em cada um dos AA., nos termos que a matéria de facto provada documenta».
Seguindo de perto o entendimento enunciado no referenciado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cujos fundamentos entendemos de sufragar integralmente, concluímos que a quantificação da indemnização a atribuir ao requerente deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e ss e artigos 566 e ss do Código Civil), não estando por isso vinculada às regras de indemnização da expropriação, designadamente quando as regras previstas no Código das Expropriações contendam com as normas gerais da responsabilidade civil extracontratual.

2.2. Valor da indemnização devida a título de danos patrimoniais

Como se viu, nos presentes autos não estamos perante uma expropriação mas sim em face de uma «apropriação irregular» que se carateriza «por uma tomada de posse por parte da administração de um bem imóvel do particular com base num título que enferma de uma ilegalidade, não de uma ilegalidade grave e grosseira como no caso de «via de facto», mas de uma ilegalidade simples e leve» (5), sendo que, conforme já concluímos supra, a quantificação da indemnização a atribuir ao requerente deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e ss e artigos 566 e ss do Código Civil), não estando vinculada às regras de indemnização da expropriação, designadamente quando as regras previstas no Código das Expropriações contendam com as normas gerais da responsabilidade civil extracontratual.
O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos encontra-se plasmado no referenciado artigo 483.º, n.º 1, do CC, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São, assim, vários os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Relativamente à ilicitude, enquanto requisito necessário para que o ato seja gerador de responsabilidade civil extracontratual, a mesma tanto pode consubstanciar a violação de direitos subjetivos - os quais podem ser absolutos (direitos de personalidade, direitos reais), mas também direitos familiares, de conteúdo patrimonial ou, mesmo, pessoal - como a de uma norma protetora de um interesse alheio.
A culpa pondera o lado subjetivo do comportamento do agente do facto, pressupondo um juízo de censura ou de reprovação da conduta, podendo surgir fundamentalmente na modalidade de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), nos casos em que o agente não previu o resultado ilícito ou, tendo-o previsto, confiou temerariamente na sua não ocorrência, ou de dolo, quando o agente, tendo previsto o resultado, o aceitou como possível, isto é, não deixou de atuar em razão dessa possibilidade (6).
Nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada situação. Por outro lado, resulta do disposto no artigo 487.º, n.º 1, do CC a regra geral de que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, na linha, aliás do preceituado no artigo 342.º do CC, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra.
Mas o facto ilícito culposo só implica responsabilidade civil caso ocorra um dano ou prejuízo a ressarcir, consubstanciado este de forma genérica como toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica (7).
Por último, além do facto e do dano, exige-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o facto constitua causa do dano, requisito que desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar (8).
Tal como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2019 perante situação em tudo idêntica à dos presentes autos, «(…) a ocupação real das parcelas configura uma situação afetada pela ilicitude da conduta, na perspetiva da falta de apoio formal para a apropriação que na realidade resultou da ocupação e da utilização das parcelas para a passagem de uma via de comunicação.
A par da ilicitude verificada a partir da ocupação que não foi chancelada por um despacho judicial de adjudicação do direito de propriedade, verifica-se a falta de diligência imputável ao R. (…) (culpa) por não ter gido, ex ante ou a posteriori, enquanto entidade pública que pretendia apossar-se de terrenos para realização de uma obra pública, em termos que lhe eram exigíveis, regularizando o procedimento administrativo».
De todo o modo, os presentes autos configuram um incidente de liquidação da sentença proferida a 27-05-2013, devidamente transitada em julgado, que, além do mais, condenou a ré a pagar ao autor o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido com a violação do direito de propriedade relativamente aos prédios identificados nos autos - prédio denominado Campo e Leiras ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002; prédio rústico denominado Leira ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002 - não estando em causa se existe ou não obrigação de indemnizar.
Como se viu, relativamente à determinação do valor das parcelas ocupadas, o requerente peticiona uma indemnização de 275.359,54 €, correspondente a 15% sobre o valor do custo global médio da construção da autoestrada no troço Guimarães - Fafe, sublanço Calvos - Fafe.
Ao invés, a requerida/apelante defende que o critério a seguir deverá ser o previsto no Código das Expropriações, devendo a quantificação da indemnização abstrair-se da obra efetivamente implantada e classificar e avaliar o terreno de acordo com a sua potencialidade efetiva ou possível, atendendo às limitações legais de então, previstas no PDM, bem como às naturais, resultantes das características, morfologia, dimensão, configuração do terreno, avaliando o bem conforme a data em que foi ocupado para a construção da obra rodoviária, já que, não havendo DUP, foi nessa data que o proprietário sofreu restrições ao exercício do seu direito de propriedade.
Porém, o enquadramento antes traçado implica que deva atender-se primordialmente às as normas gerais indemnizatórias previstas nos artigos 562.º a 566.º do CC.
O artigo 562.º do CC prevê como princípio geral que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
E, tratando-se de danos patrimoniais, a natureza material da lesão sofrida permite a efetiva indemnização do lesado mediante a remoção da alteração causada no respetivo património, sendo que a reconstituição natural (ou a indemnização específica) prevalece sobre o pagamento de uma quantia monetária a título de indemnização por equivalente.
No caso mostra-se já definitivamente definido nos autos não ser possível proceder à reconstituição natural, por força do denominado princípio da «intangibilidade da obra pública». Assim, o Tribunal, na sentença proferida a 27-05-2013, devidamente transitada em julgado, julgou improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do autor A. C. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a autoestrada, condenando a ré X - Estradas ..., S.A. a pagar ao autor o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido com a violação do direito de propriedade relativamente aos prédios identificados nos autos.
Importa, assim, atender ao disposto no artigo 566.º, n.º 1 do CC, o qual prescreve que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Ainda nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 1, do CC, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, prevendo o n.º 2 do citado preceito que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Porém, em sede de fixação de indemnização por danos patrimoniais, o artigo 566.º, n.º 2 do CC prescreve que, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Este preceito acolhe a chamada teoria da diferença quanto ao critério a utilizar na avaliação da indemnização pecuniária.
Tal como refere Ana Prata (9) a propósito da indemnização fixada segundo a chamada teoria da diferença, «o seu montante é apurado pela diferença entre a situação patrimonial real atual do lesado e a sua situação patrimonial hipotética na mesma data, isto é, aquela que ele teria se não tivesse sofrido a lesão».
Em decorrência de tal critério, a avaliação do dano deve ser feita em concreto, pois a uma diferença entre patrimónios se refere, atendendo às implicações da lesão do bem danificado ou subtraído no património do credor (10).
Por outro lado, sendo a indemnização liquidada por via judicial, deve entender-se que a data mais recente a que a lei manda atender para o referido cálculo será, normalmente, a do encerramento da discussão em primeira instância (11).
Ao invés, o artigo 1.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18-09, estabelece que «os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código», a qual, conforme define o n.º 1 do artigo 23.º do mesmo diploma, «não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data». Daí que o artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações determine que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública, ainda que seja atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
Tanto basta para se conclua, como fez a sentença recorrida, que o valor da indemnização a atribuir nos presentes autos deverá ser calculado tendo em conta a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e não a data da ocupação das parcelas ou da inexistente publicação do ato expropriativo.
No enquadramento enunciado, a 1.ª Instância entendeu - e bem - que o facto de o valor da indemnização dever ser calculado tendo em conta a data mais recente e não a data da ocupação das parcelas é relevante pois irá determinar a aplicação de um critério distinto daquele que seria aplicado caso estivéssemos perante uma expropriação.
Em consequência, mostra-se prejudicada a apreciação dos critérios de cálculo do valor da indemnização indicados pela requerida/apelante, com fundamento na classificação do solo como apto para outros fins, por atender à potencialidade possível do terreno antes da ocupação, atendendo às limitações legais de então, previstas no PDM, bem como às condicionantes naturais que resultam das características, morfologia, dimensão, configuração do terreno.
Pelos mesmos motivos, não se atenderá aos laudos apresentados pelos peritos indicados pela requerida/apelante e pelo tribunal no âmbito da 2.ª perícia (este último, no que concerne à avaliação que teve por base a potencialidade do terreno à data da ocupação, classificando o solo como «solo para outros fins»).
No relatório pericial elaborado aquando da 1.ª perícia, o perito único avaliou a área ocupada em função da aptidão necessária para a implantação da obra da autoestrada, calculando o valor do solo tendo por base uma percentagem do valor nele implantado, utilizando como referencial o custo de construção implantada em vez do valor venal, atendendo a que se trata de um equipamento fora de mercado, atribuindo o valor global de 269.621,69 € com base nos seguintes elementos: Extensão total da concessão (m): 179.000,00; Largura média da autoestrada (m): 28,00; Área da concessão (m): 5.012.000,00; Custo total da construção (€) 846.309.000,00; Valor do m2 da autoestrada: 168,86; Percentagem para valor do terreno: 0,25; valor do m2 de terreno: 42,21; Área da parcela 152 (m2): 2.055,00; Área da parcela 153 (m2): 405,00; Área da parcela 155 (m2): 17,00; Área da parcela 156 (m2): 3.910,00; área total (m2) Declaração de retificação 450/2013: 6.387,00; Valor do terreno da autoestrada (€): 269.621,69.
No relatório pericial elaborado aquando da 2.ª perícia, o perito indicado pelo tribunal apresentou, a título supletivo, um laudo de avaliação para o caso de se entender que o solo deve ser avaliado em função do valor da construção nele implantada atualmente, considerando então o valor da construção efetivamente implantada nas parcelas ocupadas, a qual, após informações fornecidas pela entidade expropriante, calculou pela fórmula seguinte: Extensão = 179.000,00 m; Largura média = 28,00 m; Custo de construção = 864.309.000,00 €; Custo por m2 da sua construção = 864.309.000,00 € / (179.000,00 x 28,00) = 172,45 €/m2. Sobre tais fatores fez incidir, por analogia, os critérios enunciados no artigo 26.º do Código das Expropriações, para o cálculo do valor do solo apto para a construção, designadamente em função das percentagens previstas nos n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito, ponderando todos os fatores e as características existentes na zona envolvente às parcelas ocupadas, que explicitou de forma exaustiva no mesmo relatório, em face dos quais fixou em 12,5% do custo da construção o valor do solo, tendo em conta o índice de localização, qualidade ambiental e de infraestruturas referenciadas. Em consequência, fixou o valor do solo em 137.703,72 € (€ 172,45 €/m2) x 0,125 (12,5%) = 21,56 €/m2; 21,56 €/m2 x área das parcelas (6387m2), ao qual fez acrescer o valor de 3.366,00€ de indemnização pela desvalorização pela parte sobrante, de acordo com os critérios que também enunciou no referido relatório, tudo no total de 141.069,72 € (137.703,72€ + 3.366,00 €).
No relatório pericial elaborado aquando da 2.ª perícia o perito indicado pelo requerente/apelante avaliou a área ocupada em função da aptidão necessária para a implantação da obra da autoestrada, calculando o valor do solo tendo por base uma percentagem do valor nele implantado, utilizando como referencial o custo de construção implantada em vez do rendimento médio das portagens, atribuindo o valor global de 275.359,54 € com base nos seguintes elementos: Extensão: 179.000,00 m; Largura média: 28,00 m; Custo de construção: 846.309.000,00€/ (179.000,00 x 28,00) = 172,45/m2. Mais atendeu à percentagem de 25% sobre o custo médio unitário da construção da autoestrada para valorização do terreno, fixando o valor do solo em 275.359,54 € (6.387 m2 x 172,45 €/m2 x 0,25), ao qual fez acrescer o valor de 3.366,00€ de indemnização pela desvalorização pela parte sobrante, aderindo, nessa parte, ao laudo apresentado a título supletivo pelo perito indicado pelo tribunal na 2.º perícia.
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que a 1.ª instância considerou adequado o cálculo do valor do solo apresentado a título supletivo pelo perito indicado pelo tribunal aquando da 2.ª perícia, e do qual decorre a fixação do valor das parcelas ocupadas em 137.703,72 € acrescido do valor de 3.366,00€ de indemnização pela desvalorização pela parte sobrante, ascendendo assim o valor da indemnização por danos patrimoniais à quantia de 141.069,72€ (137.703,72€ + 3.366,00€).
Neste domínio, o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que o perito indicado pelo Tribunal, no relatório apresentado de forma supletiva, e o perito indicado pelo requerente apenas divergem quanto à percentagem do custo de construção, sendo que o perito indicado pelo Tribunal apresentou cálculos concretos e atribuiu a percentagem de 12,5%. Já o perito indicado pelo autor, até ao arrepio do que vem peticionado (15%), entendeu atribuir uma percentagem de 25%, divergência que explica a diferença de valores atribuída por cada um às parcelas.

Em consequência, aderiu aos critérios apresentados pelo perito indicado pelo Tribunal pelos seguintes motivos:
«os cálculos estão muito bem fundamentados, ao passo que o perito indicado pelo autor se limita a indicar a percentagem sem explicar o porquê; o perito indicado pelo Tribunal foi aquele que se mostrou mais imparcial (foi o único que apresentou valores para todas as formas de avaliação); o valor da percentagem indicado pelo perito do autor é superior ao peticionado.
Não se vendo preterido nenhum critério legal de determinação do valor dos bens, e sendo as considerações tecidas e cálculos efetuados plenamente justificados e demonstrados, segundo o critério legal aplicável à avaliação do “solo apto para construção”, deverá ser o valor proposto pelo senhor perito indicado pelo Tribunal que integrou o colégio de peritos a considerar na determinação da indemnização a atribuir».
Analisando mais de perto os fundamentos enunciados na sentença recorrida para decidir a questão enunciada, entendemos que o Tribunal a quo fez uma adequada ponderação da mesma à luz dos factos que resultaram provados, sem pôr em causa qualquer critério legal imperativo aplicável ao caso.
No âmbito dos factos agora em referência estamos indiscutivelmente perante matéria que assume natureza essencialmente técnica, exigindo conhecimentos especiais para o efeito.
Importa, por isso, atender à especial relevância que assumem no caso os referidos laudos de peritagem para determinação do valor do terreno ocupado pela construção da autoestrada assim como de eventuais depreciações das áreas sobrantes.
Devendo a prova pericial, em processo civil, ser apreciada livremente pelo tribunal, resulta indiscutível que este deve ponderar as conclusões indicadas pelos peritos como resultado da perícia, bem como os demais elementos constantes do relatório pericial, no confronto com os demais meios de prova produzidos, de modo a poder atribuir-lhe relevância ou a divergir da análise plasmada no juízo técnico inerente à perícia.
Tal como refere Luís Filipe Pires de Sousa (12), «a prova pericial tem que ser apreciada pelo julgados a três níveis: (i) quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal); (ii) quanto à base de facto pressuposta na perícia (iii) e quanto à própria conclusão da perícia. (…) Quanto à base de facto - cuja perceção e/ou apreciação não exija especiais conhecimentos - pressuposta na perícia, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria. Ou seja, o Tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se a divergência se confinar aos factos em que se apoia o juízo pericial.
Ora, da análise do relatório pericial elaborado aquando da 1.ª perícia pelo perito único indicado pelo Tribunal resulta desde logo evidenciado que este avaliou a área ocupada utilizando como referencial o custo de construção de 168,86 m2 valor que não corresponde ao que consta da matéria de facto provada (cf. o ponto 11 da matéria de facto provada, segundo o qual, o custo por m2 da construção é de 172,45€ por m2).
Como se viu, nenhum dos recorrentes impugnou a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, do que resulta que a base de facto em que assenta o referido juízo pericial não está em consonância com a matéria de facto definitivamente assente nos autos.
Em face do exposto, entendemos que a conclusão extraída pelo perito único que realizou a 1.ª perícia quanto ao valor do terreno ocupado pela construção da autoestrada não se revela por si só idónea e suficiente para formar a convicção deste Tribunal sobre tal matéria, sendo certo que no correspondente laudo também não se mostram suficientemente explicitados os fatores que levaram à determinação da percentagem utilizada como referencial para valorização do terreno em face do custo médio unitário da construção da autoestrada.
Aqui chegados, confirma-se que o perito indicado pelo Tribunal, no relatório apresentado de forma supletiva, foi o único que explicitou de forma exaustiva e sustentada os concretos fatores e as características existentes na zona envolvente às parcelas ocupadas que levaram à determinação da percentagem utilizada como referencial para valorização do terreno (12,5%), tendo em conta o índice de localização, qualidade ambiental e de infraestruturas referenciadas, ao invés do perito indicado pelo requerente, o qual se limitou a indicar a percentagem proposta (25%) sem referenciar os elementos objetivos subjacentes a tal posição.
Aliás, como realçou o Tribunal a quo na fundamentação da sentença recorrida, o valor da percentagem indicado pelo perito do requerente é inclusivamente superior ao indicado pelo próprio requerente, posto que se observa que no pedido formulado sob a al. A) o requerente alude expressamente à percentagem de 15% sobre o valor do custo global médio da construção da autoestrada no troço Guimarães - Fafe, sublanço Calvos - Fafe.
Por último, não decorre dos autos que os critérios seguidos pelo perito indicado pelo Tribunal no relatório apresentado de forma supletiva se mostrem desconformes à lei ou desadequados, porquanto se verifica que os valores apresentados foram calculados tendo em conta a data mais recente e não a data da ocupação das parcelas, em conformidade com o disposto no citado artigo 566.º, n.º 2 do CC, não se vislumbrando que o recurso, por analogia, aos critérios enunciados no artigo 26.º do Código das Expropriações, na parte atinente ao cálculo do valor concreto do solo apto para a construção, designadamente em função das percentagens previstas nos n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito, seja inconciliável com os critérios emergentes das normas gerais da responsabilidade civil extracontratual.
Como tal, entendemos adequado o cálculo do valor do solo apresentado a título supletivo pelo perito indicado pelo tribunal aquando da 2.ª perícia, e do qual decorre a fixação do valor das parcelas ocupadas em 137.703,72 € acrescido do valor de 3.366,00€ de indemnização pela desvalorização pela parte sobrante, ascendendo assim o valor da indemnização por danos patrimoniais à quantia de 141.069,72€ (137.703,72€ + 3.366,00€), tal como entendeu o Tribunal a quo na sentença recorrida.
Nas correspondentes conclusões da apelação a requerida alega, entre o mais, que a partir do momento em que o Tribunal a quo decidiu calcular o valor do terreno em função da autoestrada lá construída, fixando a data da avaliação nesse momento e não na data em que foi ocupado para a construção da obra rodoviária, a decisão recorrida viola os princípios constitucionais da Justa indemnização (previsto no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa,), que prescreve que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização, bem como o princípio constitucional da igualdade (previsto no artigo 13.º), já que é adotado um critério que permite que o autor obtenha uma indemnização bem superior ao valor de mercado do seu bem.
Neste domínio, e tal como salienta o acórdão desta Relação, de 11-03-2021 (13), mesmo entendendo que um dos traços definidores do nosso sistema de controlo da constitucionalidade é o respetivo caráter normativo, «é indispensável que, na decisão recorrida, a norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no recurso, tenha sido ratio decidendi».
Como tal, não vindo invocadas quaisquer inconstitucionalidades relativamente a norma - ou a seu segmento -, cuja interpretação tenha sido razão determinante para a solução adotada na sentença recorrida, e não as descortinando este Tribunal, cumpre concluir que o alegado juízo de inconstitucionalidade padece de manifesta inconcludência relativamente às inconstitucionalidades suscitadas.
Não obstante, sempre se dirá que o Tribunal já concluiu que nos presentes autos não estamos perante uma expropriação mas sim em face de uma «apropriação irregular», situações que não estão sujeitas ao mesmo regime jurídico.
Assim, a quantificação da indemnização a atribuir ao requerente deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e ss e artigos 566 e ss do CC), não estando vinculada às regras de indemnização da expropriação, designadamente quando as regras previstas no Código das Expropriações contendam com as normas gerais da responsabilidade civil extracontratual, assim não representando qualquer restrição ou ofensa aos princípios constitucionais invocados pela apelante/requerida.
Em decorrência de tais critérios o valor da indemnização a atribuir nos presentes autos deverá ser calculado tendo em conta a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e não a data da ocupação das parcelas ou da inexistente publicação do ato expropriativo. Por outro lado, a avaliação do dano deve ser feita em concreto, pois a uma diferença entre patrimónios se refere, atendendo às implicações da lesão do bem danificado ou subtraído no património do credor e compreendendo não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Tal como salienta Fernando Alves Correia (14), «a obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais. Ao passo que este abrange todas as perdas patrimoniais (…) do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual».
Por todo o exposto, no que respeita ao valor da indemnização devida a título de danos patrimoniais, improcedem os recursos interpostos pela requerida e pelo requerente.

2.3. Reapreciação do mérito da decisão de direito no que concerne à pretensão formulada sob a al. B) do petitório inicial: saber se, em face da matéria de facto provada, devia ter sido julgado improcedente o pedido relativo à atribuição de uma indemnização no valor de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
A requerida/apelante Y - Infraestruturas ..., S.A., insurge-se ainda contra a sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar ao requerente uma indemnização no montante de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais, alegando que era pressuposto da sua procedência a gravidade do dano, aferida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, sendo que o incómodo considerado provado pela sentença não justifica uma indemnização por danos não patrimoniais, contrariando jurisprudência e doutrina pacífica nesta matéria.

A sentença recorrida apreciou o pedido relativo à atribuição de uma indemnização no valor de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais, formulado pelo requerente, tendo considerado preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, com os seguintes fundamentos:
«(…)
No caso dos autos há que considerar que o autor se sentiu incomodado com a ocupação das parcelas de terreno de que era proprietário. Esse desgosto merece a tutela do direito pelos seguintes motivos: o autor não pôde reaver as parcelas, pois as mesmas fazer agora parte da autoestrada; o autor não foi corretamente expropriado; o processo iniciou-se em 2008 e a ocupação ocorreu em 2003. Estamos perante um processo/procedimento que se arrasta há 20 anos, motivo pelo qual considero que os danos não patrimoniais sofridos pelo autor merecem ser tutelados juridicamente.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, entendo que o autor deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos.
O valor peticionado é até escasso face aos danos que sofreu.
Assim, deverá a ré pagar ao autor a quantia de mil euros a título de danos não patrimoniais».

No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, o artigo 496.º, n.º 1, do CC prevê que na fixação da indemnização se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Trata-se de indemnização que visa compensar o lesado pela dor ou sofrimento, de ordem física ou psicológica, ou outras consequências de natureza não patrimonial, através do recebimento de uma quantia pecuniária que possa mitigar os efeitos do ato lesivo.
Deste modo, «ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente» (15).
Nas palavras de Mário Júlio de Almeida Costa (16), «distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão. Observe-se que o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies».
Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (17), «o Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos», cabendo assim ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. A este propósito os autores antes citados enunciam ainda algumas situações possivelmente relevantes, como a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira, sublinhando ainda a propósito, que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, citando para o efeito vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Neste enquadramento, «a gravidade do dano afere-se, no entendimento da jurisprudência e da doutrina, segundo critérios objetivos - de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num certo momento histórico, e tendo em conta o circunstancialismo do caso - e não de harmonia com perceções subjetivas ou de uma particular sensibilidade do lesado (…). O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade. (…) Apelando aos critérios supra referidos, a jurisprudência tem considerado que os meros incómodos ou as simples contrariedades não são indemnizáveis (…)» (18).
Densificando os critérios legais aplicáveis, em termos que entendemos de sufragar, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2022 (19): «um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação».
Para tanto impõe-se que, para além da verificação dos demais requisitos da obrigação de indemnizar, se demonstre que os danos são objetivamente graves (20).
Perante este enquadramento consideramos que os factos dados como provados não são suficientes para permitir reconhecer a existência de danos diretos, de cariz não patrimonial, com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.
Assim, julgamos que do conjunto da matéria de facto provada, em especial da análise do facto vertido em 15.º, dos factos dados como provados, não resulta evidenciado que a conduta da requerida tenha produzido quaisquer consequências de relevo na integridade física e/ou psicológica do requerente, sendo evidente que o quadro factual antes enunciado apenas permite consubstanciar a produção de incómodos ou contrariedades cuja gravidade e respetivas consequências restaram indemonstradas, pelo que tais incómodos não são suscetíveis de ressarcimento autónomo.
Termos em que o pedido de atribuição de uma indemnização no valor de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais, formulada pelo requerente, terá que improceder, com a consequente revogação da sentença recorrida nesta parte.
Por conseguinte, procedem parcialmente, nesta parte, as correspondentes conclusões da requerida/apelante.
Procede, assim, ainda que parcialmente, a apelação apresentada pela requerida/apelante Y - Infraestruturas ..., S.A.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação apresentada pela requerida Y - Infraestruturas ..., S.A. foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso apresentado pela requerida (bem como da ação), sendo a cargo do requerente as custas da apelação apresentada por este.

Síntese conclusiva:

I - A determinação da indemnização a atribuir ao requerente, enquanto proprietário das parcelas ocupadas pela requerida ao abrigo de uma declaração de utilidade pública expropriativa entretanto declarada nula, o que impediu a adjudicação do direito de propriedade à entidade expropriante em sede de processo de expropriação, deve obedecer às regras gerais que decorrem do regime geral da responsabilidade civil extracontratual, não estando vinculada às regras de indemnização da expropriação, designadamente quando as regras previstas no Código das Expropriações contendam com as normas gerais da responsabilidade civil extracontratual.
II - A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais está dependente da avaliação da respetiva gravidade segundo um padrão objetivo.
III - Não são indemnizáveis os aborrecimentos, incómodos ou contrariedades cuja gravidade e consequências sobre a integridade física e/ou psicológica do autor restaram indemonstradas.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso deduzido pelo requerente e parcialmente procedente a apelação apresentada pela requerida, em consequência do que revogam a sentença recorrida na parte em que atribuiu ao requerente uma indemnização no valor de 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais, da qual se absolve a requerida, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
Custas da apelação interposta pelo requerente, pelo apelante.
As custas do recurso interposto pela requerida serão suportadas por esta e pelo requerente, na proporção dos decaimentos.
Guimarães, 27 de outubro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



1. Cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º Vol., 2.ª edição, Coimbra editora, pgs. 336-337.
2. Cf. Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação Por Utilidade Pública, Separata do volume XXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, Coimbra, pgs. 201-202.
3. Obra citada, pgs. 200 e 201.
4. Acórdão do STJ de 07-11-2019 (Relator: Abrantes Geraldes), p. 2239/10.1TBOAZ.P1. S2, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cf. Fernando Alves Correia - Obra citada -, p. 175.
6. Cf. Ana Prata, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 627-628
7. Cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 591
8. Cf., Mário Júlio de Almeida Costa - Obra citada -, p. 605
9. Obra citada, p. 727.
10. Cf., por todos, Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 567.
11. Cf., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pgs. 583-584.
12. Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão, p. 355.
13. Ac. TRG de 11-03-2021 (relator: Joaquim Boavida), p. 25874/18.5T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
14. Obra citada, pgs. 128-129.
15. Cf. o Ac. do STJ de 13-07-2017 (relator: Manuel Tomé Soares Gomes), p. n.º 3214/11.4TBVIS.C1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
16. Obra citada, p. 592.
17. Obra citada, p. 499.
18. Cf. Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 359.
19. Relator Miguel Baldaia de Morais, p. 8064/18.4T8SNT.P2, disponível em www.dgsi.pt.
20. Cf. ac. TRE de 04-11-2004 (relator: Bernardo Domingos), p. 1873/04-22, disponível em www.dgsi.pt.